Rudolf Steiner
(Kraljevec, Áustria, 27/2/1861 – Dornach, Suíça, 30/03/1925)
Rudolf Steiner nasceu em Kraljevec na Áustria, no dia 27 de fevereiro de 1861.
Desde a infância demonstrou uma grande sensibilidade para os assuntos espirituais e relacionados com temas humanistas.
Porém, por imposição paterna foi obrigado a cursar os estudos superiores de ciências exatas.
Por seu excelente desempenho acadêmico, a partir de 1883 tornou-se responsável pela edição dos escritos científicos de Goethe na coleção Deutsche Nationalliteratur.
Mais tarde foi convidado a trabalhar no Arquivo Goethe-Schiller em Weimar (Alemanha). Steiner transferiu-se para essa cidade em 1890, onde residiu até 1897. Ali desenvolveu um grande interesse cognitivo e uma conseqüente atividade literário-filosófica, sendo dessa época sua obra fundamental A filosofia da liberdade (1894).
Após alguns anos em Berlim como redator literário, passou a dedicar-se a uma intensa atividade de conferencista e escritor, no intuito de expor e divulgar os resultados de suas pesquisa científico-espirituais, de início no âmbito da Sociedade Teosófica e mais tarde da Sociedade Antroposófica, por ele fundada.
Em Dornach (Suíça), Steiner construiu em madeira o Goetheanum, sede da Sociedade (e mais tarde também da Escola Superior Livre de Ciência Espiritual), destruído em dezembro de 1922 por um incêndio e posteriormente substituído pelo atual edifício em concreto.
As nuvens ficaram concentradas em volta do homem
e ele terá que encontrar a sua liberdade,
encontrar o seu próprio poder,
toda a sua força, a partir deste nada.
A necessidade material externa mudará para uma necessidade da alma. A partir desta necessidade profunda da alma a visão nascerá.
Temos que erradicar da alma todo medo e terror
do que o futuro possa trazer ao homem.
Temos que adquirir serenidade
em todos os sentimentos e sensações
a respeito do futuro.
Temos que olhar para frente
com absoluta equanimidade
para com tudo que possa vir.
E temos que pensar somente que
tudo o que vier
nos será dado por uma direção mundial
plena de sabedoria.
Isto é parte do que temos de aprender nesta era, a saber:
Viver em pura confiança, sem qualquer segurança na existência.
Confiança na ajuda sempre presente do mundo espiritual.
Em verdade, nada terá valor se a coragem nos faltar.
Disciplinemos nossa vontade e busquemos o despertar interior
todas as manhãs e todas as noites.”
(Bremen 27.11.1910)
A ENTIDADE HUMANA
A bíblia nos conta que Deus formou o primeiro homem do “pó da terra”, fazendo ressaltar, dessa maneira, que o corpo do homem é constituído pela mesma matéria do mundo que o circunda.
De fato, a química confirmou que todos os elementos que constituem o corpo encontram-se também na natureza ao seu redor.
O mesmo cálcio, fósforo, ferro, hidrogênio ou carbono entram na composição de ambos. Essas substâncias entram no corpo e dele saem num fluxo contínuo, seja pela respiração, seja pela nutrição.
Os processos do metabolismo são amplamente conhecidos, e a ciência materialista até compara o corpo a um grande laboratório químico. Veremos que esta imagem contém algo de certo, embora esteja, na realidade, longe de corresponder completamente à verdade.
O conhecimento da matéria, inclusive aquela que constitui o nosso corpo é nos dada pelos nossos sentidos. O conjunto dessas substâncias forma o reino mineral, e podemos dizer que na sua parte corpórea os seres dos outros reinos (vegetal, animal e humano) contém as mesmas substâncias que se chamam “inôrganicas” no reino mineral. A matéria inôrganica encontra sua expressão mais típica no cristal. Conceitos químicos, físicos e matemáticos explicam todos os fenômenos do mundo físico (inorgânico), seja a transformação de formas de energia, seja a combinação de elementos simples em substâncias mais complicadas.
Podemos dizer que, de maneira geral, as causas de todos esses fenômenos se encontram no mundo sensível ou físico. A relação entre causas e efeitos é constante e permite estabelecer as chamadas “leis da natureza”. Extrapolando as leis descobertas nos últimos séculos, os astrônomos e astrofísicos estabeleceram teorias sobre os fenômenos extra-terrestres, afirmando a identidade das leis da natureza sobre todo o Universo. Essa atitude, seja dito entre parênteses, é uma conquista da ciência moderna; um observador grego ou medieval nunca teria ousado submeter os mundos extra-telúricos às mesmas leis que explicam os fenômenos terrestres.
Se compararmos o mundo inorgânico, de um lado, e os seres do reino vegetal, animal e humano, de outro, veremos que estes se diferenciam daqueles pelo que chamamos de vida. Assistimos a fenômenos novos que o reino mineral desconhece: crescimento, formas típicas, regeneração, reprodução metabolismo, etc. Vemos também que os elementos químicos formam substâncias de estrutura mais complexa e de grande labilidade química, como a albumina, o protoplasma, etc. Observamos, finalmente, que os seres orgânicos têm uma existência limitada no tempo; eles nascem e morrem, enquanto uma pedra nunca cessa de ser uma pedra, a não ser que forças vindas de fora, e não inerentes à sua própria essência, venham a modificar ou destruir-lhe a forma.
Parece, pois, que há nos seres orgânicos algo além da pura substancialidade e que subtrai a matéria às leis inerentes à sua própria natureza. No momento da morte, esse “algo” deixa de existir, ou pelo menos de atuar: o corpo morto passa a ser um cadáver, e como tal a sua substância volta a obedecer exclusivamente às leis do mundo inorgânico: o organismo se decompõe, perdendo a sua forma e estrutura específicas e retornando ao reino do “pó da terra”.
Podemos, portanto, afirmar que os seres orgânicos seguem leis opostas, ou pelo menos alheias, às leis químicas e físicas do mundo mineral.
Além disso, verificamos que cada ser orgânico tem a sua forma particular. Podemos imaginar duas sementes compostas, quimicamente falando, dos mesmos elementos; apesar disso, uma formará uma planta de um determinado tipo, e outra, uma planta de outra espécie e de aspecto totalmente diferente, pois cada uma segue, para a sua estrutura, um modelo próprio. Essa autonomia da forma orgânica vai muito longe. Cada planta, por exemplo, tem sua silhueta típica. Se lhe podamos a folhagem, ela a restabelecerá automaticamente, Até os seres mais elevados, como o homem e os mamíferos têm essas faculdades dentro de certos limites: uma ferida “cicatriza”, isto é, a forma original se restabelece como se alguma força plasmadora central comandasse o comportamento dos tecidos vizinhos no sentido de uma volta ao aspecto anterior.
Poderíamos continuar essa comparação. Descobriríamos que os minarais realizam a sua existência apenas no espaço, não sofrendo qualquer processo de desenvolvimento (vamos deixar de lado fenômenos particulares, como a radioatividade espontânea ou o envelhecimento dos metais) enquanto as plantas (e os animais, e o homem) têm uma evolução no tempo.
O cristal é “auto-suficiente”. Ele existe e dura por si, não podendo ser produzido “de fora”. O organismo vivo necessita de influência exteriores para a sua existência: a luz solar e a corrente ininterrupta da respiração e do metabolismo são fatores imprescindíveis para o crescimento e todas as demais manifestações da vida.
Até aqui nada de novo para um leitor que costuma observar, sem preconceitos e de olhos abertos, os fenômenos ao seu redor. A biologia moderna procura minimizar as diferenças entre os reinos inôrganico e orgânico, afirmando que este é, por assim dizer, uma continuação, sem hiato, daquele. Para isso, invoca a existência de seres orgânicos decadentes, ou virus, que constituem formas de transição. Na realidade nunca se deve recorrer às formas decadentes ou de transição, mas aos representantes típicos de ambos os reinos para fazer uma comparação eficiente. E nesse caso, a presença daquele “algo” já citado é inegável.
Mas o que será esse “algo”?
Doutrinas vitalistas do passado e do presente ensinam que há uma força vital permeando os seres orgânicos. Mas, com o emprego desse termo, coloca-se apenas um rótulo numa incógnita, sem qualquer verdadeira explicação. Essa atitude certamente não seria apropriada a um cientista.
A Antroposofia oferece a seguinte explicação: os seres orgânicos possuem, além do seu corpo mineral ou físico, um conjunto individualizado e delimitado de forças vitais, ou seja, um segundo corpo não-físico que permeia o corpo físico. Esse segundo corpo é o conjunto das forças que dão “vida” ao ser e impedem a matéria de seguir as suas leis químicas e físicas normais. Rudolf Steiner, fundador da Antroposofia, chamou esse segundo corpo de “corpo plasmador” ou “corpo de forças plasmadoras”. Por motivos cuja explicação ultrapassa o âmbito deste livro, esse corpo vital é também chamado “corpo etérico”.
O corpo etérico não existe, pois, nos minerais; existe sim, nas plantas, nos animais e no homem.
Assim como o corpo físico é constituído de substâncias físicas, o etérico tira a sua substãncia de um plano etérico geral (temos que empregar este termo “substância”, embora estejamos conscientes de que em domínios não-físicos não se devam, a rigor, empregar termos tirados do plano sensorial; mas a nossa linguagem é elaborada para as coisas deste mundo, e não há palavras apropriados para exprimir exatamente o sentido e a essência de fenômenos de outros planos. Essa observação é válida para todos os termos que empregaremos a seguir). Como o corpo físico é uma aglomeração individualizada de substâncias químicas, assim o corpo etérico é um verdadeiro “corpo”, embora não seja perceptível aos nossos sentidos comuns.
Aqui surge uma primeira grande dúvida: como é que a Antroposofia pode afirmar a existência de tal corpo? Não será uma afirmação gratuita, simples postulado ou hipótese, em nada mais válida do que tantas outras hipóteses ou teorias inventadas pela ciência e pelas religiões? Assim seria, fosse o corpo etérico apenas um conceito, uma abstração. Mas na realidade o corpo etérico pode ser observado, sua existência pode ser vivenciada, suas funções podem ser analisadas e investigadas por experiência própria e direta.
Mas como?
Os nossos sentidos comuns só nos mostram objetos e forças físicas, Mas a ciência espiritual nos revela que o homem possui, além dos sentidos físicos, sentidos superiores que lhe possibilitam observar fenômenos de planos mais elevados. Ou antes: ele possui esses sentidos em estado latente, podendo despertá-los por meio de um treino adequado, sobre o qual falaremos mais tarde. Afirma a Antroposofia que, em épocas remotas, todos os homens possuiam esses sentidos, os quais lhes proporcionavam uma vidência supra-sensível. Mesmo em épocas posteriores, havia sempre indivíduos privilegiados que tinham essa clarividência, ao passo que a maioria dos homens já a havia perdido (veremos mais tarde por que e em que condições isso se deu). No futuro, os homens voltarão a possuir esses sentidos superiores em pleno funcionamento. A Antroposofia indica o caminho que permite ao homem moderno, com a conservação da sua plena consciência, despertá-los pouco a pouco.
O corpo etérico pode ser “visto” (naturalmente não se trata de visão pelos olhos físicos) pelos indivíduos que atingiram um certo grau de clarividência. Em todas as épocas da História houve tais iniciados e suas descrições são concordantes sobre os demais “objetos” da Antroposofia.
Na realidade, a Antroposofia não afirma nada de novo nesse ponto. O esoterismo hindu, egípcio, tibetano ou grego conhece esse corpo etérico e as correntes mais recentes reproduzem essa velha sabedoria em termos científicos modernos, de acordo com o grau de evolução alcançada pelo homem do século XX.
O corpo etérico mantém a vida e atua contra a morte; esta aparece como transição para um estado puramente mineral. Assistimos, nos seres vivos, a um processo de mineralização cuja presença no corpo humano pode ser facilmente observado; constitui um enfraquecimento progressivo das forças plasmadoras do corpo etérico, até o momento da morte, que marca o triunfo total das forças mineralizantes.
É curioso observar, a esse respeito, que inspirados pensadores do passado já afirmaram que a vida é um contínuo morrer. Basta comparar um récem-nascido e um ancião para compreender a profunda verdade dessa afirmação; no récem-nascido, a vitalidade está no seu máximo: o corpo é mole, elástico, plasmável; a consciência, o intelecto e todas as atividades psíquicas ainda não são desenvolvidas e a criança vive, por assim dizer, entregue às suas funções vitais e vegetativas. No adulto, e mais ainda no ancião, o corpo é ressecado, desvitalizado, as funções biológicas são reduzidas e sujeitas a estados patológicos (disfunções, atrofias, esclerotização, mineralização, etc.); em contrapartida, as faculdades mentais, a consciência e o domínio de si são plenamente desenvolvidos, atingindo um ponto culminante na serenidade e na sabedoria contemplativa da velhice (desde que a fraqueza física não seja um empecilho).
As numerosas doenças da velhice (esclerose, gota, cálculos, etc.) são uma indicação do triunfo das forças mineralizantes sobre as forças etéricas. Os depósitos, muitas vezes cristalinos, constituem uma invasão de matéria “morta” no corpo vivo.
Seja permitido aqui, observar que as forças etéricas não se enquadram na “causalidade” mecânica e deterministas que prevalece no mundo físico. Por exemplo, a planta cresce “para cima”, em sentido oposto à força de atração terrestre.
Já vimos que o mineral encontra sua forma mais expressiva no cristal, ou seja, na matéria em estado sólido. Os fenômenos vitais ocorrem só em meio úmido ou líquido. Não existe vida sem água. Se voltarmos mais uma vez ao nosso exemplo do récem-nascido e do ancião, veremos que o corpo do primeiro contém proporcionalmente muito mais água.
Os próprios depósitos (cálculos, artrite) constituem solidificações em lugares onde o organismo plenamente vitalizado deve conter apenas líquidos, colóides ou outras formas ainda plásticas e maleáveis.
Em resumo, a planta (e por extensão o animal e o homem) aparece composta de substâncias físicas (matéria) que se colocam “ao longo” de um corpo etérico, que poderia ser comparado a um campo de forças invisíveis. Assim como a limalha de ferro se coloca nas linhas do campo magnético, assim a matéria “enche” a forma não física do corpo etérico. Mas enquanto o campo é estático, o corpo etérico, além de dar forma, provoca também toda a dinâmica das funções vitais. Ele atua no espaço e no tempo, de acordo com leis específicas do plano etérico. Além disso, o campo magnético ainda é um fenômeno produzido por forças inerentes à matéria, ao passo que as forças etéricas são de ordem superior.
Vejamos agora se podemos estabelecer uma diferenciação entre o reino vegetal e o reino animal (e humano). Uma observação empírica e sem preconceitos pode revelar-nos os seguintes fatos:
Tanto o animal como a planta vivem. Mas enquanto a planta aparece como um ser adormecido, em estado de “sono”, o animal vive em estado de vigília, caracterizado por uma consciência que já se manifesta nos animais mais primitivos. Ou antes, o animal passa por estados alternados de sono e de vigília. Nestes últimos, ele sente e reage; tem impulsos (procura de alimento, de parceiros sexuais), pode “aprender”, etc.
Verificamos, ainda, que a planta é aberta: a superfície da folha (módulo constitutivo da planta, de acordo com a genial descoberta de Goethe) está exposta e permeável às forças de fora. Ela não tem vida “interior”. O animal, por seu lado, parece-nos mais “fechado”, mais isolado do mundo externo; e isso não apenas fisicamente. Existe nele uma espécie de espaço interior, que não é apenas físico (estruturação do sistema do corpo, órgãos com funções definidas, etc.) mas também anímico. No animal há um “mundo próprio” de reações, instintos, atitudes, gracas ao qual ele ocupa um lugar isolado dentro da natureza, enquanto a planta é entregue ao mundo, a cada momento atravessada pelas suas influências.
Ao passo que a planta se realiza no tempo, com o surgimento gradativo das suas partes, o animal está pronto e completo desde o seu nascimento. Ele cresce em tamanho mas não se diversifica (vamos desprezar aqui fatos como a metamorfose dos insetos, que tem outra explicação).
Novamente podemos dizer que as observações sucintas que precedem não constituem novidade alguma para um observador curioso.
O que a Antroposofia acrescenta de novo é uma descoberta de suma importância; todos os fenômenos aludidos são ligados à existência de um veículo que não existe nas plantas, mas que está presente nos animais. Esse veículo é que permite ao animal ter sensações, simpatias e antipatias, instintos e paixões. No homem ele torna possível toda a gama do sentir, desde o instinto até os sentimentos mais nobres e sublimes.
Também esse veículo aparece como um “corpo”, mas de uma “substancialidade” ainda mais refinada e sutil do que a do corpo etérico. Um grau mais elevado de vidência permite ao iniciado perceber esse corpo por meio de outra série de órgãos superiores (dos quais falaremos mais tarde). Esse corpo, veículo das sensações e sentimentos, pode ser chamado de “corpo se sentimentos”. Rudolf Steiner deu-lhe o nome de “corpo astral”. Sem querer entrar aqui em detalhes sobre as razões dessa denominação, quero lembrar apenas que antigas correntes esotéricas vislumbram uma relação entre as forças planetárias (em latim: astra) e os órgãos do homem e sua vida anímica. Daí o nome “corpo astral”.
Estamos, pois, em presença de mais um “corpo” que permeia o corpo visível do homem e do animal. Ambos possuem, portanto, além do corpo físico e do corpo vital (ou etérico), esse terceiro membro da sua entidade, pelo qual participam de um terceiro plano, o chamado plano astral.
Esse corpo astral é “superior” ao corpo etérico, dominando-o. Ele provoca no corpo físico e no corpo etérico, a especialização de funções, que se traduz pelos órgãos ocos. Enquanto a folha, unidade constitutiva da planta, é plana e pode ser considerada como bidimensional, o corpo de qualquer animal contém esses espaços tridimensionais vazios, e cuja primeira aparição se dá no estado de gástrula do embrião. Esse vazio foi, desde tempos remotos, posto em relação com o ar, e de fato, o elemento atribuído ao mundo animal era o ar (no sentido da divisão antiga do mundo em quatro elementos). Como o conjunto das forças anímicas também é chamado “alma”, podemos estabelecer paralelos interessantes entre as palavras latinas: anima (alma), animus (vento, ar, sopro) e animal (animal).
A presença de elemento “ar” se manifesta de manifesta de muitas maneiras. Os animais superiores possuem a faculdade de manifestar seus estados anímicos pela voz, pelo grito, utilizando para isso o ar. Enquanto a respiração das plantas (diferente da fotossíntese) é uma corrente contínua, ela se efetua na maioria dos animais como alternação rítmica da inspiração e da expiração. Quanto mais um animal se afasta das funções puramente vegetativas (que o aproxima mais da planta), mais o elemento “ar” passa a dominar sua vida.
Mas voltemos à nossa caracterização do animal frente ao reino vegetal. Dissemos que o animal é mais fechado, mais separado do mundo. Para compensar esse isolamento, o animal inova em três domínios:
1) Ele se move em seu ambiente. O movimento lhe permite tomar a atitude ou buscar o lugar mais propício para a realização dos seus intentos (fuga, sexo, fome, etc.). Todo movimento é dirigido.
2) Ele emprega um sistema sensorial e nervoso que estabelece o contacto com o mundo.
3) Ele vive e age com uma certa consciência.
Essa consciência fá-lo reagir de maneira típica e característica a cada espécie. Não se trata evidentemente de uma consciência lúcida, individual, pois não podemos falar de indivíduos entre os animais. Todos os exemplares de uma espécie se comportam e reagem de maneira igual, como se um impulso de grupo lhes orientasse a vida. Por esse motivo, Rudolf Steiner não atribui aos animais uma “alma” individual, mas antes uma alma de grupo que se manifesta através dos corpos astrais de todos os membros de uma espécie.
Falando mais especificamente do corpo astral humano, a clarividência revela que o seu “aspecto” depende dos sentimentos que prevalecem no indivíduo observado. O vidente fala em “coloração” desse corpo astral, embora naturalmente não se trate de cores físicas. Quanto mais puro e menos egoístas os sentimentos, mais claro e brilhante o corpo astral, ao qual se dá também o nome de “aura”. Dai o costume de representar o corpo ou a cabeça de pessoas “santas” envoltos em uma aura clara e luminosa (“mandorla” na Índia, “auréola” na pintura ocidental), Era uma tradição cujas origens remontam às épocas em que ainda se podia perceber o corpo astral como resultado de uma clarividência geral.
Demos agora mais um passo procurando diferenciar o homem do animal, Devemos perguntar se o homem é apenas um animal evoluído, com certas faculdades existentes neste último, porém mais aperfeiçoadas e desenvolvidas; ou se o homem é fundamentalmente diferente de qualquer animal, possuindo algo a mais que o distingue dele.
As teorias evolucionistas tradicionais seguem a primeira hipótese, fazendo o homem descender em linha reta do animal. As grandes religiões viam no homem um ser basicamente diferente do animal. A Antroposofia é da mesma opinião. Com efeito, os animais não têm individualidade; eles são dirigidos por almas de grupo; todas as tartarugas ou abelhas reagem de maneira idêntica e típica, como se seus impulsos fossem dirigidos de fora (Para estas considerações deve-se tomar, como exemplos típicos, os animais selvagens – os domésticos já sofreram a influência do homem), No homem aparece a verdadeira individualização. Cada homem é um ser único, singelo, diferente de todos os demais seres humanos.
Enquanto os animais atingiram um estado de vigília ao qual não hesitamos em dar o nome de consciência, só o homem tem consciência de si próprio, a autoconsciência que o faz ter plena noção de si mesmo frente ao mundo.
Isso pressupõe uma série de faculdades que não encontramos no animal:
1) Só o homem pode pensar, opor-se ao mundo numa relação sujeito-objeto. Ele pode representar de maneira abstrata as suas vivências sensoriais e elevar-se a representações, conceitos e idéias. Não seria impossível ensinar a um rato ou a um cachorro achar o seu caminho num labirinto; mas só o homem pode, uma vez percorrido o trajeto certo, sentar junto a uma mesa, representar-se a imagem abstrata do labirinto e fazer dele um desenho. Qualquer abelha constrói favos perfeitamente hexagonais; mas só o homem pode compreender as relações e o princípio de construção de um hexágono regular.
2) O animal está entregue às suas sensações e sentimentos. Cessando a causa que lhe provoca uma sensação ou sentimento, acaba também o estado anímico. O homem possui a durabilidade dos sentimentos, por além da presença da causa. Mais ainda, ele pode provocar um sentimento por uma pura representação mental: eu posso pressentir os gozos gastronômicos pela simples imaginação de um suculento jantar.
3) O homem tem memória, o animal, não! – Esta afirmação parece temerária quando se pensa na alegria de um cachorro quando seu dono volta após uma ausência prolongada. Mas uma coisa é memória, outra, o fato de reconhecer. No caso do animal, a sensação, agradável ou não, repete-se quando a mesma causa está presente. A presença do dono provoca sempre, a cada vez, a mesma reação; mas para isso, é necessária a presença física do fato causador. O cachorro pode até sofrer quando lhe falta essa presença. Mas só o homem pode representar-se, sob a forma de imagens, um ser ou uma situação da qual não há mais vestígio. A memória, como faculdade de recordar mentalmente qualquer situação vivida, é uma faculdade exclusivamente humana.
4) Das três faculdades descritas nasce a capacidade do homem de livrar-se das influências do meio, isolando-se por completo e podendo até resistir a essas influências. Nenhum animal pode dominar seus instintos por uma decisão autônoma. O homem pode dominar-se, renunciar a um prazer ou à satisfação de um desejo; ele pode ponderar vários motivos, representar-se as consequências futuras de um ato ou lembrar concretamente as consequências de um ato passado. Tudo isto é impossível ao animal.
5) Em consequência disso, só o homem pode ter a liberdade de agir, de escolher entre vários atos possíveis. Somente ele pode agir moral ou imoralmente; o animal segue trilhas fixas e predeterminadas pelas características da sua espécie. Ele é irresponsável.
O homem possui, pois um centro autônomo da sua personalidade, o qual constitui o âmago da sua essência, e do qual tem uma experiência direta e insofismável. Quando fala desse centro ele diz “eu”, e esse eu ou ego, verdadeira parcela espiritual, é que o distingue do animal.
Além e acima dos três “corpos” inferiores (físico, etérico e astral) o homem possui, pois, um quarto elemento constitutivo da sua identidade. Ou melhor: ele é esse eu (ego) ao qual os três corpos servem apenas de base ou envoltório.
Pelo seu EU, o homem participa de um plano superior ao plano astral ou anímico, plano que podemos chamar de espiritual; possui um elemento espiritual individualizado e singelo que constitui o centro do seu ser. O eu lhe dá a sua personalidade, o eu pensa, sente e deseja através dos seus corpos inferiores, o eu ama e odeia, cobiça e renuncia, comete atos bons e atos maus.
Desde há muitos séculos, os poetas falam de “fogo” da personalidade, do amor e do ódio. E com muita razão, pois o elemento do fogo é, por assim dizer, o apanágio espiritual do eu. Vemos, pois, os quatro membros da entidade relacionar-se, de certa forma, com os quatro “elementos” dos gregos.
Como elemento espiritual autônomo, o eu não está sujeito às limitações do espaço e do tempo. Ele é eterno, independente e alheio às características passageiras dos seus corpos inferiores. Estes estão a serviço de eu, constituindo seu veículo na vida terrena.
A presença do eu faz o homem. Dessa presença recebem os corpos inferiores suas feições e funções diferentes das que existem nos animais e nas plantas. Assim, por exemplo, o pensar e a memória estão ligados ao corpo etérico, o qual, na planta, serve exclusivamente a tornar possível a “vida”, Não é ele que pensa, mas constitui, por exemplo, para a memória, o meio no qual se “guardam” as experiências passadas. Da mesma maneira, o cérebro é imprescindível para o pensar; mas naturalmente não é o cérebro que pensa; ele serve ao homem apenas como veículo físico para o pensar.
O mineral, a planta e o animal são criações. O homem é criação e criador. Criado por forças exteriores a ele, libertou-se dessas forças criadoras, tornando-se autônomo e criador. Ele continua a obra de criação; como pensador, filósofo ou artista, acrescenta ao mundo algo de novo. Sua liberdade está em oposição ao determinismo inelutável que domina os reinos inferiores.
Por meio do eu, o homem pode dominar e purificar seus sentimentos, instintos e paixões. O espírito é, de certa forma, um adversário daquilo que, em nós, é meramente anímico. Toda ética tem a sua razão de ser nesse antagonismo.
Veremos, mais adiante que o princípio da evolução reina em toda a existência, embora de maneira bem diversa da imaginada pelo darwinismo e outras escolas bio-históricas. O homem nem sempre foi homem, e deverá alcançar futuramente estados superiores ao meramente humano.
O homem se desenvolve não somente pela aquisição de novos conhecimentos e técnicas. Ele evolui sobretudo pelo aperfeiçoamento das suas faculdades anímicas, mentais e morais, A sua própria “egoidade”, o grau da sua consciência e da sua maneira de pensar têm evoluído no passado e evoluirão no futuro. Ele vive e viverá adquirindo novas faculdades.
Já vimos que o corpo astral é o veículo para sensações e sentimentos, instintos e atividades psíquicas conscientes e inconscientes. Do convívio do eu com ele e com os corpos inferiores nasceu um conjunto autônomo de atitudes e faculdades, que se chama vulgarmente de “alma”.
A alma distinta da corporalidade e do eu, constitui, pois como que um elemento de ligação entre o eu e o mundo. O eu sente e age através desse instrumento.
Contudo essa alma não é homogênea, Ela possui faculdades que fizeram sua aparição gradativamente no decorrer da História.
Diremos que a “alma” se manifesta de três formas. Para maior simplicidade a Antroposofia até fala em três almas (Aristóteles e outros já haviam falado em várias almas), ou seja:
1) A alma sensível ou ainda alma da sensação: ela traz a consciência das sensações, a vivência de uma impressão sensorial, por exemplo, de uma cor, de uma obra musical, de uma dor. Através da alma sensível, o homem vivencia o mundo.
2) A alma do intelecto ou do sentimento: por meio dela o homem formula pensamentos. Ele põe em ordem as sensações recebidas, ele compreende o mundo, ele constrói o universo interno de representações mentais, de pensamentos e de idéias. A abstração e o pensar são resultados da existência dessa alma do intelecto. Ciência e filosofia são seus frutos.
3) A alma consciente ou alma da consciência: traz ao homem a consciência dos conteúdos não-materiais do mundo (“idéias”) e da sua própria individualidade e o choque entre o seu ego e o mundo. Ele se sente distanciado, abandonado; em consequência, sofre por seu isolamento, duvidando de tudo e não se dando mais por satisfeito com explicações fornecidas pela alma racional.
Um grande esforço é necessário para que o homem possa transpor o abismo que a própria alma consciente rasgou entre ele e o mundo. Num trabalho árduo, ele deve restabelecer a ligação entre a parcela espiritual do seu eu e a espiritualidade universal.
Esse esforço já nos leva ao desenvolvimento futuro da humanidade. Com efeito, as três almas são o fruto da simples existência do eu e dos três corpos inferiores. Sem qualquer atuação consciente do eu, as três almas se desenvolveram pouco a pouco ao longo da história do homem.
No futuro, o eu, que entrementes terá atingido a plena maturidade e autoconsciência, deverá tomar o seu destino nas próprias mãos. Ele impregnará com suas próprias forças e propriedades os três corpos inferiores, começando pelo corpo astral, que lhe oferece menor resistência do que os corpos etérico e físico, mais “densos” e menos maleáveis.
Nesse trabalho árduo e difícil de “espiritualizacão” consciente dos corpos inferiores, o eu criará, por assim dizer, novos membros futuros, novas camadas de seu ser. Ele se abrirá ao espírito cósmico para transformar os impulsos recebidos “de cima” em aperfeiçoamento e purificação dos corpos astral, etérico e físico.
O corpo astral assim espiritualizado por um trabalho consciente do homem constituirá, pois, um futuro novo “corpo” do homem. Steiner lhe deu o nome de “personalidade espiritual” (em alemão: Geistselbst). O corpo etérico transformado, segunda etapa da evolução futura, é o “espírito vital” (Lebensgeist), O corpo físico, quando imagem pura e regenerada do mundo espiritual, é chamado de “homem- espírito” (Geistmensch). Com essas perspectivas do futuro chegamos bem longe da atualidade. No presente, como já vimos, o homem é constituido pelos quatro membros da sua entidade, acima descritos.
O eu, sua verdadeira enteléquia, é o centro do seu ser. Ele é o indivíduo.
O corpo astral recebe os impulsos e impressões dos mundos físicos e superiores. Com ele o homem reage, pensa e entra em intercâmbio com a realidade.
O corpo etérico lhe dá a vida e fornece o instrumento para o pensamento, a memória e outras faculdades.
Finalmente, o corpo físico é a base material da sua existência atual. Ele fornece a matéria para os instrumentos que permitem ao homem participar do mundo físico.
Esta página contém parte do livro Noções Básicas de Antroposofia que, para um melhor entendimento,recomendamos seja lido desde o seu início em:
http://www.sab.org.br/edit/nocoes
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