O progresso tecnológico trouxe para a Humanidade uma série de benefícios, isso é indiscutível.
Por um lado isso é bom, mas por outro, deixa as pessoas menos sensíveis, menos humanas, mais indiferentes.
As Instituições seguiram pelo mesmo caminho e foram se tornando frias, embora eficientes.
Mas esse problema não passou despercebido aos olhos do jovem psicólogo inglês, Tom Crabtree.
Ele estava sempre disposto a entender quando as pessoas precisavam dele para dividir suas dores. E compreendia também que nem sempre falar é a melhor solução.
Conta ele que, logo que iniciou sua carreira profissional, numa clínica de orientação para crianças, no Noroeste da Inglaterra, certo adolescente chegou para vê-lo.
Ele foi até à recepção e percebeu o rapaz que andava de um lado para o outro, agitado e assustado.
Levou-o até sua sala e lhe indicou a cadeira do outro lado da mesa.
Era fim do outono. A árvore em frente à janela não tinha folhas.
Sente-se, disse ao jovem.
David vestia uma capa preta impermeável, abotoada até o pescoço.
O rosto estava pálido. Torcia as mãos com nervosismo e olhava fixamente para os pés.
Seu pai falecera quando era bebê. Foi criado pela mãe e pelo avô. Mas no ano anterior, quando David tinha 13 anos, o avô faleceu e a mãe morreu num acidente de carro.
Agora, com 14 anos, estava em tratamento.
O diretor da escola o havia encaminhado, com um bilhete: Este garoto encontra-se muito triste e deprimido, o que é bastante compreensível. No entanto, ele se recusa a falar com quem quer que seja. Estou muito preocupado. Você pode ajudar?
O jovem psicólogo olhou para o garoto. Como poderia ajudá-lo? Há tragédias humanas para as quais a psicologia não tem respostas, para as quais não há palavras.
Às vezes, ouvir com toda a atenção e sentimento é o mais apropriado, pensou.
Nas duas primeiras visitas, David não falou. Afundado na cadeira, só levantava os olhos para fixá-los nos desenhos infantis que decoravam a parede.
Quando David saía do consultório, após a segunda sessão, Tom colocou a mão sobre o seu ombro. O garoto parou. Não se retraiu, mas, ainda assim, não olhou para o psicólogo.
Venha na próxima semana, se quiser, disse Tom. Fez uma pausa e acrescentou: Sei que é doloroso.
David veio e Tom sugeriu que jogassem xadrez. O rapaz fez que sim com a cabeça.
Os jogos de xadrez continuaram todas as quartas-feiras à tarde, em silêncio total e sem contato visual da parte do garoto.
Embora não seja fácil trapacear no psicólogo, Tom fazia o possível para que David ganhasse uma ou duas vezes.
O menino chegava cedo, procurava o tabuleiro e as peças na estante. Começava a arrumá-las antes mesmo que Tom sentasse. Parecia estar gostando da ideia. Mas por que nunca me olha? Pensava Tom.
Talvez ele precise simplesmente de alguém com quem dividir a dor. Talvez sinta que respeito a dor dele. Concluiu.
Numa tarde, quando o inverno dava lugar à primavera, David tirou a capa e a colocou nas costas da cadeira.
Enquanto arrumava as peças do jogo de xadrez, seu rosto parecia mais animado, os movimentos mais vivos.
Alguns meses depois, quando flores já recobriam a árvore lá fora, Tom olhava David enquanto ele se inclinava sobre o tabuleiro. Pensava que pouco se sabe sobre terapia, sobre os misteriosos processos de cura.
De repente, o garoto levantou os olhos e disse: Sua vez.
Depois disso, David começou a falar. Fez amigos na escola e entrou para o clube de ciclismo.
Um dia, chegou um cartão postal de David que dizia: Estou passeando de bicicleta com amigos e me divertindo muito.
Tempos depois Tom recebeu uma carta em que David falava que pretendia ir para a Universidade.
Tom ofereceu algo a David, mas certamente aprendeu como o tempo pode tornar possível superar o que parece dolorosamente insuperável.
Aprendeu, ainda, como estar presente quando alguém precisa dele. E que se pode entrar em contato com outro ser humano sem usar palavras. Só é preciso um abraço, um toque gentil, um ouvido atento, um coração solidário.
ALGUÉM PARA OUVIR, DA REVISTA SELEÇÕES
READER’S DIGEST, DE MARÇO DE 1998.