Ai, palavras, ai, palavras,
que estranbxktiradentes800ha potência a vossa! (…)

A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil, frágil como o vidro
e mais que o aço poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…

 

Cecília Meireles –
Romanceiro da Incofidência.

 

“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (João 1:1)”. Assim começa o Evangelho de João, dando-nos uma correlação interessante de Deus com a Palavra, no caso o Verbo. Uma análise superficial já nos leva a considerar que sendo Deus o Verbo ele é a Ação, ou melhor, o princípio da Ação. Podemos também colocando o Verbo como palavra dizer que Deus é a Palavra. Com essa pequena e simplória análise podemos tirar uma conclusão interessante de que se Deus é a Ação e a Palavra essas duas características nos foram herdadas, afinal somos feitos à sua imagem e semelhança, portanto sendo Ele a essência da perfeição devemos através da Ação e da Palavra tentarmos nos aproximar D’ele.

 

Vivemos, todavia em um planeta de provas e expiações, ou de maneira mais simples, em um mundo onde somos submetidos às provas para que possamos iluminar nosso espírito deixando-o menos denso, sabendo, entretanto que não é ainda nesse plano que vamos atingir a total libertação, todavia podemos dar os passos em direção a ela.

 

Voltemos ao tema. Sendo a Palavra e a Ação as personificações de Deus devemos cativá-las e trabalharmos arduamente na sua compreensão. O primeiro passo seja talvez entendermos que ambas são dissociáveis em si, ou seja, a toda Ação precede uma Palavra ou da Palavra precede uma Ação. Não atentemo-nos somente na esfera material densa, porque isso se aplica também as esferas mentais e espirituais, i.e., ao proferirmos quaisquer palavras existe antes a Ação do pensamento, seja ele criado pela mente ou pela intuição. Dizem que a Palavra tem poder e isso se apresenta como verdade se considerarmos o que vimos até aqui, afinal Ele é o poder e Ele é a Palavra.

 

Retornando à Bíblia, ou à tradição da Igreja Católica Apostólica Romana, outra passagem nos mostra a importância da Palavra e, como observamos até o momento, a sua personificação do divino. No evangelho de João ele nos dá essa pista, quando nos cita:  “Tu tens a Palavra da vida eterna” (João, 6:68). Nesse ponto a história muda um pouco de rumo, mas sem perder o norte. Se olharmos com calma veremos aqui que a Palavra leva, ou já contem em si a Vida Eterna, mas o que é a vida eterna senão a vida em Deus? Ou seja, mais uma vez a Palavra é Deus e Deus a Palavra.  Citemos aqui o texto psicografado por Chico Xavier (do Espírito Emmanuel) que nos mostra de maneira explicita o que João quis nos dizer:

 

“Rodeiam-te as palavras, em todas as fases da luta e em todos os ângulos do caminho.

Frases respeitáveis que se referem aos teus deveres.

Verbo amigo trazido ode dedicações que te reanimam e consolam.

Opiniões acerca de assuntos que não te dizem respeito.

Sugestão de variadas origens.

Preleções valiosas.

Discursos vazios que os teus ouvidos lançam ao vento.

Palavras faladas… Palavras escritas.

Dentre as expressões verbalistas articuladas ou silenciosas, junto das quais a ta mente se desenvolve, encontrarás, porém, as palavras da vida eterna.

Guarda teu coração à escuta.

Nascem do Amor insondável do Cristo, como a água pura do seio imenso da Terra.

Muitas vezes te manténs despercebido e não lhes assinalavas o aviso, o cântico, a lição e a beleza.

Vigia no mundo, isolado de ti mesmo, para que não lhes percas o sabor e a claridade.

Exortam-te a considerar a grandeza de Deus e a viver de conformidade com Suas Leis.

Referem-se ao Planeta como sendo a nossa família.

Revelam no Amor o laço que nos une a todos.

Indicam no trabalho o nosso roteiro de evolução e aperfeiçoamento.

Descerram os horizontes divinos da vida e ensinam-nos a levantar os olhos para o mais alto e para o mais além.

‘Palavras, Palavras… Palavras’

palavrasEsquece aquelas que te incitam à inutilidade, aproveita te mostram as obrigações justas e te ensinam a engrandecer a existência, mas não olvides as frases que te acordam para a luz e para o bem; elas podem penetrar o nosso coração, através de um amigo, de uma carta, de uma página ou de um livro, mas, no fundo, procedem sempre de Jesus, o Divino Amigo das Criaturas.

Retém contigo as palavras da vida eterna, porque são as santificadoras do espírito, na experiência de cada dias, e sobretudo, o nosso seguro apoio mental nas horas difíceis das grandes renovações”

 

Vejamos outros pontos de vista desta questão, não só o Cristão, afinal de contas muitas outras culturas já exploram o tema e devemos ter ciência delas para um entendimento mais completo e com isso uma reflexão mais profunda.

 

No livro Os Quatro Compromissos, o autor nos mostra uma visão da cultura Tolteca, um povo que viveu no sul do México antes da dominação Asteca, sendo conhecidos como “Homens e Mulheres da Sabedoria”, por se tratarem de uma sociedade de cientistas e artistas voltados para a exploração e conservação da sabedoria espiritual e suas práticas. Esses conhecimentos nos chegaram através da tradição oral sendo seu representante Don Miguel Ruiz. Neste livro um dos ensinamentos pode nos ser útil no entendimento da questão da palavra, ele faz parte do Primeiro Compromisso que é: Seja impecável com a Palavra. Transcrevo-o aqui em resumo:

 

“A palavra é força; é o poder que você possui de expressar-se e comunicar-se, de pensar, e, portanto, de criar os eventos em sua vida. (…)

(…) Percebendo o enorme poder da palavra, precisamos compreender que tipo de poder sai de nossas bocas. Um temor ou dúvida em nossas mentes pode gerar um drama infinito de eventos. A palavra é como um encantamento, e os seres humanos usam a palavra como feiticeiros, colocando impensadamente encantamentos uns nos outros(…)

Ao captar nossa atenção, a palavra pode entrar em nossa mente alterar todo um conceito para melhor ou para pior(…)

Ser impecável com a própria palavra é o emprego correto de sua energia; significa usar sua magia na direção da verdade e do amor por você. Se você fizer um compromisso com você mesmo de ser impecável com sua palavra, com apenas essa intenção a verdade era se manifestar por seu intermédio e limpar todo o veneno emocional que existe em seu interior. (…)

Ser  impecável   com   a   própria   palavra.  Este  é  o primeiro compromisso que você deve fazer se quiser ser livre, se quiser ser   feliz,   se quiser   transcender  o nível  de existência que  é  o inferno. Use a palavra para espalhar o amor. Use magia branca, começando   com   você   mesmo.   Diga   a   si   próprio   quão maravilhoso  você  é,  como  é  grande.  Diga  a  si  mesmo   como gosta de você.  Use a palavra para quebrar todos os pequenos compromissos que o fazem sofrer.”

 

Para os Hirofantes egípcios, falar não é somente pronunciar idéias que sejam transmitidas. Verbalizar é irradiar toda energia que temos potencializada em nosso interior. O médico que consola um enfermo, o político que derrama esperanças ao povo, o mago que invoca poderes secretos da Natureza Superior… Isso só ocorre por meio do Verbo concentrado e direcionado para um fim positivo, e que mais cedo ou mais tarde gera reações naquele que o direcionou.  No reino físico, a atuação mais importante é o nosso Verbo, o som que sai de nossa boca, modulada pelas cordas vocais e potencializados pelas nossas energias vitais, elétricas. Para sermos bem sucedidos em qualquer coisa na vida, quando queremos concretizar algo em nossa vida, primeiro pensamos nisso, depois o sentimos como necessário e, finalmente, lançamos esse Verbo, esta Palavra no Universo, para que a Energia Mental Cósmica a plasme no mundo físico. Em resumo: O Homem fala como age, age como pensa e pensa como sente (Jorge Adoum).

 

A correlação entre o Divino e a Palavra, como meio de iluminação e ascensão é muito difundida não só no mundo ocidental, como, principalmente, no mundo oriental. Vemos constantemente no Budismo e em outras religiões orientais o uso de mantras. Os mantras (do sânscrito Man mente e Tra alavanca) são chaves mestras da Mente Cósmica que podemos usar com diferentes finalidades, ou na sua prática, uma série de sílabas místicas que invocam a energia de um ser superior. Abaixo sumarizo algumas visões sobre os mantras:

 

Em alguns sistemas hindus, diz-se que os mantras são sons primordiais que possuem poder em e por si mesmos. No tantra buddhista tibetano, os mantras não têm tal poder inerente — a menos que sejam recitados por alguém com uma mente focalizada, eles são apenas sons. Porém, para as pessoas com uma atitude adequada, os mantras podem ser poderosas ferramentas que ajudam no processo de transformação. (John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism)

 

palavras1Já que [as sílabas dos mantras] são os símbolos ou marcas do Dharma, elas são definidas como o selo de todos os buddhas. Já que a divindade e o mantra não são diferentes, elas são definidas com divindades por todos os yogis. Já que estas marcas têm a habilidade de abençoar o fluxo mental dos seres sencientes, elas são definidas com buddhas. Já que as bênçãos dos tathagatas estão misturadas com os fenômenos do amadurecimento kármico, elas são definidas como aparência. Já que a sabedoria dos buddhas abençoou as sílabas, elas são definidas como indivisíveis. (Jamgön Kongtrül Lodrö Thaye, The Light of Wisdom)

 

Um mantra não é nem uma “palavra mágica” nem um “encantamento”. É um instrumento da representação e concentração mentais e por isso um recurso do poder mental (mas não de forças sobrenaturais). A raizman significa “pensar”, enquanto o sufixo tra exprime um instrumento, um recurso de acionamento. O efeito do mantra não depende, por conseguinte, de sua entonação — este é outro mal-entendido amplamente divulgado —, mas sim da atitude mental, das associações conscientes e inconscientes que são criadas através da intuição e dos exercícios a ela ligados. (Lama Anagarika Govinda, Reflexões Budistas)

 

A relação entre a fala, a respiração e o mantra pode ser melhor demonstrada através do método pelo qual o mantra funciona. […] Através da pronunciação repetida, pode-se obter controle sobre uma determinada forma de energia. A energia do indivíduo está fortemente ligada à energia externa, e uma pode influenciar a outra. […] É possível influenciar a energia externa, efetuando os assim chamados “milagres”. Tal atividade é realmente o resultado de se ter controle sobre a própria energia, através do qual se obtém a capacidade de comando sobre fenômenos externos. (Chögyal Namkhai Norbu, Dzogchen)”

 

De acordo com os Upasnishads (antigas escrituras da Índia), a morada original do Mantra era ParmaAkasha, ou éter primordial, o substrato imutável do Universo de onde, através do primeiro som, Vach, o próprio Universo foi criado. Vemos uma descrição semelhante no Evangelho de São João: “No princípio era o Verbo…”. os Mantras existiam nesse éter e eram diretamente notados pelos rishis que os traduziam em padrões audíveis de palavras, ritmo e melodia.  Também os Vedas (outras escrituras antigas e sagradas da Índia divididas em 04 textos – Rig, Sama, Atarva e Yajur que datam entre 6.000 e 2000 a.C.) possuem diversos Mantras antigos. A palavra Vedas deriva da raiz “vid“, que significa compreensão ou sabedoria.

 

É interessante notar que a Palavra e o Divino são intimamente ligados em culturas com milênios de distância em relação ao cristianismo, de onde tiramos a primeira premissa dessa reflexão. Mas como colocamos aqui em relação aos mantras a questão da Ação? A resposta se faz de maneira simples e lógica, uma vez que a Palavra eleva ao Supremo este que opera uma mudança no discípulo e por conseqüência dessa mudança a Ação se transforma. Entretanto podemos pensar da maneira contrária, a Ação (que precede a mudança) faz com que se eleve a Palavra. As duas vias são verdadeiras e não opostas, afinal, ambas levam ao caminho da evolução ou da reforma íntima.

 

borboletadepalavrasPensando na Palavra na visão humana a mente controla a boca; entretanto, muitas vezes a boca parece ter a capacidade de falar por conta própria, sem reflexão prévia ou consideração quanto às suas conseqüências. Isso acontece porque a linguagem nos é muito íntima, é uma parte tão importante da mente que parece se animar automaticamente, sem o nosso consentimento. Por isso o Divino mestre Buda sempre exortava seus discípulos a cuidar do que dizem. É extremamente difícil consertar o que se falou.

Segundo um antigo texto budista:

“À Luz da Verdade, contemple a desordem e a agitação deste mundo.

Observe que elas resultam de discussões sobre assuntos insignificantes.

A calamidade emana da boca, gerando mil pecados e uma miríade de transgressões que nos aguilhoam firmemente a esse mundo.” 

Todos os grandes mestres (Jesus, Buda, Maomé, etc.) nos ensinaram durante suas pregações as quatro transgressões da boca, que são:

A Mentira;

A Duplicidade;

As Palavras ásperas; e

As Palavras vãs.

 

A Mentira é extremamente repreensível porque se trata de uma arma que corrobora para a criação e fortalecimento da ilusão. Se todos os ensinamentos visam a fazer despertar a consciência, seja física ou mental, então, a mentira é contrária aos preceitos sagrados. Quando se mente há um dano nos canais de energias, ou seja, quando se mente se perde uma grande quantidade de energia mental e emocional, que nos são essenciais ao crescimento espiritual.

 

A Duplicidade é dizer algo a uma pessoa e outra coisa a uma segunda pessoa. Com a duplicidade enganamos e, portanto, prejudicamos emocionalmente o outro. As energias de adulação e do embuste geram deformações nas energias espirituais daquelas que as proferem. Quem sorri e elogia, e pelas costas, pensa e fala o contrário, incorre em erro grave para com a sua consciência. Diz um pequeno texto chinês: “Aqueles que são fingidos, que brigam com os outros ou que causam a discórdia entre as pessoas são rasgados ao meio quando caírem no inferno.” Entenda-se inferno aqui como energias de baixas vibrações.

 

As Palavras Ásperas nascem  não somente das palavras vulgares e de termos baixos, mas principalmente aquelas que magoam alguém, quer nos seja querido ou não. Por vezes, as palavras ásperas assumem sutilezas de escárnio. Se tornarmos vigilantes de nós mesmos perceberemos claramente quando nossas palavras têm a intenção de ferir e causar sofrimento a outrem e assim podermos evitá-las. Para refletir: “As pessoas nascem com um machado dentro da boca e com ele se cortam ao proferir palavras ásperas O resultado desse comportamento volta-se contra eles e, assim, lhes é impossível conhecer a felicidade”.

 

Faltam as Palavras Vãs. Mas que são elas? Podem ser palavras mentirosas, palavras verdadeiras ditas no momento inoportuno, que tragam sofrimento, que sejam ditas de maneira insensata, enfim, palavras ditas sem necessidade e que nada acrescentam de bom e útil a aquele que as profere e a aqueles a quem são dirigidas.

 

Para finalizar resumamos tudo em poucas linhas. A Palavra é a essência do Divino e sua manifestação, com ela podemos nos aproximar dele ou decair na caminhada, criar e destruir, curar e ferir. Cabe a cada um de nós fazer o uso ideal dela. Lembremo-nos que não só as palavras ditas em tom de oração (sejam preces ou mantras) nos unem com a Força Mental Cósmica, mas sim, e principalmente, aquelas ditas no dia a dia, nos diálogos informais. Portanto vigiemo-nos e tentemos ser impecáveis com as palavras.

filipeta