Pascal Beverly
(Nova Yorque,1825 – Toledo, 1875)
Dentre todos os Magos, filósofos e poetas do Século XIX, não há ninguém mais misterioso que Pascal Beverly Randolph. Ele era famoso em seu tempo por causa de suas novelas e seus tratados teóricos, pioneiros nas áreas da medicina e da psicologia.
Entre seus amigos, estavam Abraham Lincoln, Napoleon III, Eliphas Levi, Lord Bulwer-Lytton e Charles Mackay. Pascal Beverly Randolph, “PBR”, manteve-se, durante toda sua vida, sob o véu do segredo. O segredo que o envolvia era tão forte que, para diversos estudiosos e biógrafos, nada que se disser sobre ele pode ser colocado como fato.
PBR foi um homem intrigante, cuja vida pessoal era tão complexa e de hábitos tão secretos, que muitos fatos de sua vida são completamente desconhecidos. PBR publicou, ao longo da vida, mais de vinte livros, contando fatos de sua vida em muitos deles. Se a vida de PBR tinha um tema, esse tema era o Amor.
Seu “motto” pessoal era: “TENTE”.
Ele foi um defensor dos direitos da mulher muito antes de se pensar em “movimento feminista”. PBR foi o verdadeiro pioneiro da terapia sexual. Ele tinha uma enorme fé nas forças sobrenaturais, vivendo intensamente na pesquisa dessas formas de energia.
A vida de PBR não foi nada fácil: pensador liberal, político progressista, feminista, libertino, usuário de drogas, mulato, médico – tudo isso nos Estados Unidos do Século XIX!
PBR nasceu em 8 de outubro de 1825, no nº 70 da Canal Street, na cidade de Nova Yorque, filho de Flora Beverly e Edmund Randolph. Seu pai, Edmund, era um homem influente e famoso na época de seu nascimento, tendo sido um dos constituintes no nascimento dos Estados Unidos da América, posteriormente Governador do Estado da Virgínia, foi também o primeiro Procurador-Geral da Nação (no primeiro gabinete formado em Washington), e Secretário de Estado em 1794, jamais viu o filho.
Sua mãe, Flora, era uma Princesa negra de Madagáscar. Seu casamento com Edmund foi curto, tendo sido abandonada pelo marido antes do nascimento de PBR. Flora criou seu filho PBR na Ilha de Manhattan, sendo uma mãe dedicada até sua morte, quando foi vítima de uma das inúmeras pestilências epidêmicas de então. PBR tinha, nessa época, cinco anos de idade. PBR foi, então, enviado a um orfanato, ainda traumatizado pela perda de uma mãe tão estremada.
Durante sua penosa estada no orfanato, o jovem PBR teve diversas visões de sua falecida mãe, muitas das quais foram presenciadas e confirmadas por vários outros internos; diversas dessas aparições eram acompanhadas de fenômenos típicos de “poltergeist”. Numa dessas manifestações, sua mãe lhe disse: “DEIXE SEU “MOTTO” SER – TENTE!”
PBR teve de crescer assim, tendo por herança apenas uma mensagem de uma mãe que já se fora. Sua infância foi, também, permeada de doenças; PBR não fora uma criança saudável. Ele aprendeu a ler e escrever sozinho.
PBR foi crismado na Igreja Católica, aos oito anos de idade, com o nome de Beverly. Eram duros anos para um órfão na Nova Inglaterra da década de 1830. Em 1837, PBR embarcou no navio “Phoebe”, em New Bedford, como cabineiro. Esse foi o início de uma vida no mar que duraria oito anos – um período que PBR lembrava-se como “miserável e doloroso”. Mas a vida de marinheiro é uma grande escola.
Quando PBR voltou à vida em terra firme, era um homem mais sábio e forte. Suas viagens pelo mundo o levaram a conhecer culturas estranhas, provavelmente até mesmo sendo iniciado nos mistérios de povos distantes. Foi nessa época, também, que aprendeu diversos idiomas, entre eles o francês, que chegou a dominar. Esse aprendizado internacional forçado foi muito importante para expandir os horizontes da mente de PBR. Retornando à vida “terrestre” em 1848, PBR estava bem no meio do nascimento do Espiritualismo norte-americano.
Em Hydesville, Nova Yorque, três irmãs de sobrenome Fox, diziam estar constantemente se comunicando com espíritos dos mortos. PBR, assim como muitos de seus contemporâneos, mostrava-se fascinado com esses fenômenos. Ele estudou com afinco essas doutrinas, ao mesmo tempo que pesquisava e aprendia as práticas criadas pelo médico vienense Franz Anton Mesmer – o Mesmerismo.
Após alguns anos de estudos e práticas nessas áreas, PBR estava convencido de que as forças sobrenaturais deveriam ser estudadas com uma visão científica. Nessa época, PBR começou a estudar medicina e a preparar “elixires” com diversas finalidades. Graduado em medicina, PBR estabeleceu-se em 1854, em Boston. Lá, na Boylston Street, ele mantinha, junto ao consultório médico, um laboratório alquímico. Seu trabalho como médico, unido aos estudos da alquimia, acabaram por levá-lo a experimentar com drogas capazes de alterar a consciência – ópio, beladona e muitas outras.
Seu interesse pela sexualidade humana e pela magia, unido com suas “pesquisas” com drogas, lhe deram notoriedade e sucesso por dezoito anos. Depois disso, quando os ecos de seu trabalho atravessavam fronteiras, PBR começou a ser muito criticado e, posteriormente, perseguido.
Em 1861, ao romper da Guerra Civil, o Dr. PBR visitou a Califórnia, aonde palestrou, por dez semanas, sobre a doutrina Rosacruz, posteriormente fundando a primeira Loja Rosacruz naquele Estado. Depois disso, PBR partiu em viagem para o exterior – Inglaterra, Escócia, Irlanda, França, Malta, Egipto, Arábia, Síria, Palestina, Turquia, Grécia e outros Países. Durante esse período, PBR recebeu altas iniciações no Grand Dome da Rosacruz de Paris, França.
Esteve com o famoso Mago Eliphas Levi e Napoleon III, com os quais participou de ritos secretos. Nessa viagem foi que compilou material para sua famosa obra “O HOMEM PRÉ-ADAMITA”, dedicada a Abraham Lincoln, seu amigo particular. Em seu retorno aos Estados Unidos, mais precisamente a Boston, ofereceu seus serviços ao governo, tendo sido o criador de um regimento militar de soldados negros, “Black Union”, conhecido também como “Fremont Legion”. Em reconhecimento a esse trabalho, Lincoln indicou PBR para o cargo de “Principal of the Lincoln Memorial High Grade and Normal School”, uma escola para escravos libertos, na Louisiana. Durante esse período, em constante contato com os ex-escravos, PBR presenciou, pesquisou e estudou os rituais do Vudu. Em julho de 1866, PBR retornou aos Estados do nordeste americano, para levantar fundos destinados à sua escola.
Ele proferiu discursos, ministrou palestras e conferências na Nova Inglaterra, criando uma base eleitoral para a Convenção Loialista Sulista da Philadelphia. Mas parece que, mesmo após a Guerra da Secessão, o norte não estava pronto para sua política – nem para sua cor.
Derrotado e desgostoso retornou a Boston, reiniciando sua prática da medicina. Simultaneamente, dedicava-se, cada vez mais, aos estudos ocultos. Nesse período, escreveu diversos ensaios, de distribuição restrita, abordando mistérios Roscares, Ansariéticos, Siríacos e Tibetanos.
Se considerarmos seus escritos dessa época como a base da moderna tradição mágica ocidental, levando em conta que seus ensaios e livros são, no mínimo, vinte e cinco anos anteriores à criação da Golden Dawn (Aurora Dourada), podemos dizer que sua obra é a chave para a Magia moderna!
PBR fundou sua Sociedade oculta em 1870, em Boston, sob o nome de “Irmandade de Eulis” (“Eulis Brotherhood”). Entre seus membros, estavam diversos médicos e cientistas, que desejavam investigar o sobrenatural de forma científica. Nessa Sociedade, se fazia uso do sexo e das drogas, motivo pelo qual seus ensinamentos eram de carácter secreto. Apesar disso, muitos dos “segredos” passados somente entre os membros da Sociedade, “transpiraram” para fora de seus círculo.
Rumores e fofocas de coisas nefastas se espalharam, porém, e Helena Petrovna Blavatsky (HPB), mais tarde fundadora da Sociedade Teosófica, denunciou PBR, acusando-o de ter traído a Tradição Sagrada. Uma “guerra mágica” rompeu entre os dois – PBR e HPB – , de um lado a causa da moral espiritualística, defendida por HPB e, de outro lado, PBR mantendo a necessidade de investigar cientificamente os mistérios da Magia, das drogas e, principalmente, do sexo.
Em 1872, aconteceu o desastre: pressionada pelos inimigos de PBR, a polícia de Boston promoveu uma busca nas suas “Salas Rosacruzes” da rua Boylston, e ele foi preso por distribuir literatura que “incentivava o amor livre”.
PBR passou alguns dias na cadeia pública, sendo julgado a seguir. Foi considerado inocente das acusações, mas seus problemas estavam apenas começando.
O grande incêndio de Boston destruiu os escritórios de PBR, assim como seu laboratório, seus livros e anotações. Todo o trabalho de uma vida havia sido queimado. Logo após o fatídico incêndio, PBR foi denunciado como um libertino pelos espiritualistas; seus amigos começaram a voltar às costas para ele. Nesse período, foi roubado, extorquido e forçado a assinar documentos comprometedores.
Sem um centavo e derrotado, fixou-se na cidade de Toledo, no Estado de Ohio; em maio de 1873, financeiramente quebrado, ele sofreu um acidente ferroviário, quando conscientizou-se de que a morte era iminente. Ele havia vivido nos píncaros do sucesso e, agora, sua existência era desesperante. O destino cruel, elaborado insidiosamente pelas mentes deturpadas de Magos Negros, havia destruído (quase) toda a vida desse que fora uma das grandes vozes do Século XIX.
Mas uma centelha de Luz Divina parecia estar tentando iluminar a vida de PBR: no mesmo ano de 1873, PBR apaixonou-se por uma jovem e bela ativista-feminista. Casou-se com ela e, em 1874, ambos tiveram um filho, de nome Osiris Budh.
PBR continuou, em Toledo, a editar livros e divulgar a Irmandade de Eulis, sem nunca, porém, recobrar a glória de seus dias em Paris e Boston.
Em 29 de julho de 1875, PBR suicidou-se com um tiro de revólver na cabeça.
Seus seguidores afirmaram que os feitiços e a Magia Negra de HPB finalmente atingiram sua meta. Verdade ou não, é notável o fato de que HPB fundou sua Sociedade Teosófica no mesmo ano; foi também, nesse ano, que Eliphas Levi morreu, e que Aleister Crowley nasceu.
Em 1878, PBR “ditou”, do além, uma obra mediúnica, psicografada por duas senhoras de Toledo, F.H.MacDougall e Luna Hutchinson; essa obra, porém, não tem o mesmo vigor de suas obras “em vida”. Seu título é “ALÉM DO VÉU”.
Sua viúva e filho permaneceram vivendo em Toledo. Seu filho graduou-se em medicina em 1898, trabalhando como um médico de sucesso.
Seu “Magnum Opus”, “MAGIA SEXUALIS”, editado graças a uma de suas mais dedicadas e capazes discípulas, a franco-russo-polonesa Maria de Naglowska, discorre sobre temas como a Magia Sexual operativa, os Espelhos Mágicos, a Animação Mágica de estátuas e pinturas, e sobre os Condensadores líquidos e sólidos. Esses ensinamentos formaram a base pela qual Karl Kellner, antigo iniciado da Eulis, criou seu Sistema de Magia, formando, posteriormente, a O.T.O. – Ordo Templi Orientis.
Os ensinamentos mágicos de PBR, porém, influenciaram outros grandes nomes do ocultismo moderno. Entre eles, poderemos citar Aleister Crowley, Franz Bardon, Austin Osman Spare e Wilhelm “Ra Omir” Quintscher. Essa influência pode ser facilmente observada nas obras desses importantes ocultistas.
Entre os autores contemporâneos, podemos citar Peter James Carroll, Frater U:. D:., Michael Bertiaux e Kenneth Grant. Importante notar que o “MAGIA SEXUALIS” só teve sessenta cópias durante a vida de PBR, entregues somente aos seus mais caros discípulos; assim, seus ensinamentos permaneceram em segredo, somente ao acesso de uns poucos Iniciados, por mais de cem anos.
Em respeito a esse homem e sua obra, nós devemos, no mínimo, seguir uma de suas recomendações: “TENTE!”
Por Dr. José Roberto Abrahão