texto por: Julio Cesar Guerrero – Nuvem que passa
fotos por: Arsenio Hypolito Junior
Merry Meet Again!

      imageQ1I Pensei em iniciar essa mensagem com o poema de Fernando Pessoa que mais me ajudou no caminho da Arte até hoje.
       Mas a partir daí tudo o que eu escrevesse ia soar raso e copiado. (hehehe..)
Por isso, vou deixa-lo para o final.

       Quero expressar minha profunda convicção da possibilidade de reverência à figura do Cristo Redentor de acordo com as crenças Wiccans.

       Mais ainda, correndo o risco de soar extremamente antipático, gostaria de dizer que considero ingênua a opinião de que misturar panteões de civilizações tão diversas quanto a mesopotâmica, a egípcia e a hindu, e ao mesmo tempo excluir imagens do rico imaginário cristão seja coerente. Não pode ser coerente. Ao relacionarmos deidades dos caiapós e dos celtas, inevitavelmente desprezamos certos detalhes importantes de cada grupo específico em prol de  um objetivo que vise realçar as semelhanças. Por que a imagem do Cristo não pode ser aproveitada em nossos ritos, então, a despeito do uso odioso a que tem sido submetida por outros? 

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       Antes de mais nada, a figura do mártir redentor é parte do inconsciente coletivo tanto quanto a da grande mãe nutridora, não importa de que outras figuras pagãs tenha evoluído, e é belamente representada pelo messias crucificado. Em segundo lugar, não podemos nos dar ao luxo de sermos mais ingênuos ainda (a partir daí beirando a ignorância da fuga infantil da realidade) acreditando que as antigas religiões jamais foram meio de controle e domínio sobre outros povos e não vendo que em nome das mesmas deidades que hoje consideramos “alternativas” atrocidades semelhantes às fogueiras que já queimaram nossos antepassados foram cometidas – basta nos lembrarmos do povo egípcio. A história de Ísis e Osíris é muito lindinha, mas é parte de um conjunto de crenças que certa vez foi utilizado por um estado escravagista cruel e insano.

       Está mais do que claro pra mim, portanto, que não devemos nos permitir desvalorizar imagens arquetípicas poderosas por estarem elas associadas a momentos de vergonha da história humana. Os sacerdotes que fizeram tal uso dessas poderosas ferramentas e seus argumentos já não nos dizem respeito! Misturemos, sim, os panteões, e sem exceções, portanto! 
 

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       Mas vejam, não falo aqui de adotar princípios cristãos (ou de qualquer outra natureza, sem critério) como parte integrante da Bruxaria, de forma alguma! É também bastante óbvio que boa parte da estrutura religiosa cristã é quase oposta aos ideais neopagãos. Falo, sim, da capacidade que devemos ter de filtrar todo o lixo que rodeia símbolos poderosos contidos na fé cristã, que estão moldados de maneira belíssima, como a Virgem Maria, Jesus e outros tantos, símbolos muito próximos de nossa realidade e que podem ser igualmente destacados do pano de fundo sujo, assim como destacamos Toth ou Zeus.

       Não vejo porque a leitura do Mabinogion seja de maior validade que a da Bíblia, por exemplo.

       Por isso, reverencio o Cristo Redentor, o Messias Crucificado como uma das tantas faces do grande deus pai. É aquele cuja voz foi silenciada, porque trazia a luz onde a escuridão era forçada; aquele que aceitou carregar sua cruz por pecados que não existiam; aquele que aceitou sentir toda a dor da humanidade em sua carne e fez de seu sangue sagrado; aquele que se chamou filho de deus, e deus ao mesmo tempo, e não foi compreendido; talvez um dos maiores bruxos já conhecidos. 
 

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       Incorporar e promover uma releitura crítica, consciente e sincera de elementos da crença de nossos próprios algozes, juízes e acusadores, é sem dúvida uma postura necessária e de muito bom senso. Do contrário, é permitir que vençam, de uma forma ou de outra, aceitando a linha divisória definida por eles entre nossas crenças, caindo em contradição contra um dos princípios mais antigos comumente aceitos no meio pagão, de que todos os deuses são um só.

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Vejam, nossa religião aos poucos deixa as sombras, pra valer! E o que vamos apresentar aos olhos do mundo? Que idéias mal formuladas e mal pensadas estamos permitindo que se alojem feito poeira nas nossas cabeças? Somos constantemente atacados por todos os lados, e caso não saibamos construir um pensamento firme individual, filosófica e religiosamente consistentes, é melhor que não levantemos bandeiras!
    O lugar da intuição pura é nas sombras, oras!
    Que gritemos, então, aos quatro ventos que SOMOS BRUXOS, mas na hora em que formos cobrados, que tenhamos tido antes a iniciativa de levar nossas idéias às ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS, de  modificação de valores e pensamentos profundamente incrustados em nossa alma há tanto tempo! Ou vamos andar  mancos apoiados em frases um dia poderosas, hoje transformadas em medíocres clichês?
 

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       E mesmo que com clichês e retórica imbecil enganemos quem quer que nos venha questionar, como vamos responder a nossas próprias dúvidas, sozinhos? Como escapar dos vigias internos, os mais ferrenhos açoitadores noturnos? Ah, amigos! Se houvesse fogueiras iluminando a noite ainda, com nossos corpos como combustíveis, sentiríamos muito mais viva a necessidade da busca pela certeza, que nunca virá, se a busca for verdadeira. Mas  hoje em dia é tão fácil aderir e seguir e concordar e adorar… eis a maior das armadilhas! Não darmos ouvidos a nossos próprios inquisidores! Mas eles estão aí, sempre, e querem arrancar de nós as mais duras respostas.
 

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  Faço, então, um apelo: não se neguem a responder! Esta talvez seja a maior das batalhas, talvez a única válida, dentre todas: a que lutamos contra nós mesmos! Corram o risco! Questionem-se! Ponham suas convicções mais íntimas em dúvida! EXPONHAM-SE A SI MESMOS, é um exercício dificílimo, que, creio, vale a pena. 

       Encerro com poema de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa. É um poema belíssimo. Fernando Pessoa esteve em algumas reuniões com Aleister Crowley; ele mesmo era pagão e muito interessado pelos assuntos ocultos (há outros poemas de tema claramente ocultistas, e alguns muito mais abertamente que estes; como exemplo, posso citar “O Último Sortilégio” – este assinado pelo próprio pessoa – , em que uma sacerdotisa conversa com a deusa a respeito da perda progressiva de seus poderes mágicos).

       Merry Part and Merry Shall We Meet Again!
 
 

       Não a Ti, Cristo

       Não a ti, Cristo, odeio ou te não quero.
       Em ti, como nos outros, creio deuses mais velhos.
       Só te tenho por não mais nem menos
       Do que eles, mas mais novo apenas.

       Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço,
       Que te querem acima dos outros teus iguais deuses.
       Quero-te onde tu estás, nem mais alto
       Nem mais baixo que eles, tu apenas.

       Deus triste, preciso talvez porque nenhum havia
       Como tu, um a mais no Panteão e no culto,
       Nada mais, nem mais alto nem mais puro
       Porque para tudo havia deuses, menos tu.

       Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida
       É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros,
       E só sendo múltiplos como eles
       Estaremos com a verdade e sós.
 

      Nuvem que passa

filipeta

 

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