imageNCUA maior parte de nossas idéias sobre transformação baseia-se no que aprendemos. Parte desse aprendizado, quando não sua totalidade, pode ter sido unilateral. Mas, se quisermos uma chance de nos transformar realmente, é preciso começar a ver esse processo de modo claro. Todos têm uma história de transformação; ordenar suas mensagens e examiná-las sob uma nova luz são dois passos importantes para dar início ao processo de transformação.

Na transformação pessoal, quase sempre, as experiências passadas afetam nossa capacidade de ver possibilidades de mudança. Experiências, positivas de transformação constituem uma base em que as novas situações se tornam menos ameaçadoras e, por isso, costumam ser mais gratificantes. Por outro lado, experiências negativas tendem a minimizar as expectativas. Um futuro baseado em um passado negativo pode apenas recriar essas experiências, sob formas diferentes, o que dificulta o desenvolvimento psicológico, quando não o impossibilita. Felizmente, é possível mudar padrões de vida antigos. É essa possibilidade que gera entusiasmo pela transformação e o despertar para uma nova vida.

Muita gente gostaria de reestruturar o passado para criar um futuro melhor, mas o resultado é semelhante ao de reconstruir uma casa sobre os mesmos alicerces defeituosos. Já ouvi muitas vezes: “Se eu pudesse fazer tudo de novo, agora faria certo.” Ou: “Se as coisas pudessem ser como antes, tudo daria certo.”

Mas a transformação nunca se repete. Transformação verdadeira significa aceitar o sentido que a vida tem agora, não o que tinha antes ou o que poderia ter. Como a correnteza de um rio, a transformação é um happening existencial. Quando se vive no passado, nada-se contra a corrente em tudo que se faz. Por outro lado, acompanhar o movimento da transformação torna a vida mais fácil.

Apesar de a transformação consciente trazer muitos benefícios, muitos de nós ficam amedrontados com a ideia de mudar realmente. O primeiro passo para superar o medo é entender por que a transformação o produz.

A receptividade consciente à transformação gera excitação. A excitação (termo derivado do latim ‘excitare’, despertar, agitar) amedronta muitos de nós porque nos desperta e, quando isso acontece, todos os nossos sentimentos, agradáveis e desagradáveis, se tornam mais reais. Quando estamos com medo, a energia se contrai. Essa contração limita ou interrompe o fluxo de energia e é, quase sempre, excitação reprimida. Parte de nossa relutância em nos envolver completamente com a transformação é medo dessa excitação. Em um certo nível, não queremos que a vida seja estimulante. Preferimos a vibração parcial do barulho, do glamour e da novidade; mas a excitação física e emocional estimula-nos em nossa totalidade.

Se tudo está em transformação, sempre em movimento e sempre em processo, e queremos estar em total harmonia com tudo isso, podemos sentir um medo tremendo ao perceber que não há coisa alguma a preservar. Acompanhar totalmente o movimento de transformação significa ter pouco controle sobre muitos processos importantes da vida – ser amado, sentir-se feliz ou estar em paz. A compreensão de que toda transformação é processo leva-nos a questionar a importância de preservar nossa própria identidade. Se tudo está em processo, então quem somos, como ego psicológico, também deve mudar. A idéia ou imagem que temos de nós também deve estar mudando continuamente. Assim, qual é o propósito de preservar ou defender quem nós somos quando esse “eu” continua mudando?

Como não há uma entidade fixa a ser defendida, estar na correnteza da transformação significa eliminar toda e qualquer atitude defensiva, pessoal ou política. Imagine a defesa de uma cidade cujos limites e contornos estejam em transformação contínua. O que defender, e quando? O mesmo se aplica a um ego em transformação. No nível espiritual, faz ainda menos sentido defender um ego que estamos superando constantemente como parte de uma consciência transpessoal. Por que defender a cidadela do ego, já que vamos abandoná-la?
O problema de aceitar a transformação como modo de vida é que todos os pressupostos relativos à nossa pessoa são colocados em questão. Uma de nossas ilusões é a segurança. Quando sentimos medo, não estamos em condições de realmente permitir uma transformação orgânica, pois não temos controle (palavra de origem anglo-francesa: ‘contre’, contra, e ‘roller’, rolar, ir). Por medo da transformação, procuramos manipulá-la para garantir nossa segurança. Se fôssemos realmente tão seguros, por que ficaríamos aterrorizados com a transformação mais insignificante? Por que o fato de conhecer gente nova ou enfrentar desafios profissionais haveria de abalar nosso mundo? Se nossa segurança é tão frágil, em que medida podemos realmente nos sentir seguros?

Certa vez tive uma cliente, Ulla, que continuava sendo uma menininha assustada, em vez de sair para o mundo e assumir a profissional competente que era. Sentava-se longe de mim para não ser tocada física ou emocionalmente. Uma vez pedi-lhe que se sentasse mais longe ainda e cheguei ao ponto de sugerir que colocasse um lençol na cabeça para se proteger melhor! Às vezes ela ficava assim durante minutos. Por fim, tomou consciência de como sua necessidade de proteção se havia transformado em prisão. Perguntei-lhe quão segura se sentiria se eu desse um salto repentino e me aproximasse. Ela respondeu: “Nem um pingo!”

A essa altura, tirou o lençol e chegou mais perto de mim. Havia percebido que o medo de ser tocada era na verdade desejo de ser tocada, mas um desejo negado rapidamente, porque poderia ser bom demais. Para evitar esses sentimentos bons – que poderia perder -, desligava-se completamente deles negando sua necessidade de ser tocada. Por fim, a negação do toque converteu-se no medo do toque, com o consequente distanciamento em relação às outras pessoas. A necessidade de controlar o contato tornou-se um escudo contra seus sentimentos mais profundos.

Para compensar o fato de não ter qualquer controle significativo sobre a transformação, muitas vezes, na tentativa de controlá-la nos níveis cognitivos, tornamo-nos inconscientes, confusos ou divididos, por um lado, ou excessivamente focalizados e lineares, por outro. Esses truques cognitivos impedem o movimento natural da energia, que mostra diretamente como, qual, onde e quando ocorrerá uma transformação significativa para nós. Ao minimizar a intensidade da transformação e desviá-la para níveis mais superficiais, aumentamos a probabilidade de os processos de transformação mais profundos e significativos nos afetarem diretamente sob a forma de enfermidades, acidentes e assim por diante. Uma transformação essencial é como uma âncora no mar mantendo nossa boia de transformação superficial firme em seu lugar. Gostando ou não da bóia, estamos sempre em contato com a transformação essencial. Não há como evitar a transformação essencial. Ou nos abrimos para a comunicação direta com ela, tornando-nos parte da própria corrente de transformação, ou teremos de conviver com os problemas criados por nossa ação indireta.

Ao manipular certos processos em nossa vida, como as emoções, costumamos sentir que tudo está sob nosso controle. Por exemplo, a agressão saudável que é reprimida pode explodir em ataques de raiva, como a garrafa de champanhe mantida tempo demais no congelador. Ao exercer controle sobre a transformação, minimizamos sua espontaneidade, clareza e poder, trocando-os por impulsividade, pensamento rígido e crueldade.

Na vida cotidiana, exercemos um controle sutil sobre a transformação, ao construir um mundo que é apenas um conjunto de “coisas” inertes. O ser amado torna-se objeto, as emoções perdem o significado e nossa autoestima dá significado simbólico à compra de um novo conversível. Cada coisa tem sua categoria e seu preço. Ao viver em um mundo de objetos estáticos, evitamos os desafios de conviver com a transformação dinâmica.

Logo começamos a nos identificar com essas coisas e ficamos com medo de perdê-las. Por quê? Porque se tornaram sinônimo de nós mesmos. Em um sentido verdadeiramente espiritual, ficamos apegados. Depois de certo tempo, passamos a considerar normal essa separação dos ciclos naturais de transformação. O terrível resultado é que começamos a encarar a transformação salutar como um processo estranho. Como temos pouca experiência de transformação salutar e pouquíssimos modelos de saúde no mundo exterior, não questionamos esse mundo voltado para os objetos, construído com tanto cuidado.

As pessoas extremamente controladas tornam-se fisicamente rígidas. Embora muitas vezes sejam bem proporcionadas, seu corpo parece duro e sem flexibilidade. Parecem existir à parte da concha física, que não usufruem por sentirem tão pouco. Seu medo é profundamente arraigado, embora poucas vezes seja percebido no nível consciente. O medo torna-se muito visível quando essas pessoas começam a trabalhar terapeuticamente o corpo em conjunto com a expressão emocional. Essas pessoas têm medo de que qualquer emoção abale sua imagem de solidez.

Recentemente, um homem chamado. Herbert procurou-me para fazer terapia corporal. Eu nunca tinha visto alguém com o corpo tão rígido quanto o dele. Depois de conversarmos um pouco, pedi-lhe para ficar de pé e fechar os olhos. Naquele momento, pelo fato de ser tão incrivelmente rígido, achei espantoso o fato de conseguir realizar qualquer ato que exigisse habilidade física. Ao contrário da maioria das terapias corporais, a Terapia da Energia Vital (TEV), um sistema desenvolvido por mim, funciona rapidamente com pessoas rígidas como Herbert, pois não rompe a armadura emocional de músculos hipertensos. Em vez disso, “tocamos” o corpo como uma corda de violino, mandando ondas luminosas para os músculos tensos. Na verdade, quanto mais duro o corpo, tanto melhor funciona esse processo.

Comecei com um leve contato luminoso, para não assustar Herbert, e depois passei a ajudá-lo a abrir seu fluxo energético. Depois de mais ou menos dez minutos, e
começou a vibrar. As vibrações fizeram a energia circular por seu corpo inteiro e desfizeram gradualmente todas as tensões dos músculos e tecidos. Perguntei-lhe o que estava sentindo. Ele respondeu: “Não sinto nada”. “Não está sentido seu corpo vibrar perguntei espantado. “Não.” Então lhe pede que abrisse os olhos e observasse as próprias pernas. “Meu Deus, minhas pernas estão tremendo!”, disse ele perplexo.

Para quem não tem olho clínico, as pessoas rígidas parecem cidadãos bem-sucedidos, raramente adoecem e muitas vezes dão a impressão de exercer autoridade. Na verdade, essa rigidez é o medo profundo de uma pessoa fracassada que construiu um muro ao redor de um pântano de fraqueza. Cedo ou tarde a fluidez da transformação abala esse muro, fazendo com que eventualmente desmorone. O desmoronamento é resultado do medo de perder o controle sobre a transformação. As pessoas controladas ficam literalmente apavoradas com esse processo. Quando velhos rígidos vão para o hospital fazer qualquer operação séria, sua plena recuperação não é freqüente. Muitos chegam a morrer logo em seguida. Inserir a transformação em um sistema rígido força uma liberação mais profunda. A morte é a liberação física suprema.

Em casos graves de controle, as pessoas rígidas não toleram nem sequer a mais leve transformação, pois qualquer movimento descontrolado destruiria, teoricamente, a estrutura da vida como a conhecem. Não é por acaso que as pessoas rígidas têm doenças cardíacas e outras enfermidades devido ao estresse. Imagine o que significa para um corpo vivo manter a própria força vital permanentemente presa. Depois de certo tempo, o esforço simplesmente se torna demasiado, resultando no colapso total.

No entanto, a ilusão de controlar a transformação deriva da crença na ausência de transformação. Felizmente, a transformação continua existindo, indiferente às tentativas artificiais de nos sentirmos poderosos. Só nos resta decidir se a transformação será salutar – a serviço da totalidade – ou imprópria, a serviço da do(r)-ença. Tudo depende de nossa forma de lidar com ela.

Até mesmo a tentativa de manter o “status quo” leva à transformação imprópria, porque conservação significa bloqueio do movimento e, por isso, é imprópria. Alguns de nós mantêm o “status quo” por medo daquilo que supomos ser desconhecido na transformação. Muitas vezes, esse medo baseia-se em uma ansiedade generalizada, cujas raízes podem remontar a traumas pré-natais, natais ou da primeira infância. Às vezes, é difícil averiguar a causa específica do medo, o que torna difícil o tratamento pela psicoterapia tradicional. Mas, com a Terapia da Energia Vital, não é preciso identificar a causa exata do medo. Ao abrir o sistema energético como um todo e permitir às manifestações somáticas e psicológicas da energia expressarem-se ao mesmo tempo, esse medo generalizado também é liberado, como o entulho levado por uma corrente de água.

Não é a incerteza quanto aos resultados da transformação que nos amedronta, e sim aquilo que sabemos sobre ela. Minha pesquisa indica que, em algum nível básico da consciência, todos sabemos como a transformação vai afetar nossa vida. Gostaríamos de negar esse conhecimento, pois não desejamos suas conseqüências. Gostaríamos de agir inconscientemente, pois conhecer a transformação e sua relação com a totalidade significa que não podemos mais nos sentir confusos ou desamparados diante de nossas dificuldades. Teríamos de encarar o fato de não querermos mudar, uma conclusão nada agradável.

Dizem que a experiência é mestra severa. Mas alguns de nós, devido a condições familiares, financeiras ou de personalidade, nunca aprenderam muito diretamente com a vida. Ficamos de certo modo protegidos do mundo da transformação e revelamos sérias deficiências quando se trata de transformação pessoal. Praticamente nenhuma de nossas experiências sugere o que a transformação pessoal poderia ser e muito menos como se dá uma transformação bem-sucedida. Temos dificuldade de enxergar o crescimento pessoal como parte essencial da existência. É mais fácil continuar fazendo o que parecia funcionar, principalmente quando não estamos com grandes problemas. O que não entendemos é que, não concordando com uma transformação orgânica, alimentamos uma êxtase energética. Quando nos isolamos da mudança, acabamos por nos distanciar da maioria de nossas emoções e o resultado é uma profunda infelicidade. Às vezes, essa dura lição vem sob a forma de um colapso emocional e nervoso, deterioração física ou isolamento existencial – mesmo na terra da promissão.

Outros até tiveram experiências bem positivas de transformação e, ainda assim, limitam suas possibilidades de evolução quando surgem dificuldades. Tendemos a desmoronar quando enfrentamos qualquer tensão. Na verdade, muitas vezes criamos ou atraímos essa tensão exatamente para podermos entrar em colapso e nos queixar das dificuldades da vida. Preferimos ater-nos à nossa falsa segurança, a nossos hábitos confortáveis e a pequenas transformações para evitar que ocorra uma transformação mais profunda.

Boa parte de nosso medo da transformação e eventual colapso manifesta-se em pouca energia e cansaço generalizado.

{O cansaço também pode ser decorrente de causas médicas, como deficiência de proteínas, pressão sanguínea baixa, etc.; mas todas elas também podem ter um componente psicológico. (N. do A.).}

imageBLHEm casos extremos, o medo expressa-se como depressão. O cansaço surge quando não queremos nos entregar a alguma coisa. Nada parece interessante; tudo o que fazemos é de má vontade, quase sempre com a expectativa de fracasso. Não queremos nem experienciar o sucesso, porque aí não teríamos pretexto para não mudar.

Ter medo da transformação leva a uma separação do fluxo natural do movimento da vida. Mesmo a pergunta “Por que mu-dar?” só tem relevância quando não estamos no processo de transformação. Quando você sente plenamente prazer ou raiva, não pergunta se os está sentindo. Quando se identifica inteiramente com o que sente, não surge qualquer pergunta. Muitos de nós nem sequer vão tão longe. Preferimos ficar no controle a nos entregar a um movimento mais abrangente do fluxo de energia. Parecemos não perceber que a lentidão pessoal e coletiva e a interferência nos processos de transformação são os fatores responsá-veis pelos problemas do mundo de hoje. 

O presente texto é um excerto do livro
Ondas de Transformação (Summus Editorial),
de Stèphano Sabetti.

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Tradução: Dinah de Abreu Azevedo