image34HO hieróglifo nahuatl, que com maior frequência encontramos, é o de uma figura que através de infinitas variantes está determinada sempre por quatro pontos unificados em seu centro, disposição que hoje conhecemos como “Quincunce”.

O 5, isto é, o 5° ponto tem um significado muito particular na cosmovisão americana pré-colombiana, e não só entre ela, pois muitos panteões do oriente e ocidente expressam este algarismo como ponto de fusão ou união entre os 4 pontos cardeais, os 4 membros do corpo humano, os 4 reinos que coexistem na terra, os 4 elementos integrados no Universo, etc…

Porém, entre os americanos, o Quincunce tem uma conotação particular: é o emblema do 5° sol, o coração do céu. Pareceria ser a estilização do quadrilátero e do triângulo, sendo o seu centro, vértice da pirâmide reduzida a uma figura plana, sendo como se segue:
A simbologia teotihuacana expressa o conceito dos quatro elementos primordiais por um ponto sintetizador, conceito este que é a medula de todo o desenvolvimento teológico deste povo. Desta forma, o céu e a terra encontrar-se-iam no homem e, com maior precisão, no coração humano.

Quetzalcoatl, principal divindade do panteão “maia/azteca”, representada por um pássaro/serpente ou uma serpente emplumada, é também o nome de um conceito cósmico, dando a idéia de ponte entre o animal e o divino. Na chave interpretativa astronômica, Quetzalcoatl é a Via Láctea e na astrológica, o planeta Vénus, com o qual o vemos continuamente identificado. Dizem as tradições que inaugurou a Era do Centro, a 5° idade, aquela que ultrapassou os 4 sóis precedentes, isto é, as 4 raças de que nos fala o “Popol Vuh”. Este ser, entre mítico e histórico, já que nos anais encontramos um governante com o mesmo nome, tinha como preocupação vencer a inércia e verticalizar os esforços, criando assim uma doutrina mística que lembrasse aos homens sua origem celeste. Por isso, o Quincunce era seu emblema, como também de um remoto deus “Huehueteo tl” – Velho deus do Fogo – (lembremos que o fogo é elemento dinâmico por excelência) e se observarmos detidamente o Quincunce percebemos que nele está impresso um continuo movimento de transformação ininterrupta. Se nos aproximamos do oriente há uma divindade de que nos fala o Rig Veda, isto é, Agni que “coincidentemente” simboliza o fogo, responsável pela purificação da matéria.

Sabe-se que o ano venusiano de 584 dias, compõem-se de um período diurno e um crepuscular, separados pelas conjunções superior e inferior, no curso dos quais o planeta desaparece nos raios solares (pg. 48 a 50 do manuscrito maia, Biblioteca Dresden). Depois de uma união de 90 dias com o sol (e da invisibilidade que resulta desta conjunção superior) Vênus aparece durante 250 dias no céu da tarde.
É quando então sobrevem o drama: submetida à lei da gravidade própria das coisas naturais, Vénus se verá irresistivelmente atraída pelo baixo-mundo até desaparecer em suas profundidades. Oculta-se durante 8 dias o que corresponde à conjunção inferior que precede a sua emergência oriental.

Esta realidade astronômica, vemo-la refletida no mito da vida de Quetzalcoatl. Diz-se que foi engendrado no preciso momento que sua virgem mãe engoliu uma pedra preciosa (símbolo da perfeição e da Luz); outras versões ainda mais remotas afirmam que veio de Vênus. Sua inocência e pureza eram tão grandes que os demônios (almas primitivas) não toleravam sua presença e continuamente o submetiam à tentações. Como o divino jovem não tinha ainda percebido seu corpo, puseram-no à frente de um espelho e, ao ver tal imagem, seu coração encheu-se de amargura e tristeza, pois considerava esse corpo feio, imperfeito e carente de harmonia. Os tentadores, aproveitando seu desconsolo, ofereceram-lhe uma bebida embriagante, e do espelho fizeram surgir uma imagem feminina. O jovem asceta perdeu sua virginal pureza, caindo no mundo vulgar.

Quando o efeito do álcool já se estava diluindo, achou-se fora do palácio; entrou num sarcófago de madeiro, e ali permaneceu 4 dias. Ao fim destes levantou-se, dirigiu-se, ao mar, fez uma fogueira e queimou-se nela. Então surgiram no horizonte aves que levaram suas cinzas até o céu em forma de pirâmide e a alma, de Quetzalcoatl volta à sua pátria, Vênus.

Tudo está maravilhosamente estruturado.

Teotihuacan, palavra nahuatl que significa Cidade dos Deuses, é um dos centros arqueológicos mais importantes em toda a América Latina. Foi uma metrópole dedicada quase que exclusivamente a atividades religiosas, onde “a serpente aprendia milagrosamente a voar, isto é, onde o indivíduo adquiria a categoria de ser celeste”. Entre as pirâmides dedicadas uma ao Sol e outra à Lua, encontramos o templo de Quetzalcoatl, enfeitado com 365 cabeças em alto relevo e com os símbolos que representam o ano astronômico.

Se a ciência arqueológica dedicasse um pouco de suas energias a desvendar os enigmas que existem neste centro cultural, seguramente descobriria que nenhuma de suas construções, imagens, monumentos, etc…, foram realizados por acaso e, sim, com uma profunda intenção de esquematizar uma verdade que hoje se esconde em suas esquecidas ruínas. A Lei do Centro, está presente em cada palmo destas silenciosas sentinelas que, fundamentadas nas revoluções dos astros e em precisos cálculos matemáticos, encerram unidades cada vez mais complexas, as quais, através de sua configuração, se vão surpreendentemente sintetizando.
A própria serpente corrobora isto, e em sua pele podemos observar como seus módulos vão se dilatando e contraindo sistematicamente. O finito e o ilimitado, o tempo e a eternidade fundem-se no Quincunce, como a importância de uma cultura que, embora ignorada, mantém acesa a sua mensagem esperançosa de que futuros homens, filhos deste mesmo passado, redescubram sua gloriosa origem.

EMILIO MOUFARRIGE
Revista Thot – Número 6 Julho/Agosto de 1976