Um dos mais misteriosos e belos conceitos é o que recebeu o nome de Zeitgeist, ou “espírito do tempo”. Parece que de tempos a tempos certas condições estão amadurecidas, prontas para liberar certas energias criativas, e estas se tomam universais. Às questões “De onde”, “De quem ou do que emanam essas energias?” um espiritualista responderia: “Da Mente Divina, ou Cósmico”. Em muitos exemplos, a reação a esta onda de energia divina é inteiramente subjetiva e se reflete não apenas na mais alta forma de criatividade artística, mas, também nos níveis mais materiais.
Tomemos por exemplo o Zeitgeist do século dezoito, quando Mozart compôs algumas das mais belas músicas que o ser humano já ouviu. As artes irmãs da pintura, escultura, arquitetura e literatura também refletiam ideias similares. A profundidade de pensamento e de inspiração se expressava através de consumada habilidade técnica, perfeição da forma, sobriedade, nitidez de textura e desenho. Este estilo tomou-se conhecido como neoclássico, devido a sua afinidade com a antiga arte greco-romana. Refletiu-se também nos níveis materiais das coisas do cotidiano, como a mobília, as vestes, os jardins, etc. A Ideia Divina, o Zeitgeist, como sempre, constituiu-se em algo irresistível, e difundiu-se por todos os reinos de pensamento e criatividade.
Outro exemplo é o chamado Período Romântico. A ênfase, então, era colocada na liberdade da forma, da cor, na expressão de emoções intensas e na harmonização com a natureza.
Parece que o Zeitgeist tem uma miríade de facetas e, quando um conjunto de idéias foi posto em prática, segue-se uma reação que automaticamente revela outras idéias que, por sua vez, inspiram a humanidade a uma renovada atividade criadora.
Quando Claude Debussy, que era um místico, estava no auge de seu poder criativo, na virada do século dezenove, sucedeu-se nova liberação de pensamento divinamente inspirado. Na pintura, isto se demonstrou pela preocupação com a luz e aguda consciência dos poderes dos sentidos, isto é, pela sensibilidade ao invés da sensualidade. Esse movimento, conhecido como Impressionismo, inspirou algumas das mais belas obras de arte jamais produzidas.
Debussy, estudante e expoente da filosofia Rosacruz, estava singularmente equipado para expressar essa inspiração através de seu gênio musical. Desde a infância ele demonstrara incomum sensibilidade. Conta-se que certa vez quando criança ele preferiu economizar seu dinheirinho para comprar um delicioso confeito ao invés de um pacotinho de biscoitos como faziam as outras crianças.
Os prelúdios para piano, e outras obras, em muito pouco tempo tomaram-se clássicos, e vieram a influenciar grandemente outros compositores a partir de sua morte em 1918. Uma forma de verificar a grandeza de qualquer artista criativo está em descobrirmos o que era singular em sua obra. O modo em que Debussy empregou a sonoridade do piano (conjuntos de harmonia dissonantes em ambas as extremidades do teclado) tornou-se tão familiar que dificilmente nos lembramos que foi ele que criou e explorou esta técnica.
Sua maravilhosa evocação de uma fantasmagórica paisagem marinha, baseada na lenda de Breton (The Engulfed Cathedral)
sobre uma catedral submersa, e a famosa Reflets dans Veau (Reflexos na Água) são exemplos disto. O prelúdio Feux d’artifice (Fogos de Artifício) poderia muito bem servir de tema para um pintor impressionista. A cena retratada é a das celebrações da noite de 14 de julho, Dia Nacional da França. 0 céu está repleto de chuvas brilhantes de foguetes, e a incandescente luz de fogos rodopiantes. Com um toque de mestre, Debussy acrescenta um débil eco de La Marseillaise, enquanto o ouvinte se deixa absorver na multidão excitada, fascinada pela apresentação.
Debussy era fascinado pela arte oriental, e afirma-se que outra de suas famosas composições para piano, Poissons d’or (Peixes de Ouro), teria sido inspirada num bordado chinês. (Seria talvez a recordação de uma encarnação passada?)
Há muitas evocações sutis na música de Debussy, não apenas de óbvias imagens visuais. Os outros sentidos estão também representados em sua música, como a forte fragrância de uma tarde de verão em Les sons et les parfums tournent dans fair du soir, e a sensação de frio em Des pas sur la neige (“Caminhada na Neve”), ou de calor em Voiles.
A autora deste artigo conduziu experimentos para investigar os diversos efeitos destas peças nos ouvintes e as imagens mentais produzidas. É interessante notar que Debussy colocou os títulos de cada um de seus 24 prelúdios no final, presumivelmente com a intenção de que o ouvinte se sentisse livre para formar suas próprias impressões, sem ter que aceitar necessariamente as dele. Na maioria dos casos, ouvintes sensíveis realmente pensaram em temas muito próximos das idéias de Debussy.
A primorosa e sutil música de Debussy eleva o ouvinte a um plano de existência que transcende mas, também, que inter penetra o mundo material. Um estudo da obra deste compositor revela que ele usou o conhecimento Rosacruz de um modo singular. Aqueles que têm “ouvidos para ouvir” e o benefício de ensinamentos místicos descobrem que através da música de Debussy sua harmonização é acentuada e sua consciência aprofundada.
por Jean Snow, F.R.C.
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