deus bbRecebemos este texto de nossa amiga Thais De Andrade Borio, pelo Facebook

 

Se eu fosse o próprio Deus encarnado, seria alguém muito ocupado, teria um mundo de coisas a fazer. Em primeiro lugar, eu dispensaria a fé, e jamais pediria às pessoas que cressem naquilo que não compreendem: muito mais agradável a mim seria a dúvida.

 

Deixaria claro que melhor do que a fé é o Conhecimento: de si mesmo, dos deuses (meras manifestações da minha Unidade) e do Universo. Preferiria não os crentes, mas os rebeldes, pois a evolução espiritual não pode ser produzida por mentes passivas e acomodadas.

 

Ensinaria que nosso maior inimigo não é o infiel, o diabo ou os pagãos, mas sim a Ignorância, e que ainda mais fatal do que a mentira é a meia-verdade. Mostraria que não existem pessoas perigosas, mas sim ideias perigosas: dentre elas, a de que o homem tenha nascido devendo a mim qualquer coisa exceto a felicidade.
Se eu fosse o próprio Deus encarnado, não gostaria de ser temido. Dispensaria honras, títulos, coroas, tronos: rejeitaria liturgias, orações e ladainhas, e não suportaria ser bajulado em um templo enquanto tanta coisa realmente importante acontece lá fora. Fecharia meus ouvidos a homilias enfadonhas. Ensinaria a inutilidade de se ficar fechado em um recinto batendo no peito ou tendo estertores supostamente místicos.

 

Mostraria que de nada vale pregar amor à Humanidade e detestar o ser humano: fazer belíssimos sermões e maltratar parentes, amigos ou empregados, assim como é inútil pregar a humildade, mas estimular o culto à própria personalidade. Acrescentaria ainda que onde mais se fala em amor, menos se tem e se pratica, pois quem o pratica não precisa dizê-lo nem alardeá-lo publicamente.
Por falar nisso, jamais ordenaria que amassem ao próximo: antes mostraria que o próximo é apenas uma face de nós mesmos, de modo que odiá-lo não é mais que odiar a parte que rejeitamos em nós próprios. Não admitiria perto de mim pessoas que patrulhassem o comportamento alheio, ou as diferentes formas com que as pessoas tentam chegar a mim. Pregaria que nada vale ir para um Céu cheio de bem-aventurança enquanto seu semelhante arde em chamas eternas, pois é impossível ser feliz enquanto parte de nós mesmos padece de uma dor tão inútil quanto interminável. Ficaria horrorizado se soubesse que meus adoradores me temem.

 

Pouparia as pessoas do terror de um Fim do Mundo ou de um Juízo Final, que só serve para mantê-las sob controle e em eterna apreensão. Não me interessaria em ter servos, mas filhos, alunos e colaboradores. Não me preocuparia se alguém crê ou não crê em mim: essa preocupação é típica da vaidade humana, não cabe bem em uma divindade.

 

Àqueles que não creem, não prometeria castigos, mas sim paciência e compreensão, pois um bom pai sempre educa em vez de ameaçar seus próprios filhos. Tampouco perderia tempo vomitando regras de comportamento: aquele que busca a Sabedoria será bom e justo por consequência, sem precisar de qualquer coação, pois o comportamento não gera a virtude, mas a virtude gera o comportamento.
Se eu fosse o próprio Deus encarnado, provavelmente viria como mulher, para não deixar que minha doutrina fosse dominada pelos homens, e resgataria a imagem de mim mesmo não somente como Pai, mas como Mãe Divina. Nunca permitiria que as mulheres fossem maltratadas em meu nome, tachadas de bruxas malignas ou impedidas de participar de meu ministério. Falaria, e muito, sobre o sexo e o amor entre os sexos, mostrando que Masculino e Feminino são duas faces da mesma moeda, e que a plenitude não pode ser alcançada sem a união destes dois princípios complementários. Sugeriria que a mulher aprendesse a pensar como um homem, e que o homem aprendesse a ver as coisas como uma mulher, pois a sabedoria depende da união dos opostos dentro nós mesmos. Nunca exigiria que meus seguidores se tornassem eunucos: mostraria que um homem e uma mulher, ao se unir, apenas repetem o Mistério da Criação, e escolheria eu mesmo um cônjuge para representar o Feminino e o Masculino em mim. Como poderia deixar qualquer legado a meus filhos sem tocar nesse assunto tão crucial?

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Se eu fosse o próprio Deus encarnado, ensinaria que o Redentor ou Salvador não é uma pessoa especial, mas sim um Princípio, uma partícula divina dentro de cada um. Revelaria às pessoas que, se conseguem um bom emprego, recuperam a saúde ou salvam seu casamento, elas não devem isso a mim, mas a si mesmas: por outro lado, se elas perdem o emprego, a saúde ou arruínam seu casamento tampouco deverão culpar entidades malignas pelo sucedido; gostaria que meus filhos fossem maduros o bastante para se responsabilizar por seus próprios destinos, erros e acertos. Não permitiria revelações rígidas e imutáveis, como se a verdade fosse uma rocha, e não um rio de águas fluidas e corrediças.

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Alertaria que a Verdade não cabe em livro algum, mostrando que há mais sabedoria em uma única folha de árvore do que em todas as páginas jamais escritas pelo homem. Diria que quem se debruça excessivamente sobre textos intermináveis se esquece das coisas mais valiosas, perde o convívio de seu semelhante e se aliena de todo o Espetáculo da Criação encenado ao seu redor. Trataria de despertar o amor ao conhecimento em todas as suas instâncias: desde o conhecimento esotérico à ciência profana. Falaria sobre os animais, as plantas, a terra, os astros acima de nossas cabeças: ensinaria matemática, geometria, astronomia e muitas outras disciplinas, mostrando que todas elas podem trazer o homem a mim por encerrarem em si mesmas as minhas Leis. gostaria que meus filhos se maravilhassem com a Natureza, em vez de tentarem dominá-la. Jamais permitiria que a religião se tornasse adversária da ciência por causa de dogmas irracionais, pois ambas necessitam uma da outra tanto quanto o coxo precisa do cego para caminhar. Estimularia, em vez da fé, a curiosidade e a sede pelo Conhecimento.

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Se eu fosse o próprio Deus encarnado, não gostaria que me retratassem com quaisquer expressões de dor ou severidade: preferiria que me retratassem sorridente, pois um Deus infeliz ou zangado não pode prometer felicidade a ninguém, assim como um Deus rancoroso e vingativo não teria moral de pregar o perdão a quem quer que fosse. Deixaria mais carinho e menos reprimendas, mais compreensão e menos exigências, mais solidariedade e menos ameaças. Mostraria que Mandamentos são inúteis se as pessoas não forem educadas para dar valor aos princípios neles contidos. Não aceitaria que alguém se sentisse culpado só por estar feliz, ou que levasse a si mesmo e sua vida a sério demais, na pior acepção desta expressão.

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Deixaria claro a meus seguidores, de uma vez por todas, que eu não preciso de dinheiro, e desautorizaria qualquer um a pedi-lo em meu nome. Que tampouco necessito de escritórios, instituições, representantes, advogados, inquisidores, hierarquias, burocracia, e que se alguém os cria ou pede em meu nome, com certeza não será para mim. Dispensaria riquezas, territórios, países, povos escolhidos ou povos condenados, pois um verdadeiro pai ou mãe não tem predileções. Avisaria que quem prega que uma nação deve ser entregue a Deus, na verdade a quer para si. Diria que eu criei apenas uma raça, a Raça Humana: que não existem terras santas, e sim que toda a Terra é Santa, e que ela não deve ser possuída, explorada ou dominada, mas sim repartida e usufruída igualmente por seus filhos.

 

Mostraria que qualquer forma de espiritualidade pode ser saudável, desde que não pregue o ódio ou coloque o homem contra seu próprio irmão. Insistiria que qualquer doutrina que se valha da desqualificação do próximo não nasceu de mim, mas sim do egoísmo, da ganância e da perversidade. Abominaria as guerras e contendas a pretexto de me glorificar, pois um Deus que se preze não se gratifica com sangue e sofrimento. Jamais falaria em inimigos, pois um Deus Onipotente se encontra muito acima de questões tão mundanas, e dispensaria quaisquer demônios imaginários da função de arcar com a responsabilidade por todo o mal e injustiça deste mundo. Revelaria também que não existem lugares de punição eterna, pois, se eu tivesse de condenar apenas um de meus filhos, chamaria a mim a responsabilidade por sua perdição.

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Se eu fosse o próprio Deus encarnado, lançaria suspeitas sobre pomposas autoridades religiosas, sobre santos autoproclamados, sobre todos aqueles que tentassem manipular o próximo em meu nome. Diria a meus amados filhos que eu não posso “salvar” ninguém, nem dou ou exijo sangue para a redenção de quem quer que seja, pois a iluminação espiritual resulta de um trabalho íntimo e individual, independente de intermediários. E que, depois de nossa caminhada solitária, o que nos espera ao fim dela não é a eternidade de nosso ego ignorante, mesquinho e sombrio em um tedioso mundo de nuvens, harpas, anjos e trombetas, mas a Dissolução em um Todo luminoso, pleno de um gozo eterno, como fagulhas que retornam ao Fogo primordial da Consciência Cósmica.

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Antonio Farjani
Autor de Mistérios da Lua

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