imageTSVPor  Luiz Pellegrini

Corpo, mente e psique constituem uma unidade integrada. 
Tudo que acontece num deles influencia e altera os outros dois. Baseados nessa certeza, novas áreas da ciência desenvolvem a psicomedicina – sistema terapêutico que está revolucionando a arte de curar. A mente e a psique podem curar o corpo. 
Podem também matá-lo, dependendo da qualidade dos pensamentos
e das emoções que a pessoa gera dentro de si.

As grandes tradições religiosas e esotéricas sempre afirmaram que a mente e a psique exercem extraordinária influência sobre o corpo. Para manipular esse poder, tais tradições desenvolveram um grande número de técnicas destinadas a evitar, de forma preventiva, o aparecimento de doenças e, quando elas já se manifestaram, promover sua cura.

A ciência moderna, no entanto, até há pouco hesitava não apenas em lançar mão desses recursos, já disponíveis desde a mais remota antigüidade, mas inclusive em aceitar o fato de que essas duas componentes fundamentais da natureza humana   a mente e a psique   realmente são capazes de agir sobre o corpo físico, podendo tanto curá lo quanto adoecê lo, dependendo do tipo de ação mental ou psíquica gerada pela pessoa.

Atualmente, uma verdadeira revolução científica está em pleno andamento. Nos laboratórios, múltiplas experiências provam de maneira irrefutável que os processos mentais e psíquicos possuem a capacidade de transformar o corpo e modificar seu metabolismo.

Prova se, por exemplo, e sem sombra de dúvida, que a hipnose substitui as anestesias, a meditação faz baixar a hipertensão arterial e manter o moral elevado incrementa o sistema imunológico. As neurociências   ciências que estudam o funcionamento do cérebro   e várias outras novas áreas científicas se desenvolvem a passos de gigante. Seu desafio é um dos maiores do século 21: a criação da psicomedicina.

Ao estudar as macro e as microestruturas do ser vivo, a ciência acumula provas de que a simples emissão de pensamentos desloca milhões de moléculas, cria novas formas no cérebro, estrutura interações celulares e moleculares inéditas, reforça o conhecimento dos laços reais entre nossos pensamentos e emoções e as reações do nosso organismo.

Todos esses fenômenos, cientificamente demonstrados, testemunham de modo perturbador que a mente e a psique exercem mesmo uma ação sobre a matéria. Indo mais além, demonstram que nada os separa: mente, psique e corpo constituem uma unidade integrada, interagindo o tempo todo para o nosso bem, e para o nosso mal. Tudo depende, fundamentalmente, de nós mesmos.

Para se fundir à religião, só falta à ciência admitir formalmente a existência de um quarto elemento: o espírito   essa entidade diáfana que, segundo se acredita, sobrevive à morte do corpo físico. Mas isso, segundo um número crescente de cientistas, é só questão de tempo.

Atuando na vanguarda dessas descobertas, as neurociências, por enquanto, se contentam em abolir a antiga fronteira entre o corpo e a mente, demonstrando que o pensamento é um “acontecimento” produzido pelo próprio corpo. São exatamente essas ciências do cérebro   as neurociências   que, nas últimas décadas, fornecem as ferramentas conceituais e os instrumentos de observação que permitem convalidar e compreender os meios que a mente e a psique utilizam para falar ao corpo.

Tais meios já deixaram de ser impenetráveis. A tal ponto que “o diálogo mente/psique/corpo ocupa hoje um lugar essencial na compreensão do homem e suscita centenas de experiências ao redor do mundo”, diz Michael Irwin, diretor do Centro de Psiconeuroimunologia Norman Cousin, de Los Angeles, nos Estados Unidos.

Quais são essas experiências? Descreveremos a seguir algumas delas, escolhidas dentre as mais recentes e mais pertinentes. Cada uma revela o fascinante poder da mente e da psique sobre o corpo. Algumas recorrem a práticas muito antigas como a da meditação, outras a conhecimentos mais recentes como o da realidade virtual. Mas todas lançam à ciência um desafio: embora revelem resultados rigorosamente constatados e avaliados, ainda falta encontrar uma explicação para os estranhos fenômenos que elas desvelam.

De imediato, a área mais afetada por essas descobertas é justamente a da medicina. Por sinal, a maior parte dessas experiências são conduzidas por médicos. As razões disso são fáceis de serem compreendidas: saber que a mente e a psique atuam sobre o corpo constitui uma formidável pista terapêutica. Ela conduzirá fatalmente a uma integração entre a medicina e a psicologia: ambas serão, finalmente, obrigadas a abandonar os seus preconceitos em relação uma à outra. Terão de unir suas forças e conhecimentos para, juntas, melhor poderem cuidar dos sofrimentos humanos.
 

HIPNOSE REDUZ A NECESSIDADE DE ANESTESIA

No Centro Hospitalar Universitário de Liége, Bélgica, médicos e enfermeiras já se acostumaram: várias cirurgias são realizadas com redução de até cinco vezes da dose habitualmente necessária de anestesia. Isso é resultado da introdução, nessa clínica, da hipnose em quase substituição da anestesia química. A prática foi lançada em 1992 pela médica anestesista Marie Elisabeth Faymonville. É ela quem hipnotiza o paciente momentos antes da cirurgia e, depois, permanece o tempo todo ao lado dele, sussurrando palavras indutivas que o mantém naquele estado especial de consciência, até que a cirurgia termine. Desde 1992, cerca de cinco mil pacientes foram operados sob hipnose naquele centro. O balanço final impressiona: nesse período, apenas 18 pacientes necessitaram da anestesia clássica para serem operados!

A dra. Faymonville apresentou esses resultados durante o último Congresso Mundial de Anestesia e Reanimação. Diante de seus colegas estupefatos, ela declarou: “A hipnose coloca o paciente num estado de consciência intermediária, entre a vigília e o sono, provocado pela estimulação verbal. Trata se de um estado de extrema concentração, ao qual todos podem ter acesso, desde que haja consentimento e motivação por parte da pessoa.” O efeito da hipnose é reforçado por uma ligeira sedação e uma anestesia local. “Mas a dosagem é cinco vezes inferior à da anestesia clássica”, afirma ela.

MEDITAÇÃO FAZ BAIXAR A PRESSÃO ARTERIAL

A médica formou agora, com sucesso, alguns dos seus colegas. Seu método é o da assim chamada “hipnose ericksoniana”, criado pelo psiquiatra norte americano Milton Erickson. Trata se de uma hipnose de tipo “médico”, que visa ao estabelecimento de uma comunicação privilegiada entre o médico e o paciente, e que não tem nada a ver com a hipnose espetaculosa que estamos acostumados a ver nos palcos.

Na França, e em vários outros países do mundo, outras clínicas já utilizam as técnicas da dra. Faymonville para tratar de dores ligadas a intervenções cirúrgicas, bem como aquelas provenientes de tratamentos de câncer e de lesões da coluna vertebral. Em alguns pacientes, a hipnose permite o completo abandono de produtos analgésicos poderosos como a morfina! Assim, depois de permanecer por muito tempo relegada ao domínio das paraciências, a hipnose chega enfim à medicina convencional.

Em 2003, no Augusta College, na Geórgia, EUA, 50 adolescentes afro americanos se submeteram durante quatro meses a uma experiência de meditação. Duas vezes por dia, tranqüilamente sentados num salão silencioso, os olhos fechados durante 15 minutos, eles ouviam um instrutor que, com voz suave, lhes murmurava mantras orientais. Objetivo: criar neles um “vazio emocional e mental” e fazê los alcançar um estado de relaxamento do corpo e da mente, por meio do uso de técnicas de meditação. Todos esses adolescentes sofriam de uma tendência à obesidade e, sobretudo, de hipertensão arterial precoce.

“Sabemos há muito tempo que os adeptos regulares da meditação mantêm uma pressão arterial normal”, comenta Vernon Barnes, fisiologista do Colégio Médico da Geórgia, e idealizador da experiência. Seu objetivo era verificar se a meditação poderia agir sobre a pressão arterial excessivamente alta daqueles jovens. Resultado positivo. Depois de quatro meses, a pressão arterial dos membros do grupo baixou em média 5 pontos! “Se eles continuarem por si mesmos a praticar meditação, afirma Barnes, sua pressão arterial será normal na idade adulta.”

APOIO PSICOLÓGICO ESTIMULA A IMUNOLOGIA

Levantar o moral de mulheres operadas de câncer de mama incrementa nelas a produção de glóbulos brancos. Este é o surpreendente fenômeno descoberto por um vasto programa de pesquisa desenvolvido pelo Centro de Estudos do Câncer da Universidade de Chio (EUA). Dirigido por Bárbara Andersen, professora de psicologia desse centro, o programa avalia a utilidade do apoio psicológico e comportamental sobre a evolução do câncer de mama.

Grupos formados com dez a 12 mulheres recentemente operadas se reúnem uma vez por semana, por algumas horas, durante pelo menos quatro meses, sob a direção de psicólogos clínicos. No programa, o combate ao estresse com o auxilio do relaxamento, o aprendizado de como reagir melhor em face às dificuldades, o combate à tendência de ficar fechado em si mesmo, o aconselhamento dietético, o combate ao cigarro, o aprendizado de ginásticas, e também o fornecimento de informações detalhadas sobre a doença e as terapias preconizadas, quimioterapia ou radioterapia.

Ao final do programa, do qual participaram ao todo 113 pacientes, os resultados foram eloqüentes: as pacientes não apenas se encontravam muito menos ansiosas e de melhor humor, mas seus parâmetros imunológicos tinham melhorado de modo significativo. A capacidade delas de produzir linfócitos T   glóbulos brancos que desempenham um papel chave na defesa contra células cancerosas   tinha aumentado.

No setor de atendimento aos grandes queimados (pessoas que sofreram queimaduras graves) do Hospital Americano de Seattle, o neuropsicólogo Hunter Hoffman experimentou um método para reduzir a dor dos pacientes baseado na “imersão virtual”.

Para tanto, o especialista utilizou o universo glacial da série televisiva “Snow World”, filmada em ambientes naturais caracterizados pela neve e pelo gelo. Hoffman emprega a tecnologia da realidade virtual   que utiliza óculos especiais para dar ao espectador a sensação, em terceira dimensão, de estar “dentro” da cena que visualiza. Vários pacientes se submeteram a tais sessões de realidade virtual, com resultados positivos evidentes: todos sentiram nítido alivio de suas dores, alguns afirmando que ela diminuíra cerca de 30% enquanto estavam submetidos à experiência.

Como esses, vários outros programas experimentais estão sendo desenvolvidos por cientistas em todo o mundo para tentar compreender os surpreendentes poderes da psique e da mente sobre o corpo humano. Os resultados obtidos até agora levam à certeza de que técnicas como a meditação, a concentração, a hipnose, a psicoterapia e o placebo, entre outras, são capazes de transformar o corpo, atenuar os sofrimentos, e às vezes até de curar doenças.

Falta compreender por que e como essas técnicas atuam. Mas isso não deve tardar. Milhares de neurologistas, imunologistas, cardiologistas, psicólogos estão reunidos numa mesma busca: descobrir o que acontece nas fronteiras do psiquismo e da fisiologia. Com uma primeira constatação indiscutível: “Hoje, para nós, as fronteiras entre psiquismo e fisiologia nos parecem bem discutíveis”, como afirma Esther Stemberg, diretora do programa de neuroimunologia integrada do Instituto Americano para a Saúde. 

Revista Planeta 
número 392
Maio de 2005
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