.
A singular escola espiritual que chegou ao Ocidente há cerca de um século, através de Georges lvanovitch Gurdjieff, só pode ser compreendida quando se leva em conta o incurável dualismo que permeia a história da cultura ocidental: de um lado o instinto emocional, do outro lado o intelecto. Nas nossas ações, devemos ser guiados pelo “bom senso” ou pelas emoções?
A própria história pode ser classificada em épocas principalmente emocionais ou intelectuais. E podemos também ver este dualismo como uma dúvida entre as eternas perguntas do “por quê” e do “como”.
Após o longo ciclo histórico da Idade Média, quando predominava a pergunta “por quê?” e o grande desenvolvimento e supremacia da religião, aconteceu a grande revolução representada pela Renascença. O intelecto emergiu dos subterrâneos da emoção, olhou ao redor, e prontamente resolveu a questão do “como”. Como deve ser nossa vida? Fácil, agradável, saudável, segura e próspera. A grande aventura da descoberta e conquista do mundo desconhecido começou então, e ocupou a atenção do intelecto durante séculos.
O intelecto dominou as emoções, aceitando apenas as que serviam a seus fins, como a fé no progresso, a fé na razão pura, a fé na superioridade de certa nação, certa raça, certa crença. Todo este processo de transformação foi sentido como uma libertação. Mas não o era: depois de ser escravo da emoção, o homem tornou se escravo da razão. E o resultado é a nossa civilização contemporânea, onde cada novo passo do progresso torna o mundo mais inóspito, e a vida mais vazia.
Em meio a toda nossa abundância de bens de consumo, somos infelizes, e sentimos que para provar um pouco de felicidade devemos novamente propor a questão do “por quê”.
Já no final do século passado, espíritos mais iluminados perceberam que a então nascente civilização tecnológica caminharia inexoravelmente para um beco sem saída. Já se faziam sentir os primeiros sintomas do vazio, hoje imperante. E tentou se preencher tal vazio com uma série de correntes espirituais que retomaram a busca em direção ao “por quê”: espiritismo, teosofia, rosacruzes e o sufismo, apenas para citar algumas.
Devemos considerar que a absorção pelo Ocidente das religiões orientais constitui uma reação ao domínio unilateral do intelecto, o qual, por sua vez, iniciara o seu caminho com uma reação à tirania das emoções.
Mas nós somos ocidentais, ativos e curiosos, que aprendemos a usar o intelecto, mesmo se somos infelizes. Pode ser que o uso do intelecto possa causar danos, mas isto não significa que o intelecto, em si mesmo, seja danoso. Sentimos que as emoções podem trazer algumas vantagens; mas combatemos as emoções descontroladas por temor de que elas nos conduzam fora do caminho. Por isso é que olhamos com suspeita para as correntes dogmáticas baseadas na emoção. Em outras palavras, não conseguimos superar nosso dualismo interior. Essas novas doutrinas de inspiração oriental, mesmo não sendo anti-intelectuais, têm como ponto de partida a emoção. E o que já é danoso muitas delas nos são apresentadas de uma maneira hiperemocional. Falam sempre sobre grandezas não demonstráveis, como “vibrações mais finas”, “iniciados”, escrevendo tudo isso em letras maiúsculas. Tudo isso exerce atração e fascínio negativo em pessoas inseguras e emotivas, tipos que começam a derramar lágrimas quando alguém aponta para o céu e profere palavras solenes.
Passado o entusiasmo inicial, manifesta se geralmente no homem ocidental uma dupla aversão às correntes esotéricas: a primeira, contra a sua apresentação hiper-emocional, e a segunda, contra a sua atitude não ativa de vida.
Podemos dizer que tal conflito apresentou se pela primeira vez nos anos de desilusão que vieram logo após a Primeira Guerra Mundial, quando constatou se a falência da confiança depositada no progresso promovido pelo intelecto, e a frustração das esperanças acesas no plano emocional.
Quem lançou as bases de “O Trabalho” foi Georges Ivanovich Gurdjieff, um homem dotado de personalidade bizarra, nascido provavelmente em 1866, na Geórgia, Cáucaso. Sua família era de origem grega e armênia, e parece que Joseph Stálin foi seu companheiro no seminário de Alexandropol. Mas sabe se pouquíssimo sobre a primeira parte de sua vida.
Aos 24 anos iniciou uma pesquisa na Ásia, onde praticamente permaneceu desaparecido por 25 anos. Sua vida recorda a de Helena Blavatsky, iniciadora da teosofia, que também permaneceu quase um quarto de século no Oriente para concluir estudos e pesquisas.
Em 1915, já com quase 50 anos, ele se estabeleceu em Moscou. Era um homem de corpo sólido, cabeça grande, grandes bigodes e crânio calvo. Era dotado de uma personalidade magnética, e alguns o consideravam um desagradável hipnotizador, enquanto outros foram completamente vencidos pela sua fora de atração.
O objetivo eras estimular o espirito de indagação dos alunos, submetendo os a uma severa disciplina baseada em movimentos carregados de simbolismo.
A revolução fez com que Gurdjieff e seu grupo abandonassem Moscou, obrigando os a se refugiarem no sul do pais e, logo em seguida, na Turquia.
Em 1922 encontramos Gurdjieff na Franca, vivendo no palácio do Prieuré, em Fontainebleau Avon. Ele teve, ali, a oportunidade de aplicar de forma prática os conhecimentos absorvidos e amadurecidos durante suas longas viagens dos anos precedentes. Alguns dos mais importantes intelectuais e artistas da época foram atraídos pelo trabalho, permanecendo variados períodos no palácio de Prieuré. Entre esses estava a escritora Katherine Mansfield, que ali morreu de tuberculose.
Katherine Mansfield |
Um homem que se comporta de maneira servil com seu patrão sente se com um eu diferente daquele que demonstra quando discute com a esposa, de quando se diverte com os amigos, lê um livro difícil ou assiste a uma partida de futebol. Para cada situação o homem tem um pedaço de personalidade, uma outra expressão do rosto e até uma outra voz, sem fa¬lar nos outros tipos de pensamentos e de sentimentos. A única coisa que liga todos esses eus diferentes é o fato de que estão dentro da mesma pele. Mas qual é o eu verdadeiro?
O observador objetivo vê isso claramente na confusão continua entre mente e coração: impulsos emocionais são transformados em palavras, as palavras são racionalizadas e depois apresentadas como considerações mentais, enquanto os processos mentais são coloridos e distorcidos pelas emoções. O chamado “centro instintivo” participa ativamente da confusão, porque ele é o camaleão que imita e se adapta ao meio, registrando como pensamentos e emoções próprias o que aquele ambiente espera dele. Enquanto o “euzinho” (o eu que ocupa o palco naquele momento) esta convencido de que é o único e verdadeiro eu, com emoções e pensamentos verdadeiros.
Quando diversos centros são obrigados a funcionar em harmonia, existe a possibilidade de que diversos eus se fundam, dando inicio a um processo de formação de um homem verdadeiro, cada vez mais consciente e senhor dos próprios atos, das próprias emoções, pensamentos e vida sexual.
Um dos objetivos desta técnica é despertar novamente no aluno a capacidade de observação e memorização que todos nós temos quando crianças. Sabe se que, na infância, quase todas as experiências têm o choque do novo; tudo é intensamente sentido, e nunca mais esquecido.
Os tipos humanos mais freqüentes, segundo essa escola, são três: o Homem N° 1, um tipo predominantemente físico e instintivo; o Homem N° 2, principalmente emocional; o Homem N° 3, polarizado mais no intelecto. Nenhum destes tipos é melhor que os outros: todos são máquinas especializadas, e para todos os três existe um caminho levando ao Homem N° 4, o indivíduo integrado, que conseguiu reunir e harmonizar em si mesmo todos os três aspectos.
do espetáculo ‘The Magicians” |
A “Escola do Trabalho” é uma escola dura, e seus professores, quando autênticos, não fazem nada para aliviá la. Quem precisa de ajuda psiquiátrica não se satisfará ingressando nela. Deve procurar um psiquiatra. Quem espera consolo ou palavras animadoras se decepcionará.
Louis Pauwels, que durante alguns anos pertenceu a um grupo orientado por discípulos de Gurdjieff comprometendo, segundo diz, a própria saúde, queixa se, em seu livro ‘Senhor Gurdjieff’, da “absoluta falta de amor e total desprezo pela vida imperante na Escola do Trabalho.
O certo é que mesmo Pauwels admite o fato de que ninguém que tenha conhecido ou participado de “O Trabalho” saiu dele no mesmo estado em que entrou, e que aqueles que desistiram também se enriqueceram com a experiência.
www.cidadedasestrelas.com.br