hist_biblicas_jesus[1]O Ensino Mais Eficaz
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No ensino de Cristo por parábolas, é manifesto o mesmo princípio de Sua própria missão ao mundo. Para que pudéssemos familiarizar-nos com Sua vida e caráter divinos, tomou Cristo nossa natureza e habitou entre nós. A divindade foi revelada na humanidade; a glória invisível, na visível forma humana. Os homens podiam aprender do desconhecido pelo conhecido; coisas celestiais foram reveladas pelas terrenas; Deus Se revelou na semelhança do homem. Assim era nos ensinos de Cristo: o desconhecido era ilustrado pelo conhecido; verdades divinas por coisas terrenas, com as quais o povo estava mais familiarizado.
Diz a Escritura: “Tudo isso disse Jesus por parábolas à multidão… para que se cumprisse o que fora dito pelo profeta, que disse: Abrirei em parábolas a boca; publicarei coisas ocultas desde a criação do mundo.” Mat. 13:34 e 35. As coisas naturais eram o veículo para as espirituais; cenas da Natureza e da experiência diária de seus ouvintes eram relacionadas com as verdades das Escrituras Sagradas. Guiando assim do reino natural para o espiritual, são as parábolas de Cristo, elos na cadeia da verdade que une o homem a Deus, e a Terra ao Céu.
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Em Seus ensinos da Natureza falava Cristo das coisas que Suas próprias mãos haviam criado, e que possuíam qualidades e faculdades, que Ele próprio lhes havia comunicado. Em Sua perfeição original, eram todas as coisas criadas a expressão do pensamento de Deus. Para Adão e Eva no seu lar paradisíaco, estava a Natureza cheia do conhecimento de Deus, transbordante de instrução divina. A sabedoria falava aos olhos e era acolhida no coração; pois eles comungavam com Deus pelas obras criadas. Logo que o santo par transgrediu a lei do Altíssimo, o resplendor da face de Deus desapareceu da face da Natureza. A Terra está agora deformada e maculada pelo pecado. Mas, mesmo nesta condição, muito do que é belo permanece. As lições objetivas de Deus, não são obliteradas; quando bem compreendida, a Natureza fala de seu Criador.
Nos dias de Cristo estas lições haviam sido perdidas de vista. Os homens tinham quase cessado de reconhecer a Deus em Suas obras. A natureza pecaminosa da humanidade atirara um véu sobre a bela face da criação; e em vez de revelarem a Deus, suas obras tornaram-se obstáculo que O ocultavam. Os homens “honraram e serviram mais a criatura do que o Criador”. Rom. 1:25. Desta maneira, os pagãos “em seus discursos se desvaneceram, e o seu coração insensato se obscureceu”. Rom. 1:21. Assim haviam inculcado em Israel ensinos de homens, em vez de ensinos divinos. Não somente a Natureza, mas o serviço sacrifical, e mesmo as Sagradas Escrituras, dados todos para revelar a Deus, foram tão truncados que se tornaram o meio de ocultá-Lo.
Cristo procurou remover aquilo que obscurecia a verdade. Veio tirar o véu que o pecado lançara sobre a face da Natureza,
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e desse modo trazer à luz a glória espiritual que todas as coisas foram criadas para refletir. Suas palavras focalizaram sob aspecto novo as lições da Natureza, bem como as da Bíblia, e as tornaram uma nova revelação.
Jesus colhia lírios formosos e os dava às crianças e jovens; e ao contemplarem-Lhe o rosto juvenil, em que brilhava a luz do semblante de Seu Pai, dava-lhes a lição: “Olhai para os lírios do campo, como eles [na simplicidade da beleza natural] crescem; não trabalham, nem fiam. E Eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles.” Mat. 6:28 e 29. A isto seguia então a doce segurança e a importante lição: “Pois, se Deus assim veste a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, não vos vestirá muito mais a vós, homens de pequena fé?” Mat. 6:30.
Essas palavras, no sermão da montanha, foram dirigidas ainda a outros, além das crianças e jovens. Eram dirigidas a toda a multidão, em cujo meio havia homens e mulheres sobrecarregados de aflições e perplexidades e magoados por desenganos e tristezas. Jesus prosseguiu: “Não andeis, pois, inquietos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos ou com que nos vestiremos? (Porque todas essas coisas os gentios procuram.) Decerto, vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas essas coisas.” Mat. 6:31 e 32. E estendendo as mãos à multidão circunstante, disse: “Mas buscai primeiro o reino de Deus, e a Sua justiça, e todas essas coisas vos serão acrescentadas.” Mat. 6:33.
Desta maneira interpretava Jesus a mensagem que Ele mesmo dera aos lírios e à relva do campo. Ele quer que a leiamos em cada lírio e em cada haste da relva. Suas palavras estão cheias de consoladoras afirmações e são próprias para fortalecer a confiança em Deus.
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Tão ampla era a visão que Cristo tinha da verdade, e tão extensos os Seus ensinamentos, que cada aspecto da Natureza foi utilizado para ilustrar verdades. As cenas, sobre que os olhos descansam cotidianamente, foram todas relacionadas com alguma verdade espiritual, de modo que a Natureza está revestida das parábolas do Mestre.
Na primeira parte do Seu ministério, falara Cristo ao povo com palavras tão simples, que todos os Seus ouvintes podiam compreender as verdades que os tornariam sábios para a salvação. Mas em muitos corações a verdade não se enraizara, e logo foi tirada. “Por isso, lhes falo por parábolas”, dizia Ele. “Porque eles, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem, nem compreendem. Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviu de mau grado com seus ouvidos e fechou seus olhos.” Mat. 13:13 e 15.
Jesus desejava despertar a indagação. Procurou despertar
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os indiferentes e impressionar-lhes o coração com a verdade. O ensino por parábolas era popular e atraía o respeito e a atenção, não só dos judeus mas também dos de outras nações. Ele não poderia haver usado método de ensino mais eficaz. Se Seus ouvintes desejassem o conhecimento das coisas divinas, poderiam compreender-Lhe as palavras, pois estava sempre pronto para explicá-las ao inquiridor sincero.
Cristo também tinha verdades para apresentar, as quais o povo não estava preparado para aceitar, nem mesmo compreender. Este é outro motivo, por que Ele lhes ensinava por parábolas. Relacionando Seu ensino com cenas da vida, da experiência ou da Natureza, assegurava a atenção e impressionava os corações. Mais tarde, ao olharem os objetos que Lhe haviam ilustrado os ensinos, lhes viriam à lembrança as palavras do divino Mestre. Às mentes que estavam abertas para o Espírito Santo foi, cada vez mais, desdobrada a significação dos ensinos do Salvador. Mistérios eram esclarecidos, e aquilo que fora difícil de compreender se tornava evidente.
Jesus procurava um caminho para cada coração. Usando ilustrações várias, não só expunha a verdade em Seus diversos aspectos, mas apelava também para os diferentes ouvintes. Despertava-lhes o interesse pelos quadros tirados do ambiente de sua vida diária. Ninguém que escutasse o

“Por isso, lhes falo por parábolas, porque eles, vendo, não vêem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías. … Porque o coração deste povo está endurecido, e ouviu de mau grado com seus ouvidos e fechou os olhos.” Mat. 13:13-15.
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Salvador podia sentir-se negligenciado nem esquecido. O mais humilde e pecador ouvia em Seus ensinos uma voz falar-lhe com simpatia e ternura.
Havia ainda outro motivo para os ensinar por parábolas. Entre as multidões que O rodeavam, havia sacerdotes e rabinos, escribas e anciãos, herodianos e maiorais, amantes do mundo, beatos, ambiciosos que desejavam, antes de tudo, achar alguma acusação contra Ele. Espias seguiam-Lhe os passos, dia a dia, para apanhá-Lo nalguma palavra que Lhe causasse a condenação, e fizesse silenciar para sempre Aquele que parecia atrair a Si o mundo todo. O Salvador compreendia o caráter desses homens e apresentava a verdade de maneira tal, que nada podiam achar que lhes desse oportunidade de levar Seu caso perante o Sinédrio. Em parábolas, Ele censurava a hipocrisia e o procedimento ímpio daqueles que ocupavam altas posições, e, em linguagem figurada, vestia a verdade de tão penetrante caráter que, se as mesmas fossem apresentadas como acusações diretas, não dariam ouvidos a Suas palavras e teriam dado fim rápido a Seu ministério. Mas enquanto repelia os espias, expunha a palavra tão claramente, que o erro era reconhecido e os sinceros lucravam com Suas lições. A sabedoria divina e a inesgotável graça foram claramente expostas pelas obras da criação de Deus. Pela Natureza e pelas experiências da vida, foram os homens ensinados a respeito de Deus. “As Suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o Seu eterno poder como a Sua divindade, se entendem e claramente se vêem pelas coisas que estão criadas.” Rom. 1:20.
No ensino do Salvador por meio de parábolas, há uma indicação do que constitui a verdadeira educação superior. Cristo poderia ter desvendado aos homens as mais profundas verdades da Ciência. Poderia ter revelado mistérios que têm exigido o esforço e estudo de muitos séculos para penetrá-los. Poderia ter feito sugestões em ramos de Ciência que dariam
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matéria para pensar e estímulo para invenção até ao fim do tempo. Mas não o fez. Não disse coisa alguma para satisfazer a curiosidade ou a ambição dos homens, abrindo portas à grandeza mundana. Em todos os ensinamentos, levava Cristo a mente do homem em contato com a Mente Infinita. Não atraía a multidão para estudar teorias humanas sobre Deus e Sua palavra ou obras. Ensinava-os a contemplá-Lo manifestado em Suas obras, palavras e providências.
Cristo não tratava de teorias abstratas, mas daquilo que é essencial ao desenvolvimento do caráter, e que ampliará a capacidade humana para conhecer a Deus, aumentando-lhe a eficiência para fazer o bem. Falava aos homens das verdades que se relacionam com a conduta da vida e se prendem à eternidade.
Era Cristo que dirigia a educação de Israel. A respeito dos mandamentos e prescrições do Senhor, dizia: “E as intimarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te, e levantando-te.
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Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por testeiras entre os teus olhos. E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas portas.” Deut. 6:7-9. Em Seus ensinos mostrava Jesus como este mandamento devia ser cumprido, como as leis e princípios do reino de Deus podiam ser apresentados de modo que lhe revelassem a beleza e preciosidade. Quando o Senhor educava os filhos de Israel para se tornarem Seus representantes peculiares, deu-lhes moradia entre as colinas e vales. Na vida familiar e em seu serviço religioso, eram levados em contínuo contato com a Natureza e com a Palavra de Deus. Assim ensinava Cristo a Seus discípulos, junto ao lago, na encosta das montanhas, nos campos e nos bosques, onde podiam contemplar as obras da Natureza, com as quais ilustrava Seus ensinos. Aprendendo então de Cristo, utilizavam o conhecimento recebido, tornando-se coobreiros em Seu trabalho.
Assim, pela criação, devemos conhecer o Criador. O livro da Natureza é um grande guia que devemos usar em conexão com as Sagradas Escrituras, para ensinar a outros sobre Seu caráter e reconduzir ovelhas perdidas ao redil de Deus. Ao estudarmos as obras de Deus, o Espírito Santo faz raiar convicção na mente. Não é a convicção que o raciocínio lógico produz; mas, a não ser que a mente se tenha tornado muito entenebrecida para reconhecer a Deus, muito turvos os olhos para vê-Lo, os ouvidos muito moucos para ouvir-Lhe a voz, uma significação mais profunda é apreendida, e as sublimes verdades espirituais da Palavra escrita são gravadas no coração.
Nestes ensinos tirados diretamente da Natureza há uma simplicidade e candura que lhes emprestam o maior valor. Todos necessitam das lições oriundas dessa fonte. Em si mesmo o encanto da Natureza desvia a mente, do pecado e das atrações mundanas, para a pureza, para a paz e para Deus.
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Muito freqüentemente se enche a mente dos estudantes de teorias e especulações humanas, falsamente chamadas Ciência e Filosofia. Devem eles ser postos em íntimo contato com a Natureza. Aprendam que a criação e o cristianismo têm um único Deus. Sejam ensinados a ver a harmonia do natural com o espiritual. Tudo quanto os seus olhos contemplam ou as mãos manuseiam lhes sirva de ensino na formação do caráter. Desta maneira as faculdades mentais são fortalecidas, desenvolvido o caráter e toda a vida enobrecida. 
O propósito de Cristo no ensino por parábolas e o propósito do sábado são o mesmo. Deus deu aos homens o memorial de Seu poder criador para que O discernissem nas obras de Suas mãos. O sábado convida-nos a contemplar, nas obras criadas, a glória do Criador. Por desejar Jesus que assim
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fizéssemos, foi que envolveu as Suas preciosas lições com a beleza das coisas naturais. Mais do que em qualquer outro dia, devemos, no santo dia de descanso, estudar as mensagens que Deus para nós escreveu na Natureza. Devemos estudar as parábolas do Salvador onde Ele as pronunciou, nos campos e prados, sob céu aberto, entre a relva e as flores. À medida que penetramos no seio da Natureza, Cristo nos torna real a Sua presença, e nos fala ao coração de Sua paz e amor.
Não ligou Cristo Seus ensinos somente com o dia de repouso, mas com a semana de trabalho. Ele tem sabedoria para aquele que guia o arado e espalha a semente. No arar e no semear, no lavrar e no colher, ensina-nos a ver uma ilustração de Sua obra de graça no coração. Deseja que em cada ramo de trabalho útil e em cada associação da vida achemos uma lição da verdade divina. Então nossa labuta cotidiana não mais nos absorverá a atenção para nos levar a esquecer de Deus; continuamente nos lembrará o Criador e Redentor. O pensamento em Deus, qual fio de ouro,
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passará entretecido em todos os nossos cuidados e ocupações domésticas. Para nós, a glória do Seu semblante repousará novamente na face da Natureza. Estaremos aprendendo novas lições de verdades celestiais e crescendo à semelhança de Sua pureza. E desta maneira seremos ensinados pelo Senhor (Isa. 54:13); e, no estado em que somos chamados, ficaremos “diante de Deus”. I Cor. 7:24.
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A Sementeira da Verdade
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O Semeador e a Semente
Pela parábola do semeador, ilustra Cristo as coisas do reino dos Céus e a obra do grande Lavrador para o Seu povo. Como um semeador no campo, assim veio Ele também para espalhar a semente celestial da verdade. E Seu ensino por parábolas era a semente, com a qual as mais preciosas verdades de Sua graça foram disseminadas. Por sua simplicidade, a parábola do semeador não tem sido apreciada como devia. Da semente natural que é lançada na terra, Cristo deseja dirigir-nos o espírito para a semente do evangelho, cuja semeadura resulta em reconduzir o homem à lealdade para com Deus. Ele, que deu a parábola da pequena semente, é o Soberano do Céu, e as mesmas leis que regem o semear da semente terrena, regem o semear das sementes da verdade.
Tinha-se aglomerado, junto ao Mar da Galiléia, uma multidão curiosa e expectante para ver e ouvir a Jesus. Lá havia doentes que estavam deitados em leitos, e esperavam para apresentar-Lhe seu caso. Deus Lhe havia dado o direito de aliviar a dor de
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uma geração pecaminosa e agora repreendia a enfermidade e difundia ao Seu redor vida, saúde e paz.
Aumentando a multidão continuamente, o povo se comprimia ao redor de Cristo até não haver mais espaço para contê-los. Então, dirigindo uma palavra aos homens nos botes, subiu à embarcação que estava pronta para levá-Lo à outra margem do lago, e ordenando aos discípulos que se afastassem um pouco da terra, falou à multidão reunida na margem.
Junto ao lago estava a bela planície de Genesaré, além erguiam-se as colinas, e no sopé do monte, como também no planalto, havia semeadores e ceifeiros trabalhando, uns espalhando a semente e os outros ceifando o cereal maduro. Contemplando esta cena, disse Cristo:
“Eis que o semeador saiu a semear. E, quando semeava, uma parte da semente caiu ao pé do caminho, e vieram as aves e comeram-na; e outra parte caiu em pedregais, onde não havia terra bastante, e logo nasceu, porque não tinha terra funda. Mas, vindo o Sol, queimou-se e secou-se, porque não tinha raiz. E outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram e sufocaram-na. E outra caiu em boa terra e deu fruto: um, a cem, outro, a sessenta, e outro, a trinta.” Mat. 13:3-8.
A missão de Cristo não foi compreendida pelos homens de Seu tempo. A maneira de Sua vinda não estava em harmonia com a expectativa deles. O Senhor Jesus era o fundamento de toda a dispensação judaica. Suas imponentes cerimônias foram ordenados por Deus. Foram designados para ensinar ao povo, que no tempo determinado, viria Aquele ao qual apontavam aquelas cerimônias. Mas os judeus tinham exaltado as formalidades e cerimônias, e perdido de vista seu objetivo. As tradições, máximas e decretos de homens ocultavam-lhes as lições que Deus intencionava comunicar-lhes. Essas máximas e tradições tornaram-se um
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obstáculo para a sua compreensão e prática da verdadeira religião. E ao vir a realidade, na pessoa de Cristo, não reconheceram nEle o cumprimento de todos os símbolos, a substância de todas as sombras. Rejeitaram o antítipo, e apegaram-se a seus tipos e cerimônias inúteis. O Filho do homem viera, mas continuaram pedindo um sinal. À mensagem: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos Céus” (Mat. 3:2), respondiam exigindo um milagre. O evangelho de Cristo lhes era uma pedra de tropeço, porque, em vez de um Salvador, pediam um sinal. Esperavam que o Messias provasse Suas reivindicações por vitórias brilhantes, para estabelecer Seu império sobre as ruínas de reinos terrestres. Como resposta a essa expectativa, deu Cristo a parábola do semeador. O reino de Deus não devia prevalecer pela força de armas nem por intervenções violentas, mas pela implantação de um princípio novo no coração dos homens.
“O que semeia a boa semente é o Filho do homem.” Mat. 13:37. Cristo viera, não como rei, mas como semeador; não para subverter reinos, mas para espalhar a semente; não para levar Seus seguidores a triunfos terrenos e grandezas nacionais, mas para uma colheita que será ganha depois de paciente trabalho, e por perdas e desilusões.
Os fariseus compreendiam a significação da parábola de Cristo; mas o Seu ensino lhes era indesejável. Faziam como se não o compreendessem. À grande massa envolvia-se num maior mistério ainda o propósito do novo Mestre, cujas palavras lhes moviam tão estranhamente o espírito e tão amargamente desapontavam as ambições. Os discípulos mesmos não compreenderam a parábola, mas foi-lhes instigado o interesse. Foram ter depois particularmente com Jesus e pediram explicação.
Este desejo era justamente o que Jesus pretendia despertar para que lhes pudesse dar instrução mais definida.
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Explicou-lhes a parábola, do mesmo modo que tornará clara Sua palavra a todos os que O procuram em sinceridade de coração. Os que estudam a Palavra de Deus com o coração aberto para a iluminação do Espírito Santo, não permanecerão em trevas quanto à significação da mesma. “Se alguém quiser fazer a vontade dEle”, dizia Cristo, “pela mesma doutrina, conhecerá se ela é de Deus ou se Eu falo de Mim mesmo.” João 7:17. Todos os que vão a Cristo com o desejo de um mais claro conhecimento da verdade, o receberão. Ele lhes desdobrará os mistérios do reino dos Céus, e os mesmos serão compreendidos pelos corações que anelam conhecer a verdade. Uma luz celeste raiará no templo da alma e será revelada a outros como o brilho refulgente de uma lâmpada em estrada tenebrosa.
“Eis que o semeador saiu a semear.” Mat. 13:3. No oriente tão incertas eram as circunstâncias, e as violências tão grande perigo ocasionavam, que o povo morava principalmente em cidades muradas, e os lavradores saíam diariamente para o trabalho. Assim saiu também Cristo, o Semeador celeste, a semear. Deixou Seu lar seguro e cheio de paz, deixou a glória que possuía junto ao Pai, antes de o mundo existir, deixou Sua posição no trono do Universo. Saiu como homem sofredor e tentado; saiu em solidão para semear em lágrimas e para regar com o próprio sangue a semente da vida para um mundo perdido.
Igualmente, Seus servos precisam sair para semear. Quando Abraão foi chamado para tornar-se semeador da semente da verdade, foi-lhe ordenado: “Sai-te da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que Eu te mostrarei.” Gên. 12:1. “E saiu, sem saber para onde ia.” Heb. 11:8. Assim também recebeu Paulo a ordem divina, enquanto orava no templo em Jerusalém: “Vai, porque hei de enviar-te aos gentios de longe.” Atos 22:21. Assim todos os que são chamados
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para unir-se a Cristo, precisam deixar tudo para segui-Lo. Velhas relações precisam ser cortadas, planos de vida abandonados, esperanças terreais renunciadas. Com trabalho e lágrimas, na solidão e por sacrifício, deve a semente ser lançada.
“O semeador semeia a Palavra.” Cristo veio para semear o mundo com a verdade. Durante todo o tempo, desde a queda do homem, tem Satanás lançado a semente do erro. Por uma mentira ganhou o domínio sobre os homens, e da mesma maneira trabalha ainda para subverter o reino de Deus na Terra e submeter
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os homens a seu poderio. Como semeador de um mundo mais elevado, veio Cristo para lançar as sementes da verdade. Ele, que tomou parte no conselho de Deus e morou no mais íntimo santuário do Eterno, podia dar aos homens os puros princípios da verdade. Desde a queda do homem, Cristo tem sido o Revelador da verdade ao mundo. Por Ele foi transmitida ao homem a semente incorruptível, a “Palavra de Deus, viva e que permanece para sempre”. I Ped. 1:23. Naquela primeira promessa dada no Éden à humanidade caída Cristo lançava a semente do evangelho. Mas a parábola do semeador aplica-se especialmente a Seu ministério pessoal entre os homens, e à obra que Ele assim estabeleceu.
A Palavra de Deus é a semente. Toda semente tem em si um princípio germinativo. Nela está contida a vida da planta. Do mesmo modo há vida na Palavra de Deus. Cristo diz: “As palavras que Eu vos disse são espírito e vida.” João 6:63. “Quem ouve a Minha palavra e crê nAquele que Me enviou tem a vida eterna.” João 5:24. Em cada mandamento, em cada promessa da Palavra de Deus está o poder, sim, a vida de Deus, pelo qual o mandamento pode ser cumprido e realizada a promessa. Aquele que pela fé aceita a Palavra, recebe a própria vida e o caráter de Deus.
Cada semente produz fruto segundo sua espécie. Lançai a semente sob condições adequadas, e desenvolverá sua própria vida na planta. Recebei na alma, pela fé, a incorruptível semente da Palavra, e ela produzirá caráter e vida à semelhança do caráter e vida de Deus.
Os mestres de Israel não disseminavam a semente da Palavra de Deus. A obra de Cristo como Mestre da verdade estava em notável contraste com a dos rabinos do Seu tempo. Eles se firmavam sobre tradições, teorias humanas e especulações. Muitas vezes aquilo que homens tinham ensinado ou escrito sobre
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a Palavra, colocavam no lugar da própria Palavra. Seus ensinos não tinham poder para refrigerar a alma. O tema das pregações e ensinamentos de Cristo era a Palavra de Deus. Respondia a interlocutores com um simples: “Está escrito.” Luc. 4:8 e 10. “Que diz a Escritura?” “Como lês?” Luc. 10:26. Em cada oportunidade, quando era despertado interesse por um amigo ou adversário, lançava a semente da Palavra. Ele, que é o Caminho, a Verdade e a Vida, Ele que é o próprio Verbo vivo, aponta às Escrituras e diz: “São elas que de Mim testificam.” João 5:39. “E, começando por Moisés e por todos os profetas, explicava-lhes o que dEle se achava em todas as Escrituras.” Luc. 24:27.
Os servos de Cristo devem fazer a mesma obra. Em nosso tempo, como na antiguidade, as verdades vitais da Palavra de Deus são substituídas por teorias e especulações humanas. Muitos professos ministros do Evangelho não aceitam toda a Bíblia como a Palavra inspirada. Um sábio rejeita esta parte, outro duvida daquela. Elevam sua opinião acima da Palavra; e as Escrituras que eles ensinam, repousam sobre a autoridade deles próprios. Sua autenticidade divina é destruída. Deste modo é semeada largamente a semente da incredulidade; porque o povo é confundido e não sabe o que crer. Há muitas crenças que a mente não tem o direito de entreter. Nos dias de Cristo os rabinos forçavam uma construção mística sobre muitas porções das Escrituras. Porque os claros ensinos da Palavra de Deus lhes condenavam as práticas, procuravam destruir-lhes a força. O mesmo acontece hoje em dia. Deixa-se parecer a Palavra de Deus cheia de mistérios e trevas, para desculpar as transgressões de Sua lei. Em Seus dias, Cristo censurava estas práticas. Ensinava que a Palavra de Deus deve ser compreendida por todos. Apontava às Escrituras como de autoridade inquestionável, e devemos fazer o mesmo. A Bíblia deve ser apresentada como a Palavra do Deus infinito,
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como o termo de toda polêmica e o fundamento de toda fé.
A Bíblia tem sido espoliada de seu poder, e vemos a conseqüência no abaixamento do tom da vida espiritual. Nos sermões de muitos púlpitos de hoje, não há aquela divina manifestação, que desperta a consciência e dá vida à alma. Os ouvintes não podem dizer: “Porventura, não ardia em nós o nosso coração quando, pelo caminho, nos falava e quando nos abria as Escrituras?” Luc. 24:32. Há muitos que estão clamando pelo Deus vivo, e anseiam a presença divina. Teorias filosóficas ou composições literárias, embora brilhantes, não podem satisfazer o coração. As afirmações e descobrimentos dos homens não têm valor algum. Fale a Palavra de Deus ao povo! Os que só ouviram tradições, teorias e máximas humanas, ouçam a voz dAquele cuja palavra pode renovar a alma para a vida eterna.
O tema predileto de Cristo era o amor paterno e a abundante graça de Deus; demorava-Se muito sobre a santidade de Seu caráter e de Sua lei; e apresentou-Se a Si mesmo aos homens como o Caminho, a Verdade e a Vida. Sejam estes os temas dos ministros de Cristo! Anunciai a verdade como é em Jesus. Explicai as reivindicações da Lei e do Evangelho. Contai ao povo da vida de renúncia e sacrifício de Cristo; de Sua humilhação e morte; de Sua ressurreição e ascensão; de Sua intercessão por eles na corte de Deus; de Sua promessa: “Virei outra vez e vos levarei para Mim mesmo.” João 14:3.
Em vez de disputar sobre teorias errôneas ou procurar combater os oponentes do Evangelho, segui o exemplo de Cristo. Reavivai as sãs verdades do tesouro de Deus. Pregai a Palavra. “Semeais sobre todas as águas.” Isa. 32:20. “A tempo e fora de tempo.” II Tim. 4:2. “Aquele em quem está a Minha Palavra, que fale a Minha Palavra, com verdade. Que tem a palha
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com o trigo? – diz o Senhor.” Jer. 23:28. “Toda Palavra de Deus é pura. … Nada acrescentes às Suas palavras, para que não te repreenda, e sejas achado mentiroso.” Prov. 30:5 e 6.
“O semeador semeia a Palavra.” Eis exposto o grande princípio que deve fundamentar toda obra educacional. “A semente é a Palavra de Deus.” Luc. 8:11. Mas em muitíssimas escolas de nossos dias a Palavra de Deus é posta de lado. Outros assuntos ocupam a mente. O estudo de autores incrédulos tem parte preponderante em nosso sistema educacional. Sentimentos céticos estão entretecidos com a matéria dos livros escolares. Pesquisas científicas tornam-se ilusórias, porque seus descobrimentos são mal interpretados e pervertidos. A Palavra de Deus é comparada aos supostos ensinos da Ciência, sendo considerada incerta e indigna de confiança. Assim é implantada no espírito dos jovens a semente da dúvida e, no tempo da tentação, germina. Ao perder a fé na Palavra de Deus, a mente não tem guia, nem salvaguarda. Os jovens são levados a caminhos que desviam de Deus e da vida eterna.
A esta causa pode, em elevado grau, ser atribuída a iniqüidade difundida no mundo hoje em dia. Quando a Palavra de Deus é posta de lado, é rejeitado também seu poder de refrear as paixões pecaminosas do coração natural. Os homens semeiam na carne, e da carne colhem a corrupção.
Eis também a grande causa de fraqueza e ineficiência mental. Desviando-se da Palavra de Deus, para alimentar-se nos escritos de homens não inspirados, o espírito se deprecia e rebaixa. Não é levado em contato com os profundos e amplos princípios da verdade eterna. A inteligência adapta-se à compreensão das coisas que lhe são familiares e, nesta devoção às coisas finitas, ela é debilitada, seu poder limitado e, no decorrer de algum tempo, torna-se inapta para se expandir.
Tudo isso é educação falsa. Deveria ser o cuidado de todo
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professor fixar o espírito dos jovens sobre as grandes verdades da Palavra inspirada. Essa é a educação essencial para esta vida e para a vindoura.
Não se pense que isso impedirá o estudo das ciências ou causará norma medíocre de educação. O conhecimento de Deus é tão alto quanto o Céu, e tão vasto quanto o Universo. Nada é tão enobrecedor nem tão importante como o estudo dos grandes temas que concernem à nossa vida eterna. Procure a juventude compreender essas verdades doadas por Deus; expandir-se-lhe-á a mente, e fortificar-se-á nesse esforço. Levará todo aluno que é praticante da Palavra a um mais amplo campo de pensamento, e ser-lhe-á assegurado um tesouro de sabedoria que é imperecível.
A educação adquirida pelo esquadrinhar das Escrituras, consiste no conhecimento experimental do plano da salvação.
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Uma tal instrução restaurará a imagem de Deus no ser humano. Fortalecerá e firmará o espírito contra tentações, e habilitará o estudante a tornar-se coobreiro de Cristo em Sua misericordiosa missão ao mundo. Fará dele um membro da família celestial, preparando-o para participar da herança dos santos na luz.
Mas o professor da verdade sagrada só poderá comunicar aquilo que ele conhece por experiência própria. “O semeador semeia sua semente.” Cristo ensinava a verdade, porque Ele era a verdade. Seu pensar, Seu caráter, Sua experiência da vida eram incorporados em Seus ensinos. Assim também é com Seus servos; os que querem ensinar a Palavra de Deus precisam apropriar-se dela pela experiência pessoal. Precisam saber o que significa Cristo ser-lhes feito sabedoria, justiça, santificação e redenção. Proclamando a Palavra de Deus, não devem fazê-la parecer duvidosa nem incerta. Devem declarar com o apóstolo Pedro: “Porque não vos fizemos saber a virtude e a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, seguindo fábulas artificialmente compostas, mas nós mesmos vimos a Sua majestade.” II Ped. 1:16. Todo ministro de Cristo e todo professor deve estar habilitado a dizer com o amado João: “Porque a vida foi manifestada, e nós a vimos, e testificamos dela, e vos anunciamos a vida eterna, que estava com o Pai e nos foi manifestada.” I João 1:2.
À Beira do Caminho
Aquilo de que a parábola do semeador principalmente trata é o efeito produzido sobre o crescimento da semente pelo solo em que é lançada. Por essa parábola diz Jesus virtualmente a Seus ouvintes: Não é seguro vos colocardes como críticos de Minha obra, ou condescenderdes com desapontamentos por não corresponder a vossas opiniões.
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A questão de maior importância para vós é: Como tratais Minha mensagem? De vossa aceitação ou rejeição da mesma depende vosso destino eterno.
Na explicação da semente que caiu à beira do caminho, disse: “Ouvindo alguém a Palavra do Reino e não a entendendo, vem o maligno e arrebata o que foi semeado no seu coração; este é o que foi semeado ao pé do caminho.” Mat. 13:19.
A semente lançada à beira do caminho representa a Palavra de Deus quando cai no coração de um ouvinte desatento. Como o calcado caminho, pisado pelos pés de homens e animais, é o coração que se torna estrada para o comércio do mundo, seus prazeres e pecados. Absorvido em aspirações egoístas e condescendência pecaminosa, o coração se endurece “pelo engano do pecado”. Heb. 3:13. As faculdades espirituais são enfraquecidas. O homem ouve, sim, a Palavra, mas não a entende. Não discerne que ela se aplica a ele próprio. Não reconhece suas necessidades nem seu perigo. Não percebe o amor de Cristo, e passa pela mensagem de Sua graça como alguma coisa que não lhe diz respeito.
Como os pássaros estão prontos para tirar a semente do caminho, assim também Satanás está atento para tirar da mente os princípios da verdade divina. Teme que a Palavra de Deus possa despertar os negligentes e ter efeito sobre o coração endurecido. Satanás e seus anjos estão nas reuniões onde o evangelho é pregado. Enquanto anjos do Céu se esforçam para impressionar os corações com a Palavra de Deus, o inimigo está alerta para torná-la sem efeito. Com fervor só comparável à sua maldade, procura frustrar a obra do Espírito de Deus. Enquanto Cristo, pelo Seu amor, atrai a alma, Satanás procura desviar a atenção daquele que é movido a buscar o Salvador. Preocupa a mente com projetos mundanos. Instiga
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a crítica ou insinua dúvida e incredulidade. A linguagem do orador ou suas maneiras podem não agradar o ouvinte, e ele se detém sobre esses defeitos. Assim, a verdade de que carecem, e que Deus lhes enviou tão graciosamente, não causa impressão duradoura. 
Satanás tem muitos auxiliares. Muitos que se dizem cristãos ajudam o tentador a tirar de outros as sementes da verdade. Muitos que ouvem a pregação da Palavra de Deus, fazem-na em casa objeto de crítica. Julgam a pregação, como se estivessem dando opinião sobre um discurso ou a respeito de um orador político. A mensagem que deve ser considerada a Palavra do Senhor para eles, é discutida com comentários frívolos e sarcásticos. O caráter, motivos e atos do pregador como também o procedimento dos membros da congregação são discutidos livremente. Pronuncia-se crítica cruel; calúnias e boatos são repetidos, e tudo isso aos ouvidos de não-conversos. Muitas vezes essas coisas são faladas pelos pais
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ao ouvido dos próprios filhos. Desse modo destrói-se o respeito aos mensageiros de Deus e a reverência à Sua mensagem, e muitos são ensinados a considerar levianamente a própria Palavra de Deus.
Assim, nos lares de professos cristãos são educados muitos jovens de modo a se tornarem incrédulos; e os pais perguntam por que os filhos possuem tão pouco interesse no evangelho e estão tão prontos para duvidar da verdade da Bíblia. Admiram-se de que seja tão difícil alcançá-los com influências morais e religiosas. Não vêem que seu próprio exemplo endureceu o coração dos filhos. A boa semente não acha lugar para se enraizar, e Satanás a arranca.
No Pedregal
“Porém o que foi semeado em pedregais é o que ouve a Palavra e logo a recebe com alegria; mas não tem raiz em si mesmo; antes, é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição por causa da Palavra, logo se ofende.” Mat. 13:20 e 21.
A semente lançada no pedregal encontra solo pouco profundo. A planta brota rapidamente, mas as raízes não podem penetrar no rochedo a fim de obter nutrição para sustentar seu crescimento, e logo perece. Muitos que professam religião são ouvintes de pedregais. Como a rocha está sob o sedimento de terra, está o egoísmo próprio do coração natural sob os bons desejos e aspirações. O amor ao próprio eu não está subjugado. Ainda não viram a extraordinária iniqüidade do pecado, e o coração não está humilhado pelo sentimento de culpabilidade. Esta classe pode ser convencida com facilidade e parecer de promissores conversos, mas só possuem religião superficial.
Não é por aceitarem a Palavra imediatamente, nem por se alegrarem na mesma, que os homens apostatam.
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Quando Mateus ouviu o chamado do Salvador, levantou-se imediatamente, deixou tudo e O seguiu. Deus quer que aceitemos a Palavra divina logo que venha a nosso coração, e é justo que a recebamos com alegria. Haverá “alegria no Céu por um pecador que se arrepende” (Luc. 15:7), e há alegria na alma que crê em Cristo. Mas aqueles de quem se fala na parábola, que aceitam logo a Palavra, não calculam o custo. Não ponderam o que deles exige a Palavra de Deus. Não a confrontam diretamente com todos os seus hábitos de vida e não se submetem completamente à sua direção.
As raízes da planta penetram profundamente no solo, e ocultas a nossos olhos alimentam-lhe a vida. Assim é com os cristãos; a vida espiritual é alimentada pela união invisível da alma com Cristo, mediante a fé. Mas os ouvintes de pedregais confiam em si mesmos, em vez de confiar em Cristo. Depositam sua confiança nas boas obras e bons motivos, e estão fortes em sua própria justiça. Não estão firmes no Senhor e na força de Seu poder. Esse “não tem raiz em si”, porque não está ligado a Cristo.
O ardente sol de verão, que fortifica e amadurece o grão sadio, destrói aquele que não tem raízes profundas. Assim o que “não tem raiz em si mesmo; … é de pouca duração; e, chegada a angústia e a perseguição por causa da Palavra, logo se ofende”. Mat. 13:21. Muitos aceitam o evangelho para escapar ao sofrimento e não para serem libertos do pecado. Regozijam-se algum tempo pensando que a religião os livrará de dificuldades e provações. Enquanto a vida decorre suavemente, podem parecer coerentes. Todavia desfalecem sob a ardente prova da tentação. Não podem levar o opróbrio por amor de Cristo. Ofendem-se quando a Palavra de Deus lhes aponta algum pecado acariciado ou exige renúncia e sacrifício.
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Custar-lhes-ia muito esforço fazer mudança radical de vida. Olham as desvantagens e provações presentes e esquecem as realidades eternas. Como os discípulos que deixaram a Jesus, estão também prontos para dizer: “Duro é este discurso; quem o pode ouvir?” João 6:60.
Muitos há que dizem servir a Deus, mas não têm o conhecimento experimental dEle. O desejo de fazer Sua vontade baseia-se em suas próprias inclinações, e não na profunda convicção efetuada pelo Espírito Santo. Seu procedimento não está em harmonia com a lei de Deus. Professam aceitar a Cristo como seu Salvador, contudo não crêem que lhes dará forças para vencer o pecado. Não têm relação pessoal com o Salvador vivo e seu caráter revela faltas herdadas e cultivadas.
Uma coisa é aprovar de modo geral o agente do Espírito Santo, e outra, aceitar Sua obra como reprovador, chamando-nos ao arrependimento. Muitos têm uma intuição de separação de Deus, e de estar debaixo da servidão do pecado e do próprio eu; esforçam-se para se reformarem, mas não crucificam o próprio eu. Não se entregam inteiramente às mãos de Cristo, procurando forças divinas para Lhe fazer a vontade. Não consentem em deixar-se moldar à semelhança divina. Reconhecem de modo geral suas imperfeições, mas não confessam particularmente cada pecado. Com cada ação errada, a velha natureza egoísta é fortalecida.
A única esperança para essas pessoas é reconhecer em si mesmas a verdade das palavras de Cristo a Nicodemos: “Necessário vos é nascer de novo. Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus.” João 3:7 e 3.
Verdadeira santidade é integridade no serviço de Deus. Essa é a condição da verdadeira vida cristã. Cristo requer a
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entrega sem reservas, o serviço não dividido. Exige o coração, a mente, o intelecto e as forças. O eu não deve ser acariciado. Quem vive para si mesmo não é cristão.
O amor precisa ser o móvel de ação. O amor é o princípio básico do governo de Deus no Céu e na Terra, e deve ser o fundamento do caráter cristão. Isso unicamente pode torná-lo e guardá-lo inabalável; habilitá-lo a resistir às provas e tentações.
E o amor será revelado no sacrifício. O plano de salvação foi firmado em sacrifício – um sacrifício tão profundo, amplo e alto, que é incomensurável. Cristo entregou tudo por nós; e os que aceitam a Cristo estarão prontos para sacrificar tudo pela causa de seu Redentor. O pensamento de Sua honra e glória terá precedência sobre todas as outras coisas.
Se amamos a Jesus, gostaremos de viver para Ele, de apresentar-Lhe nossa oferta de gratidão, de trabalhar para Ele. O próprio serviço será fácil. Anelaremos sofrimento,
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labuta e sacrifício por Sua causa. Simpatizaremos com o Seu anseio pela salvação dos homens. Sentiremos pelos homens a mesma terna paixão que Ele sentiu.
Essa é a religião de Cristo. Qualquer coisa menos que isso é um engano. Nenhuma simples teoria da verdade ou profissão de discipulado salvará pessoa alguma. Não pertencemos a Cristo, se não somos inteiramente Seus. É pela indiferença na vida cristã que os homens se tornam de propósitos fracos e desejos mutáveis. O esforço de servir tanto ao eu como a Cristo, faz do homem ouvinte de pedregais, e não resistirá quando lhe sobrevier a provação.
Entre os Espinhos
“E o que foi semeado entre espinhos é o que ouve a Palavra, mas os cuidados deste mundo e a sedução das riquezas sufocam a Palavra, e fica infrutífera.” Mat. 13:22.
A semente do evangelho cai muitas vezes entre espinhos e ervas daninhas; e se não ocorrer uma transformação moral no coração humano, e se não forem abandonados velhos hábitos e práticas da anterior vida pecaminosa, se não forem expelidos da alma os atributos de Satanás, a colheita de trigo será sufocada. Os espinhos serão a colheita, e destruirão o trigo.
A graça só pode florescer no coração que está sendo preparado continuamente para as preciosas sementes da verdade. Os espinhos do pecado crescem em qualquer solo; não precisam de cultivo especial; mas a graça necessita ser cultivada cuidadosamente. A sarça e os espinhos estão sempre prontos para germinar, e a obra de purificação precisa avançar continuamente. Se o coração não for guardado sob a direção de Deus, se o Espírito Santo não refinar e enobrecer incessantemente o caráter, revelar-se-ão na vida os velhos costumes. Podem os homens professar crer no evangelho; mas a não ser que sejam por ele santificados,
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nada vale sua religião. Se não obtiverem vitória sobre o pecado, este estará obtendo vitória sobre eles. Os espinhos que foram cortados, mas não desarraigados, brotam novamente, até sufocar a alma.
Cristo especificou as coisas que são perigosas para a alma. Como relata Marcos, menciona Ele os cuidados deste mundo, os enganos das riquezas e as ambições de outras coisas. Lucas especifica: cuidados, riquezas e deleites da vida. Estes são os que sufocam a Palavra, a crescente semente espiritual. A alma cessa de extrair alimento de Cristo, e extingue-se no coração a espiritualidade.
“Os cuidados deste mundo.” Mat. 13:22. Nenhuma classe está livre da tentação de cuidados deste mundo. Aos pobres a labuta, privação e temor de pobreza trazem perplexidades e fardos; aos ricos vêm o temor de perda e uma multidão de ansiosas preocupações. Muitos dos seguidores de Cristo esquecem as lições que Ele nos ordenou aprender das flores do campo. Não confiam em Sua constante providência. Cristo não pode carregar-lhes os fardos, porque não os depõem sobre Ele. Portanto os cuidados da vida, que os deveriam levar ao Salvador para receber auxílio e conforto, dEle os separam.
Muitos que podiam produzir frutos na obra de Deus, tornam-se propensos a conquistar riquezas. Toda a sua energia é absorvida em empresas comerciais, e sentem-se obrigados a desprezar as coisas de natureza espiritual. Deste modo separam-se de Deus. É-nos recomendado nas Escrituras não sermos “vagarosos no cuidado”. Rom. 12:11. Devemos trabalhar para que possamos dar alguma coisa aos necessitados. Os cristãos precisam trabalhar, precisam ocupar-se em atividades, e podem fazê-lo sem cometer pecado. Mas muitos se tornam tão absortos em negócios que não têm tempo para orar, para estudar a Bíblia, para procurar e servir a Deus. Às vezes os anseios da alma são pela santidade e o Céu; mas não
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há tempo para retrair-se do tumulto do mundo para ouvir as palavras majestosas e autorizadas do Espírito de Deus. As coisas da eternidade são tidas como secundárias, e as do mundo, supremas. É impossível à semente da verdade produzir fruto; porque a vida da alma é utilizada para alimentar os espinhos do mundanismo.
Muitos que agem com propósito muito diferente, caem no mesmo erro. Estão trabalhando para o bem de outros; seus deveres são urgentes, muitas as responsabilidades, e permitem que sua labuta exclua a devoção. A comunhão com Deus pela oração e pelo estudo de Sua Palavra é negligenciada. Esquecem-se de que Cristo disse: “Sem Mim nada podereis fazer.” João 15:5. Caminham separados de Cristo, sua vida não está impregnada de Sua graça, e as características do eu são reveladas. Seu serviço é manchado pelo desejo de supremacia, por traços grosseiros e intratáveis do coração insubmisso. Eis um dos principais segredos do fracasso no trabalho cristão. Essa é a razão por que o sucesso é tantas vezes insatisfatório.
“O engano das riquezas.” O amor às riquezas tem poder apaixonante e ilusório. Muitíssimas vezes esquecem os que possuem riquezas mundanas, que é Deus quem lhes dá a capacidade de obter prosperidade. Dizem: “A minha força e a fortaleza de meu braço me adquiriram este poder.” Deut. 8:17. Em vez de despertar gratidão para com Deus, as riquezas os levam à exaltação própria. Perdem o sentimento de sua dependência de Deus e de sua obrigação para com o próximo. Em vez de considerar a riqueza como um talento a ser empregado para glória de Deus e para o reerguimento da humanidade, têm-na como meio de satisfação própria. Em vez de desenvolver no homem os atributos de Deus, as riquezas assim usadas desenvolvem nele os atributos de Satanás. A semente da Palavra é sufocada pelos espinhos.
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“E deleites da vida.” Luc. 8:14. Há perigo em diversão que é buscada meramente para a satisfação própria. Todos os hábitos de condescendência que debilitam as forças físicas, que anuviam a mente ou que entorpecem as percepções espirituais, são concupiscências carnais “que combatem contra a alma”. I Ped. 2:11.
“E as ambições de outras coisas.” Mar. 4:19. Estas não são necessariamente coisas pecaminosas, em si mesmas, mas alguma coisa a que damos o primeiro lugar, em vez de ao reino de Deus. Tudo quanto desvia de Deus o espírito e aparta de Cristo as afeições, é um inimigo da alma.
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Quando a mente é juvenil e vigorosa, e susceptível de desenvolvimento rápido, há grande tentação de ser ególatra. Quando os projetos são bem-sucedidos, tem-se a tendência de continuar numa direção que amortece a consciência e impede a justa apreciação do que constitui a verdadeira excelência de caráter. Quando as circunstâncias favorecem este desenvolvimento, nota-se crescimento numa direção proibida pela Palavra de Deus.
Nesse período formativo da vida dos filhos, a responsabilidade dos pais é muito grande. Deve ser seu constante esforço rodear os filhos de boas influências, influências que lhes dêem visão correta da vida e de seu verdadeiro êxito. Quantos pais, em vez disso, impõem-se como primeiro objetivo assegurar aos filhos prosperidade material! Todas as suas associações são escolhidas com mira a este objetivo. Muitos pais estabelecem moradia em qualquer grande cidade, e introduzem os filhos na alta sociedade. Circundam-nos de influências que encorajam o mundanismo e o orgulho. Nessa atmosfera atrofiam-se mente e alma. Perdem-se de vista as elevadas e nobres aspirações da vida. O privilégio de serem filhos de Deus e herdeiros da vida eterna, é permutado por lucros materiais.
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Muitos pais procuram promover a felicidade dos filhos, satisfazendo-lhes a sede de prazeres. Permitem-lhes tomar parte em esportes e participar de festinhas sociais, e fornecem-lhes dinheiro para gastar livremente em ostentação e satisfação própria. Quanto mais se condescende com o desejo de prazer, tanto mais forte ele se torna. O interesse desses jovens é absorvido gradualmente no divertimento, até que chegam a considerá-lo o objetivo da vida. Formam hábitos de ociosidade e condescendência que lhes tornam quase impossível se tornarem cristãos resolutos.
Mesmo a Igreja, que deve ser a coluna e sustentáculo da verdade, é vista animando o amor egoísta de prazer. Quando é preciso angariar dinheiro para fins religiosos, a que meios recorrem muitas igrejas? A bazares, ceias, leilões, até mesmo rifas e artifícios semelhantes. Muitas vezes o lugar consagrado ao culto de Deus é profanado por comidas e bebidas, vendas e compras, e toda sorte de diversões. O respeito à casa de Deus e a reverência a Seu culto são diminuídos no espírito dos jovens. As barreiras da restrição própria são enfraquecidas. Apela-se para o egoísmo, o apetite, o amor de ostentação e eles se fortalecem à medida que com os mesmos se condescende.
A oferta de prazeres e divertimentos centraliza-se nas cidades. Muitos pais que escolhem um lar na cidade para os filhos, pensando dar-lhes maiores vantagens, são desapontados, mas demasiado tarde se arrependem de seu terrível erro. As cidades de nosso tempo tornam-se depressa como Sodoma e Gomorra. Os muitos feriados animam à ociosidade. Os divertimentos – o teatro, corridas de cavalo, jogos, as bebidas alcoólicas, banquetes e orgias – estimulam ao extremo todas as paixões. A juventude é arrastada pela corrente popular. Aqueles que aprendem a amar os divertimentos como um fim em si,
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abrem a porta para uma onda de tentações. Entregam-se a prazeres sociais e satisfações loucas, e sua relação com os amantes de prazeres tem efeito intoxicante sobre a mente. São arrastados de uma a outra forma de dissipação, até perderem, não só o desejo, como a capacidade para a vida útil. Suas aspirações religiosas esfriam; a vida espiritual é obscurecida. Todas as nobres faculdades da mente, tudo que liga o homem ao mundo espiritual é rebaixado.
É certo que alguns podem reconhecer sua loucura e se arrependem. Deus pode perdoar-lhes. Mas feriram o próprio coração e trouxeram sobre si perigo para a vida toda. O poder de discernimento que deve ser conservado sempre aguçado e sensível para distinguir entre o bem e o mal, é em grande parte destruído. Não reconhecem imediatamente a voz admoestadora do Espírito Santo, nem discernem os ardis de Satanás. Muitas vezes caem em tentação no tempo de perigo, e são alienados de Deus. O termo de sua vida de prazeres é ruína para este mundo e para o vindouro.
Cuidados, riquezas e divertimentos são usados por Satanás no jogo de vida do ser humano. É-nos feita a admoestação: “Não ameis o mundo, nem o que no mundo há. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não é do Pai, mas do mundo.” I João 2:15 e 16. Aquele que lê o coração do homem como um livro aberto, diz: “E olhai por vós, para que não aconteça que o vosso coração se carregue de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia.” Luc. 21:34. O apóstolo Paulo, pelo Espírito Santo, escreve: “Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que
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submergem os homens na perdição e ruína. Porque o amor do dinheiro é a raiz de toda espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé e se traspassaram a si mesmos com muitas dores.” I Tim. 6:9 e 10.
A Preparação do Solo
Através da parábola do semeador, Cristo descreve os diversos resultados da semeadura como dependentes do solo. O semeador e as sementes são em cada caso os mesmos. Desta maneira nos ensina que se a Palavra de Deus não executar a sua obra em nosso coração e vida, devemos em nós mesmos procurar a razão disto. Mas o resultado não está além de nosso controle. É certo que não podemos transformar-nos, mas temos o poder de escolha, e depende de nós o que queremos ser. Os ouvintes comparados com o caminho, ou com os pedregais ou com o chão cheio de espinhos não precisam permanecer assim. O Espírito de Deus procura continuamente quebrar o encantamento da arrogância que mantém os homens absortos em coisas mundanas, e despertar anelo pelo tesouro imperecível. Resistindo os homens ao Espírito, tornam-se desatentos ou negligentes para com a Palavra de Deus. Eles mesmos são responsáveis pelo endurecimento do coração, que impede a boa semente de enraizar-se, e pelas ervas daninhas que lhe reprimem o desenvolvimento.
O jardim do coração precisa ser cultivado. Precisa o solo ser sulcado por profundo arrependimento. As plantas venenosas e diabólicas devem ser arrancadas. O terreno, uma vez coberto de espinhos, só pode ser reconquistado por diligente trabalho. Assim, as más tendências do coração natural só podem ser vencidas por sincero esforço em nome de Jesus e por Sua virtude. O Senhor nos ordena pelos profetas: “Lavrai para vós o campo de lavoura e não semeeis entre espinhos.” Jer. 4:3. “Semeai para vós em justiça, ceifai segundo a misericórdia.” Osé. 10:12. Esta obra Ele deseja realizar para nós e pede-nos cooperação.
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Os semeadores têm uma tarefa no preparar os corações para receber o evangelho. No ministério da Palavra há muita pregação e pouquíssimo trabalho de coração a coração. É necessário o trabalho pessoal pela salvação dos perdidos. Devemos aproximar-nos dos homens individualmente com simpatia semelhante à de Cristo e procurar despertar-lhes o interesse nas coisas da vida eterna. Os corações podem ser tão duros quanto o caminho batido e pode parecer uma tentativa inútil apresentar-lhes o Salvador; mas embora a lógica possa falhar em mover, e o argumento seja impotente para convencer, o amor de Cristo, revelado no ministério pessoal, pode abrandar o coração empedernido, de modo que a semente da verdade possa enraizar-se.
Assim os semeadores têm alguma coisa que fazer, para que a semente não seja sufocada pelos espinhos ou venha a perecer pela pouca profundidade do solo. Logo no início da vida cristã,
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deve ensinar-se aos crentes seus princípios fundamentais. Deve-se-lhes ensinar que não serão salvos somente pelo sacrifício de Cristo, mas que também devem tornar a vida de Cristo a sua vida e o caráter de Cristo o seu caráter. Ensine-se a todos, que precisam levar fardos e renunciar às inclinações naturais. Aprendam a bem-aventurança de trabalhar para Cristo, seguindo-O em renúncia, e suportar como bons soldados as dificuldades. Aprendam a confiar em Seu amor e lançar sobre Ele os cuidados. Experimentem a alegria de ganhar almas para Ele. Em sua paixão e interesse pelos perdidos perderão de vista o eu. Os prazeres do mundo perderão o poder de atração, e seus encargos deixarão de desanimar. O arado da verdade fará sua obra. Abrirá o abandonado chão. Não cortará somente a ponta dos espinhos mas arrancá-los-á pela raiz.
Em boa Terra
O semeador não há de experimentar sempre desenganos. Da semente que caiu em boa terra, o Salvador disse: “É o que ouve e compreende a Palavra; e dá fruto, e um produz cem, outro, sessenta, e outro, trinta.” Mat. 13:23. “E a que caiu em boa terra, esses são os que, ouvindo a Palavra, a conservam num coração honesto e bom e dão fruto com perseverança.” Luc. 8:15.
O “coração honesto e bom” (Luc. 8:15), do qual fala a parábola, não é um coração sem pecado, pois o evangelho deve ser pregado aos perdidos. Cristo disse: “Eu não vim chamar os justos, mas sim os pecadores.” Mar. 2:17. Quem se rende à convicção do Espírito Santo é o que tem coração honesto. Reconhece sua culpa e sente-se necessitado da misericórdia e do amor de Deus. Tem desejo sincero de conhecer a verdade para obedecer-lhe. O bom coração é um
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coração crente, que deposita fé na Palavra de Deus. É impossível receber a Palavra sem fé. “Porque é necessário que aquele que se aproxima de Deus creia que Ele existe e que é galardoador dos que O buscam.” Heb. 11:6.
Este “é o que ouve e compreende a Palavra”. Mat. 13:23. Os fariseus do tempo de Cristo fechavam os olhos para não ver, e os ouvidos para não entender; portanto a Palavra não podia atingir-lhes o coração. Eles deviam sofrer retribuição por sua ignorância voluntária e cegueira espontânea. Mas Cristo ensinava aos discípulos que deviam abrir a mente para a instrução e ser prontos para crer. Sobre eles pronunciou uma bênção, porque viam e ouviam com olhos e ouvidos crentes.
O ouvinte da boa terra recebe a Palavra; “não como palavra de homens, mas (segundo é, na verdade) como Palavra de Deus”. I Tess. 2:13. Somente aquele que aceita as Sagradas Escrituras como a voz de Deus que lhe fala, é verdadeiro discípulo. Ele treme por causa da Palavra divina; porque lhe é uma realidade viva. Para recebê-la abre sua inteligência e coração. Destes ouvintes eram Cornélio e seus amigos, que diziam ao apóstolo Pedro: “Agora, pois, estamos todos presentes diante de Deus, para ouvir tudo quanto por Deus te é mandado.” Atos 10:33.
O conhecimento da verdade depende, não tanto da capacidade intelectual como da pureza de propósito, da simplicidade de uma fé sincera e confiante. Daqueles que com humildade de coração buscam a direção divina, os anjos de Deus se aproximam. O Espírito Santo é doado para lhes abrir os ricos tesouros da verdade.
Os ouvintes comparados à boa terra, tendo ouvido a Palavra, conservam-na. Satanás, com todos os seres infernais, não a poderá arrebatar.
Não basta simplesmente ler ou ouvir a Palavra. Aquele que anela que as Escrituras lhe sejam úteis, precisa meditar
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sobre a verdade que lhe foi apresentada. Precisa aprender a significação das palavras da verdade por sincera atenção e pensar devoto, e sorver profundamente o espírito dos oráculos sagrados.
Deus nos ordena encher o espírito com elevados e puros pensamentos. Deseja que meditemos sobre Seu amor e misericórdia, e estudemos Sua maravilhosa obra no grande plano de redenção. Então, nossa percepção da verdade tornar-se-á mais e mais clara, e nosso desejo de pureza de coração e clareza de pensamento mais elevado e mais santo. A alma que descansa na pura atmosfera de santa meditação será transformada pela comunhão com Deus mediante o estudo das Escrituras.
“E dão fruto.” Os que, tendo ouvido a Palavra, a guardam, produzirão fruto pela obediência. Recebida na alma, a Palavra de Deus se manifestará em boas obras. O resultado será visto na vida e caráter semelhantes aos de Cristo. Jesus dizia de Si mesmo: “Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu; sim, a Tua lei está dentro do Meu coração.” Sal. 40:8. “Porque não busco a Minha vontade, mas a vontade do Pai, que Me enviou.” João 5:30. E a Bíblia diz: “Aquele que diz que está nEle também deve andar como Ele andou.” I João 2:6.
A Palavra de Deus colide muitas vezes com os traços de caráter herdados e cultivados do homem e com seus hábitos de vida. Mas o ouvinte comparado à boa terra, recebendo a Palavra, aceita todas as suas condições e exigências. Seus hábitos, costumes e práticas são submetidos à Palavra de Deus. A seus olhos os preceitos de homens mortais e falíveis reduzem-se à insignificância quando comparados com a palavra do Deus infinito. De todo o coração, e com propósito não dividido, anela a vida eterna, e à custa de perdas, perseguição ou mesmo morte obedecerá à verdade.
Produz “frutos com perseverança”. Ninguém que recebe a Palavra de Deus está isento de dificuldades; mas
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quando vem a aflição, o verdadeiro cristão não se torna inquieto, sem confiança nem desanimado. Embora não vejamos o resultado definido das circunstâncias, ou não percebamos o propósito das providências de Deus, não devemos rejeitar nossa confiança. Lembrando-nos da terna misericórdias do Senhor, lancemos sobre Ele nossos cuidados e esperemos com paciência Sua salvação.
Pela luta a vida espiritual é fortificada. Provações bem suportadas desenvolverão a resistência do caráter e preciosas graças espirituais. O perfeito fruto da fé, da mansidão e da caridade amadurece freqüentemente melhor debaixo de tempestades e trevas.
“Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e serôdia.” Tia. 5:7. Assim deve o cristão aguardar com paciência a frutificação da Palavra de Deus em sua vida. Muitas vezes Deus nos atende as orações, quando Lhe pedimos as graças do Espírito, levando-nos a circunstâncias que desenvolvem estes frutos; mas não compreendemos Seu propósito, assombramo-nos e desanimamos. Mas ninguém pode desenvolver estas graças, a não ser pelo processo de crescimento e frutificação. Nossa parte é receber a Palavra de Deus e conservá-la, rendendo-nos inteiramente à sua direção, e será realizado em nós seu propósito.
“Se alguém Me ama”, dizia Cristo, “guardará a Minha Palavra, e Meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” João 14:23. O encanto de uma mente mais forte e mais perfeita pairará sobre nós, pois temos ligação viva com a fonte do poder duradouro. Em nossa vida religiosa seremos levados em cativeiro a Jesus Cristo. Não mais viveremos a comum vida de egoísmo, mas Cristo viverá em nós. Seu caráter será reproduzido em nossa natureza. Deste modo produziremos os frutos do Espírito Santo – “um, a trinta, outro, a sessenta, e outro, a cem, por um”. Mar. 4:20.
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O Desenvolvimento da Vida
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A parábola do semeador produziu muita indagação. Alguns dos ouvintes concluíram que Cristo não fundaria um reino terrestre, e muitos estavam curiosos e perplexos. Notando-lhes a perplexidade, Cristo usou outras ilustrações, ainda tentando desviar-lhes os pensamentos da esperança de um reino temporal, para a obra da graça divina no coração.
“E dizia: O reino de Deus é assim como se um homem lançasse semente à terra, e dormisse, e se levantasse de noite ou de dia, e a semente brotasse e crescesse, não sabendo ele como. Porque a terra por si mesma frutifica; primeiro, a erva, depois, a espiga, e, por último, o grão cheio na espiga. E, quando já o fruto se mostra, mete-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa.” Mar. 4:26-29.
O lavrador que mete “logo a foice, porque está chegada a ceifa”, não pode ser outro senão Cristo. Ele é que, no último grande dia, recolherá a seara da Terra. O semeador da semente, porém, representa aqueles que trabalham em lugar de Cristo. Da semente se diz que brotou e
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cresceu, “não sabendo ele como”, e isto não pode referir-se ao Filho de Deus. Cristo não dorme em Sua incumbência, mas cuida dela dia e noite. Não ignora como a semente germina.
A parábola da semente revela que Deus opera na Natureza. A semente encerra um princípio germinativo, princípio que Deus mesmo implantou; porém, abandonada a si própria a semente não teria a faculdade de germinar. O homem tem sua parte em favorecer o crescimento do grão. Precisa preparar e adubar o solo, e lançar a semente. Precisa lavrar o campo. Mas há um ponto, além do qual nada pode fazer. Nenhuma força ou sabedoria humana pode extrair da semente a planta viva. Ainda que o homem empregue seus esforços até ao limite extremo, precisará, entretanto, depender dAquele que ligou o semear e o colher pelos maravilhosos elos de Sua própria Onipotência.
Há vida na semente, e força no solo; mas se o poder infinito não for exercido dia e noite, a semente não produzirá colheita. A chuva precisa ser enviada para umedecer os campos sedentos, o Sol precisa comunicar calor, e a eletricidade precisa ser conduzida à semente enterrada. A vida que o Criador implantou, somente Ele pode despertar. Toda semente germina e toda planta se desenvolve pelo poder de Deus.
“Porque, como a terra produz os seus renovos, e como o horto faz brotar o que nele se semeia, assim o Senhor Jeová fará brotar a justiça e o louvor.” Isa. 61:11. Como no semear natural assim é no espiritual; o professor da verdade deve procurar preparar o solo do coração; precisa lançar a semente; mas a força que, somente, pode produzir vida, vem de Deus. Há um limite além
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do qual os esforços humanos são em vão. Embora devamos pregar a Palavra, não podemos comunicar o poder que vivificará a alma e fará brotar justiça e louvor. Na pregação da Palavra precisa haver a operação de um agente que supera as forças humanas. Somente pelo Espírito divino será a Palavra viva e poderosa para renovar o caráter para a vida eterna. Isso é o que Cristo buscava incutir em Seus discípulos. Ensinava que nada que possuíam em si mesmos podia dar êxito a seus esforços, mas o miraculoso poder de Deus é que torna eficaz Sua Palavra.
A obra do semeador é uma obra de fé. Poderá ele não compreender o mistério da germinação e do crescimento da semente. Todavia, tem confiança nos instrumentos pelos quais Deus faz a vegetação florescer. Lançando a semente à terra, desperdiça aparentemente o precioso cereal, que podia fornecer pão para sua família. Mas somente renuncia a um bem presente, em troca duma devolução maior. Espalha a semente, esperando recolhê-la
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multiplicada numa colheita abundante. Assim devem agir os servos de Cristo, aguardando a colheita da semente lançada à terra.
A boa semente pode por algum tempo jazer despercebida num coração frio, egoísta e mundano, sem dar demonstração de haver-se enraizado; porém mais tarde, tocando o Espírito de Deus esse coração, a semente oculta brota, e, finalmente, produz frutos para a glória de Deus. Não sabemos durante toda a vida qual prosperará, se esta ou aquela. Isso não é de nossa alçada. Façamos nosso trabalho e deixemos os resultados com Deus. “Pela manhã, semeia a tua semente e, à tarde, não retires a tua mão.” Ecl. 11:6. O grande concerto de Deus declara: “Enquanto a Terra durar, sementeira e sega, … não cessarão.” Gên. 8:22. Confiante nesta promessa o lavrador ara e semeia. Com não menos confiança devemos labutar na sementeira espiritual, confiantes em Sua declaração: “Assim será a palavra que sair da Minha boca; ela não voltará para Mim vazia; antes, fará o que Me apraz e prosperará naquilo para que a enviei.” Isa. 55:11. “Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos.” Sal. 126:6.
A germinação da semente representa o início da vida espiritual, e o desenvolvimento da planta é uma bela figura do crescimento cristão. Como ocorre na Natureza, assim é na graça; não pode haver vida sem crescimento. A planta precisa crescer ou morrer. Como seu crescimento é silencioso e imperceptível, mas constante, assim é o desenvolvimento da vida cristã. Nossa vida pode ser perfeita em cada fase de desenvolvimento; contudo haverá progresso contínuo, se o propósito de Deus se cumprir em nós. A santificação é obra de toda uma vida. Multiplicando-se as oportunidades, ampliar-se-á nossa experiência e
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crescerá nosso conhecimento. Tornar-nos-emos fortes para assumir as responsabilidades, e nossa maturidade será proporcional aos nossos privilégios.
A planta cresce recebendo o que Deus provê para sustentar-lhe a vida. Aprofunda as raízes no solo. Absorve o sol, o orvalho e a chuva. Áureas propriedades vitalizantes do ar.
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Assim deve crescer o cristão, cooperando com os agentes divinos. Sentindo nosso desamparo, devemos aproveitar todas as oportunidades que se nos deparam, para ganhar uma experiência mais rica. Como a planta enraíza-se no solo, devemos também arraigar-nos profundamente em Cristo. Como a planta recebe o sol, o orvalho e a chuva, também devemos abrir o coração ao Espírito Santo. A obra deve ser feita “não por força, nem por violência, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos”. Zac. 4:6. Se conservarmos a mente firmada em Cristo, “Ele a nós virá como a chuva, como chuva serôdia que rega a Terra”. Osé. 6:3. Como o Sol da Justiça levantar-se-á sobre nós, trazendo salvação “debaixo das Suas asas”. Mal. 4:2. Floresceremos “como o lírio”. Osé. 14:5. Seremos “vivificados como o trigo”, e floresceremos “como a vide”. Osé 14:7. Confiando constantemente em Cristo como nosso Salvador pessoal, cresceremos em tudo nAquele que é a cabeça.
O trigo desenvolve-se “primeiro, a erva, depois, a espiga, e, por último, o grão cheio na espiga”. Mar. 4:28. O objetivo do lavrador no lançar a semente e na cultura da planta crescente é a produção de cereal. Deseja pão para os famintos, e semente para futuras searas. Assim espera o Lavrador divino uma colheita como recompensa de Seu trabalho e sacrifício. Cristo procura reproduzir-Se no coração dos homens; e faz isto por intermédio daqueles que nEle crêem. O objetivo da vida cristã é a frutificação – a reprodução do caráter de Cristo no crente, para que Se possa reproduzir em outros.
A planta não germina, não cresce, nem produz frutos para si mesma, mas para “dar semente ao semeador, e pão ao que come”. Isa. 55:10. Igualmente ninguém deve viver para si mesmo. O cristão está no mundo como representante de Cristo para a salvação de outros.
Na vida que se centraliza no eu não pode haver crescimento nem frutificação. Se aceitastes a Cristo como
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Salvador pessoal, deveis esquecer-vos e procurar auxiliar a outros. Falai do amor de Cristo, contai de Sua bondade. Cumpri todo dever que se vos apresenta. Levai sobre o coração o peso da salvação das pessoas, e tentai salvar os perdidos por todos os meios possíveis. Recebendo o Espírito de Cristo – o espírito do amor abnegado e do sacrifício por outrem – crescereis e produzireis fruto. As graças do Espírito amadurecerão em vosso caráter. Vossa fé aumentará; vossas convicções aprofundar-se-ão, vosso amor será mais perfeito. Mais e mais refletireis a semelhança de Cristo em tudo que é puro, nobre e amável.
“O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio.” Gál. 5:22 e 23. Este fruto jamais perecerá, antes produzirá uma colheita de sua espécie para a vida eterna.
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“Quando já o fruto se mostra, mete-lhe logo a foice, porque está chegada a ceifa.” Mar. 4:29. Cristo aguarda com fremente desejo a manifestação de Si mesmo em Sua igreja. Quando o caráter de Cristo se reproduzir perfeitamente em Seu povo, então virá para reclamá-los como Seus.
Todo cristão tem o privilégio, não só de esperar a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo, como também de apressá-la. II Ped. 3:12. Se todos os que professam Seu nome produzissem fruto para Sua glória, quão depressa não estaria o mundo todo semeado com a semente do evangelho! Rapidamente amadureceria a última grande seara e Cristo viria recolher o precioso grão.
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Por que Existe o Mal
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“Propôs-lhes outra parábola, dizendo: O reino dos céus é semelhante ao homem que semeia boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou o joio no meio do trigo, e retirou-se. E, quando a erva cresceu e frutificou, apareceu também o joio.” Mat. 13:24-26.
“O campo”, disse Cristo, “é o mundo.” Mat. 13:38. Precisamos, porém, entender isto como significativo da igreja de Cristo no mundo. A parábola é uma descrição pertinente ao reino de Deus, Sua obra pela salvação dos homens, e esta obra é executada pela igreja. Em verdade, o Espírito Santo saiu a todo o mundo; opera no coração dos homens em toda parte; mas é na igreja que devemos crescer e sazonar para o celeiro de Deus.
“O que semeia a boa semente é o Filho do homem, … a boa semente são os filhos do reino, e o joio são os filhos do maligno.” Mat. 13:37 e 38. A boa semente representa aqueles que são nascidos da Palavra de Deus, da verdade. O joio representa uma classe que é o fruto ou encarnação do erro, de princípios falsos.
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“O inimigo que o semeou é o diabo.” Mat. 13:39. Nem Deus nem os anjos jamais semearam semente que produzisse joio. O joio é sempre lançado por Satanás, o inimigo de Deus e do homem.
No oriente, os homens vingavam-se muitas vezes do inimigo, espalhando sementes de qualquer erva daninha, muito semelhante ao trigo, em crescimento, em seu campo recém-semeado. Crescendo com o trigo prejudicava a colheita, e causava fadigas e prejuízos ao proprietário do campo. Assim Satanás, induzido por sua inimizade a Cristo, espalha a má semente entre o bom trigo do reino. O fruto de sua semeadura atribui ele ao Filho de Deus. Introduzindo na igreja aqueles que levam o nome de Deus, conquanto Lhe neguem o caráter, faz o maligno que Deus seja desonrado, a obra da salvação mal representada e almas postas em perigo.
Dói aos servos de Cristo ver misturados na congregação crentes falsos e verdadeiros. Anseiam fazer alguma coisa para purificar a igreja. Como os servos do pai de família, estão dispostos a arrancar o joio. Mas Cristo lhes diz: “Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa.” Mat. 13:29 e 30.
Cristo ensinou claramente que aqueles que perseveram em pecado declarado devem ser desligados da igreja; mas não nos confiou a tarefa de ajuizar sobre caracteres e motivos. Conhece demasiado bem nossa natureza para que nos delegasse esta obra. Se tentássemos desarraigar da igreja os que supomos serem falsos cristãos, certamente cometeríamos erro. Muitas vezes consideramos casos perdidos justamente aqueles que Cristo está atraindo a Si. Se
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devêssemos proceder com essas pessoas segundo nosso parecer imperfeito, extinguir-se-ia talvez sua última esperança. Muitos que se julgam cristãos serão finalmente achados em falta. Haverá muitos no Céu, os quais seus vizinhos supunham que lá não entrariam. O homem julga segundo a aparência; mas Deus vê o coração. O joio e o trigo devem crescer juntos até à ceifa; e a colheita é o fim do tempo da graça.
Há nas palavras do Salvador ainda outra lição, uma lição de maravilhosa longanimidade e terno amor. Como o joio tem as raízes entrelaçadas com as do bom trigo, assim falsos irmãos podem estar na igreja, intimamente ligados com os discípulos verdadeiros. O verdadeiro caráter desses pretensos crentes não é plenamente manifesto. Caso fossem desligados da congregação, outros poderiam ser induzidos a tropeçar, os quais, se não fosse isto, permaneceriam firmes.
A lição dessa parábola é ilustrada pelo proceder de Deus para com os homens e os anjos. Satanás é um enganador. Ao pecar ele no Céu, nem mesmo os anjos fiéis reconheceram plenamente seu caráter. Esta é a razão por que Deus não o destruiu imediatamente. Se o tivesse feito, os santos anjos não teriam percebido o amor e a justiça de Deus. Uma só dúvida quanto à bondade de Deus teria sido como má semente, que produziria o amargo fruto do pecado e da desgraça. Por isto foi poupado o autor do mal, para desenvolver plenamente seu caráter. Durante longos séculos, suportou Deus a angústia de contemplar a obra do mal. Preferiu dar a infinita Dádiva do Gólgota, a deixar alguém ser induzido pelas falsas representações do maligno; pois o joio não podia ser arrancado, sem o risco de desarraigar a preciosa semente. E não seremos tão clementes para com nossos semelhantes, como o Senhor do Céu e da Terra o é para com Satanás?
Por haver na igreja membros indignos, não tem o mundo
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o direito de duvidar da verdade do cristianismo, nem devem os cristãos desanimar por causa destes falsos irmãos. Como foi com a igreja primitiva? Ananias e Safira uniram-se aos discípulos. Simão Mago foi batizado. Demas, que abandonou a Paulo, era considerado crente. Judas Iscariotes foi um dos apóstolos. O Redentor não quer perder uma única pessoa. Sua experiência com Judas é relatada para mostrar Sua longanimidade com a corrompida natureza humana; e nos ordena sermos pacientes como Ele o foi. Disse que até ao fim do tempo haveria falsos irmãos na igreja.
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Apesar da advertência de Cristo, têm os homens procurado arrancar o joio. Para punir os que foram considerados malfeitores, tem a igreja recorrido ao poder civil. Os que divergiram das doutrinas dominantes foram encarcerados, martirizados e mortos por instigação de homens que pretendiam agir sob a sanção de Cristo. Mas atos tais são inspirados pelo espírito de Satanás, não pelo Espírito de Cristo. Esse é o método peculiar de Satanás de submeter o mundo a seu domínio. Por esta maneira de proceder com os supostos hereges, Deus tem sido mal representado pela igreja.
Na parábola de Cristo não nos é ensinado que julguemos e condenemos a outros, antes sejamos humildes e desconfiemos do eu. Nem tudo que é semeado no campo é bom trigo. O estarem os homens na igreja não prova que são cristãos.
O joio era muito semelhante ao trigo enquanto as hastes estavam verdes; mas quando o campo estava branco para a ceifa, a erva inútil nada se parecia com o trigo, que vergava ao peso das espigas cheias e maduras. Pecadores que pretendem ser piedosos, confundem-se por algum tempo com os verdadeiros seguidores de Cristo, e a aparência de cristianismo tende a enganar a muitos; mas não haverá, na sega do mundo, semelhança entre os bons e os maus. Então, serão manifestos aqueles que se ligaram à igreja, mas não a Cristo.
É permitido ao joio crescer entre o trigo, desfrutar os mesmos privilégios de sol e chuva; mas no tempo da ceifa será vista “a diferença entre o justo e o ímpio; entre o que serve a Deus e o que não O serve”. Mal. 3:18. Cristo mesmo decidirá quem é digno de ser membro da família celestial. Julgará todo homem segundo suas palavras e obras. A religião nada pesa na balança. O caráter é que decide o destino.
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O Salvador não aponta a um tempo em que todo o joio se tornará trigo. O trigo e o joio crescem juntos até à ceifa, o fim do mundo. Então o joio será atado em molhos para ser queimado, e o trigo será recolhido no celeiro de Deus. “Então, os justos resplandecerão como o Sol, no reino de seu Pai.” Mat. 13:43. “Mandará o Filho do homem os Seus anjos, e eles colherão do Seu reino tudo o que causa escândalo e os que cometem iniqüidade. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali, haverá pranto e ranger de dentes.” Mat. 13:41 e 42.
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Pequenos Inícios,
Grandes Resultados
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Entre a multidão que ouvia os ensinos de Jesus, havia muitos fariseus. Cheios de desdém, observavam quão poucos de Seus ouvintes O reconheciam como o Messias. E perguntavam de si para si como esse mestre despretensioso poderia elevar Israel ao domínio universal. Como poderia Ele, sem riquezas, poder ou honra, fundar um novo reino? Cristo lhes leu os pensamentos e respondeu:
“A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos?” Mar. 4:30. Em governos terrenos nada havia que pudesse servir de comparação. Nenhuma sociedade civil Lhe podia fornecer um símile. “É como um grão de mostarda”, disse “que, quando se semeia na terra, é a menor de todas as sementes que há na Terra; mas, tendo sido semeado, cresce, e faz-se a maior de todas as hortaliças, e cria grandes ramos, de tal maneira que as aves do céu podem aninhar-se debaixo da sua sombra.” Mar. 4:31 e 32.
O embrião, contido na semente, cresce pelo desenvolvimento do princípio vital que Deus nele implantou. Seu desenvolvimento não depende de meios humanos. Assim é com o
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reino de Cristo. Há uma nova criação. Os princípios de desenvolvimento são diretamente opostos aos que regem os reinos deste mundo. Governos terrenos prevalecem pelo emprego da força; pelas armas mantêm o seu domínio, mas o fundador do novo reino é o Príncipe da paz. O Espírito Santo representa os reinos terrestres mediante o símbolo de feras; mas Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. João 1:29. Em Seu plano de governo não há o emprego da força bruta para compelir a consciência. Esperavam os judeus que o reino de Deus fosse estabelecido do mesmo modo que os do mundo. Para promover justiça, recorriam a medidas externas. Forjavam planos e métodos. Mas Cristo implanta um princípio. Implantando a verdade e a justiça, frustra o erro e o pecado.
Ao proferir Jesus esta parábola, a mostardeira podia ser vista perto e longe, erguendo-se sobre a relva e os cereais, balançando seus galhos levemente no ar. Os pássaros esvoaçavam de galho em galho e chilreavam entre a folhagem. Contudo, a semente de que surgiu essa planta gigantesca, era a menor de todas as sementes. Primeiro despontou um tenro broto; mas possuía bastante vitalidade, cresceu e floresceu até alcançar grande tamanho. Assim, a princípio, o reino de Cristo parecia humilde e insignificante. Comparado com os reinos terrestres, dir-se-ia ser o menor de todos. O direito de Cristo a ser rei, era ridicularizado pelos governantes deste mundo. Todavia, o reino do evangelho possuía vida divina nas poderosas verdades confiadas a Seus seguidores. E como foi rápido o seu crescimento! Que amplitude de influência! Quando Cristo pronunciou essa parábola, era o novo reino representado apenas por uns camponeses galileus.
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Sua pobreza e minoria foram apresentadas repetidamente como motivo por que os homens não se devessem unir a esses pescadores simples que seguiam a Jesus. Mas o grão de mostarda deveria crescer e estender seus ramos por todo o mundo. Quando passassem os reinos terrestres, cuja glória enchia então os corações, o reino de Cristo perduraria ainda como uma vasta e forte potência.
Assim a obra da graça no coração é pequena ao princípio. É dita uma palavra, um raio de luz projetado na alma, exercida uma influência que é o início da nova vida; e quem pode medir os resultados?
A parábola do grão de mostarda não só ilustra o crescimento do reino de Cristo, mas, em cada fase de seu desenvolvimento, repete-se a experiência nela apresentada. Para Sua igreja, em cada geração, Deus tem uma verdade peculiar e um serviço especial. A verdade, oculta aos sábios e entendidos deste mundo, é revelada às criancinhas e aos humildes. Exige sacrifício próprio. Há combates para se ferirem e vitórias para serem conquistadas. De início seus adeptos são poucos. Pelos grandes do mundo e por uma igreja de espírito mundano são repelidos e desprezados. Vede João Batista, o precursor de Cristo, sozinho censurando o orgulho e formalismo do povo judeu! Vede os primeiros defensores do evangelho na Europa! Obscura e desanimadora parecia a missão de Paulo e Silas, os dois fazedores de tendas, quando, com os companheiros, embarcavam em Trôade para Filipos! Vede o “idoso Paulo”, pregando a Cristo, acorrentado na cidadela dos Césares. Vede as pequenas comunidades de escravos e camponeses em conflito com o paganismo de Roma Imperial. Vede Martinho Lutero, resistindo àquela poderosa igreja que é a obra-prima da sabedoria deste mundo. Vede-o mantendo a Palavra de Deus contra o imperador e o papa, declarando: “Aqui estou; não posso proceder doutra forma. Deus me auxilie!”
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Vede João Wesley pregando a Cristo e Sua justiça em meio do formalismo, sensualidade e incredulidade. Vede alguém que, doendo-lhe a miséria do paganismo, roga o privilégio de lhes levar a mensagem do amor de Cristo. Ouvi a resposta do eclesiasticismo: “Sente-se, moço. Quando Deus quiser converter os pagãos, fá-lo-á sem o meu nem o seu auxílio.”
Os grandes guias do pensamento religioso desta geração anunciam os louvores daqueles que plantaram a semente da verdade há séculos, e erguem-lhes monumentos. Não abandonam muitos esta obra para espezinhar o renovo que hoje em dia desponta da mesma semente? Repete-se o velho clamor: “Nós bem sabemos que Deus falou a Moisés, mas este [Cristo no mensageiro que Ele envia] não sabemos de onde é.” João 9:29. Como em épocas primitivas, as verdades especiais para este tempo não se acham com as autoridades eclesiásticas mas com homens e mulheres, que não são demasiado instruídos nem sábios demais para crer na Palavra de Deus.
“Porque vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes. E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que não são para aniquilar as que são.” I Cor. 1:26-28. “Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus.” I Cor. 2:5.
Nesta última geração, a parábola do grão de mostarda deve alcançar notável e triunfante cumprimento. A pequena semente tornar-se-á uma árvore. A última mensagem de advertência e misericórdia deve ir “a toda nação, e tribo, e língua, e povo” (Apoc. 14:6), para “tomar deles um povo para o Seu nome” (Atos 15:14); e a Terra será iluminada por Sua glória. (Apoc. 18:1.)
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Como Instruir e Guardar os Filhos
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Do lançamento da semente e do crescimento da planta oriunda da mesma, preciosas lições podem ser ensinadas na família e na escola. Ensine-se às crianças e aos jovens a reconhecerem a atuação de agentes divinos nas coisas naturais, e serão habilitados a alcançar, pela fé, benefícios invisíveis. Chegando a compreender a maravilhosa obra de Deus no provimento das necessidades de Sua grande família, e como poderão ser cooperadores Seus, terão mais fé em Deus, e experimentarão mais de Seu poder na vida diária.
Por Sua Palavra, Deus criou a semente, como criou a Terra. Por Sua Palavra lhe deu força para crescer e multiplicar-se. Disse: “Produza a Terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente esteja nela sobre a Terra. E assim foi. … E viu Deus que era bom.” Gên. 1:11 e 12. Essa palavra é que ainda sempre causa a germinação da semente. Cada grão que envia suas verdes hastes para a luz do Sol declara o maravilhoso poder da Palavra pronunciada por Aquele que “falou, e tudo se fez; mandou, e logo tudo apareceu.” Sal. 33:9.
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Cristo ensinou Seus discípulos a orar: “O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.” Mat. 6:11. E apontando às flores, dava-lhes esta segurança: “Se Deus assim veste a erva do campo, … não vos vestirá muito mais a vós?” Mat. 6:30. Cristo está constantemente operando para atender a esta oração e cumprir esta promessa. Um poder invisível está trabalhando continuamente para servir ao homem, para alimentá-lo e vesti-lo. Nosso Senhor emprega muitos meios para fazer da semente, aparentemente desperdiçada, uma planta viva. E supre, em proporção conveniente, tudo quanto é requerido para produzir a colheita. Nas belas palavras do salmista:

“Tu visitas a Terra e a refrescas;
Tu a enriqueces grandemente
Com o rio de Deus, que está cheio de água;
Tu que lhe dás o trigo, quando assim a tens preparada;
Tu enches de água os seus sulcos,
Regulando a sua altura;
Tu a amoleces com a muita chuva;
Tu abençoas as suas novidades;
Tu coroas o ano da Tua bondade,
E as Tuas veredas destilam gordura.” Sal. 65:9-11.
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O mundo material está sob o governo de Deus. A Natureza obedece às leis naturais. Tudo fala e atua em harmonia com a vontade de Deus. Nuvem e Sol, orvalho e chuva, vento e tempestade, tudo está sob a superintendência de Deus e presta obediência implícita a Seu mandado. Em obediência à lei ou à vontade do Altíssimo, é que o caulículo da semente rompe pelo solo, “primeiro, a erva, depois, a espiga, e, por último, o grão cheio na espiga”. Mar. 4:28. A estes, Deus desenvolve
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em sua estação própria, pois não se opõem à Sua operação. Será que o homem, criado à semelhança de Deus, dotado de raciocínio e linguagem, seja o único indigno de Suas dádivas e desobediente à Sua vontade? Causarão unicamente os seres racionais confusão em nosso mundo?
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Em tudo quanto tende à manutenção do homem vemos a cooperação do esforço Divino e do humano. Não poderá haver colheita, se a mão humana não fizer sua parte no semear a semente. Mas sem as forças naturais, que Deus provê, dando sol e chuva, orvalho e nuvens, não haveria multiplicação. Assim é em todo ramo de trabalho, em todo setor de estudo e Ciência. Assim é no terreno espiritual, na formação do caráter e em toda esfera de serviço cristão. Temos que fazer nossa parte, porém o poder da divindade precisa unir-se ao nosso, pois de outro modo nossos esforços serão inúteis.
Sempre que o homem realiza alguma coisa, seja espiritual, seja material, deverá reconhecer que somente o consegue pela cooperação do seu Criador. É-nos muitíssimo necessário reconhecer nossa dependência de Deus. Deposita-se demasiada fé nos homens, e confia-se muito nas invenções humanas. Há pouquíssima confiança no poder que Deus está pronto a proporcionar-nos. “Somos cooperadores de Deus.” I Cor. 3:9. Enormemente inferior é a parte do instrumento humano, mas, se estiver ligada à divindade de Cristo, pode fazer todas as coisas pelo poder que Cristo lhe comunica.
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O desenvolvimento gradual da planta contida na semente, é uma lição objetiva na educação das crianças. Tem-se “primeiro, a erva, depois, a espiga, e, por último, o grão cheio na espiga”. Mar. 4:28.
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Aquele que deu esta parábola, criou a tenra semente, deu-lhe as propriedades vitais e ordenou as leis que lhe governam o crescimento. E as verdades que ensina a parábola tornaram-se uma viva realidade em Sua própria vida. Tanto em Sua natureza física como na espiritual, obedecia à ordem divina do crescimento, ilustrada pela planta, como deseja que todo adolescente faça. Embora fosse a Majestade do Céu, o Rei da glória, tornou-Se uma criancinha em Belém e, durante algum tempo, representou o indefeso menino sob os cuidados da mãe. Na infância, procedia como criança obediente. Falava e agia com a sabedoria de criança e não de homem, honrando os pais, e cumprindo-lhes os desejos em coisas úteis, de acordo com sua aptidão infantil. Mas, em cada fase de Seu desenvolvimento, era perfeito, com a graça simples e natural de uma vida inocente. De Sua infância diz o relatório sagrado: “E o Menino crescia e Se fortalecia em espírito, cheio de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre Ele.” Luc. 2:40. E de Sua juventude, é narrado: “E crescia Jesus em sabedoria, e em estatura, e em graça para com Deus e os homens.” Luc. 2:52.
Aqui nos é sugerido o dever dos pais e mestres. Seu empenho deve ser cultivar as tendências dos adolescentes para que em cada fase de sua vida representem a beleza natural apropriada a esse período, desenvolvendo-se naturalmente como as plantas no jardim. 
São mais atrativas as crianças naturais e inocentes. Não é prudente dar-lhes atenção especial, e recordar diante delas seus ditos vivazes. Não se deve animar a vaidade, louvando-lhes o olhar, suas palavras ou os feitos; tampouco devem ser vestidas com roupas caras e vistosas. Isto lhes inspira orgulho e provoca inveja no coração de seus companheiros.
Os pequenos devem ser educados com simplicidade infantil.
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Cumpre serem exercitados a contentar-se com os pequenos e úteis deveres, e com os prazeres e experiências próprios da sua idade. A infância corresponde à erva da parábola, e a erva tem em si uma beleza peculiar. Não se deve obrigá-los à maturidade precoce, mas conservar-lhes, tanto quanto possível, o frescor e graça dos seus primeiros anos.
Podem as criancinhas ser cristãs, tendo uma experiência de acordo com sua idade. Isto é tudo quanto Deus delas espera. Necessitam de ser educadas nas coisas espirituais; e os pais devem dar-lhes toda oportunidade para que formem caráter semelhante ao de Cristo.
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Nas leis de Deus na Natureza, o efeito segue à causa com certeza infalível. A colheita testificará do que foi a sementeira. O obreiro negligente é condenado por sua obra. A sega dá testemunho contra ele. Assim é nas coisas espirituais: a fidelidade de cada obreiro é medida pelos resultados do trabalho. O caráter de sua obra, quer diligente quer lerdo, é revelado pela colheita. Assim é decidido o seu destino para a eternidade.
Toda semente lançada produz uma colheita segundo sua espécie. O mesmo se dá na vida humana. Necessitamos todos, lançar as sementes da compaixão, simpatia e amor; porque o que semearmos isso colheremos. Toda característica de egoísmo, amor-próprio, estima própria, todo ato de condescendência consigo mesmo produzirá fruto semelhante. Aquele que vive para si, está semeando na carne, e da carne brotará corrupção.
Deus não destrói a ninguém. Todo aquele que for destruído ter-se-á destruído a si mesmo. Todo aquele que sufoca as admoestações da consciência está lançando as sementes da incredulidade, e estas produzirão uma colheita certa. Rejeitando
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a primeira advertência de Deus, Faraó, na antiguidade, semeou as sementes da obstinação, e colheu obstinação. Deus não o compeliu a descrer. A semente de incredulidade que lançou, produziu uma colheita de sua espécie. Assim, sua resistência continuou até contemplar o seu país devastado, o gélido cadáver de seu primogênito, e o primogênito de toda a sua casa, e de todas as famílias de seu reino, até que as águas do mar lhe submergiram os cavalos, carros e guerreiros. Sua história é uma ilustração tenebrosa da verdade das palavras, “tudo o que o homem semear, isso também ceifará”. Gál. 6:7. Se tão-somente reconhecessem os homens isso, seriam cautelosos com a semente que lançam.
À medida que a semente espalhada produz uma colheita, e esta por sua vez é semeada, a seara se multiplica. Essa lei é também verdadeira em relação com as pessoas. Cada ato, cada palavra é uma semente que produzirá fruto. Cada ato de meditada bondade, de obediência ou de renúncia, se reproduzirá em outros, e por eles ainda em terceiros. Do mesmo modo cada ato de inveja, malícia ou dissensão, é uma semente que brotará em “raiz de amargura” (Heb. 12:15), pela qual muitos serão contaminados. E quanto maior número envenenarão os “muitos”! Assim a sementeira do bem e do mal prossegue para o tempo e a eternidade.
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Liberalidade tanto em assuntos espirituais quanto temporais, é ensinada na lição da semeadura. O Senhor diz: “Bem-aventurados vós, que semeais sobre todas as águas.” Isa. 32:20. “Digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em abundância também ceifará.” II Cor. 9:6. Semear sobre todas as águas significa uma contínua distribuição das dádivas de Deus. Significa dar onde quer que a causa de Deus ou as necessidades da humanidade exigirem nosso auxílio.
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Isso não levará à pobreza. “O que semeia em abundância, em abundância também ceifará.” O semeador multiplica a semente lançando-a fora. Assim é com aqueles que são fiéis no distribuir as dádivas de Deus. Repartindo, aumentam suas bênçãos. Deus lhes prometeu suficiência para que possam continuar a dar. “Dai, e ser-vos -á dado; boa medida, recalcada, sacudida e transbordando vos darão; porque com a mesma medida com que medirdes também vos medirão de novo.” Luc. 6:38.
E mais do que isso está envolvido no semear e ceifar. Distribuindo as bênçãos temporais de Deus, a evidência de nosso amor e simpatia desperta, no que recebe, gratidão e ações de graças a Ele. O solo do coração é preparado para receber a semente da verdade espiritual. E Aquele que provê a semente ao semeador, fará com que a semente germine e produza fruto para a vida eterna.
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Pelo lançar da semente no solo, Cristo representa Seu sacrifício por nossa redenção. “Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer”, disse, “fica ele só; mas, se morrer, dá muito fruto.” João 12:24. Assim a morte de Cristo resultará em fruto para o reino de Deus. De acordo com a lei do reino vegetal, vida será o resultado de Sua morte.
E todos os que quiserem produzir fruto como coobreiros de Cristo, precisam cair na terra e morrer. A vida precisa ser lançada no sulco da necessidade do mundo. O amor-próprio e o próprio interesse têm que perecer. Mas a lei do sacrifício próprio é a lei da própria preservação. A semente sepultada no solo produz fruto, e este, por sua vez, é plantado. Assim se multiplica a seara. O lavrador preserva a sua semente, lançando-a fora. Deste modo, na vida
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humana dar é viver. A vida que será preservada é a que é entregue liberalmente ao serviço de Deus e do homem. Os que pela causa de Cristo sacrificam a vida neste mundo, conservá-la-ão para a eternidade.
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A semente morre para ressurgir em nova vida, e nisto nos é dada a lição da ressurreição. Todos os que amam a Deus reviverão no Éden celestial. Do corpo humano posto na cova para ser reduzido a pó, disse Deus: “Semeia-se o corpo em corrupção, ressuscitará em incorrupção. Semeia-se em ignomínia, ressuscitará em glória. Semeia-se em fraqueza, ressuscitará com vigor.” I Cor. 15:42 e 43.
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Tais são algumas das muitas lições ensinadas pela viva parábola do semeador e da semente na Natureza. Procurem os pais e mestres ensinar estas lições, de modo prático. Preparem as crianças mesmas o solo e semeiem a semente. Enquanto trabalham, o pai ou mestre pode falar sobre o jardim do coração semeado com a boa ou má semente, e que assim como o jardim precisa ser preparado para a semente natural, o coração precisa ser preparado para a semente da verdade. Enquanto lançam ao solo a semente, podem ensinar a lição da morte de Cristo; e, brotando o renovo, a verdade da ressurreição. Crescendo a planta, pode ser continuada a relação entre o semear natural e o espiritual.
A juventude deve ser instruída de maneira idêntica. Deve ser ensinada a lavrar o solo. Será bom que, ligadas com cada escola, haja terras para cultivo. Esses terrenos devem ser considerados a sala de aulas do próprio Deus. As coisas da Natureza devem ser contempladas como
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sendo o manual que Seus filhos devem estudar, do qual podem obter conhecimento quanto ao cultivo da mente.
Preparando o solo, lavrando a terra, podem aprender-se constantemente lições. Ninguém pensaria em estabelecer-se em terreno agreste esperando que produzisse imediatamente uma colheita. Esforço, diligência e trabalho perseverante devem ser empregados no tratamento do solo preparatório para a semeadura. Assim é com a obra espiritual no coração humano. Os que quiserem ser beneficiados pelo cultivo do solo, precisam sair com a Palavra de Deus no coração. Acharão o solo árido do coração sulcado pela influência branda e enternecedora do Espírito Santo. A não ser que se empregue trabalho árduo no solo, ele não produzirá frutos. O mesmo se dá com o solo do coração: o Espírito de Deus precisa nele operar para refiná-lo e discipliná-lo antes de poder produzir fruto para a glória de Deus.
A terra não produzirá suas riquezas quando lavrada esporadicamente. Necessita de cuidado meditado e diário. Precisa ser arada freqüente e profundamente com o objetivo de evitar as ervas daninhas que roubam a nutrição da boa semente plantada. Assim os que lavram e semeiam, preparam para a ceifa. Ninguém necessita permanecer no campo entre as ruínas de suas esperanças.
A bênção do Senhor repousará sobre os que assim preparam a terra, aprendendo da Natureza lições espirituais. Cultivando o solo, o obreiro mal sabe que tesouros serão descobertos diante dele. Conquanto não deva desprezar a instrução que lhe é possível colher das mentes experimentadas e da informação que homens inteligentes têm para fornecer, deve colher lições por si mesmo. Isso é parte de sua instrução. O cultivo do solo provar-se-á uma educação para o caráter.
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Aquele que faz a semente crescer, que a mantém dia e noite, que lhe confere a capacidade de desenvolver-se, é o Autor de nosso ser, o Soberano do Céu que exerce ainda maior cuidado e interesse em favor de Seus filhos. Ao passo que o semeador humano lança a semente para sustentar-nos a vida terrena, o Semeador divino implantará no coração a semente que produzirá fruto para a vida eterna.
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Um Poder que Transforma e Eleva
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Muitos homens letrados e influentes tinham ido ouvir o Profeta da Galiléia. Alguns deles olhavam com interesse curioso à multidão que se aglomerava em volta de Cristo, enquanto ensinava junto ao mar. Nessa grande multidão estavam representadas todas as classes da sociedade. Lá estavam os pobres, os iletrados, os mendigos andrajosos, os ladrões com o estigma da culpa na fisionomia, os coxos, os dissolutos, os negociantes e os desocupados, altos e baixos, ricos e pobres, todos se acotovelando por um lugar, para ouvir as palavras de Cristo. Olhando esses homens de cultura a estranha assembléia, perguntavam-se entre si: É o reino de Deus composto de elemento como este? Novamente o Salvador replicou com uma parábola:
“O reino dos Céus é semelhante ao fermento que uma mulher toma e introduz em três medidas de farinha, até que tudo esteja levedado.” Mat. 13:33.
Entre os judeus, o fermento era algumas vezes usado como emblema do pecado. No tempo da Páscoa, o povo
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era instruído a remover de suas casas todo o fermento, como deveriam banir do coração o pecado. Cristo admoestou Seus discípulos: “Acautelai-vos… do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia.” Luc. 12:1. E o apóstolo Paulo fala do “fermento da maldade e da malícia”. I Cor. 5:8. Mas, na parábola do Salvador, o fermento é usado para representar o reino de Deus. Ilustra o poder vivificante e assimilador da graça de Deus.
Ninguém é tão vil, ninguém tão decaído, que esteja além da operação desse poder. Em todos quantos querem submeter-se ao Espírito Santo deve ser implantado um princípio novo de vida: a perdida imagem de Deus deve ser restaurada na humanidade.
Mas o homem não se pode transformar pelo exercício de sua vontade. Não possui faculdade por cujo meio esta mudança possa ser efetuada. O fermento – algo totalmente externo – precisa ser introduzido na farinha, antes de a alteração desejada efetuar-se. Assim a graça de Deus precisa ser recebida pelo pecador antes de ele ser tornado apto para o reino da glória. Toda cultura e educação que o mundo pode oferecer, fracassarão em fazer de um degradado filho do pecado, um filho do Céu. A energia renovadora precisa vir de Deus. A mudança só pode ser efetuada pelo Espírito Santo.

“Bem-aventurados os que trilham caminhos retos e andam na lei do Senhor. Bem-aventurados os que guardam os Seus testemunhos e O buscam de todo o coração. E não praticam iniqüidade, mas andam em Seus caminhos. Tu ordenaste os Teus mandamentos, para que diligentemente os observássemos. Tomara que os meus caminhos sejam dirigidos de maneira a poder eu observar os Teus estatutos.” Sal. 119:1-5.
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Todos que quiserem ser salvos, nobres ou humildes, ricos ou pobres, precisam submeter-se à atuação deste poder.
Como o fermento, misturado à farinha, opera do interior para o exterior, assim é pela renovação do coração, que a graça de Deus atua para transformar a vida. Não basta a mudança exterior para pôr-nos em harmonia com Deus. Muitos há que procuram reformar-se, corrigindo este ou aquele mau hábito, e esperam desse modo tornar-se cristãos, mas estão principiando no lugar errado. Nossa primeira tarefa é com o coração.
A profissão de fé e a posse da verdade na alma são duas coisas distintas. Não basta meramente o conhecimento da verdade. Podemos possuir esta e ainda o teor de nossos pensamentos não ser alterado. O coração precisa ser convertido e santificado.
O homem que tenta observar os mandamentos de Deus por um senso de obrigação apenas – porque é requerido que assim faça – jamais sentirá o prazer da obediência. Não obedece. Quando, por contrariarem a inclinação humana, os reclamos de Deus são considerados um fardo, podemos saber que a vida não é uma vida cristã. A verdadeira obediência é a expressão de um princípio interior. Origina-se do amor à justiça, o amor à lei de Deus. A essência de toda justiça é

“Para sempre, ó Senhor, a Tua palavra permanece no Céu. A Tua fidelidade estende-se de geração a geração; tu firmaste a terra, e firme permanece. Nunca me esquecerei dos Teus preceitos, pois por eles me tens vivificado. A toda perfeição vi limite, mas o Teu mandamento é amplíssimo.” Sal. 119:89 e 90, 93 e 96.
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lealdade ao nosso Redentor. Isso nos levará a fazer o que é reto porque é reto, porque a retidão é agradável a Deus.
A grande verdade da conversão do coração pelo Espírito Santo é apresentada nas palavras de Cristo a Nicodemos: “Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus. O que é nascido da carne é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito. Não te maravilhes de te ter dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” João 3:3, 6-8.
O apóstolo Paulo, escrevendo por inspiração do Espírito Santo, diz: “Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo Seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo (pela graça sois salvos), e nos ressuscitou juntamente com Ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros as abundantes riquezas da Sua graça, pela Sua benignidade para conosco em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus.” Efés. 2:4-8.
O fermento oculto na farinha atua invisivelmente para submeter toda a massa a seu processo levedante; assim o fermento da verdade opera secreta, silente e persistentemente para transformar a pessoa. As inclinações naturais são abrandadas e subjugadas. São implantadas novas idéias, novos sentimentos, novos motivos.

“Louvar-Te-ei com retidão de coração, quando tiver aprendido os Teus justos juízos. Observarei os Teus estatutos; não me desampares totalmente.” Sal. 119:7 e 8.
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Uma nova norma de caráter é proposta – a vida de Cristo. A mente é mudada; as faculdades são estimuladas à ação em novas esferas. O homem não é dotado de faculdades novas, mas as faculdades que possui são santificadas. A consciência é despertada. Somos dotados de traços de caráter que nos habilitam a prestar serviço a Deus.
Freqüentemente surge a questão: Por que, pois, há tantos pretensos crentes na Palavra de Deus, nos quais não se vê uma reforma na linguagem, no espírito e no caráter? Por que há tantos que não podem sofrer oposição a seus propósitos e planos, que manifestam temperamento não santificado, e cujas palavras são rudes, insultuosas e apaixonadas? Vê-se em sua vida o mesmo amor-próprio, a mesma condescendência egoísta, a mesma índole e linguagem precipitada, vistos na vida do mundano. Há o mesmo orgulho sensitivo, a mesma entrega ao pendor natural, a mesma perversidade de caráter, como se a verdade lhes fosse inteiramente desconhecida. A razão é que não são convertidos. Não esconderam no coração o fermento da verdade. Não teve ele oportunidade de realizar sua obra. Suas tendências naturais e cultivadas para o mal não foram subjugadas

“Como purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a Tua palavra. De todo o meu coração Te busquei; não me deixes desviar dos Teus mandamentos. Escondi a Tua palavra no meu coração, para eu não pecar contra Ti. Em Teus preceitos meditarei e olharei para os Teus caminhos. Alegrar-me-ei nos Teus estatutos; não me esquecerei da Tua palavra.” Sal. 119:9-11, 15 e 16.
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a seu poder transformador. A vida dessas pessoas revela a ausência da graça de Cristo, uma descrença em Seu poder de regenerar o caráter.
“A fé é pelo ouvir, e o ouvir pela Palavra de Deus.” Rom. 10:17. As Escrituras são o grande veículo na transformação do caráter. Cristo orou: “Santifica-os na verdade; a Tua Palavra é a verdade.” João 17:17. Estudada e obedecida, a Palavra de Deus atua no coração, subjugando todo atributo não santificado. O Espírito Santo vem para convencer do pecado, e a fé que brota no coração opera por amor a Cristo, conformando-nos em corpo, alma e espírito à Sua própria imagem. Então Deus pode usar-nos para fazer Sua vontade. O poder a nós concedido atua no interior para o exterior, levando-nos a transmitir a outros a verdade que nos foi comunicada.
As verdades da Palavra de Deus suprem a grande necessidade prática do homem – a conversão da alma pela fé. Estes grandes princípios não devem ser julgados puros nem santos demais para serem introduzidos na vida diária. São verdades que atingem o Céu e abrangem a eternidade, contudo sua influência vital deve ser entrelaçada com a experiência humana.

“Ensina-me, ó Senhor, o caminho dos Teus estatutos, e guardá-lo-ei até o fim. Dá-me entendimento, e guardarei a Tua lei e observá-la-ei de todo o coração. Faze-me andar na verdade dos Teus mandamentos, porque nela tenho prazer. Confirma a Tua promessa ao Teu servo, que se inclina ao Teu temor. Desvia de mim o opróbrio que temo, pois os Teus juízos são bons.” Sal. 119:33-35, 38 e 39.
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Devem impregnar todas as coisas importantes e mínimas da vida.
Recebido no coração, o fermento da verdade regulará os desejos, purificará os pensamentos e dulcificará a índole. Vivifica as faculdades do espírito e as energias da alma. Aumenta a capacidade de sentir, de amar.
O mundo considera um mistério o homem que está imbuído deste princípio. O egoísta e amante de dinheiro vive unicamente para assegurar-se das riquezas, honras e prazeres deste mundo. Não leva em conta o mundo eterno. Mas, para o seguidor de Cristo, estas coisas não são todo-absorventes. Pela causa de Cristo trabalhará e negará a si mesmo, para que possa auxiliar na grande obra de salvar pessoas que estão sem Cristo e sem esperança no mundo. Tal homem o mundo não pode compreender, porque conserva em vista as realidades eternas. O amor de Cristo, com Seu poder redentor, penetrou no coração. Este amor domina todos os outros motivos e eleva seu possuidor acima da influência corruptora do mundo.
A Palavra de Deus deve ter efeito santificador em nossa associação com cada membro da família humana. O fermento da verdade não produzirá espírito de rivalidade, amor de ambição, desejo de primazia. O amor verdadeiro, oriundo do alto, não é egoísta nem mutável. Não é dependente do louvor humano. O coração daquele que recebe a graça

“Lâmpada para os meus pés é Tua palavra e luz, para o meu caminho. Jurei e cumprirei que hei de guardar os Teus justos juízos. Os Teus testemunhos tenho eu tomado por herança para sempre, pois são o gozo do meu coração. Inclinei o meu coração a guardar os Teus estatutos, para sempre, até ao fim.” Sal. 119:105, 106, 111 e 112.
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de Deus, transborda de amor a Deus e àqueles por quem Cristo morreu. O eu não luta por nenhum reconhecimento. Não ama a outros porque o amem e lhe agradem, por apreciarem seus méritos, mas por serem propriedade adquirida de Cristo. Se seus motivos, palavras ou atos são malcompreendidos ou mal-interpretados, não se ofende mas prossegue na mesma maneira de proceder. É bondoso e ponderado, humilde no conceito próprio; contudo é cheio de esperança, sempre confiante na graça e no amor de Deus.
O apóstolo nos exorta: “Mas, como é santo Aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver, porquanto escrito está: Sede santos, porque Eu sou santo.” I Ped. 1:15 e 16. A graça de Cristo deve reger o temperamento e a voz. Sua operação será vista na polidez e terna consideração manifestada de irmão para com irmão, em palavras bondosas e encorajadoras. Há no lar uma presença angélica. A vida exala um suave perfume que ascende a Deus como incenso santo. O amor manifesta-se em afabilidade, cortesia, clemência e longanimidade.
O semblante transforma-se. A presença de Cristo no coração, transparece na face dos que O amam e guardam Seus mandamentos. A verdade está ali escrita. Revela-se a doce paz do Céu. É expressa uma cortesia habitual, um amor mais do que humano.
O fermento da verdade opera uma transformação no homem todo, tornando o áspero polido, o rude gentil, o egoísta generoso. Por ele o corrupto é purificado, lavado no sangue do Cordeiro. Por Seu poder vivificante, leva toda mente, alma e força à harmonia com a vida divina. O homem com sua natureza humana, torna-se participante da divindade. Cristo é honrado na excelência e perfeição de caráter. Efetuando-se estas mudanças, os anjos rompem em cantos enlevantes, e Deus e Cristo Se regozijam pelos seres moldados à semelhança divina.
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O Maior Tesouro
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“Também o reino dos Céus é semelhante a um tesouro escondido num campo que um homem achou e escondeu; e, pelo gozo dele, vai, vende tudo quanto tem e compra aquele campo.” Mat. 13:44.
Nos tempos antigos era comum esconderem os homens seus tesouros na terra. Pilhagens e roubos eram freqüentes; e cada vez que havia mudança no governo, os que possuíam muitas propriedades estavam sujeitos a serem taxados com pesados tributos. Além disso a terra estava em constante perigo, pela invasão de bandos de ladrões. Por isso os ricos procuravam preservar seus tesouros escondendo-os, e a terra era tida como esconderijo seguro. Mas, o local era muitas vezes esquecido, a morte podia chamar o possuidor, a prisão ou desterro podiam separá-lo de suas riquezas, e o tesouro, para cuja conservação tomara tais precauções, ficava para o feliz descobridor. No tempo de Cristo não era incomum descobrirem-se, em terras abandonadas, moedas velhas e ornamentos de ouro e prata.
Um homem arrenda um terreno para o cultivar, e, lavrando os bois o solo, é desenterrado um tesouro oculto. Descobrindo o homem
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esse tesouro, vê que uma fortuna está ao seu alcance. Repondo o ouro no esconderijo, volta para casa, vende tudo quanto tem para adquirir o campo que encerra o tesouro. Sua família e vizinhos pensam que está agindo como insensato. Contemplando o campo, não vêem valor algum na terra abandonada. Mas o homem sabe o que faz; e quando o campo lhe pertence, examina cada porção do mesmo, para achar o tesouro de que se apossou.
Essa parábola ilustra o valor do tesouro celestial e os esforços que devem ser feitos para assegurá-lo. O descobridor do tesouro no campo estava disposto a privar-se de tudo quanto possuía, disposto a empenhar-se em trabalho árduo para alcançar as riquezas encobertas. Assim também o descobridor do tesouro celestial não terá nenhum trabalho por demasiado grande, nem sacrifício algum por demasiado custoso, para obter os tesouros da verdade.
Na parábola, o campo que encerra o tesouro, representa as Sagradas Escrituras. E o evangelho é o tesouro. A própria terra não está tão permeada de veios auríferos nem tão cheia de preciosidades como a Palavra de Deus.
Como Está Oculto
Diz-se que os tesouros do evangelho estão ocultos. A beleza, o poder, o mistério do plano da redenção não são perseguidos por aqueles que são sábios em seu próprio conceito, e ensoberbecidos pelos ensinos de uma filosofia vã. Muitos têm olhos mas não vêem; ouvidos mas não ouvem; inteligência, mas não discernem o tesouro oculto.
Um homem poderia passar sobre o lugar onde o tesouro está escondido. Grandemente necessitado, poderia assentar-se e descansar à sombra de uma árvore sem saber das riquezas ocultas
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sob suas raízes. Assim era com os judeus. Como tesouro áureo, a verdade foi confiada aos hebreus. A dispensação judaica, trazendo o sinete do Céu, fora instituída por Cristo mesmo. As grandes verdades da salvação eram ocultadas por tipos e símbolos. Contudo quando Cristo veio, os judeus não reconheceram Aquele a quem apontavam todos esses símbolos. Tinham em mãos a Palavra de Deus; mas as tradições transmitidas de geração a geração, e as interpretações humanas das Escrituras lhes ocultavam a verdade tal como é em Jesus. Perdeu-se a significação espiritual das Sagradas Escrituras. O tesouro de todo o conhecimento foi-lhes revelado, mas não o sabiam.
Deus não encobre Sua verdade aos homens. Por seu próprio procedimento obscurecem-na eles mesmos. Cristo deu aos judeus prova abundante de que era o Messias; mas Seus ensinamentos exigiam deles uma reforma radical de vida. Viram que se recebessem a Cristo, precisariam renunciar a seus acariciados conceitos e tradições, suas práticas egoístas e ímpias. Aceitar a verdade eterna e imutável exigia sacrifício. Por isso não reconheciam a evidência mais conclusiva que Deus podia dar para firmar a fé em Cristo. Professavam crer no Antigo Testamento; contudo recusavam aceitar o testemunho nele contido a respeito da vida e caráter de Cristo. Temiam deixar-se convencer para não serem convertidos e obrigados a renunciar a suas opiniões preconcebidas. O Tesouro do evangelho, o Caminho, a Verdade e a Vida, estava entre eles; mas rejeitaram a maior dádiva que o Céu lhes poderia outorgar.
“Até muitos dos principais creram nEle”, lemos, “mas não O confessavam por causa dos fariseus, para não
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serem expulsos da sinagoga.” João 12:42. Estavam convictos; criam que Jesus era o Filho de Deus; mas confessá-Lo, não estava em harmonia com seus desejos ambiciosos. Não possuíam a fé que lhes asseguraria o tesouro celeste. Atentavam para os tesouros terrestres.
E hoje os homens procuram ansiosamente tesouros terrenos; têm a mente imbuída de pensamentos egoístas e ambiciosos. Para ganharem riquezas, honra e poder, colocam os princípios, tradições e requisitos de homens acima dos de Deus. Para eles, os tesouros de Sua palavra estão encobertos.
“O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente.” I Cor. 2:14.
“Se ainda o nosso evangelho está encoberto, para os que se perdem está encoberto, nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que não lhes resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.” II Cor. 4:3 e 4.
O Valor do Tesouro
O Salvador viu que os homens estavam empenhados em adquirir riquezas, e perdiam de vista as realidades eternas. Empreendeu corrigir esse mal. Procurou quebrar o encanto fascinante que paralisava a alma. Elevando a voz, disse: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” Mat. 16:26. Apresenta à humanidade decaída o mundo mais nobre, que haviam perdido de vista, para que contemplassem as realidades eternas. Leva-os ao limiar do Infinito, resplandecente com a indescritível glória de Deus, e lhes mostra o seu tesouro.
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O valor desse tesouro supera o ouro e a prata. Não se pode comparar com as riquezas das minas terrestres.

“O abismo diz: Não está em mim;
E o mar diz: Ela não está comigo.
Não se dará por ela ouro fino,
Nem se pesará prata em câmbio dela.
Nem se pode comprar por ouro fino de Ofir,
Nem pelo precioso ônix, nem pela safira.
Com ela se não pode comparar o ouro ou o cristal;
Nem se trocará por jóia de ouro fino.
Ela faz esquecer o coral e as pérolas;
Porque a aquisição da sabedoria é melhor que a dos rubis.” Jó 28:14-18.

Esse é o tesouro que se acha nas Escrituras. A Bíblia é o grande livro de Deus, Seu grande educador. O fundamento de toda a verdadeira Ciência está contido na Bíblia. Esquadrinhando a Palavra de Deus, todo ramo de conhecimento pode ser encontrado; e sobre tudo o mais, encerra a ciência das ciências, a ciência da salvação. A Bíblia é a fonte das riquezas inesgotáveis de Cristo.
A verdadeira educação superior é obtida estudando a Palavra de Deus e a ela obedecendo. Se, porém, é substituída por livros, que não levam a Deus, e ao reino do Céu, a educação adquirida é uma perversão do nome.
Há maravilhosas verdades na Natureza. A terra, o mar e o céu estão cheios de verdade. São nossos mestres. A Natureza proclama a sua voz em lições de sabedoria celestial e de verdade eterna. Mas o homem decaído não quer entender. O pecado obscureceu-lhe a visão, e não pode por si mesmo interpretar a Natureza, sem sobrepô-la a Deus. Lições corretas não podem impressionar o espírito de quem rejeita a Palavra de Deus. Os ensinamentos da Natureza são tão pervertidos que afastam a mente do Criador.
Por muitos a sabedoria dos homens é considerada superior à do divino Mestre, e o Livro de Deus é
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julgado arcaico, anacrônico e desinteressante. Mas os que foram vivificados pelo Espírito Santo não o consideram assim. Vêem o inestimável tesouro e venderiam tudo para comprar o campo que o encerra. Em vez dos livros que contêm as suposições de grandes autores de fama, escolhem a Palavra dAquele que é o maior autor e o maior mestre que o mundo já conheceu, que deu Sua vida por nós, para que por Ele tenhamos a vida eterna.
Os Resultados de Desprezar o Tesouro
Satanás atua no espírito humano e leva-o a pensar que se pode alcançar um maravilhoso conhecimento à parte de Deus. Mediante argumentação ilusória, induziu Adão e Eva a duvidarem da Palavra de Deus, e a substituírem-na por uma teoria que levou à desobediência. Seus sofismas fazem hoje o mesmo que fizeram no Éden. Professores que permeiam suas lições de opiniões de escritores incrédulos, implantam na mente dos jovens, pensamentos que os arrastarão ao desprezo a Deus e à transgressão de Sua lei. Pouco sabem do que estão fazendo. Mal reconhecem qual será a conseqüência de sua obra.
Um estudante pode passar todos os graus das escolas e colégios de hoje. Pode devotar todas as suas faculdades à aquisição de sabedoria. Mas, se não tiver o conhecimento de Deus, se não obedecer às leis que lhe regem o ser, aniquilar-se-á a si próprio. Por hábitos errôneos perde o respeito próprio. Perde o domínio de si mesmo. Não pode ajuizar corretamente das coisas que mais intimamente com ele se relacionam. É negligente e desarrazoado no trato da inteligência e do corpo. Pela prática de hábitos incorretos torna-se um náufrago. Não pode ter felicidade; pois sua negligência de cultivar princípios sãos e puros, sujeita-o ao domínio de costumes que destroem a paz. Os anos de estudo
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exaustivo ficam perdidos, porque se arruinou a si próprio. Abusou de suas forças físicas e mentais, e o templo do corpo é uma ruína. Está aniquilado para esta vida e para a vindoura. Pensou alcançar um tesouro pela aquisição de conhecimentos terrenos; pondo, porém, de parte a Bíblia, sacrificou um tesouro digno de tudo o mais.
A Procura do Tesouro
A Palavra de Deus deve ser nosso estudo. Devemos instruir nossos filhos nas verdades nela encontradas. É um deposito inesgotável; mas os homens deixam de achar esse tesouro, porque não o procuram até adquiri-lo. Muitos se contentam com uma suposição a respeito da verdade. Dão-se por satisfeitos com uma análise superficial, supondo ter tudo que é essencial. Tomam
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o veredicto de outros pela verdade, sendo negligentes demais para empenharem-se em sincero e diligente trabalho, representado na Palavra como escavar em busca do tesouro oculto. As invenções de homens, porém, são não somente indignas de confiança, como perigosas; porque colocam o homem onde Deus deveria estar. Põem as palavras de homens onde deveria estar um “Assim diz o Senhor”.
Cristo é a verdade. Suas palavras são verdade, e têm significação mais profunda do que superficialmente aparentam. Todos os ensinos de Cristo têm um valor superior à sua aparência despretensiosa. Mentes vivificadas pelo Espírito Santo discernirão a preciosidade dessas palavras. Discernirão as preciosas gemas da verdade, embora sejam tesouros encobertos.
Teorias e especulações humanas jamais hão de conduzir à compreensão da palavra de Deus. Os que julgam entender de filosofia, consideram suas interpretações necessárias para descerrar o tesouro do conhecimento e impedir que penetrem heresias na igreja. Mas foram justamente essas explanações que introduziram as falsas teorias e heresias. Os homens têm feito esforços desesperados para explicar textos considerados obscuros; mas muitas vezes seus esforços têm obscurecido ainda mais o que tentavam esclarecer.
Os sacerdotes e fariseus pensavam realizar grandes feitos como professores, sobrepondo à Palavra de Deus as suas interpretações; porém Cristo, deles disse: “Porventura, não errais vós em razão de não saberdes as Escrituras nem o poder de Deus?” Mar. 12:24. Culpava-os de ensinar “doutrinas que são mandamentos de homens”. Mar. 7:7. Embora fossem os instrutores dos oráculos divinos, embora se supusesse que compreendiam Sua Palavra, não eram praticantes da mesma. Satanás cegara-lhes os olhos, para não verem sua verdadeira significação.
Essa é a obra de muitos em nosso tempo. Muitas igrejas são culpadas deste pecado. Há perigo, e grande, de os conceituados sábios de hoje repetirem a experiência
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dos mestres judeus. Interpretam falsamente os oráculos divinos, e mentes são confundidas e envoltas em trevas, em conseqüência de sua concepção errônea da verdade divina.
As Escrituras não necessitam de ser lidas sob a luz embaçada da tradição ou especulação humanas. Podemos tão bem atear luz ao Sol com um facho, como explicar as Escrituras por tradições ou fantasias humanas. A santa Palavra de Deus não necessita do lusco-fusco dos archotes terrenos para tornar distintos os seus esplendores. Em si mesma é luz – a revelação da glória divina; e, ao seu lado, qualquer outra luz é fraquíssima.
Deve, porém, haver estudo sincero e exame minucioso. Percepções vivas e claras da verdade jamais serão a recompensa da indolência. Sem paciente, fervoroso e constante esforço não se pode conseguir sucesso terreno. Para que os homens alcancem bom êxito nos negócios, precisam ter determinação e fé para esperar os resultados. E não podemos esperar obter conhecimento espiritual sem esforço veemente. Os que desejam achar os tesouros da verdade, precisam cavar em busca deles como o faz o mineiro, em busca do tesouro oculto na terra. Não adiantará um trabalho de um coração desinteressado e indiferente. É essencial tanto a adultos como a jovens, não somente ler a Palavra de Deus, como também estudá-la com fervor sincero, oração e investigação da verdade como se buscassem um tesouro escondido. Os que assim procederem serão recompensados; pois Cristo avivará o entendimento.
Nossa salvação depende do conhecimento da verdade contida nas Escrituras. Deus quer que o possuamos. Examinai, oh, examinai a preciosa Bíblia com coração faminto. Sondai a Palavra de Deus, como o mineiro sonda a terra para descobrir veios auríferos. Jamais deis por acabada a busca, enquanto não tiverdes determinado a vossa relação para com Deus, e Sua vontade concernente a vós. Cristo declarou: “Tudo quanto pedirdes em Meu nome, Eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em Meu nome, Eu o farei.” João 14:13 e 14.
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Homens piedosos e de talento vislumbram as realidades eternas, porém, muitas vezes deixam de compreendê-las porque as coisas visíveis eclipsam a glória do invisível. Aquele que quiser procurar o tesouro oculto com bom êxito, precisa alçar-se a prossecuções mais elevadas que as coisas deste mundo. Suas afeições e todas as suas capacidades precisam ser consagradas à pesquisa.
A desobediência tem cerrado a porta a uma grande soma de conhecimentos que podiam ser obtidos das Escrituras. Compreensão significa obediência aos mandamentos de Deus. As Escrituras não devem ser adaptadas ao preconceito e desconfiança dos homens. Somente podem entendê-las aqueles que humildemente procuram o conhecimento da verdade para poder obedecer-lhe.
Pergunta: Que preciso fazer para ser salvo? Antes de iniciar a pesquisa, é preciso depor as opiniões preconcebidas, as idéias herdadas e cultivadas. Se examinais as Escrituras para justificar opiniões próprias, nunca alcançareis a verdade. Pesquisai para aprender o que o Senhor diz. Se vos vier a convicção ao estudardes, se virdes que vossas opiniões acariciadas não estão em harmonia com a verdade, não interpreteis mal a verdade para acomodá-la à vossa própria crença, antes aceitai a luz concedida. Abri a mente e o coração, para que possais contemplar as maravilhas da Palavra de Deus.
A fé em Cristo, como o Redentor do mundo, exige o reconhecimento de uma inteligência esclarecida, dirigida por um coração que pode discernir e avaliar o tesouro celestial. Essa fé é inseparável do arrependimento e transformação do caráter. Ter fé significa achar e aceitar o tesouro do evangelho com todos os deveres que o mesmo impõe.
“Aquele que não nascer de novo não pode ver o reino de Deus.” João 3:3. Conjeturará e imaginará, mas sem os olhos da fé, não pode ver o tesouro. Cristo deu a Sua vida para nos assegurar esse tesouro
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inestimável; porém sem regeneração pela fé em Seu sangue, não há remissão de pecados, nem tesouro para alguém prestes a perecer.
Necessitamos da iluminação do Espírito Santo, para discernir as verdades da Palavra de Deus. As coisas aprazíveis do mundo natural não são vistas sem que o Sol, dissipando as trevas, as inunde de luz. Assim as preciosidades da Palavra de Deus, não são apreciadas, sem serem reveladas pelos brilhantes raios do Sol da Justiça.
O Espírito Santo enviado do Céu, pela benevolência do infinito amor, toma as coisas de Deus e as revela a toda pessoa que tem fé implícita em Cristo. Por Seu poder, as verdades vitais das quais depende a salvação, são impressas na mente, e o caminho da vida torna-se tão claro, que ninguém precisa desviar-se. Estudando as Escrituras, devemos orar para que a luz do Santo Espírito de Deus ilumine a Palavra a fim de vermos e apreciarmos suas jóias.
A Recompensa da Pesquisa
Ninguém pense que não há mais sabedoria para alcançar. A profundeza do entendimento humano pode ser medida, as obras de autores humanos podem ser conhecidas; porém o mais alto, mais profundo e mais largo vôo da imaginação não pode descobrir a Deus. Há a imensidade além de tudo que podemos compreender. Vimos somente o cintilar da glória divina e do infinito conhecimento e sabedoria; temos estado a trabalhar, por assim dizer, próximos da superfície enquanto ricos veios de ouro estão mais embaixo, para recompensar aquele que cavar em sua procura. A escavação precisa aprofundar-se mais e mais na mina, e maravilhosos tesouros serão o resultado. Por uma fé correta, o conhecimento divino tornar-se-á conhecimento humano.
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Ninguém pode esquadrinhar as Escrituras no Espírito de Cristo sem ser recompensado. Quando o homem consente em ser instruído como uma criancinha, quando se submete inteiramente a Deus, achará a verdade em Sua Palavra. Se os homens fossem obedientes compreenderiam o plano do governo de Deus. O mundo celestial abriria os seus mistérios de graça e glória à pesquisa. Os seres humanos seriam totalmente diferentes do que agora são: porque, explorando as minas da verdade, os homens seriam enobrecidos. O mistério da salvação, a encarnação de Cristo, Seu sacrifício expiatório não seriam, como o são agora, noções vagas em nossa mente. Não somente seriam mais bem compreendidos, como infinitamente mais apreciados.
Em Sua oração ao Pai, deu Cristo ao mundo uma lição que deve ser gravada na mente e na alma. “A vida eterna”, disse, “é esta: Que conheçam a Ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” João 17:3. Isto é verdadeira educação. Comunica-nos poder. O conhecimento experimental de Deus e de Jesus Cristo, a quem Ele enviou, transforma o homem na semelhança de Deus. Dá ao homem o domínio próprio, submetendo todos os impulsos e paixões da natureza inferior ao domínio das faculdades superiores da mente. Faz de seu possuidor filho de Deus e herdeiro do Céu. Leva-o à comunhão com a mente do Infinito e lhe abre os ricos segredos do Universo.
Esse é o conhecimento obtido pelo estudo da Palavra de Deus. Esse tesouro pode ser encontrado por toda pessoa que der tudo para alcançá-lo.
“Se clamares por entendimento, e por inteligência alçares a tua voz, se como a prata a buscares e como a tesouros escondidos a procurares, então, entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus.” Prov. 2:3-5.
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A Pérola de Grande Preço
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As bênçãos da graça remidora, nosso Salvador compara a uma preciosa pérola. Ilustrou Sua lição pela parábola do negociante que buscava boas pérolas e que, “encontrando uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto tinha e comprou-a”. Mat. 13:46. Cristo mesmo é a pérola de grande preço. NEle está comprovada a glória do Pai, a plenitude da Divindade. É o resplendor da magnificência do Pai e a expressa imagem de Sua Pessoa. A glória dos atributos de Deus é expressa em Seu caráter. Cada página das Sagradas Escrituras irradia Sua luz. A justiça de Cristo, como uma pérola branca e pura, não tem defeito nem mácula alguma. Nenhuma obra humana pode aperfeiçoar a grande e preciosa dádiva de Deus. É irrepreensível. Em Cristo “estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da Ciência”. Col. 2:3. “Para nós foi feito por Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção.” I Cor. 1:30. Tudo que pode satisfazer às necessidades e anelos da vida humana, para este e para o mundo vindouro, é encontrado em Cristo. Nosso Redentor é a pérola tão preciosa, em comparação com a qual tudo pode ser estimado por perda.
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Cristo “veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam”. João 1:11. A luz de Deus raiou nas trevas do mundo, “e as trevas não a compreenderam”. João 1:5. Mas nem todos se acharam indiferentes à dádiva do Céu. O negociante da parábola representa uma classe que anelava sinceramente a verdade. Em diferentes nações havia pensadores sinceros que tinham procurado na literatura, ciência e religião do mundo gentílico, aquilo que poderiam receber como o tesouro do espírito. Entre os judeus havia os que procuravam alguma coisa que não possuíam. Não satisfeitos com uma religião formal, ansiavam alguma coisa espiritual e enobrecedora. Os discípulos escolhidos de Cristo pertenciam a esta última classe. Cornélio e o eunuco da Etiópia, à primeira. Tinham estado anelando a luz do Céu e orando por seu recebimento; e quando Cristo lhes foi revelado, receberam-nO com alegria.
A pérola não nos é apresenta na parábola como uma dádiva. O negociante adquiriu-a pelo preço de tudo que possuía. Muitos indagam a significação disto, pois Cristo é apresentado nas Escrituras como uma dádiva. É uma dádiva, mas somente para aqueles que se Lhe entregam alma, corpo e espírito sem reservas. Devemos entregar-nos a Cristo, para viver uma vida de obediência voluntária a todos os Seus reclamos. Tudo que somos, todos os talentos e habilidades que possuímos, são do Senhor para serem consagrados a Seu serviço. Quando assim nos rendemos inteiramente a Ele, Cristo Se entrega a nós com todos os tesouros do Céu e  adquirimos a pérola de grande preço.
A salvação é um dom gratuito e contudo deve ser comprado e vendido. No mercado que está sob a administração do favor divino, a preciosa pérola é representada como sendo comprada sem dinheiro e sem preço. Neste mercado todos podem
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obter as mercadorias celestiais. A tesouraria das jóias da verdade está aberta a todos. “Eis que diante de ti pus uma porta aberta”, declara o Senhor, “e ninguém a pode fechar.” Apoc. 3:8. Espada alguma guarda a entrada desta porta. Vozes do interior e de junto à porta dizem: Vem. A voz do Salvador nos convida ansiosa e amavelmente: “Aconselho-te que de Mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças.” Apoc. 3:18.
O evangelho de Cristo é uma bênção que todos podem possuir. Os mais pobres tanto como os mais ricos estão em condições de adquirir a salvação; pois soma alguma de riquezas terrenas pode assegurá-la. É obtida pela obediência voluntária, entregando-nos a Cristo como Sua propriedade adquirida. A educação, mesmo da mais elevada espécie, não pode em si levar o homem para mais perto de Deus. Os fariseus eram favorecidos com todos os privilégios temporais e espirituais, e diziam com arrogância e orgulho: “Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta”; contudo eram desgraçados, e miseráveis, e pobres, e cegos, e nus.” Apoc. 3:17. Cristo lhes ofereceu a pérola de grande preço; mas desdenharam aceitá-la, e Ele lhes disse: “Os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus.” Mat. 21:31.
Não podemos ganhar a salvação; devemos, porém, procurá-la com tanto interesse e perseverança, como se por ela quiséssemos abandonar tudo no mundo.
Devemos buscar a pérola de grande preço, mas não nos mercados mundanos, ou por meios mundanos. O preço de nós exigido não é ouro nem prata, pois isto pertence a Deus. Abandonai a idéia de que privilégios temporais ou espirituais adquirir-vos-ão a salvação. Deus requer vossa obediência voluntária. Pede-vos renunciar a vossos pecados. “Ao que vencer”, diz Cristo, “lhe concederei que se assente comigo no Meu trono, assim como Eu venci e Me assentei com Meu Pai no Seu trono.” Apoc. 3:21.
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Alguns há, que parece sempre buscarem a pérola celestial. Não renunciam, porém, completamente a seus maus hábitos. Não morrem para o próprio eu, para que Cristo viva neles. Por este motivo, não acham a pérola valiosa. Não venceram sua ambição profana e seu amor às atrações do mundo. Não tomam a cruz e não seguem a Cristo no caminho da abnegação e sacrifício. Quase cristãos mas não plenamente, parecem estar perto do reino do Céu, mas não podem ali entrar. Quase, mas não completamente salvos, significa estar não quase, porém completamente perdidos.
A parábola do negociante que buscava boas pérolas, tem significação dupla: aplica-se não somente aos homens que procuram o reino dos Céus, como também a Cristo, que procura Sua herança perdida. Cristo, o Negociante celestial que busca boas pérolas, viu na humanidade perdida a pérola de preço. Viu as possibilidades de redenção no homem pervertido e arruinado pelo pecado. Corações que têm sido o campo de combate com Satanás, e foram salvos pelo poder do amor, são mais preciosos ao Salvador do que aqueles que jamais caíram. Deus contemplou a humanidade não como desprezível e indigna; contemplou-a em Cristo, viu-a como se podia tornar pelo amor redentor.
Reuniu todas as riquezas do Universo e as ofereceu para adquirir a pérola. E Jesus, encontrando-a, insere-a novamente em Seu diadema. “Porque, como as pedras de uma coroa, eles serão exaltados na sua terra.” Zac. 9:16. “Eles serão Meus, diz o Senhor dos Exércitos, naquele dia que farei, serão para Mim particular tesouro.” Mal. 3:17.
Mas Cristo como a pérola preciosa, e nosso privilégio de possuir este tesouro celeste, é o tema com o qual mais nos deveríamos preocupar. O Espírito Santo é que revela
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aos homens a preciosidade da boa pérola. O tempo do poder do Espírito Santo é o tempo em que, num sentido especial, a dádiva celeste será procurada e achada. Nos dias de Cristo muitos ouviam o evangelho, mas tinham o espírito entenebrecido por falsos ensinos; e não reconheciam no humilde
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Mestre da Galiléia o Enviado de Deus. Mas depois da ascensão de Cristo, Sua entronização em Seu reino intercessório foi assinalada pelo derramamento do Espírito Santo. No dia de Pentecoste foi dado o Espírito. As testemunhas de Cristo anunciavam o poder do Salvador ressurreto. A luz do Céu penetrou na mente obscurecida dos que tinham sido enganados pelos inimigos de Cristo. Agora O contemplavam elevado “a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados”. Atos 5:31. Viram-nO envolto na glória do Céu, com tesouros infinitos nas mãos para outorgar a todos os que se voltassem de sua rebelião. Proclamando os apóstolos a glória do Unigênito do Pai, foram convertidas três mil pessoas. Viam-se como realmente eram – pecadores e poluídos, e a Cristo como seu Amigo e Redentor. Cristo foi exaltado, Cristo foi glorificado pelo poder do Espírito Santo, que repousava sobre os homens. Pela fé esses crentes contemplavam-nO como Aquele que suportara humilhação, sofrimento e morte, para que não perecessem mas tivessem a vida eterna. A revelação de Cristo pelo Espírito lhes trouxe um senso reconhecedor de Seu poder e majestade; e pela fé estendiam as mãos a Ele, dizendo: “Creio!”
Então as boas-novas de um Salvador ressurgido foram levadas às mais longínquas extremidades do mundo habitado. A igreja viu como de todos os lugares lhe afluíam conversos. Crentes foram convertidos de novo. Pecadores aliavam-se aos cristãos, para buscar a pérola de grande preço. Cumpriu-se a profecia: “E o que dentre eles tropeçar, naquele dia, será como Davi, e a casa de Davi será… como o anjo do Senhor diante deles.” Zac. 12:8. Cada cristão via em seu irmão a semelhança divina de benevolência e amor. Um único interesse prevalecia. Um objetivo absorvia todos os outros. Todos os corações palpitavam em harmonia. O único empenho dos crentes era revelar a semelhança
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do caráter de Cristo e trabalhar pelo engrandecimento de Seu reino. “Era um o coração e a alma da multidão dos que criam. … E os apóstolos davam, com grande poder, testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça.” Atos 4:32 e 33. “E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar.” Atos 2:47. O Espírito de Cristo animava toda a congregação; porque tinham achado a pérola de grande preço.
Estas cenas devem repetir-se, e com maior poder. O derramamento do Espírito Santo no dia de Pentecoste foi a chuva temporã; porém a chuva serôdia será mais copiosa. O Espírito aguarda nosso pedido e recepção. Cristo deve ser revelado novamente em Sua plenitude pelo poder do Espírito Santo. Homens reconhecerão o valor da pérola preciosa e dirão com o apóstolo Paulo: “O que para mim era ganho reputei-o perda por Cristo. E, na verdade, tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor.” Filip. 3:7 e 8.
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A Rede e a Pesca
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“O reino dos Céus é semelhante a uma rede lançada ao mar e que apanha toda qualidade de peixes. E, estando cheia, a puxam para a praia e, assentando-se, apanham para os cestos os bons; os ruins, porém, lançam fora. Assim será na consumação dos séculos: virão os anjos e separarão os maus dentre os justos. E lançá-los-ão na fornalha de fogo; ali, haverá pranto e ranger de dentes.” Mat. 13:47-50.
O lançar da rede é a pregação do evangelho. Este congrega na igreja bons e maus. Quando terminar a missão do evangelho, o juízo efetuará a obra de separação. Cristo viu que a existência de falsos irmãos na igreja motivaria que se falasse mal do caminho da verdade. O mundo difamaria o Evangelho por causa da vida incoerente de falsos professos. Mesmo os cristãos seriam induzidos a tropeçar, ao verem que muitos que levavam o nome de Cristo não eram governados pelo Seu Espírito. Havendo tais pecadores na igreja, os homens estariam em perigo de pensar que Deus lhes desculparia os pecados. Por isso Cristo ergueu o véu do
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futuro e ordenou a todos que notassem que o caráter e não a posição é que decide o destino do homem.
Tanto a parábola do joio, como a da rede, claramente ensinam que não haverá um tempo em que todos os ímpios se converterão a Deus. O trigo e o joio crescem juntos até à ceifa. Os peixes bons e os ruins são puxados juntamente para a margem, para uma separação final.
Essas parábolas ensinam que depois do Juízo não haverá graça. Quando findar a obra do evangelho, seguir-se-á imediatamente a separação de bons e maus, e o destino de cada classe será fixado para sempre.
Deus não deseja a destruição de ninguém. “Vivo eu, diz o Senhor Jeová, que não tenho prazer na morte do ímpio, mas em que o ímpio se converta do seu caminho e viva; convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois por que razão morrereis?” Ezeq. 33:11. Durante todo o período da graça Seu Espírito insta com os homens para que aceitem o dom da vida. Somente os que Lhe rejeitam a intercessão serão deixados a perecer. Deus declarou que o pecado precisa ser destruído como um mal nocivo ao Universo. Os que se atêm ao pecado hão de perecer na destruição do mesmo.
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Onde Encontrar a Verdade
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Enquanto Cristo ensinava o povo, instruía ao mesmo tempo os discípulos para a sua obra futura. Em todos os Seus ensinos havia lições para eles. Depois de dar a parábola da rede, perguntou-lhes: “Entendestes todas estas coisas?” Disseram-Lhe: “Sim, Senhor.” Mat. 13:51. Então lhes expôs, noutra parábola, a responsabilidade em relação às verdades recebidas. “Por isso”, disse Ele, “todo escriba instruído acerca do reino dos Céus é semelhante a um pai de família que tira do seu tesouro coisas novas e velhas.” Mat. 13:52.
O pai de família não acumula o tesouro adquirido. Serve-se dele para partilhar com outros; e, pelo uso, o tesouro aumenta. O pai de família tem coisas preciosas, novas e velhas. Assim Cristo ensina que a verdade confiada aos discípulos deve ser anunciada ao mundo; e, partilhando o conhecimento da verdade, ele aumentará. Todos os que recebem no coração a mensagem do evangelho, almejarão proclamá-la. O amor de Cristo, de origem celeste, precisa encontrar expressão. Os que se revestiram de Cristo
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relatarão sua experiência, descobrindo passo a passo a direção do Espírito Santo – sua sede e fome de conhecimento de Deus e de Jesus Cristo, a quem enviou, o resultado de esquadrinhar as Escrituras, suas orações, sua agonia de alma e as palavras de Cristo a eles: “Teus pecados te são perdoados.” É antinatural que qualquer pessoa mantenha em secreto estas coisas; e quem está possuído do amor de Cristo não o fará. Na mesma proporção em que o Senhor os tornou depositários da verdade sagrada, será seu desejo que outros recebam a mesma bênção. Divulgando os ricos tesouros da graça de Deus, ser-lhes-á concedido mais e mais da graça de Cristo. Terão o coração de uma criancinha em sua simplicidade e obediência irrestrita. Sua alma almejará a santidade e ser-lhes-á revelado sempre mais dos tesouros da verdade e da graça, para serem dados ao mundo.
O grande celeiro da verdade é a Palavra de Deus – a Palavra escrita, o livro da Natureza e o livro da experiência no trato de Deus para com a vida humana. Eis os tesouros, de que os coobreiros de Cristo devem prover-se. Na pesquisa da verdade devem confiar em Deus e não na inteligência dos grandes homens, cuja sabedoria é loucura para Deus. O Senhor comunicará ao inquiridor o conhecimento de Si mesmo, pelos canais por Ele prescritos.
Se o seguidor de Cristo crer em Sua Palavra e praticá-la, não haverá Ciência no mundo natural, que não possa compreender nem apreciar. Nada há que não lhe forneça meio de partilhar a verdade com outros. A história natural é um tesouro de conhecimentos em que todo estudante na escola de Cristo pode obter.
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Contemplando o encanto da Natureza, estudando suas lições no cultivo do solo, no crescimento das árvores, em todas as maravilhas da terra, mar e céu, advir-nos-á percepção nova da verdade. Os mistérios ligados ao proceder de Deus para com os homens, as profundezas de Sua sabedoria e penetração, vistos na vida humana – verificar-se-á serem um depósito repleto de tesouros.
Mas, na Palavra escrita é que está revelado com maior clareza o conhecimento de Deus ao homem caído. Nela estão as inesgotáveis riquezas de Cristo.
A Palavra de Deus abrange as Escrituras, tanto do Antigo como do Novo Testamentos. Um não está completo sem o outro. Cristo declarou que as verdades do Antigo Testamento são tão preciosas quanto as do Novo. Cristo tanto foi o Redentor do homem no princípio do mundo quanto o é hoje. Antes que viesse à nossa Terra com Sua divindade revestida da humanidade, foi dada a mensagem do evangelho a Adão, Sete, Enoque, Matusalém e Noé. Abraão em Canaã e Ló em Sodoma anunciaram a mensagem, e de geração a geração mensageiros fiéis prenunciaram Aquele que havia de vir. Os ritos da dispensação judaica foram instituídos por Cristo mesmo. Foi Ele o fundamento de seu sistema de ofertas sacrificais, o grande antítipo de todo o seu cerimonial religioso. O sangue derramado quando os sacrifícios eram oferecidos apontava o sacrifício do Cordeiro de Deus. Todas as ofertas típicas tiveram nEle o seu cumprimento.
Cristo, manifesto aos patriarcas, simbolizado no serviço sacrifical, retratado na lei, e revelado pelos profetas, é o tesouro do Antigo Testamento. Cristo em Sua vida, morte e ressurreição; Cristo como é manifesto pelo Espírito Santo, é o tesouro do Novo. Nosso Salvador, o resplendor da glória do Pai, tanto é o Antigo como o Novo.
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Os apóstolos deviam ir como testemunhas da vida, morte e mediação de Cristo, preditas pelos profetas. Cristo em Sua humilhação, pureza e santidade, em Seu amor incomparável, devia ser seu tema. E para pregar o evangelho em sua plenitude, precisavam apresentar o Salvador, não somente como lhes fora revelado em Sua vida e ensinos, mas também predito pelos profetas do Antigo Testamento e simbolizado pelo serviço sacrifical. Em Seus ensinos, Cristo expunha velhas verdades, das quais Ele mesmo era o originador, verdades que Ele próprio proferira pelos patriarcas e profetas; porém, sobre elas projetava agora nova luz. Como parecia diferente a sua significação! Sua explanação lançava ondas de luz e espiritualidade. E prometeu que o Espírito Santo deveria iluminar os discípulos para que a Palavra de Deus se lhes desdobrasse continuamente. Estariam capacitados para apresentar as verdades em renovada beleza.
Desde a primeira promessa de redenção no Éden, a vida, o caráter e a mediação de Cristo têm constituído o estudo das mentes humanas. Todavia, cada mente pela qual tem atuado o Espírito Santo, expôs estes temas sob aspecto novo. As verdades da redenção são susceptíveis de desenvolvimento e expansão constantes. Embora velhas, são sempre novas, e revelam constantemente ao pesquisador da verdade maior glória e força mais potente.
Em cada época há novo desenvolvimento da verdade, uma mensagem de Deus para essa geração. As velhas verdades são todas essenciais; a nova verdade não é independente da antiga, mas um desdobramento dela. Só compreendendo as velhas verdades é que podemos entender as novas. Quando Cristo quis expor aos discípulos a verdade de Sua ressurreição, começou “por Moisés e por todos os profetas”,
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e “explicava-lhes o que dEle se achava em todas as Escrituras”. Luc. 24:27. Mas a luz que brilha na nova ampliação da verdade, é que glorifica a velha. O homem que rejeita ou despreza a nova, não possui realmente a velha. Para ele perde seu poder vital e torna-se forma inanimada.
Há homens que professam crer e ensinar as verdades do Antigo Testamento, ao passo que rejeitam o Novo. Pela recusa de aceitar os ensinos de Cristo mostram que tampouco crêem o que disseram os patriarcas e profetas. “Porque, se vós crêsseis em Moisés”, disse Cristo, “creríeis em Mim, porque de Mim escreveu ele.” João 5:46. Pelo que não há poder real em seus ensinos, mesmo do Antigo Testamento.
Muitos que pretendem crer e ensinar o evangelho, encontram-se em erro idêntico. Rejeitam as Escrituras do Antigo Testamento, das quais Cristo declarou: “São elas que de Mim testificam.” João 5:39. Rejeitando o Antigo, rejeitam efetivamente o Novo, pois ambos são parte de um todo inseparável. Ninguém pode apresentar corretamente a lei de Deus sem o evangelho, ou o evangelho sem a lei. A lei é o evangelho consolidado, e o evangelho é a lei desdobrada. A lei é a raiz, e o evangelho é a fragrante flor e frutos que produz.
O Antigo Testamento projeta luz sobre o Novo, e o Novo, sobre o Antigo. Ambos são uma revelação da glória de Deus em Cristo. Ambos apresentam verdades que revelarão continuamente ao fervoroso inquiridor, novas profundezas.
Incomensurável é a verdade em Cristo e mediante Cristo. O estudante da Escritura, por assim dizer, contempla uma fonte que se aprofunda e amplia à medida que mira sua profundeza. Nesta vida não entenderemos o mistério do amor de Deus em entregar Seu Filho para propiciação por nossos pecados. A obra de nosso Redentor na Terra é e sempre será
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assunto que há de exigir o máximo de nossa mais atenta imaginação. O homem pode empenhar toda a sua faculdade mental no esforço de penetrar este mistério, mas a sua capacidade de compreensão desfalecerá e fatigar-se-á. O pesquisador mais esforçado ver-se-á diante de um mar ilimitado e sem praias.
A verdade, como é em Jesus, pode ser experimentada mas nunca explicada. Sua altura, largura e profundidade ultrapassam nosso entendimento. Podemos exercitar ao máximo a imaginação, e veremos então só tenuemente o esboço de um amor inexplicável, tão alto quanto o Céu, mas que baixou à Terra para gravar em toda a humanidade a imagem de Deus.
Todavia nos é possível ver tanto da misericórdia divina quanto podemos suportar. Ela será desvendada à alma contrita e humilde. Compreenderemos a misericórdia de Deus justamente na proporção em que apreciamos o Seu sacrifício por nós. Esquadrinhando com humildade de coração a Palavra de Deus, descerrar-se-á à nossa pesquisa o grande tema da redenção. Ele aumentará de fulgor à medida que o contemplarmos, e, à medida que desejarmos entendê-lo, sua altura e profundidade crescerão.
Nossa vida deve estar ligada à vida de Cristo, dEle receber continuamente, participar dEle, o Pão vivo que desceu do Céu, e prover-se de uma fonte sempre fresca, que sempre produz copioso tesouro. Se tivermos o Senhor sempre diante de nós, e deixarmos o coração transbordar em ações de graças e louvores a Ele, teremos frescor contínuo em nossa vida religiosa. Nossas orações terão a forma de uma conversa com Deus, como se falássemos com um amigo. Ele nos falará pessoalmente de Seus mistérios. Freqüentemente advir-nos-á um senso agradável e alegre da presença de Jesus. O coração arderá muitas vezes em nós, quando Ele Se achegar para comungar conosco, como o fazia com Enoque.
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Quando esta for em verdade a experiência do cristão, ver-se-lhe-ão na vida, simplicidade, mansidão, brandura e humildade de coração, que mostrarão a todos os que com ele mantêm contato, que esteve com Jesus e dEle aprendeu.
Naqueles que a possuem, a religião de Cristo revelar-se-á um princípio vitalizante e penetrante, uma energia viva, operante e espiritual. Manifestar-se-ão a força, o frescor e a alegria da juventude perpétua. O coração que recebe a Palavra de Deus, não é como um açude que se evapora, nem como uma cisterna rota que perde o seu tesouro. É como a torrente da montanha, alimentada por fontes inesgotáveis, cuja água fresca e borbulhante salta, de rochedo em rochedo, refrescando os cansados, os sedentos e os duramente oprimidos.
Essa experiência dá a todo instrutor da verdade, justamente as qualificações que o tornarão representante de Cristo. O espírito dos ensinos de Cristo lhe dará vigor e precisão às palavras e orações. Seu testemunho de Cristo não será acanhado nem frágil. O pastor não pregará sempre e sempre os mesmos discursos de praxe. Abrir-se-lhe-á a mente para a iluminação constante do Espírito Santo.
Cristo disse: “Quem come a Minha carne e bebe o Meu sangue tem a vida eterna. … Assim como o Pai, que vive, Me enviou, e Eu vivo pelo Pai, assim quem de Mim se alimenta também viverá por Mim. O Espírito é o que vivifica; … as palavras que Eu vos disse são Espírito e vida.” João 6:54, 57 e 63.
Se comermos a carne de Cristo e bebermos o Seu sangue, o elemento da vida eterna será encontrado no ministério. Não haverá um fundo de idéias arcaicas e repisadas. Cessará o sermão monótono e cansativo. As velhas verdades serão apresentadas, mas serão vistas sob novo prisma. Haverá percepção nova da verdade, clareza e poder que
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serão discernidos por todos. Os que têm o privilégio de estar sob um ministério tal, se sensíveis à influência do Espírito Santo, sentirão o poder tonificante de uma vida nova. O fogo do amor de Deus será aceso neles. Suas faculdades perceptivas serão avivadas para discernir a beleza e majestade da verdade.
O fiel pai de família representa o que deve ser todo instrutor das crianças e dos adolescentes. Se fizer da Palavra de Deus seu tesouro, então dela extrairá continuamente novas verdades. Quando o professor confiar em Deus em oração, o espírito de Cristo sobre ele repousará, e, por intermédio dele e pelo Espírito Santo, Deus impressionará outras mentes. O Espírito enche a mente e o coração
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de doce esperança, ânimo e imagens bíblicas, e tudo isso será transmitido à juventude sob sua instrução.
As fontes da paz e alegria celestiais, abertas na mente do professor pelas palavras da Inspiração, tornar-se-ão volumosa torrente de influência para abençoar todos quantos com Ele se relacionam. A Bíblia não será um livro enfadonho para o seu estudante. Sob a direção de um mestre sábio, a Palavra se lhe tornará mais e mais aprazível. Será como o pão da vida e jamais envelhecerá! Seu frescor e beleza atrairão e encantarão crianças e jovens. É como o Sol que brilha sobre a Terra e comunica perpetuamente luz e calor, e contudo jamais se esgota.
O Espírito de Deus, santo e educador, está em Sua Palavra. Uma luz, nova e preciosa, irradia de cada página. A verdade é revelada, palavras e frases se nos tornam claras e apropriadas para a ocasião, como a voz de Deus falando à alma.
O Espírito Santo aprecia dirigir-Se à juventude, para desvendar-lhe os tesouros e belezas da Palavra de Deus. As promessas pronunciadas pelo grande Mestre cativarão os sentidos e animarão a alma com poder espiritual que é divino. Florescerá na mente fértil uma familiaridade com as coisas divinas, que será como baluarte contra a tentação.
As palavras da verdade crescerão de importância e assumirão largueza e plenitude de significado com que jamais sonhamos. A beleza e a opulência da Palavra têm influência transformadora sobre a mente e o caráter. A luz do amor celeste incidirá sobre a alma, qual inspiração. A apreciação da Bíblia aumenta com o estudo. Para onde quer que se volte o aluno, achará manifestos a infinita sabedoria e o amor de Deus.
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O significado da dispensação judaica não é ainda plenamente compreendido. Profundas e vastas verdades são prefiguradas em seus ritos e símbolos. O evangelho é a chave que desvenda seus mistérios. Pelo conhecimento do plano de salvação, suas verdades abrir-se-nos-ão ao entendimento. Muito mais do que o fazemos, temos o privilégio de compreender estes maravilhosos temas. Devemos entender as profundas coisas de Deus. Anjos desejam atentar para as verdades reveladas a quem sonda a Palavra de Deus com coração contrito, e suplica por maior comprimento, e largura, e profundidade, e altura da sabedoria, que só Ele pode conceder.
À medida que nos aproximamos do final da história deste mundo, as profecias referentes aos últimos dias exigem nosso estudo especial. O último dos escritos do Novo Testamento está cheio de verdades cuja compreensão nos é necessária. Satanás cegou as mentes, de modo que se satisfazem com qualquer desculpa para não estudarem o Apocalipse. Cristo, porém, por intermédio de Seu servo João, declarou o que acontecerá nos últimos dias, e diz: “Bem-aventurado aquele que lê, e os que ouvem as palavras desta profecia, e guardam as coisas que nela estão escritas.” Apoc. 1:3.
“A vida eterna é esta”, disse Cristo, “que Te conheçam a Ti só por único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” João 17:3. Por que não reconhecemos o valor deste conhecimento? Por que não nos ardem no coração estas gloriosas verdades? Por que não nos tremem nos lábios e não nos penetram todo o ser?
Dando-nos Sua Palavra, Deus nos colocou na posse de toda a verdade essencial para a nossa salvação. Milhares extraíram água desta fonte de vida, todavia a provisão não diminui. Milhares puseram o Senhor diante de si e contemplando-O foram
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transformados à Sua própria semelhança. O espírito arde dentro deles ao falarem de Seu caráter, quando contam o que Cristo é para eles e o que são para Cristo. Mas, esses inquiridores não esgotaram estes grandes e santos temas. Milhares podem empenhar-se na obra de esquadrinhar os mistérios da salvação. Meditando sobre a vida de Cristo e o caráter de Sua missão, em cada tentativa de descobrir a verdade, raios de luz refulgirão mais distintamente. Cada novo estudo revelará algum ponto de interesse mais profundo do que já fora desdobrado. O assunto é inesgotável. O estudo da encarnação de Cristo, Seu sacrifício propiciatório e Sua mediação hão de, enquanto o tempo durar, ocupar o espírito do estudante diligente; e, contemplando o Céu com seus inumeráveis anos, exclamará: “Grande é o mistério da piedade.” I Tim. 3:16.
Na eternidade estudaremos aquilo que nos teria aberto o entendimento se houvéssemos recebido a iluminação que nos era possível obter aqui. Através dos séculos infinitos o tema da redenção ocupará o coração, mente e língua dos remidos. Eles compreenderão as verdades que Cristo almejava abrir a Seus discípulos, e para cuja assimilação, porém, não tinham suficiente fé. Sempre e sempre nos serão reveladas novas visões da perfeição e glória de Cristo. Através dos séculos eternos o fiel Pai de família tirará de Seu tesouro coisas novas e velhas.
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Como Aumentar
a Fé e a Confiança
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Cristo recebia constantemente do Pai, para que nos pudesse comunicar. “A palavra que ouvistes”, disse Ele, “não é Minha, mas do Pai que Me enviou.” João 14:24. “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir.” Mat. 20:28. Vivia, meditava e orava não para Si mesmo, mas para os outros. Depois de passar horas com Deus, apresentava-Se manhã após manhã para comunicar aos homens a luz do Céu. Cotidianamente recebia novo batismo do Espírito Santo. Nas primeiras horas do novo dia o Senhor O despertava de Seu repouso, e Sua alma e lábios eram ungidos de graça para que a pudesse transmitir a outros. As palavras Lhe eram dadas diretamente das cortes celestes, palavras que pudesse falar oportunamente aos cansados e oprimidos. “O Senhor Jeová”, disse, “Me deu uma língua erudita, para que Eu saiba dizer, a seu tempo, uma boa palavra ao que está cansado: Ele desperta-Me todas as manhãs, desperta-Me o ouvido para que ouça como aqueles que aprendem.” Isa. 50:4.
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As orações de Cristo e Seu hábito de comunhão com Deus, impressionavam muito os discípulos. Um dia, depois de breve ausência de Seu Senhor, encontraram-nO absorto em súplicas. Parecendo inconsciente da presença deles, continuou orando em alta voz. O coração dos discípulos foi movido profundamente. Ao cessar Ele de orar, exclamaram: “Senhor, ensina-nos a orar.” Luc. 11:1.
Correspondendo ao pedido, Cristo proferiu a oração dominical, tal como a dera no sermão da montanha. Ilustrou, então, por meio de uma parábola, a lição que desejava dar-lhes.
“Qual de vós”, disse, “terá um amigo e, se for procurá-lo à meia-noite, lhe disser: Amigo, empresta-me três pães, pois que um amigo meu chegou a minha casa, vindo de caminho, e não tenho que apresentar-lhe; se ele, respondendo de dentro, disser: Não me importunes; já está a porta fechada, e os meus filhos estão comigo na cama; não posso levantar-me para tos dar. Digo-vos que, ainda que se não levante a dar-lhos por ser seu amigo, levantar-se-á, todavia, por causa da sua importunação e lhe dará tudo o que houver mister.” Luc. 11:5-8.
Cristo representa aqui o suplicante solicitando, para que pudesse dar. Precisa obter pão, senão não pode suprir as necessidades de um viajante cansado e retardatário. Embora o vizinho não queira ser importunado, não desanimará seu pedido; o amigo precisa ser auxiliado; e finalmente a sua importunação é recompensada; seus desejos são satisfeitos.
Do mesmo modo os discípulos deveriam solicitar bênçãos de Deus. No alimentar a multidão e no sermão sobre o pão do Céu, Cristo lhes descobrira sua obra como representantes Seus. Deviam dar ao povo o pão da vida. Ele que lhes designara a obra, viu quantas vezes sua fé seria provada. Freqüentemente se lhes deparariam situações imprevistas e reconheceriam
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sua insuficiência humana. Pessoas famintas do pão da vida iriam ter com eles, e eles se sentiriam destituídos de recursos. Precisavam receber alimento espiritual, pois de outro modo nada teriam para repartir. Não deviam, porém, despedir pessoa alguma sem alimentá-la. Cristo lhes apontou a fonte de provisão. O homem não despediu o amigo que a ele recorreu para hospedar-se, embora chegasse à hora inoportuna da meia-noite. Nada tinha para apresentar-lhe, mas recorreu a alguém que tinha alimento e insistiu em sua petição até o vizinho lhe suprir a necessidade. E não supriria Deus, que enviou Seus servos para alimentar os famintos, o de que precisassem para Sua própria obra?
Mas o vizinho egoísta da parábola não representa o caráter de Deus. A lição é tirada, não por comparação, mas por contraste. O homem egoísta atenderá a um pedido urgente, para livrar-se de alguém que lhe perturba o repouso. Deus, porém, Se deleita em dar. É cheio de compaixão e anseia por atender às petições dos que a Ele recorrem pela fé. Dá-nos para que sirvamos a outros e deste modo nos assemelhemos a Ele.
Cristo declara: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á; porque qualquer que pede recebe; e quem busca acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á.” Luc. 11:9 e 10.
O Salvador continua: “Qual o pai dentre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou também, se lhe pedir peixe, lhe dará por peixe uma serpente? Ou também, se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Pois, se vós, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais dará o Pai celestial o Espírito Santo àqueles que Lho pedirem?” Luc. 11:1-13.
Para fortalecer-nos a confiança em Deus, Cristo nos ensina a dirigirmo-nos a Ele por um nome novo, um nome enlaçado
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com as mais caras relações do coração humano. Concede-nos o privilégio de chamar o infinito Deus de nosso Pai. Este nome dito a Ele ou dEle, é um sinal de nosso amor e confiança para com Ele, e um penhor de Sua consideração e parentesco conosco. Pronunciado ao pedir Seu favor ou bênçãos, soa-Lhe aos ouvidos como música. Para que não julgássemos presunção invocá-Lo por este nome, repetiu-o muitas vezes. Deseja que nos familiarizemos com este trato.
Deus nos considera filhos Seus. Redimiu-nos do mundo indiferente, e nos escolheu para tornar-nos membros da família real, filhos e filhas do celeste Rei. Convida-nos a nEle confiar, com confiança mais profunda e mais forte que a do filho no pai terrestre. Os pais amam os filhos, mas o amor de Deus é maior, mais largo e mais profundo do que jamais pode sê-lo o amor humano. É incomensurável. Portanto, se os pais terrestres sabem dar boas dádivas a seus filhos, quanto mais não dará nosso Pai do Céu o Espírito Santo àqueles que Lho pedirem?
As lições de Cristo referentes à oração devem ser ponderadas cuidadosamente. Há uma ciência divina na oração, e Sua ilustração apresenta-nos princípios que todos necessitam compreender. Mostra qual é o verdadeiro espírito da oração, ensina a necessidade de perseverança ao expormos nossas súplicas a Deus, e nos assegura Sua boa vontade de ouvir as orações e a elas atender.
Nossas orações não devem ser uma solicitação egoísta, meramente para nosso próprio benefício. Devemos pedir para podermos dar. O princípio da vida de Cristo deve ser o princípio de nossa vida. “Por eles Me santifico a Mim mesmo”, disse, referindo-Se aos discípulos, “para que também eles sejam santificados.” João 17:19. A mesma devoção, o mesmo sacrifício, a mesma submissão às reivindicações da Palavra de Deus, manifestos em Cristo, devem ser vistos em Seus servos. Nossa missão no mundo não é servir ou agradar a nós mesmos;
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devemos glorificar a Deus, com Ele cooperando para salvar pecadores. Devemos suplicar de Deus bênçãos para partilhar com outros. A capacidade de receber só é preservada compartilhando. Não podemos continuar recebendo os tesouros celestiais sem os transmitir aos que estão ao nosso redor.
Na parábola, o suplicante foi repelido várias vezes; porém não desistiu de sua intenção. Assim, nossas orações nem sempre parece serem atendidas imediatamente; mas Cristo ensina que não devemos cessar de orar. A oração não se destina a efetuar qualquer mudança em Deus, deve elevar-nos à harmonia com Ele. Ao Lhe fazermos alguma petição, pode ver que nos é necessário examinar o coração e arrepender-nos do pecado. Por isso nos faz passar por dificuldades, provações e humilhações, para que vejamos o que impede em nós a operação do Espírito Santo.
Há condições para o cumprimento das promessas de Deus, e a oração nunca pode substituir o dever. “Se Me amardes”, diz Cristo, “guardareis os Meus mandamentos.” João 14:15. “Aquele que tem os Meus mandamentos e os guarda, este é o que Me ama; e aquele que Me ama será amado de Meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele.” João 14:21. Aqueles que apresentam suas petições a Deus, reivindicando Sua promessa, enquanto não satisfazem as condições, ofendem a Jeová. Apresentam o nome de Cristo como autoridade para o cumprimento da promessa, porém não fazem aquilo que demonstraria fé em Cristo e amor a Ele.
Muitos infringem a condição sob a qual são aceitos pelo Pai. Devemos examinar minuciosamente o ato de confiança de nos achegarmos a Deus. Se somos desobedientes apresentamos ao Senhor uma nota para ser paga, quando não preenchemos as condições que no-la tornaria pagável. Expomos a Deus Suas promessas e Lhe pedimos cumprir as mesmas, quando se o fizesse desonraria Seu nome.
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A promessa é: “Se vós estiverdes em Mim, e as Minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito.” João 15:7. E João declara: “Nisto sabemos que O conhecemos: se guardarmos os Seus mandamentos. Aquele que diz: Eu conheço-O e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade. Mas qualquer que guarda a Sua Palavra, o amor de Deus está nele verdadeiramente aperfeiçoado; nisto conhecemos que estamos nEle.” I João 2:3-5.
Um dos últimos mandamentos de Cristo aos discípulos, foi: “Que vos ameis uns aos outros; como Eu vos amei a vós.” João 13:34. Obedecemos a este mandamento, ou cultivamos rudes traços de caráter diferentes dos de Cristo? Se causarmos de qualquer maneira dores e tristezas a outros, é nosso dever confessar nossa falta e procurar reconciliação. Esta é uma preparação essencial para nos podermos achegar pela fé a Deus para Lhe solicitar as bênçãos.
Há ainda outro ponto freqüentemente negligenciado por aqueles que procuram a Deus em oração. Tendes sido fiéis para com vosso Deus? O Senhor declara pelo profeta Malaquias: “Desde os dias de vossos pais, vos desviastes dos Meus estatutos e não os guardastes; tornai vós para Mim, e Eu tornarei para vós, diz o Senhor dos Exércitos; mas vós dizeis: Em que havemos de tornar? Roubará o homem a Deus? Todavia vós Me roubais e dizeis: Em que Te roubamos? Nos dízimos e nas ofertas alçadas.” Mal. 3:7 e 8.
Como Doador de todas as bênçãos, Deus requer certa porção de tudo quanto possuímos. Esta é uma providência para sustentar a pregação do evangelho. Restituindo a Deus essa parte, testemunharemos nosso apreço por Suas dádivas. Como podemos, pois, reivindicar Suas bênçãos, se retemos o que Lhe pertence? Como podemos esperar que nos confie coisas celestiais, se somos mordomos infiéis das terrenas? Pode ser que nisso esteja o segredo das orações não atendidas.
Em Sua grande misericórdia, porém, o Senhor está pronto a perdoar, e diz: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro,
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para que haja mantimento na Minha casa, e depois fazei prova de Mim, … se Eu não vos abrir as janelas do Céu e não derramar sobre vós uma bênção tal, que dela vos advenha a maior abastança. E, por causa de vós, repreenderei o devorador, para que não vos consuma o fruto da terra; e a vide no campo vos não será estéril. … E todas as nações vos chamarão bem-aventurados; porque vós sereis uma terra deleitosa, diz o Senhor dos Exércitos.” Mal. 3:10-12.
O mesmo se dá com todos os reclamos de Deus. Todas as dádivas são prometidas sob a condição de obediência. Deus tem um Céu cheio de bênçãos para aqueles que com Ele cooperarem. Todos quantos Lhe são obedientes podem com confiança pedir o cumprimento de Suas promessas.
Devemos, porém, mostrar firme e inabalável confiança em Deus. Às vezes Ele tarda a responder para provar-nos a fé ou experimentar a sinceridade de nosso desejo. Havendo nós pedido em harmonia com Sua Palavra, devemos crer em Sua promessa, e insistir em nossas petições com determinação inabalável.
Deus não nos diz: Pedi uma vez, e dar-se-vos-á. Requer que peçamos. Persistir incansavelmente em oração. A súplica persistente põe o peticionário em atitude mais fervorosa, e dá-lhe maior desejo de receber o que pede. Junto ao túmulo de Lázaro, Cristo disse a Marta: “Não te hei dito que, se creres, verás a glória de Deus?” João 11:40.
Muitos, porém, não possuem fé viva. Esta é a razão de não provarem mais do poder de Deus. Sua fraqueza é conseqüência da incredulidade. Têm mais fé em seu próprio recurso do que na operação de Deus por eles. Procuram guardar-se a si mesmos. Planejam e arquitetam, mas oram pouco e têm pouca confiança real em Deus. Pensam possuir fé, mas é somente o impulso do momento. Por não reconhecerem sua própria necessidade ou a
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voluntariedade de Deus em dar, não perseveram em apresentar perante o Senhor suas súplicas.
Nossas orações devem ser tão fervorosas e persistentes, quanto a petição do amigo necessitado que solicitava os pães à meia-noite. Quanto mais sincera e perseverantemente pedirmos, tanto mais íntima será nossa união espiritual com Cristo. Receberemos maiores bênçãos, porque possuímos maior fé.
Nossa parte é orar e crer. Vigiai em oração. Vigiai e cooperai com o Deus que ouve as orações. Lembrai-vos de que “somos cooperadores de Deus”. I Cor. 3:9. Falai e procedei em harmonia com vossas orações. Fará diferença infinita para vós, se a provação manifestar que vossa fé é genuína, ou que vossas orações são apenas formais.
Quando surgirem perplexidades, e dificuldades vos confrontarem, não espereis auxílio de homens. Confiai inteiramente em Deus. O costume de contar as dificuldades a outros, só nos torna fracos e não lhes traz força. Sobrecarrega-os com o fardo de nossas fraquezas espirituais, que não podem remediar. Procuramos os recursos de homens errantes e finitos, quando poderíamos ter a força do Deus infalível e infinito.
Não precisamos ir aos extremos da Terra em busca de sabedoria, porque Deus está perto. Não é a capacidade que agora possuímos ou havemos de possuir, que nos dará êxito. É o que o Senhor pode fazer por nós. Deveríamos depositar muito menos confiança no que o homem é capaz de fazer, e muito mais no que Deus pode fazer para cada alma crente. Anseia Ele que Lhe estendamos as mãos pela fé. Anseia que esperemos grandes coisas dEle. Anela dar-nos sabedoria, tanto nos assuntos temporais como nos espirituais. Pode aguçar o intelecto. Pode dar tato e habilidade. Empreguemos nossos talentos na obra, peçamos a Deus sabedoria, e ser-nos-á dada.
 a Palavra de Cristo como nossa segurança. Não nos
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convidou a ir a Ele? Nunca nos permitamos falar de modo desesperançado e desanimado. Perderemos muito, se o fizermos. Olhando as aparências e lamentando quando vêm dificuldades e angústias, damos prova de fé doentia e débil. Falemos e procedamos como se a vossa fé fosse invencível. O Senhor é rico em recursos; pertence-Lhe todo o mundo. Pela fé olhemos para o Céu. Contemplemos Aquele que tem luz e poder e eficiência.
Há na fé genuína, firmeza e constância de princípio, e estabilidade de propósito, que nem o tempo nem fadigas podem enfraquecer. “Os jovens se cansarão e se fatigarão, e os mancebos certamente cairão. Mas os que esperam no Senhor renovarão as suas forças e subirão com asas como águias; correrão e não se cansarão; caminharão e não se fatigarão.” Isa. 40:30 e 31.
Muitos há que anelam auxiliar a outros, mas sentem que não possuem capacidade ou luz espiritual para partilhar. Apresentem estes as suas petições perante o trono da graça. Rogue pelo Espírito Santo. Deus mantém cada promessa que fez. Com a Bíblia nas mãos, diga: Fiz como disseste. Apresento Tua promessa: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e achareis; batei, e abrir-se-vos-á.” Luc. 11:9.
Precisamos não só pedir em nome de Cristo, mas também pela inspiração do Espírito Santo. Isto explica o que significa o dito de que: “O mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis.” Rom. 8:26. Tais orações Deus Se deleita em atender. Quando proferirmos uma oração com fervor e intensidade no nome de Cristo, há nessa mesma intensidade o penhor de Deus de que Ele está prestes a atender à nossa súplica “muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos”. Efés. 3:20.
Cristo disse: “Tudo o que pedirdes, orando, crede que o recebereis e tê-lo-eis.” Mar. 11:24.
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“Tudo quanto pedirdes em Meu nome, Eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho.” João 14:13. E o amado João, sob inspiração do Espírito Santo, diz com clareza e confiança: “Se pedirmos alguma coisa, segundo a Sua vontade, Ele nos ouve. E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que alcançamos as petições que Lhe fizemos.” I João 5:14 e 15. Portanto insistamos em nossas petições ao Pai em nome de Jesus. Deus honrará esse nome.
O arco-íris sobre o trono é a garantia de que Deus é verdadeiro e que nEle não há mudança nem sombra de variação. Temos pecado contra Ele e somos indignos de Seu favor; todavia Ele mesmo nos pôs nos lábios a mais maravilhosa de todas as petições: “Não nos rejeites por amor do Teu nome; não abatas o trono da Tua glória; lembra-Te e não anules o Teu concerto conosco.” Jer. 14:21. Quando a Ele formos confessando nossa indignidade e pecado, Ele Se comprometeu a atender-nos ao clamor. A honra de Seu trono foi-nos dada como penhor do cumprimento de Sua Palavra.
Como Arão, que simbolizava a Cristo, nosso Salvador no santuário celestial traz sobre o coração o nome de Seu povo. Nosso grande Sumo Sacerdote Se lembra de todas as palavras pelas quais nos animou a confiar. Lembra-Se continuamente de Seu concerto.
Todos os que O buscarem, O acharão. A todos os que batem será aberta a porta. Não será dada a desculpa: Não me importunes; a porta está cerrada; não desejo abri-la. Jamais será dito a alguém: Não vos posso auxiliar. Os que pedem pão à meia-noite para alimentar pessoas famintas, serão atendidos.
Na parábola, aquele que solicita pão para o estrangeiro, recebe “tudo o que houver mister”. Luc. 11:8. E em que medida nos dará Deus, para que possamos compartilhar com outros?
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“Segundo a medida do dom de Cristo.” Efés. 4:7. Anjos vigiam com intenso interesse para ver como os homens procedem com seu próximo.
Se notam que alguém demonstra para com os errantes simpatia semelhante à de Cristo, agrupam-se em torno dele e lembram-lhe palavras para proferir, que serão para a pessoa como o pão da vida. Assim, “Deus, segundo as Suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por Cristo Jesus”. Filip. 4:19. Tornará vosso testemunho sincero e real, forte no poder da vida futura. A Palavra do Senhor será em vossa boca verdade e justiça.
Ao trabalho pessoal por outros, deve preceder muita oração particular, pois requer grande sabedoria o compreender a ciência da salvação de pessoas. Antes de comunicar-vos com os homens, comungai com Cristo. Junto ao trono da graça celestial preparai-vos para ministrar ao povo.
Quebrante-se-vos o coração pelo anelo que tem de Deus, do Deus vivo. A vida de Cristo mostrou o que a humanidade pode fazer se participar da natureza divina. Tudo quanto Cristo recebeu de Deus, podemos nós possuir também. Portanto, pedi e recebei. Com a perseverante fé de Jacó, com a invencível persistência de Elias reclamai tudo quanto Deus prometeu.
Que vossa mente seja possuída pelas gloriosas concepções de Deus. Una-se vossa vida, por elos ocultos, à vida de Jesus. Aquele que fez que das trevas resplandecesse a luz, deseja resplandecer em vosso coração para iluminação do conhecimento da gloria de Deus, na face de Jesus Cristo. O Espírito Santo tomará as coisas de Deus e vo-las revelará, transmitindo-as como força viva ao coração obediente. Cristo vos conduzirá ao limiar do Infinito. Podeis contemplar a glória além do véu, e revelar aos homens a suficiência dAquele que vive eternamente para interceder por nós.
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Um Sinal de Grandeza
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A uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros, dirigiu Cristo a parábola do fariseu e do publicano. O fariseu sobe ao templo para adorar, não porque sente ser pecador necessitado de perdão, mas por julgar-se justo e esperar obter elogio. Considera sua adoração um ato meritório que o recomendará a Deus. Simultaneamente dará ao povo uma demonstração elevada de sua piedade. Esperava assegurar-se o favor de Deus e dos homens. Sua adoração é motivada pelo interesse próprio.
Está cheio de louvor próprio. Isto é evidente em seu olhar, porte e oração. Apartando-se dos outros, como se quisesse dizer: “Não vos chegueis a mim, porque sou mais santo do que vós”, põe de pé e ora “consigo”. Isa. 65:5. Todo satisfeito consigo mesmo, pensa que Deus e os homens o consideram com igual complacência.
“Ó Deus, graças Te dou”, disse, “porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano.” Luc. 18:11.
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Julga seu caráter, não pelo caráter santo de Deus, mas pelo caráter de outros homens. Seu espírito desvia-se de Deus para a humanidade. Este é o segredo de sua satisfação própria.
Prossegue enumerando suas boas ações: “Jejuo duas vezes na semana e dou os dízimos de tudo quanto possuo.” Luc. 18:12. A religião do fariseu não toca a pessoa. Não atenta para o caráter semelhante ao de Deus, nem para o coração cheio de amor e misericórdia. Dá-se por contente com uma religião que só se refere à vida exterior. Sua justiça lhe é própria – é o fruto de suas próprias obras. E é julgada por um padrão humano.
Todo aquele que em si mesmo confia que é justo, desprezará os demais. Como o fariseu, julga a si próprio por outros homens, julga aos outros por si. Sua justiça é avaliada pela deles, e quanto piores, tanto mais justo parece ele. Sua justiça própria leva-o a acusar. “Os demais homens”, condena ele como transgressores da lei de Deus. Deste modo manifesta o próprio espírito de Satanás, o acusador dos irmãos. Impossível lhe é neste espírito entrar em comunhão com Deus. Volta para sua casa destituído da bênção divina.
O publicano entrou no templo juntamente com outros adoradores, mas, como se fosse indigno de tomar parte na devoção, apartou-se logo deles. “Estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito”, em profunda angústia e aversão própria. Sentia que transgredira a lei de Deus e era pecador e poluído. Não podia esperar nem mesmo piedade dos circunstantes; porque todos o observavam com desprezo. Sabia que em si não tinha méritos para recomendá-lo a Deus, e em absoluto desespero, clamou: “Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador!” Luc. 18:13. Não se comparou com outros.
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Esmagado por um senso de culpa, estava como que só, na presença de Deus. Seu único desejo era alcançar paz e perdão; sua única súplica, a bênção de Deus. E foi abençoado. “Digo-vos”, disse Cristo, “que este desceu justificado para sua casa, e não aquele.” Luc. 18:14.
O fariseu e o publicano representam os dois grandes grupos em que se dividem os adoradores de Deus. Seus primeiros representantes encontram-se nos dois primeiros filhos nascidos neste mundo. Caim julgava-se justo, e foi a Deus com uma simples oferta de gratidão. Não fez confissão de pecado, nem reconheceu que carecia de misericórdia. Abel, porém, foi com o sangue que apontava ao Cordeiro de Deus. Foi como pecador que confessava estar perdido; sua única esperança era o imerecido amor de Deus. O Senhor Se agradou de seu sacrifício, mas de Caim e de sua oferta não Se agradou. A intuição de necessidade, o reconhecimento de nossa pobreza e pecado, é a primeira condição para sermos aceitos por Deus. “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos Céus.” Mat. 5:3.
Para cada um dos grupos representados pelo fariseu e o publicano, há uma lição na história do apóstolo Pedro. Na primeira parte de seu discipulado, Pedro tinha-se por forte. Semelhante ao fariseu, não era a seus olhos “como os demais homens”. Luc. 18:11. Quando Cristo, na noite em que foi traído, preveniu Seus discípulos: “Todos vós esta noite vos escandalizareis em Mim”, Pedro retrucou confiantemente: “Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu.” Mar. 14:27 e 29. Pedro não conhecia o perigo que o ameaçava. A confiança própria enganou-o. Julgou-se capaz de resistir à tentação; mas poucas horas depois veio a prova e, com blasfêmia e perjúrio, negou seu Senhor.
Quando o cantar do galo lhe lembrou as palavras de Cristo, surpreso e atônito pelo que acabava de fazer, voltou-se e
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olhou a seu Mestre. Simultaneamente Cristo olhou a Pedro e sob aquele olhar aflito em que se misturavam amor e compaixão por ele, Pedro conheceu-se. Saiu e chorou amargamente. Aquele olhar de Cristo lhe partiu o coração. Pedro chegara ao ponto decisivo, e amargamente se arrependeu de seu pecado. Foi como o publicano em sua contrição e arrependimento, e como o publicano achou também graça. O olhar de Cristo lhe assegurou o perdão.
Findou aí sua confiança própria. Nunca mais foram repetidas as velhas afirmações de auto-suficiência.
Depois da ressurreição, três vezes provou Cristo a Pedro. “Simão, filho de Jonas”, disse, “amas-Me mais do que estes?” João 21:15. Pedro agora não se exaltou sobre os irmãos. Apelou Àquele que podia ler o coração. “Senhor”, respondeu, “Tu sabes tudo; Tu sabes que eu Te amo.” João 21:17.
Recebeu então Sua incumbência. Foi-lhe apontada uma obra mais ampla e mais delicada que antes. Cristo lhe ordenou apascentar as ovelhas e os cordeiros. Confiando-lhe ao cuidado as pessoas pelas quais o Salvador depusera a vida, deu Cristo a Pedro a maior prova de estar convencido de sua reabilitação. O discípulo outrora inquieto, orgulhoso, confiante em si mesmo, tornara-se submisso e contrito. Desde então, seguiu o seu Senhor em abnegação e sacrifício próprio. Era participante dos sofrimentos de Cristo; e quanto Ele Se assentar no trono de Sua glória, Pedro será um participante da mesma.
O mesmo mal que levou Pedro à queda e excluiu da comunhão com Deus o fariseu, torna-se hoje a ruína de milhares. Nada é tão ofensivo a Deus nem tão perigoso para o espírito humano como o orgulho e a presunção. De todos os pecados é o que menos esperança incute, e o mais irremediável.
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A queda de Pedro não foi repentina, mas gradual. A confiança em si mesmo induziu-o à crença de que estava salvo, e desceu passo a passo o caminho descendente até negar a Seu Mestre. Jamais podemos confiar seguramente em nós mesmos ou sentir, aquém do Céu, que estamos livres da tentação. Nunca se deve ensinar aos que aceitam o Salvador, conquanto sincera sua conversão, que digam ou sintam que estão salvos. Isso é enganoso. Deve-se ensinar cada pessoa a acariciar esperança e fé; mas, mesmo quando nos entregamos a Cristo e sabemos que Ele nos aceita não estamos fora do alcance da tentação. A Palavra de Deus declara: “Muitos serão purificados, e embranquecidos, e provados.” Dan. 12:10. Só aquele que “sofre a tentação… receberá a coroa da vida”. Tia. 1:12.
Os que aceitam a Cristo e dizem em sua primeira confiança: “Estou salvo!” estão em perigo de depositar confiança em si mesmos. Perdem de vista a sua fraqueza e necessidade constante do poder divino. Estão desapercebidos para as ciladas de Satanás, e quando tentados, muitos, como Pedro, caem nas profundezas do pecado. Somos advertidos: “Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe que não caia.” I Cor. 10:12. Nossa única segurança está na constante desconfiança de nós mesmos e na confiança em Cristo.
Era necessário que Pedro conhecesse seus próprios defeitos de caráter e a necessidade de receber de Cristo poder e graça. O Senhor não podia livrá-lo da tentação, mas sim salvá-lo da derrota. Estivesse Pedro disposto a aceitar a advertência de Cristo, teria vigiado em oração. Teria andado com temor e tremor para que seus pés não tropeçassem. E teria recebido auxílio divino, de modo que Satanás não teria alcançado a vitória.
Foi pela presunção que Pedro caiu; e por arrependimento e humilhação seus pés foram firmados novamente. No relatório de sua experiência todo pecador penitente pode achar encorajamento. Embora Pedro
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tivesse pecado gravemente, não foi abandonado. As palavras de Cristo: “Roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça”, estavam-lhe escritas no mais íntimo do ser. Luc. 22:32. Em sua amarga agonia de remorso, esta oração e a lembrança do terno e misericordioso olhar de Cristo, deram-lhe esperança. Depois da ressurreição, lembrou-se Cristo de Pedro e deu ao anjo a mensagem para as mulheres: “Ide, dizei a Seus discípulos e a Pedro que Ele vai adiante de vós para a Galiléia; ali O vereis.” Mar. 16:7. O arrependimento de Pedro foi aceito pelo Salvador compassivo.
E a mesma compaixão manifestada para salvar a Pedro é oferecida a todo indivíduo que caiu em tentação. É o ardil especial de Satanás levar o homem ao pecado e, então, deixá-lo desamparado e tremente, receando suplicar perdão. Por que devemos temer, se Deus disse: “Que se apodere da Minha força e faça paz comigo; sim, que faça paz comigo.”? Isa. 27:5. Foram tomadas todas as providências para nossas fraquezas e oferecido todo encorajamento para nos chegarmos a Cristo.
Cristo ofereceu Seu corpo quebrantado para readquirir a herança de Deus, para dar ao homem outra prova. “Portanto, pode também salvar perfeitamente os que por Ele se chegam a Deus, vivendo sempre para interceder por eles.” Heb. 7:25. Por Sua vida imaculada, obediência e morte na cruz do Calvário, intercedeu Cristo pela raça perdida. E agora o Príncipe de nossa salvação não intercede por nós como mero peticionário, mas como um Conquistador que reclama a vitória. Seu sacrifício está consumado e como nosso Intercessor cumpre a obra que a Si mesmo Se impôs, apresentando a Deus o incensário que contém os Seus méritos imaculados e as orações, confissões e ações de graças de Seu povo. Perfumados com a fragrância de Sua justiça, sobem como cheiro suave a Deus. A oferenda é inteiramente aceitável, e o perdão cobre todas as transgressões.
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Cristo Se comprometeu a ser nosso substituto e fiador, e não despreza ninguém. Ele, que não pôde ver seres humanos sujeitos à ruína eterna sem entregar Sua vida à morte por eles, contemplará com piedade e compaixão todo aquele que reconhece não poder salvar-se a si próprio. Não contemplará nenhum trêmulo suplicante, sem soerguê-lo. Ele, que pela expiação proveu ao homem um infinito tesouro de força moral, não deixará de empregar esse poder em nosso favor. Podemos depositar a Seus pés nossos pecados e cuidados; pois Ele nos ama. Mesmo Seu olhar e palavras despertam nossa confiança. Formará e moldará nosso caráter segundo Sua vontade.
Em todo o poderio satânico não há força para vencer uma única pessoa que se rende confiante a Cristo. “Dá vigor ao cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor.” Isa. 40:29.
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“Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” I João 1:9. O Senhor diz: “Somente reconhece a tua iniqüidade, que contra o Senhor, teu Deus, transgrediste.” Jer. 3:13. “Então, espalharei água pura sobre vós, e ficareis purificados; de todas as vossas imundícias e de todos os vossos ídolos vos purificarei.” Ezeq. 36:25.
Todavia precisamos ter conhecimento de nós mesmos, conhecimento que resultará em contrição, antes de podermos achar perdão e paz. O fariseu não sentia convicção de pecado. O Espírito Santo não podia nele atuar. Sua vida apoiava-se numa couraça de justiça própria, a qual as setas de Deus, farpadas e desferidas pelos anjos, não podiam penetrar. Cristo só pode salvar quem reconhece ser pecador. Veio “a curar os quebrantados do coração, a apregoar liberdade aos cativos, e dar vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos”. Luc. 4:18 e 19. Mas “não necessitam de médico os que estão sãos”. Luc. 5:31. Precisamos conhecer nossa verdadeira condição, do contrário não sentiremos nossa carência do auxílio de Cristo. Precisamos compreender nosso perigo, senão não correremos ao refúgio. Precisamos sentir a dor de nossas feridas, senão não desejaremos cura.
O Senhor diz: “Como dizes: Rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta (e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu), aconselho-te que de Mim compres ouro provado no fogo, para que te enriqueças, e vestes brancas, para que te vistas, e não apareça a vergonha da tua nudez; e que unjas os teus olhos com colírio, para que vejas.” Apoc. 3:17 e 18. O ouro provado no fogo é a fé que opera por amor. Somente isto nos pode pôr em harmonia com Deus. Podemos ser ativos, podemos executar muito trabalho; mas sem o amor, amor como o que há no coração de Cristo, jamais podemos ser contados na família celestial.
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Nenhum homem pode de si mesmo entender seus erros. “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá?” Jer. 17:9. Os lábios podem exprimir uma pobreza de espírito que o coração não reconhece. Ao passo que fala a Deus de pobreza de espírito, pode o coração ensoberbecer-se com a presunção de sua humildade superior e exaltada justiça. Só de um modo o verdadeiro conhecimento do próprio eu pode ser alcançado. Precisamos olhar a Cristo. O desconhecimento dEle é que dá aos homens uma tão alta idéia de sua própria justiça. Ao contemplarmos Sua pureza e excelência, veremos nossa fraqueza, pobreza e defeitos, como realmente são. Ver-nos-emos perdidos e sem esperança, vestidos com o manto da justiça própria, como qualquer pecador. Veremos que se afinal formos salvos, não será por nossa própria bondade, mas pela graça infinita de Deus.
A oração do publicano foi ouvida porque denotava submissão, empenhando-se para apoderar-se da Onipotência. O próprio eu nada parecia ao publicano senão vergonha. Assim precisa ser considerado por todos os que buscam a Deus. Pela fé – fé que renuncia a toda confiança própria – precisa o necessitado suplicante apropriar-se do poder infinito.
Nenhuma cerimônia exterior pode substituir a simples fé e a renúncia completa do eu. Todavia ninguém se pode esvaziar a si mesmo do eu. Somente podemos consentir em que Cristo execute a obra. Então a linguagem da alma será: Senhor, toma meu coração; pois não o posso dar. É Tua propriedade. Conserva-o puro; pois não posso conservá-lo para Ti. Salva-me a despeito de mim mesmo, tão fraco e tão dessemelhante de Cristo. Molda-me, forma-me e eleva-me a uma atmosfera pura e santa, onde a rica corrente de Teu amor possa fluir por minha alma.
Não é só no princípio da vida cristã que esta entrega do próprio eu deve ser feita. Deve ser renovada a cada
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passo dado em direção do Céu. Todas as nossas boas obras dependem de um poder que não está em nós. Portanto deve haver um contínuo almejar do coração após Deus, uma contínua, fervorosa, contrita confissão de pecado e humilhação da alma perante Ele. Só podemos caminhar com segurança por uma constante negação do próprio eu e confiança em Cristo.
Quanto mais nos achegarmos a Jesus e mais claramente discernirmos a pureza de Seu caráter, tanto mais claramente discerniremos a extraordinária malignidade do pecado, e tanto menos teremos a tendência de nos exaltar. Aqueles a quem o Céu considera santos, são os últimos a alardear sua própria bondade. O apóstolo Pedro tornou-se um fiel servo de Cristo e foi grandemente honrado com luz e poder divinos; e tomou parte ativa na edificação da igreja de Cristo; entretanto, Pedro jamais se esqueceu da tremenda experiência de sua humilhação; seu pecado foi perdoado; contudo bem sabia que unicamente a graça de Cristo lhe podia valer naquela fraqueza de caráter que lhe ocasionou a queda. Em si mesmo nada achava de que se gloriar.
Nenhum dos apóstolos e profetas jamais pretendeu estar isento de pecado. Homens que viveram mais achegados a Deus, homens que sacrificariam antes a vida a cometer conscientemente uma ação injusta, homens que Deus honrou com luz e poder divinos, confessaram a pecaminosidade de sua natureza. Nunca confiaram na carne, nunca pretenderam ser justos em si mesmos, mas confiaram inteiramente na justiça de Cristo. O mesmo se dará com todos os que contemplam a Cristo.
A cada avanço na experiência cristã nosso arrependimento aprofundar-se-á. Justamente àqueles a quem Deus perdoou e reconhece como Seu povo, diz Ele: “Então, vos lembrareis dos vossos maus caminhos e dos vossos feitos, que não foram bons;
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e tereis nojo em vós mesmos das vossas maldades e das vossas abominações.” Ezeq. 36:31. Outra vez, diz: “Estabelecerei o Meu concerto contigo, e saberás que Eu sou o Senhor; para que te lembres, e te envergonhes, e nunca mais abras a tua boca, por causa da tua vergonha, quando Me reconciliar contigo de tudo quanto fizeste, diz o Senhor Jeová.” Ezeq. 16:62 e 63. Então nossos lábios não se abrirão para nos gloriarmos. Saberemos que só em Cristo temos suficiência. Faremos nossa a confissão do apóstolo: “Eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum.” Rom. 7:18. “Longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo.” Gál. 6:14.
Em harmonia com esta experiência está o mandamento: “Operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade.” Filip. 2:12 e 13. Deus não vos ordena temer que deixará de cumprir Suas promessas, que Sua paciência se cansará ou que Sua compaixão há de faltar. Temei que vossa vontade não seja mantida em sujeição à vontade de Cristo, que vossos traços de caráter herdados e cultivados vos dominem a vida. “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a Sua boa vontade.” Temei que o próprio eu se interponha entre vosso espírito e o grande Artífice. Temei que vossa obstinação frustre o elevado propósito que, por vosso intermédio, Deus deseja alcançar. Temei confiar na própria força; temei retirar da mão de Cristo a vossa mão e tentar caminhar pela estrada da vida sem Sua presença permanente.
Precisamos evitar tudo quanto estimule o orgulho e a presunção; portanto, devemos acautelar-nos de fazer ou receber lisonjas ou louvores. Lisonjear é obra de Satanás. Procede ele tanto com bajulações, quanto acusando e condenando. Deste modo procura causar a ruína da alma.
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Aqueles que louvam os homens, são usados por Satanás como agentes seus. Esquivem-se os obreiros de Cristo de toda palavra de elogio. Elimine-se de vista o próprio eu. Cristo, somente, deve ser exaltado. Dirija-se todo olhar e ascenda o louvor de cada coração “Àquele que nos ama, e em Seu sangue no lavou dos nossos pecados”. Apoc. 1:5.
A vida em que é acariciado o temor do Senhor não será uma vida de tristeza e melancolia. É a ausência de Cristo que torna triste a fisionomia, e a vida uma peregrinação de gemidos. Quem muito se considera e está cheio de amor-próprio, não sente a necessidade de união vital e pessoal com Cristo. O coração que não caiu sobre a Rocha, vangloria-se de sua integridade. Os homens desejam uma religião dignificada. Desejam caminhar num caminho fácil para admitir seus bons predicados. Seu amor-próprio e sua ambição de popularidade e elogio excluem do coração o Salvador, e sem Ele só há melancolia e sombra. Mas Cristo habitando na vida é uma fonte de alegria. Para todos os que O aceitam, a nota predominante da Palavra de Deus é o regozijo.
“Porque assim diz o Alto e o Sublime, que habita na eternidade e cujo nome é santo: Em um alto e santo lugar habito e também com o contrito e abatido de espírito, para vivificar o espírito dos abatidos e para vivificar o coração dos contritos.” Isa. 57:15.
Foi quando Moisés estava oculto na fenda da rocha, que mirou a glória de Deus. E quando nos escondemos na Rocha partida é que Cristo nos cobrirá com Sua mão traspassada e ouviremos o que o Senhor diz a Seus servos. A nós como a Moisés, Deus Se revelará como “misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficência e verdade; que guarda a beneficência em milhares; que perdoa a iniqüidade, e a transgressão, e o pecado”. Êxo. 34:6 e 7.
A obra da redenção envolve conseqüências das quais
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é difícil ao homem ter qualquer concepção. “As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem são as que Deus preparou para os que O amam.” I Cor. 2:9. Aproximando-se o pecador da cruz erguida, e prostrando-se junto à mesma, atraído pelo poder de Cristo, dá-se uma nova criação. É-lhe dado um novo coração. Torna-se uma nova criatura em Cristo Jesus. A santidade acha que nada mais há para requerer. Deus mesmo é “justificador daquele que tem fé em Jesus”. Rom. 3:26. E “aos que justificou, a esses também glorificou”. Rom. 8:30. Grande como seja a vergonha e degeneração pelo pecado ainda maior será a honra e exaltação pelo amor redentor. Aos seres humanos que lutam por conformidade com a imagem divina, será concedido um suprimento do tesouro celeste, uma excelência de poder que os colocarão acima dos próprios anjos que jamais caíram.
“Assim diz o Senhor, o Redentor de Israel, o seu Santo, à alma desprezada, ao que as nações abominam, … os reis O verão e se levantarão; os príncipes diante de Ti se inclinarão, por amor do Senhor, que é fiel, e do Santo de Israel, que te escolheu.” Isa. 49:7.
“Porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado.” Luc. 18:14.
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A Fonte do Poder Vencedor
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Cristo falara do período justamente antes de Sua segunda vinda e dos perigos que Seus seguidores teriam que atravessar. Com especial referência àquele tempo, relatou-lhes a parábola “sobre o dever de orar sempre e nunca desfalecer”. Luc. 18:1.
“Havia numa cidade um certo juiz”, disse, “que nem a Deus temia, nem respeitava homem algum. Havia também naquela mesma cidade uma certa viúva e ia ter com ele, dizendo: Faze-me justiça contra o meu adversário. E, por algum tempo, não quis; mas, depois, disse consigo: Ainda que não temo a Deus, nem respeito os homens, todavia, como esta viúva me molesta, hei de fazer-lhe justiça, para que enfim não volte e me importune muito. E disse o Senhor: Ouvi o que diz o injusto juiz. E Deus não fará justiça aos Seus escolhidos, que clamam a Ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça.” Luc. 18:2-8.
O juiz que nos é descrito, não tinha respeito ao direito, nem piedade pelos sofredores. A viúva que lhe apresentou sua causa com insistência, foi repelida pertinazmente. Repetidas vezes a ele apelara, porém, só para ser tratada com desprezo e expulsa do tribunal. O juiz sabia que a causa era justa, e poderia havê-la auxiliado imediatamente, mas não o quis.
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Desejava mostrar seu poder arbitrário, e comprazia-se em deixá-la suplicar e pedir em vão. Todavia ela não quis deixar-se desanimar. Apesar da indiferença e dureza de coração dele, tanto insistiu em sua petição, que o juiz enfim consentiu em atender sua causa. “Ainda que não temo a Deus, nem respeito os homens”, disse, “todavia, como esta viúva me molesta, hei de fazer-lhe justiça, para que enfim não volte e me importune muito.” Luc. 18:4 e 5. Para preservar sua reputação e evitar tornar pública sua sentença arbitrária e parcial, fez justiça à perseverante mulher.
“E disse o Senhor: Ouvi o que diz o injusto juiz. E Deus não fará justiça aos Seus escolhidos, que clamam a Ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça.” Luc. 18:6-8. Cristo traça aqui um vivo contraste entre o juiz injusto e Deus. O juiz cedeu ao pedido da viúva só por egoísmo e para esquivar-se à contínua importunação. Não sentia por ela compaixão nem piedade; sua indigência lhe era indiferente. Que diversa é a atitude de Deus para com os que O procuram! Os apelos dos necessitados e aflitos são atendidos com infinita misericórdia.
A mulher que rogava ao juiz justiça, perdera o marido; pobre e sem amigos, não tinha meios para readquirir suas propriedades arruinadas. Assim, pelo pecado, o homem perdeu sua ligação com Deus. Em si mesmo não tem meios de salvação; entretanto, por Cristo, somos aproximados do Pai. Os eleitos de Deus são caros a Seu coração; são aqueles que chamou das trevas para a maravilhosa luz, para anunciar Seu louvor, e para brilhar como luzes
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em meio das trevas do mundo. O injusto juiz não tinha interesse particular na viúva que o importunava pelo veredicto; porém, para subtrair-se a suas súplicas comoventes, ouviu a petição, e fez-lhe justiça contra o adversário. Deus, porém, ama Seus filhos com infinito amor. O mais caro objeto na Terra Lhe é a Sua igreja.
“Porque a porção do Senhor é o Seu povo; Jacó é a parte da Sua herança. Achou-o na terra do deserto e num ermo solitário cheio de uivos; trouxe-o ao redor, instruiu-o, guardou-o como a menina do Seu olho.” Deut. 32:9 e 10. “Porque assim diz o Senhor dos Exércitos: Depois da glória, Ele Me enviou às nações que vos despojaram; porque aquele que tocar em vós toca na menina do Seu olho.” Zac. 2:8.
A petição da viúva: “Faze-me justiça contra o meu adversário” (Luc. 18:3), representa a oração dos filhos de Deus. Satanás é o grande adversário. É “o acusador de nossos irmãos”, que os acusa de dia e de noite perante Deus. Apoc. 12:10. Instantemente trabalha para mal representar e acusar, para enganar e destruir o povo de Deus. Nesta parábola, Cristo ensina os discípulos a pedirem salvação do poder de Satanás e de seus instrumentos.
Na profecia de Zacarias é esclarecida a obra acusadora de Satanás e a obra de Cristo em resistir ao adversário de Seu povo. Diz o profeta: “E me mostrou o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do anjo do Senhor, e Satanás estava à sua mão direita, para se lhe opor. Mas o Senhor disse a Satanás: O Senhor te repreende, ó Satanás, sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreende: não é este um tição tirado do fogo? Ora, Josué, vestido de vestes sujas, estava diante do anjo.” Zac. 3:1-3.
O povo de Deus é aqui representado como um delinqüente,
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em juízo. Josué como sumo sacerdote, pede uma bênção para seu povo que está em grande aflição. Enquanto suplica a Deus, Satanás está à sua direita, como antagonista. Acusa os filhos de Deus e faz seu caso parecer tão desesperador quanto possível. Expõe ao Senhor seus pecados e faltas. Aponta seus erros e fracassos, esperando que pareçam aos olhos de Cristo num caráter tal, que não lhes prestará auxílio em sua grande necessidade. Josué, como representante do povo de Deus, está sob condenação, cingido de vestes imundas. Consciente dos pecados de seu povo está opresso de desânimo. Satanás carrega a pessoa com um sentimento de culpa que a faz sentir-se quase sem esperança. Todavia, ali permanece como suplicante, com Satanás disposto contra ele.
A obra de Satanás como acusador, começou no Céu. Desde a queda do homem, esta tem sido sua obra na Terra, e sê-lo-á
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num sentido especial à medida que nos aproximarmos do fim da história deste mundo. Vendo que tem pouco tempo, trabalhará com maior fervor para iludi-los e destruí-los. Está irado porque vê aqui na Terra homens que, mesmo em sua fraqueza e pecaminosidade, manifestam respeito à lei de Jeová. Decidiu que não devem obedecer a Deus. Deleita-se em sua indignidade, e arma ciladas a cada alma para que todas sejam enredadas e alienadas de Deus. Tenta acusar e condenar a Deus e a todos os que se empenham em levar a efeito neste mundo Seus desígnios em graça e amor, compaixão e clemência.
Toda manifestação do poder de Deus em favor de Seu povo, provoca a inimizade de Satanás. Toda vez que Deus opera em prol deles, Satanás e seus anjos também operam com vigor renovado para lhes ocasionar a ruína. Inveja todos quantos fazem de Cristo sua força. Seu objetivo é instigar o mal, e se alcança êxito, lança toda a culpa sobre os tentados. Aponta-lhes as vestes imundas e o caráter imperfeito. Apresenta-lhes a sua fraqueza, loucura, os pecados de ingratidão e a dessemelhança de Cristo, a qual tem desonrado seu Redentor. Tudo isso expõe como argumento para provar o direito de destruí-los. Tenta terrificar o ser humano pelo pensamento de que seu caso é sem esperança, e nunca poderão ser lavadas as manchas de sua contaminação. Espera desse modo destruir-lhes a fé para que se rendam completamente à tentação e se desviem de sua fidelidade a Deus.
O povo do Senhor não pode por si mesmo refutar as acusações de Satanás. Ao olharem a si mesmos estão prestes a desesperar. Mas eles apelam para o Advogado divino. Invocam os méritos do Redentor. Deus pode ser “justo e justificador daquele que tem fé em Jesus”. Rom. 3:26. Com confiança, os filhos de Deus a Ele clamam
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para silenciar as acusações de Satanás e aniquilar seus planos. “Faze-me justiça contra o meu adversário” (Luc. 18:3), oram; e com o poderoso argumento da cruz, Cristo faz calar o ousado acusador.
“O Senhor disse a Satanás: O Senhor te repreende; ó Satanás, sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreende; não é este um tição tirado do fogo?” Zac. 3:2. Em tentando Satanás denegrir os filhos de Deus e arruiná-los, Cristo Se interpõe. Embora tivessem pecado, Cristo tomou sobre a Sua própria alma a culpa de seus pecados. Arrebatou a humanidade como um tição do fogo. Pela natureza humana, está ligado ao homem, enquanto, pela divina, é um com o infinito Deus. É posto auxílio ao alcance das almas moribundas. O adversário é repreendido.
“Ora Josué, vestido de vestes sujas, estava diante do anjo. Então, falando, ordenou aos que estavam diante dele, dizendo: Tirai-lhe estas vestes sujas. E a ele lhe disse: Eis que tenho feito com que passe de ti a tua iniqüidade e te vestirei de vestes novas. E disse eu: Ponham-lhe uma mitra limpa sobre a sua cabeça. E puseram uma mitra limpa sobre sua cabeça e o vestiram de vestes.” Zac. 3:3-5. Com a autoridade do Senhor dos Exércitos protestou o anjo a Josué, o representante do povo, solenemente: “Se andares nos Meus caminhos e se observares as Minhas ordenanças, também tu julgarás a Minha casa e também guardarás os Meus átrios, e te darei lugar entre os que estão aqui” – mesmo entre os anjos que circundam o trono de Deus. Zac. 3:7.
A despeito das faltas do povo de Deus, Cristo não abandona o objeto de Seu cuidado. Tem poder para mudar-lhes as vestes.
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Remove as vestes imundas, envolve com Seu manto de justiça os crentes e arrependidos, e, junto a seus nomes, escreve nos relatórios do Céu o perdão. Confessa-os como Seus, perante o universo celeste. Satanás, o adversário, é desmascarado como acusador e enganador. Deus fará justiça a Seus escolhidos.
A petição: “Faze-me justiça contra o meu adversário” (Luc. 18:3), aplica-se não só a Satanás, como também aos agentes que instiga para mal representar, tentar e destruir os filhos de Deus. Aqueles que decidem prestar obediência aos mandamentos de Deus saberão, por experiência própria, que têm adversários dominados por um poder inferior. Tais adversários assaltavam Cristo a cada passo, e tão contínua e resolutamente como jamais nenhum ser humano poderá saber. Os discípulos de Cristo estão, como o Mestre, expostos a constantes tentações.
As Sagradas Escrituras descrevem as condições do mundo, justamente antes da segunda vinda de Cristo. O apóstolo Tiago descreve-nos a cobiça e a opressão que hão de prevalecer. Diz ele: “Eia, pois, agora vós, ricos. … Entesourastes para os últimos dias. Eis que o salário dos trabalhadores que ceifaram as vossas terras e que por vós foi diminuído clama; e os clamores dos que ceifaram entraram nos ouvidos do Senhor dos Exércitos. Deliciosamente, vivestes sobre a Terra, e vos deleitastes, e cevastes o vosso coração, como num dia de matança. Condenastes e matastes o justo; ele não vos resistiu.” Tia. 5:1, 3-6. É este o quadro das condições modernas. Exercendo os homens opressão e extorsão de toda espécie, acumulam fortunas colossais, enquanto sobem a Deus os clamores da humanidade abatida.
“Pelo que o juízo se tornou atrás, e a justiça se pôs longe, porque a verdade anda tropeçando pelas ruas, e a eqüidade não pode entrar. Sim, a verdade desfalece, e quem se desvia
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do mal arrisca-se a ser despojado.” Isa. 59:14 e 15. Isso se cumpriu na vida de Cristo na Terra. Foi leal aos mandamentos de Deus, pondo de parte tradições e exigências humanas que tinham sido elevadas ao primeiro plano. Por esse motivo foi odiado e perseguido. A história repete-se. Leis e tradições de homens são exaltadas acima da lei de Deus, e quem é fiel aos mandamentos de Deus sofre vexame e perseguição. Por Sua fidelidade a Deus, Cristo foi incriminado de ser transgressor do sábado e blasfemo. Diziam que estava possuído do diabo, e foi denunciado como Belzebu. Da mesma maneira serão acusados Seus seguidores e expostos em uma falsa luz. Satanás espera, por esse meio, induzi-los a pecar e desonrar a Deus.
O caráter do juiz, na parábola, que não temia a Deus nem respeitava os homens, foi apresentado por Cristo para mostrar a espécie de justiça então exercida, e que seria brevemente testemunhada em Seu julgamento. Deseja que, em todo o tempo, os Seus reconheçam quão pouco, no dia da adversidade, podem confiar em governantes e juízes terrestres. Freqüentemente o povo eleito de Deus precisa comparecer perante homens que desempenham funções oficiais, e não fazem da Palavra de Deus seu guia e conselheiro, antes seguem seus próprios impulsos não consagrados nem disciplinados.
Na parábola do juiz injusto, mostrou Cristo o que devemos fazer. “E Deus não fará justiça a Seus escolhidos, que clamam a Ele de dia e de noite?” Luc. 18:7. Cristo, nosso exemplo, nada fez para Se justificar e livrar. Confiou Sua causa a Deus. Assim Seus seguidores não devem acusar nem condenar, ou recorrer à violência, para se livrarem.
Se surgem provações que parecem inexplicáveis, não devemos permitir que nossa paz nos seja roubada. Conquanto sejamos tratados injustamente, não demonstremos raiva.
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Alimentando o espírito de represália, prejudicamo-nos a nós mesmos. Destruímos nossa confiança em Deus e entristecemos o Espírito Santo. Ao nosso lado está uma Testemunha, um Mensageiro celestial, que levantará o estandarte contra o inimigo. Envolver-nos-á com os brilhantes raios do Sol da Justiça. Além disso, Satanás não pode penetrar. Não pode atravessar esse escudo de luz sagrada.
Enquanto o mundo progride na perversidade, nenhum de nós se lisonjeie de que não terá dificuldades. Todavia, justamente essas dificuldades nos levam à sala de audiência do Altíssimo. Podemos pedir conselho Àquele que é infinito em sabedoria.
O Senhor diz: “Invoca-Me no dia da angústia.” Sal. 50:15. Convida-nos a Lhe expormos nossas perplexidades e carências, e nossa necessidade de auxílio divino. Exorta-nos a perseverar na oração. Logo que surjam dificuldades, devemos apresentar-Lhe nossas petições sinceras e francas. Pelas orações insistentes evidenciamos nossa forte confiança em Deus. O senso de nossa necessidade nos induz a orar com fervor, e nosso Pai celestial é movido por nossas súplicas.
Muitas vezes aqueles que por sua fé sofrem afrontas e perseguições, são tentados a pensar que Deus os esqueceu. Aos olhos dos homens são a minoria. Segundo toda a aparência, os inimigos triunfarão sobre eles. Entretanto, não devem violentar a consciência. Aquele que por eles padeceu e suportou suas aflições e cuidados, não os desamparou.
Os filhos de Deus não foram deixados sós e indefesos. A oração move o braço do Onipotente. As orações “venceram reinos, praticaram a justiça, alcançaram promessas, fecharam as bocas dos leões, apagaram a força do fogo” – saberemos o que isto significa, quando ouvirmos o relato de mártires que morreram por sua fé – “puseram em fugida os exércitos dos estranhos”. Heb. 11:33 e 34.
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Se consagrarmos a vida a Seu serviço, nunca chegaremos a situações para as quais Deus não haja feito provisão. Qualquer que seja nossa situação, temos um Guia para nos dirigir o caminho; quaisquer que sejam nossas perplexidades, temos um conselheiro infalível; quaisquer que sejam nossas aflições, privações ou solidão, temos um Amigo compassivo. Se em nossa ignorância dermos passos errados, Cristo não nos abandona. Ouviremos Sua voz clara e distinta: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida.” João 14:6. “Livrará ao necessitado quando clamar, como também ao aflito e ao que não tem quem o ajude.” Sal. 72:12.
O Senhor declara que é honrado por aqueles que a Ele se achegam e O servem fielmente. “Tu conservarás
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em paz aquele cuja mente está firme em Ti; porque ele confia em Ti.” Isa. 26:3. O braço do Todo-poderoso está estendido para nos conduzir avante e sempre avante. Avançai, diz o Senhor, enviar-vos-ei socorro. Para a glória de Meu nome é que pedis e vos será concedido. Serei honrado diante daqueles que espreitam vosso fracasso. Eles verão Minha Palavra triunfar gloriosamente. “E tudo o que pedirdes na oração, crendo, o recebereis.” Mat. 21:22.
Invoquem a Deus todos os que estão em tribulações ou são maltratados. Desviai-vos daqueles cujo coração é como o aço, e tornai conhecidas as vossas petições ao vosso Criador. Ele jamais repele alguém que a Ele recorre com coração contrito. Nenhuma oração sincera se perde. Em meio das antífonas do coro celestial, Deus ouve o clamor do mais débil ser humano. Derramamos o desejo do nosso coração em secreto, murmuramos uma oração enquanto seguimos nosso caminho, e nossas palavras atingem o trono do Monarca do Universo. Podem não ser audíveis aos ouvidos humanos, porém não podem morrer no silêncio, nem perder-se no tumulto dos afazeres diários. Nada pode sufocar o desejo da alma. Alça-se sobre o barulho das ruas e a confusão da multidão, às cortes celestiais. É a Deus que falamos e nossa oração é atendida.
Você que se sente o mais indigno, não tema confiar seu caso a Deus. Quando Se entregou a Si mesmo em Cristo pelos pecados do mundo, assumiu Ele o caso de todo pecador. “Aquele que nem mesmo a Seu próprio Filho poupou, antes, O entregou por todos nós, como nos não dará também com Ele todas as coisas?” Rom. 8:32. Não cumprirá Ele a graciosa palavra que nos deu para nos animar e fortalecer?
Cristo nada mais anela que redimir do domínio de Satanás Sua herança. Todavia, antes de sermos libertos do poder de Satanás exteriormente, precisamos ser redimidos
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de seu poder interior. O Senhor permite provações, para sermos purificados do mundanismo, do egoísmo, de traços de caráter grosseiros e não semelhantes aos de Cristo. Tolera que passem sobre nosso ser as águas profundas da tribulação, para que O conheçamos, e a Jesus Cristo, a quem enviou, para que experimentemos o desejo intenso de ser purificados de toda a contaminação, e saiamos da prova mais puros, santos e felizes. Muitas vezes entramos na fornalha da provação com a alma entenebrecida pelo egoísmo; se, porém, permanecermos pacientes sob a prova cruciante, refletiremos, ao dela sair, o caráter divino. Se Seu propósito na aflição for alcançado, “fará sobressair a tua justiça como a luz; e o teu juízo, como o meio-dia”. Sal. 37:6.
Não há perigo de que o Senhor despreze as orações de Seu povo. O perigo está em que desanimem na tentação e prova e deixem de perseverar em oração.
O Salvador demonstrou divina compaixão para com a mulher siro-fenícia. Comoveu-Se-Lhe o coração ao ver sua aflição. Anelava dar-lhe imediata segurança de que sua oração fora atendida; porém desejava dar aos discípulos uma lição, e por um tempo pareceu desprezar o clamor daquele coração torturado. Depois de ser manifesta a Sua fé, falou-lhe palavras de louvor e enviou-a com a preciosa bênção pela qual orava. Os discípulos jamais esqueceram essa lição; e foi registrada para mostrar o resultado da oração perseverante.
Cristo mesmo colocou no coração daquela mãe a persistência que não se deixa repelir. Cristo foi quem deu àquela suplicante viúva, ânimo e resolução perante o juiz. Cristo foi quem, séculos atrás, no misterioso conflito junto ao Jaboque, inspirou a Jacó a mesma perseverante fé; e não deixou de recompensar a confiança que Ele mesmo implantara.
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Ele, que mora no santuário celeste, julga justamente. Tem mais prazer em Seus filhos que pelejam com as tentações num mundo de pecado, do que na multidão de anjos que Lhe circunda o trono.
Nesta pequena Terra manifesta todo o universo celeste o maior interesse; pois Cristo pagou preço infinito pelas almas que aqui habitam. O Redentor do mundo ligou a Terra ao Céu por laços de compreensão; pois aqui estão os remidos do Senhor. Seres celestiais ainda visitam a Terra, como nos dias que andavam e falavam com Abraão e Moisés. Em meio da atividade rumorosa das grandes cidades, por entre as multidões que se apinham nas ruas e casas de negócio, onde os homens trabalham da manhã à noite, como se negócio, esporte e prazer fossem tudo na vida, onde tão poucos contemplam as realidades invisíveis – mesmo aqui tem o Céu os seus vigias e santos. Agentes invisíveis observam cada palavra e ação dos seres humanos. Em toda assembléia de negócio ou prazer, em toda reunião de culto, há mais ouvintes que os que podem ser vistos pelos olhos naturais. Freqüentemente os seres celestiais retiram o véu que tolda o mundo invisível, para que nossos pensamentos se retraiam do burburinho da vida e considerem que há testemunhas invisíveis de tudo quanto fazemos ou dizemos.
Devemos compreender melhor a missão dos visitantes angélicos. Bem faremos em meditar que em toda a nossa obra temos a cooperação e o cuidado de seres celestiais. Invisíveis esquadrões de luz e poder acompanham os mansos e humildes crentes que reclamam as promessas de Deus. Querubins, serafins e anjos excelsos em poder – miríades de miríades e milhares de milhares – estão à Sua destra, “todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor daqueles que hão de herdar a salvação”. Heb. 1:14.
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Por esses mensageiros é mantido um relato fiel das palavras e atos dos filhos dos homens. Cada ação cruel ou injusta contra os filhos de Deus, tudo que precisam sofrer pelo poder dos ímpios, é registrado no Céu.
“Deus não fará justiça aos Seus escolhidos, que clamam a Ele de dia e de noite, ainda que tardio para com eles? Digo-vos que, depressa, lhes fará justiça.” Luc. 18:7 e 8.
“Não abandoneis, portanto, a vossa confiança; ela tem grande galardão. Com efeito, tendes necessidade de perseverança, para que, havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa. Porque, ainda dentro de pouco tempo, Aquele que vem virá e não tardará.” Heb. 10:35-37. “Eis que o lavrador espera o precioso fruto da terra, aguardando-o com paciência, até que receba a chuva temporã e serôdia. Sede vós também pacientes, fortalecei o vosso coração; porque já a vinda do Senhor está próxima.” Tia. 5:7 e 8.
A longanimidade de Deus é maravilhosa. Longamente espera a justiça enquanto a graça intercede com o pecador. Mas “justiça e juízo são a base do Seu trono”. Sal. 97:2. “O Senhor é tardio em irar-Se, mas grande em força e ao culpado não tem por inocente; o Senhor tem o Seu caminho na tormenta e na tempestade, e as nuvens são o pó dos Seus pés.” Naum 1:3.
O mundo tornou-se ousado na transgressão da lei de Deus. Por causa de Sua longa clemência os homens Lhe espezinharam a autoridade. Fortaleceram-se na opressão e crueldade contra Sua herança, dizendo: “Como o sabe Deus? Ou: Há conhecimento no Altíssimo?” Sal. 73:11. Há, porém, um limite além do qual não podem passar. Próximo está o tempo em que atingirão o limite prescrito. Mesmo agora quase excederam os termos da longanimidade de Deus, e a medida de
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Sua graça e misericórdia. O Senhor Se interporá para vindicar Sua própria honra, para livrar Seu povo e reprimir os excessos da injustiça.
Nos tempos de Noé os homens desprezaram a lei de Deus, até que a lembrança do Criador fora quase banida da Terra. Sua iniqüidade tornara-se tão grande que o Senhor fez vir um dilúvio sobre a Terra e consumiu seus ímpios habitantes.
De tempos a tempos o Senhor tornou pública a maneira de Seu proceder. Ao sobrevir uma crise, revelou-Se e interpôs-Se para impedir a execução do plano de Satanás. Muitas vezes deixou que uma crise chegasse aos povos, famílias e indivíduos, para que Sua intervenção se tornasse notada. Então manifestava que havia um Deus em Israel que mantinha Suas leis e vindicava Seu povo.
Neste tempo, em que prevalece a iniqüidade, podemos saber que a grande e última crise está à porta. Quando o desafio da lei de Deus for quase universal, quando o Seu povo for oprimido e atormentado por seus semelhantes, o Senhor intervirá.
Próximo está o tempo em que dirá: “Vai, pois, povo Meu, entra nos teus quartos e fecha as tuas portas sobre ti; esconde-te só por um momento, até que passe a ira. Porque eis que o Senhor sairá do Seu lugar para castigar os moradores da Terra, por causa da sua iniqüidade; e a Terra descobrirá o seu sangue e não encobrirá mais aqueles que foram mortos.” Isa. 26:20 e 21. Homens que pretendem ser cristãos podem defraudar e oprimir os pobres; podem roubar aos órfãos e viúvas; condescender com seu ódio satânico por não poderem dominar a consciência dos filhos de Deus; porém Deus trará tudo isto a juízo. “Porque o juízo será sem misericórdia sobre aquele que não fez misericórdia.” Tia. 2:13. Brevemente estarão perante o Juiz de toda a Terra,
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para prestar contas pelos sofrimentos físicos e morais infligidos à Sua herança. Podem agora entregar-se a acusações falsas, podem injuriar os que Deus apontou para Sua obra, podem entregar os crentes à prisão, aos grilhões, ao desterro e à morte; todavia serão argüidos por toda a agonia de sofrimento e toda lágrima vertida. Deus lhes pagará dobradamente por seus pecados. Referente a Babilônia, o símbolo da igreja apóstata, diz a Seus ministros de juízo: “Os seus pecados se acumularam até ao Céu, e Deus Se lembrou das iniqüidades dela. Tornai-lhe a dar como ela vos tem dado e retribuí-lhe em dobro conforme as suas obras; no cálice em que vos deu de beber, dai-lhe a ela em dobro.” Apoc. 18:5 e 6.
Da Índia, da África, da China, das ilhas do mar, dos milhões de oprimidos dos países chamados cristãos, sobe para Deus o clamor do tormento humano. Esse clamor não permanecerá muito tempo sem ser atendido. Deus purificará a Terra da corrupção moral, porém não por um mar de água como nos dias de Noé, mas com um mar de fogo, que não será apagado por artifício humano algum.
“Haverá um tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve nação até àquele tempo; mas, naquele tempo, livrar-se-á o Teu povo, todo aquele que se achar escrito no livro.” Dan. 12:1.
De cortiços, de pobres choças, de prisões, de cadafalsos, das montanhas e desertos, das cavernas da Terra e dos abismos do mar, Cristo recolherá Seus filhos. Na Terra tinham sido destituídos, afligidos e atormentados. Milhões baixaram ao túmulo carregados de infâmia, porque recusaram render-se às enganosas pretensões de Satanás. Por tribunais humanos os filhos de Deus foram condenados como os mais vis criminosos. Mas próximo está o dia em que “Deus mesmo é o juiz”. Sal. 50:6. Então as sentenças dadas na Terra serão invertidas.
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Então “tirará o opróbrio do Seu povo de toda a Terra”. Isa. 25:8. Vestes brancas dar-se-ão a todos eles. Apoc. 6:11. “E chamar-lhes-ão povo santo, os remidos do Senhor.” Isa. 62:12. Qualquer que tenha sido a cruz que suportaram, quaisquer as perdas sofridas, qualquer a perseguição que padeceram, mesmo a perda da vida temporal, os filhos de Deus serão amplamente recompensados. “Verão o Seu rosto, e na sua testa estará o Seu nome.” Apoc. 22:4.
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A Esperança da Vida
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Congregando-se os “publicanos e pecadores” em volta de Cristo, os rabinos exprimiram seu desagrado. “Este recebe pecadores”, disseram, “e come com eles.” Luc. 15:1 e 2.
Por esta acusação insinuaram que Cristo tinha prazer em associar-Se com os pecadores e vis, e era insensível à sua impiedade. Os rabinos ficaram desapontados com Jesus. Por que era que Aquele que pretendia ter tão elevado caráter não Se relacionava com eles, e não seguia seus métodos de ensino? Por que andava tão despretensiosamente, atuando entre todas as classes? Se fosse profeta verdadeiro, diziam, estaria em harmonia com eles e trataria os publicanos e pecadores com a indiferença que mereciam. Irritava a esses guardiões da sociedade, que Aquele com quem tinham constantes disputas, cuja pureza de vida os aterrorizava e condenava, Se relacionasse em aparente simpatia com os párias da sociedade. Não Lhe aprovavam os métodos. Consideravam-se muito ilustrados, cultos e preeminentemente religiosos; mas o exemplo de Cristo lhes desmascarou o egoísmo.
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Enfadava-os também que os que manifestavam unicamente desprezo aos rabinos, e nunca eram vistos nas sinagogas, se agregassem ao redor de Jesus e, com atenção arrebatada, Lhe escutassem as palavras. Os escribas e fariseus sentiam-se reprovados naquela presença pura; mas como se podia dar que os publicanos e pecadores se sentissem atraídos a Jesus?
Não sabiam que a explicação estava justamente nas palavras que pronunciaram, como insultuosa acusação: “Este recebe pecadores.” Luc. 15:2. As pessoas que iam ter com Jesus sentiam em Sua presença que mesmo para elas havia escape do abismo do pecado. Os fariseus para elas só tinham escárnio e condenação; Cristo, porém, as saudava como filhos de Deus, que na verdade se afastaram da casa paterna, mas não foram esquecidas pelo coração do Pai. Justamente sua miséria e pecados os tornavam tanto mais o objeto de Sua compaixão. Quanto mais dEle se haviam desviado, tanto mais ardoroso o desejo e maior o sacrifício para salvá-los.
Tudo isto os mestres de Israel podiam ter estudado no Sagrado Volume de que se gloriavam ser os guardas e expositores. Não escrevera Davi – Davi que caíra em pecado mortal: “Desgarrei-me como a ovelha perdida; busca o Teu servo”? Sal. 119:176. Não revelara Miquéias o amor de Deus aos pecadores, dizendo: “Quem, ó Deus, é semelhante a Ti, que perdoas a iniqüidade e que Te esqueces da rebelião do restante da Tua herança? O Senhor não retém a Sua ira para sempre, porque tem prazer na benignidade.” Miq. 7:18.
A Ovelha Perdida
Cristo não lembrou aos Seus ouvintes desta vez as palavras da Escritura. Apelou ao testemunho de sua própria experiência. Os planaltos que se estendiam ao longe, ao oriente do Jordão, ofereceriam abundantes pastagens para rebanhos, e, pelos desfiladeiros e colinas arborizadas, desgarrava-se
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muita ovelha perdida, para ser procurada e trazida de volta pelo cuidado do pastor. Entre a multidão que rodeava a Jesus, havia pastores e também homens que investiam dinheiro em rebanhos e gado; e todos podiam apreciar Sua ilustração. “Que homem dentre vós, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa no deserto as noventa e nove e não vai após a perdida até que venha a achá-la?” Luc. 15:4.
Estas almas que vós desprezais, dizia Jesus, são propriedade de Deus. Pertencem-Lhe pela criação e redenção, e a Seus olhos são de grande valor. Assim como o pastor ama as ovelhas e não pode sossegar enquanto uma única lhe falta, também Deus, em grau infinitamente mais alto, ama todo perdido. Os homens podem negar as reivindicações de Seu amor. Podem dEle desviar-se, podem escolher outro mestre; contudo, pertencem a Deus, e Ele anela recuperar Sua propriedade. Diz: “Como o pastor busca o seu rebanho, no dia em que está no meio das suas ovelhas dispersas, assim buscarei as Minhas ovelhas; e as farei voltar de todos os lugares por onde andam espalhadas no dia de nuvens e de escuridão.” Ezeq. 34:12.
Na parábola, o pastor sai em busca de uma ovelha – o mínimo que pode ser numerado. Assim, se houvesse apenas uma alma perdida, Cristo por ela teria morrido.
A ovelha desgarrada do rebanho é a mais desamparada de todas as criaturas. Precisa ser procurada pelo pastor, pois não pode, sozinha, encontrar o caminho de volta. O mesmo se dá com a alma que se desviou de Deus; está tão desamparada quanto a ovelha perdida, e se o amor divino não fosse salvá-la, jamais poderia achar o caminho para Deus.
O pastor que descobre a ausência de uma ovelha, não contempla indiferentemente o rebanho que está seguro no redil, dizendo: “Tenho noventa e nove, e custar-me-á muita perturbação ir em busca da desgarrada.
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Ela que volte; abrir-lhe-ei a porta do redil e a deixarei entrar.” Não; logo que a ovelha se afasta, o pastor enche-se de cuidados e apreensões. Conta e reconta o rebanho. Quando se certifica de que realmente uma ovelha se perdeu, não dormita. Deixa as noventa e nove no redil, e sai em busca da ovelha desgarrada. Quanto mais escura e tempestuosa a noite, e quanto mais perigoso o caminho, tanto maior é a apreensão do pastor e tanto mais diligentemente a procura. Faz todos os esforços possíveis para encontrar a ovelha perdida.
Com que alívio ouve a distância o primeiro fraco balido! Seguindo o som, sobe às mais íngremes alturas, chega, com o perigo da própria vida, até à borda do precipício. Deste modo procura, enquanto o balido mais e mais fraco lhe diz que a ovelha está prestes a sucumbir. Por fim seu esforço é recompensado; achou a perdida. Não a repreende por lhe haver causado tanta fadiga; não a bate com chicote, nem tenta guiá-la para casa. Em sua alegria toma sobre os ombros a criatura trêmula; se está magoada, acolhe-a nos braços, e aperta-a de encontro ao peito para que o calor de seu próprio coração lhe comunique vida. Jubiloso porque sua diligência não foi em vão, carrega-a de volta ao redil.
Graças a Deus, Ele não nos apresentou à imaginação o quadro de um pastor aflito, voltando sem a ovelha. A parábola não fala de fracasso, mas de êxito e alegria pela recuperação. Eis a garantia divina, de que nenhuma das ovelhas extraviadas do redil de Deus é desprezada, nem abandonada sem socorro. Cristo salvará a cada um que se queira deixar redimir do abismo da corrupção e dos espinheiros do pecado.
Alma abatida, anime-se, embora tendo procedido impiamente. Não pense que Deus talvez lhe
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perdoe as transgressões e permita ir à Sua presença. Deus deu o primeiro passo. Enquanto você estava em rebelião contra Ele, saiu a sua procura. Com o terno coração de Pastor, deixou as noventa e nove e foi ao deserto para buscar a que se perdera. Envolve em Seus braços de amor a alma ferida e quebrantada, prestes a perecer e leva-a com alegria ao aprisco seguro.
Os judeus ensinavam que o pecador devia arrepender-se antes de lhe ser oferecido o amor de Deus. A seu parecer, o arrependimento é obra pela qual os homens ganham o favor do Céu. Foi esse pensamento que induziu os fariseus atônitos e irados a exclamarem: “Este recebe pecadores.” Luc. 15:2. Conforme sua suposição, não devia permitir que pessoa alguma a Ele se achegasse sem se ter arrependido. Mas na parábola da ovelha perdida, Cristo ensina que a salvação não é alcançada por procurarmos a Deus, mas porque Deus nos procura. “Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram.” Rom. 3:11 e 12. Não nos arrependemos para que Deus nos ame, porém Ele nos revela Seu amor para que nos arrependamos.
Quando a ovelha extraviada é recolhida afinal, o júbilo do pastor se exprime em cânticos melodiosos de regozijo. Convoca seus amigos e vizinhos e lhes diz: “Alegrai-vos comigo, porque já achei a minha ovelha perdida.” Luc. 15:6. Igualmente o Céu e a Terra unem-se em ações de graças e júbilo quando um pecador é achado pelo grande Pastor de ovelhas.
“Assim haverá alegria no Céu por um pecador que se arrepende, mais do que por noventa e nove justos que não necessitam de arrependimento.” Luc. 15:7. Vós, fariseus, disse Cristo, vos considerais os favoritos do Céu. Julgai-vos seguros na vossa própria justiça. Sabei, pois, que se não
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necessitais de arrependimento, Minha missão não é para vós. Estas pobres almas que sentem sua destituição e pecaminosidade, são justamente aquelas, para cuja salvação Eu vim. Os anjos celestiais estão interessados nos perdidos que desprezais. Murmurais e zombais quando uma dessas almas vem a Mim; sabei, porém, que os anjos se regozijam e nas arcadas celestes ecoa o cântico de triunfo.
Os rabinos tinham um dito, segundo o qual há alegria no Céu, quando alguém que pecou contra Deus é destruído; contudo Jesus ensinava que a obra de destruição é estranha a Deus. Aquilo em que todo o Céu se compraz é a restauração da imagem de Deus nos homens por Ele criados.
Quando alguém que vagou longe no pecado procura voltar para Deus, encontrará suspeita e crítica. Há os que duvidarão de que o arrependimento seja genuíno, ou insinuarão: “Ele não tem estabilidade; não creio que resista.” Tais pessoas não fazem a obra de Deus, porém a de Satanás, que é o acusador dos irmãos. Por suas críticas, o maligno espera desencorajá-las, afastá-las ainda mais da esperança e de Deus. Contemple o pecador arrependido a alegria do Céu pela volta daquele que se perdera. Confie no amor de Deus e não desanime de maneira alguma pelo escárnio e suspeita dos fariseus.
Os rabinos compreendiam que a parábola de Cristo se aplicava aos publicanos e pecadores; mas tinha uma significação mais ampla. Cristo representava pela ovelha perdida, não somente o pecador individual, mas o mundo que apostatou e se arruinou pelo pecado. Este mundo é apenas um átomo no vasto domínio sobre que Deus preside; contudo este pequeno mundo perdido – a única ovelha extraviada – é mais precioso a Seus olhos, que as noventa e nove que não se desviaram do redil. Cristo, o amado Comandante das cortes celestiais,
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desceu de Sua alta posição, depôs a glória que possuía junto ao Pai, para salvar o único mundo perdido. Por este, deixou os mundos sem pecado nas alturas, os noventa e nove que O amavam, e veio à Terra para ser “ferido pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades”. Isa. 53:5. Deus Se entregou a Si mesmo em Seu Filho, para que tivesse a alegria de recuperar a ovelha que se perdera.
“Vede quão grande caridade nos tem concedido o Pai: que fôssemos chamados filhos de Deus.” I João 3:1. E Cristo diz: “Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo” (João 17:18), para que cumpram “o resto das aflições de Cristo, pelo Seu corpo, que é a igreja”. Col. 1:24. Todo pecador que Cristo salvou, é chamado a atuar em Seu nome pela salvação dos perdidos. Essa obra fora negligenciada em Israel. Não é também hoje negligenciada pelos que professam ser seguidores de Cristo?
Quantos afastados, caro leitor, procuraste e trouxeste ao redil? Reconheces que desprezas os que Cristo procura, quando te desvias dos que parecem pouco promissores e não atraentes? Justamente no momento em que te esquivas deles, podem carecer muito de tua compaixão. Em toda assembléia de culto, há os que anseiam descanso e paz. Podem parecer como se vivessem indiferentemente, mas não são insensíveis à influência do Espírito Santo. Muitos deles podem ser ganhos para Cristo.
Se a ovelha perdida não é trazida ao aprisco, vagueia até perecer. E muitas almas descem à ruína pela falta de uma mão estendida para salvá-las. Estes errantes podem aparentar ser endurecidos e indiferentes, mas se tivessem tido os mesmos privilégios que outros, poderiam ter revelado muito maior nobreza de caráter e maior talento para
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utilidade. Os anjos se compadecem desses errantes. Eles choram, enquanto os olhos humanos estão enxutos e os corações cerrados à compaixão.
Oh, que falta de profunda e tocante simpatia pelos tentados e errantes! Oh, se houvesse mais do espírito de Cristo e menos, muito menos do próprio eu!
Os fariseus entenderam a parábola de Cristo como uma repreensão a eles feita. Em vez de aceitar a crítica de Sua obra, reprovou-lhes a negligência dos publicanos e pecadores. Não o fez abertamente, para que contra Ele não cerrassem o coração; todavia a ilustração lhes apresentava justamente a obra que Deus deles exigia e tinham deixado de executar. Se fossem verdadeiros pastores, esses guias de Israel teriam efetuado a obra de um pastor. Teriam manifestado a misericórdia e amor de Cristo, e ter-se-iam unido a Ele em Sua missão. Sua recusa de fazê-lo demonstrou a falsidade de sua pretensa piedade. Muitos rejeitaram, então, a reprovação de Cristo; mas alguns se convenceram por Suas palavras. Sobre estes veio o Espírito Santo, depois de Sua ascensão, e uniram-se aos discípulos na mesma obra esboçada na parábola da ovelha perdida.
A Dracma Perdida
Depois de dar a parábola da ovelha perdida, Cristo pronunciou outra, dizendo: “Qual a mulher que, tendo dez dracmas, se perder uma dracma, não acende a candeia, e varre a casa, e busca com diligência até a achar?” Luc. 15:8.
No oriente, as casas dos pobres consistiam usualmente em um único quarto freqüentemente sem janelas, e escuro. O quarto raramente era varrido, e uma moeda que caísse era facilmente
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coberta pelo pó e lixo. Para encontrá-la, mesmo durante o dia era preciso acender uma candeia e varrer a casa diligentemente.
O dote de casamento da mulher comumente consistia em moedas que ela guardava cuidadosamente como seu maior tesouro, para transmitir às filhas. A perda de uma dessas moedas era considerada séria calamidade, e sua recuperação era causa de grande alegria, de que as vizinhas participavam prontamente.
“E, achando-a”, disse Cristo, “convoca as amigas e vizinhas, dizendo: Alegrai-vos comigo, porque já achei a dracma perdida. Assim vos digo que há alegria diante dos anjos de Deus por um pecador que se arrepende.” Luc. 15:9 e 10.
Essa parábola, como a anterior, descreve a perda de alguma coisa que por diligente procura, pode ser recobrada, e isto com grande alegria. As duas parábolas representam classes diversas. A ovelha perdida sabe que está perdida. Deixou o pastor e o rebanho, e não pode salvar-se por si. Representa os que reconhecem estar separados de Deus, e estão numa nuvem de perplexidades, em humilhação e muito tentados. A dracma perdida representa os que estão perdidos em delitos e pecados, mas não estão conscientes de sua condição. Estão alienados de Deus, mas não o sabem. Sua vida está em perigo, porém estão disso inconscientes e

“Desgarrei-me como a ovelha perdida; busca o teu servo, pois não me esqueci dos Teus mandamentos.” Sal. 119:176.
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descuidados. Nesta parábola Cristo ensina que mesmo os que são indiferentes às reivindicações de Deus são objeto de Seu amor piedoso. Precisam ser procurados para serem reconduzidos a Deus.
A ovelha afastou-se do redil; vagava no deserto ou nas montanhas. A dracma foi perdida em casa. Estava próxima. Contudo só podia ser descoberta por meio de busca diligente.
Nesta parábola há uma lição para as famílias. No círculo familiar há muitas vezes grande indiferença quanto à condição espiritual de seus componentes. Pode haver um dentre eles que esteja separado de Deus; mas quão pouca ansiedade é sentida na família, pela perda de uma das dádivas confiadas por Deus!
Embora esteja sob pó e lixo, a moeda é ainda de prata. O possuidor procura-a porque é de valor. Assim todo ser humano, embora degradado pelo pecado, é precioso aos olhos de Deus. Como a moeda traz a imagem e a inscrição do poder reinante, igualmente, quando foi criado, o homem trazia a imagem e a inscrição de Deus. E conquanto agora manchada e desfigurada pela influência do pecado, permanecem em toda alma os traços dessa inscrição. Deus deseja recobrar essa alma e sobre ela gravar Sua própria imagem em justiça e santidade.
A mulher da parábola busca diligentemente a dracma perdida. Acende a candeia e varre a casa. Remove tudo que possa impedir sua procura. Embora uma única dracma esteja perdida, não cessam seus esforços até encontrá-la. Semelhantemente na família, se algum membro estiver perdido para Deus, deve ser empregado todo meio possível para recuperá-lo. Por parte de todos, haja um diligente e cuidadoso exame próprio. Observem-se os costumes de vida. Vede se não se comete uma falta ou erro no governo do lar, pelo qual se confirme na impenitência.
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Se na família um filho não estiver consciente de sua condição pecaminosa, os pais não devem descansar. Acenda-se a candeia! Examinai a Palavra de Deus e à sua luz procurai diligentemente tudo que houver na casa, para ver por que esse filho está perdido. Examinem os pais o próprio coração e esquadrinhem seus hábitos e costumes. Os filhos são a herança do Senhor e Lhe somos responsáveis pela administração de Sua propriedade.
Há pais e mães que anelam trabalhar em qualquer missão estrangeira; muitos há que são ativos no serviço cristão fora da família, enquanto para seus próprios filhos são estranhos o Salvador e Sua compaixão. A obra de ganhar os filhos para Cristo muitos pais confiam ao pastor ou ao professor da Escola Sabatina; porém, assim fazendo, negligenciam a responsabilidade imposta por Deus. A educação e instrução dos filhos para serem cristãos é o mais elevado serviço que os pais podem prestar a Deus. É uma tarefa que requer paciência, esforço de toda a vida, diligente e perseverante. Pela negligência desse trabalho a nós confiado provamo-nos mordomos infiéis, e Deus não a desculpará.
Todavia os que incorreram em tal desleixo, não desesperem. A mulher que perdeu a dracma, procurou-a até achá-la. Trabalhem igualmente os pais para a família com amor, fé e oração,

“Mas Jesus, chamando-as para Si, disse: Deixai vir a Mim os pequeninos e não os impeçais, porque dos tais é o reino de Deus. Em verdade vos digo que qualquer que não receber o reino de Deus como uma criança não entrará nele.” Luc. 18:16 e 17.
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até que possam ir a Deus com alegria e dizer: “Eis-me aqui, com os filhos que me deu o Senhor.” Isa. 8:18.
Isto é verdadeiro serviço missionário no lar, e é tão útil para os que o fazem, como para aqueles por quem é feito. Por interesse fiel pelo círculo do lar, nós nos tornamos aptos para trabalhar pelos membros da família de Deus, com os quais, se permanecermos leais a Cristo, viveremos durante toda a eternidade. Devemos manifestar, pelos irmãos e irmãs em Cristo, o mesmo interesse que demonstramos em família.
É plano de Deus que tudo isso nos habilite a trabalhar por outros ainda. Ampliando-se-nos a simpatia e engrandecendo o amor, acharemos em toda parte alguma obra. A grande família humana de Deus abrange o mundo, e nenhum de seus membros deve ser esquecido por menosprezo.
Onde quer que estejamos, a dracma perdida espera nossa procura. Procuramo-la? Dia após dia encontramo-nos com pessoas que não tomam interesse em coisas religiosas; falamos com as mesmas e as visitamos; manifestamos interesse pelo seu bem-estar espiritual? Expomos-lhes Cristo como um Salvador que perdoa os pecados? Falamos-lhes do amor de Cristo que nos inflamou o coração? Se não, como as enfrentaremos – perdidas, eternamente perdidas – quando juntos estivermos perante o trono de Deus?
Quem pode calcular o valor de uma pessoa? Se quiserdes conhecê-lo, ide ao Getsêmani, e vigiai lá com Cristo durante aquelas horas de angústia, quando suava grandes gotas de sangue. Contemplai o Salvador crucificado! Ouvi o brado de desespero: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” Mar. 15:34. Vede a fronte ferida, o lado traspassado, os pés perfurados! Lembrai que Cristo tudo arriscou! Para a nossa redenção o próprio Céu esteve em jogo. Meditando junto à cruz, que Cristo teria dado Sua vida por um único pecador, podeis apreciar o valor de uma pessoa.
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Se você estiver em comunhão com Cristo, valorizará todo ser humano como Ele o fez. Sentirá pelos outros o mesmo profundo amor que Cristo sentiu por você. Então estará apto para cativar e não afugentar, atrair e não repelir aqueles por quem Ele morreu. Ninguém seria jamais reconduzido a Deus se Cristo por ele não fizesse um esforço pessoal; e é por esse trabalho pessoal que podemos salvá-lo. Quando você vir os que baixam à sepultura, não descansará em tranqüila indiferença e sossego. Quanto maior o pecado deles e mais profunda sua miséria, tanto mais sinceros e ternos serão os esforços para sua recuperação. Discernirá a necessidade dos que sofrem, que pecaram contra Deus e são oprimidos pelo fardo da culpa. Seu coração transbordará de simpatia por eles, e estender-lhes-á uma mão auxiliadora. Nos braços de sua fé e amor levá-los-á a Cristo. Cuidará deles e os animará, e sua simpatia e confiança tornar-lhes-á difícil cair de sua estabilidade.
Nesta obra todos os anjos do Céu estão prontos a cooperar. Todos os recursos do Céu estão à disposição dos que procuram salvar os perdidos. Os anjos o auxiliarão a alcançar os mais indiferentes e empedernidos. E quando alguém é reconduzido a Deus, todo o Céu se alegra; serafins e querubins tocam suas harpas douradas, e cantam louvores a Deus e ao Cordeiro, por Seu amor e misericórdia pelos filhos dos homens.
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A Reabilitação do Homem
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As parábolas da ovelha e da dracma perdidas, e do filho pródigo, apresentam em traços claros, o misericordioso amor de Deus para com os que dEle se desviam. Embora se tenham dEle apartado, Deus não os abandona na miséria. Está cheio de amor e terna compaixão para com todos os que estão expostos às tentações do astucioso inimigo.
Na parábola do filho pródigo é-nos apresentado o procedimento do Senhor com aqueles que uma vez conheceram o amor paterno, mas consentiram ao tentador levá-los cativos a sua vontade.
“Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua.” Luc. 15:11-13.
O filho mais novo cansara-se das restrições da casa paterna. Pensou que sua liberdade era reprimida. O amor e cuidado do pai foram mal-interpretados, e determinou seguir os ditames de sua própria inclinação.
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O jovem não reconhece qualquer obrigação para com o pai, e não exprime gratidão, contudo reclama o privilégio de filho para participar dos bens de seu pai. Deseja receber logo a herança que lhe caberia pela morte do pai. Pensa só na alegria presente, e não se preocupa com o futuro.
Depois de receber seu patrimônio, sai da casa paterna para “uma terra longínqua”. Com dinheiro em profusão e podendo fazer o que bem entende, lisonjeia-se de ter alcançado o desejo de seu coração. Ninguém há, agora, que lhe diga: não faças isto porque há de prejudicar-te, ou: faze aquilo porque é bom. Maus companheiros ajudam-no a abismar-se mais e mais no pecado; e “desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente”.
A Bíblia fala de homens que “dizendo-se sábios, tornaram-se loucos”. Rom. 1:22. E esta é a história do jovem da parábola. A fazenda que de forma egoísta pedira de seu pai, dissipou com meretrizes. Os tesouros de sua varonilidade foram esbanjados.
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Os preciosos anos de vida, a força do intelecto, as brilhantes visões da juventude, as aspirações espirituais – tudo foi consumido no fogo do prazer.
Houve uma grande fome na Terra; ele começou a padecer necessidade, e foi-se a um cidadão do país, que o mandou ao campo para apascentar porcos. Para um judeu esta ocupação era a mais vil e degradante. O jovem que se gloriava de sua liberdade, vê-se agora escravo. Está na pior das escravaturas – “com as cordas do seu pecado, será detido”. Prov. 5:22. O brilho falso que o atraía desapareceu, e sente o peso dos seus grilhões. Naquela terra desolada e atingida pela fome, sentado no chão, sem outros companheiros senão os porcos, é constrangido a encher o estômago com as bolotas com que eram alimentados os animais. De todos os alegres companheiros que o rodeavam nos seus dias prósperos, e que comiam e bebiam a sua custa, nem um único ficou para animá-lo. A que se reduziu a sua orgíaca alegria? Sufocando a consciência e aturdindo os sentimentos, achava-se feliz; porém agora, sem dinheiro, com fome não saciada, com o orgulho humilhado, a natureza moral atrofiada, a vontade enfraquecida e indigna de confiança, seus sentimentos mais nobres aparentemente mortos, é o mais miserável dos mortais.
Que quadro nos é apresentado da condição do pecador! Embora envolto pelas bênçãos do amor de Deus, nada há que o pecador, inclinado à satisfação própria e aos prazeres pecaminosos, mais deseje do que a separação de Deus. Como o filho ingrato, reclama as boas coisas de Deus, como suas por direito. Recebe-as como coisa muito natural, não agradece nem presta serviço algum de amor. Como Caim saiu da presença do Senhor para procurar morada; como o filho pródigo partiu “para uma terra longínqua” (Luc. 15:13), assim, no esquecimento de Deus, procuram os pecadores a felicidade. (Rom. 1:28.)
Qualquer que seja a aparência, toda vida centralizada no eu, está arruinada. Todo aquele que procura viver separado de
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Deus, dissipa seus bens. Desperdiça os preciosos anos, esbanja as forças do intelecto, do coração e da alma, e trabalha para a sua eterna perdição. O homem que se aliena de Deus, para servir a si mesmo, é escravo de Mamom. A mente, que Deus criou para a companhia de anjos, degradou-se no serviço do que é terreno e animal. Este é o fim a que tende quem serve o próprio eu.
Se você escolheu uma tal vida, sabe então que gasta dinheiro com o que não é pão, e trabalho com o que não satisfaz. Virão dias em que reconhecerá a sua degradação. Só, na longínqua terra, você sente a miséria, e brada em desespero: “Miserável homem que eu sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” Rom. 7:24. As palavras do profeta contêm a afirmação de uma verdade universal: “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor! Porque será como a tamargueira no deserto e não sentirá quando vem o bem; antes, morará nos lugares secos do deserto, na terra salgada e inabitável.” Jer. 17:5 e 6.
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Deus “faz que o Seu Sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos”. Mat. 5:45. O homem, porém, tem o poder de se retrair do Sol e da chuva. Semelhantemente, quando o Sol da Justiça brilha, e os chuveiros da graça caem indiscriminadamente sobre todos, podemos, separando-nos de Deus, ser “como a tamargueira no deserto”.
O amor de Deus anela sempre aquele que dEle se afastou, e põe em operação influências para fazê-lo tornar à casa paterna. O filho pródigo, em sua miséria, voltou a si. O poder ilusório que Satanás sobre ele exercia, foi quebrado. Viu que o sofrimento era conseqüência de sua própria loucura, e disse: “Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai.” Luc. 15:17 e 18. Miserável como era, o pródigo achou esperança na convicção do amor do pai. Era aquele amor que o estava impelindo para o lar. Assim, a certeza do amor de Deus é que move o pecador a voltar para Ele. “A benignidade de Deus te leva ao arrependimento.” Rom. 2:4. Uma cadeia dourada, a graça e compaixão do amor divino, é atada ao redor de toda pessoa em perigo. O Senhor declara: “Com amor eterno te amei; também com amorável benignidade te atraí.” Jer. 31:3.
O filho resolve confessar sua culpa. Quer ir ter com o pai e dizer-lhe: “Pai, pequei contra o Céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho.” Mas, mostrando como é limitada a sua concepção do amor do pai, acrescenta: “Faze-me como um dos teus trabalhadores.” Luc. 15:18 e 19.
O jovem volta-se da manada de porcos e das bolotas, e dirige o olhar para casa. Tremente de fraqueza e abatido pela fome, põe-se a caminho com diligência. Não tem uma capa para ocultar suas vestes esfarrapadas; mas sua
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miséria venceu o orgulho e apressa-se a suplicar a posição de trabalhador, onde outrora estava como filho.
O jovem, alegre e despreocupado, quando abandonou a mansão paterna, pouco imaginou a dor e saudade deixadas no coração do pai. Quando dançava e folgava com os companheiros devassos, pouco meditava na sombra que caíra sobre a casa paterna. E agora, enquanto percorre o caminho de volta, com cansados e doloridos passos, não sabe que alguém aguarda a sua volta. Mas “quando ainda estava longe” o pai distingue o vulto. O amor tem bons olhos. Nem o definhamento causado pelos anos de pecados pode ocultar o filho aos olhos do pai. “E se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço” num abraço terno e amoroso. Luc. 15:20.
O pai não permite que olhos desdenhosos vejam a miséria e as vestes esfarrapadas do filho. Toma de seus próprios ombros o manto amplo e valioso, e lança-o em volta do
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corpo combalido do filho, e o jovem soluça seu arrependimento, dizendo: “Pai, pequei contra o Céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho.” Luc. 15:21. O pai toma-o consigo e leva-o para casa. Não lhe é dada a oportunidade de pedir a posição do trabalhador. É um filho que deve ser honrado com o melhor que a casa pode oferecer, e ser servido e respeitado pelos criados e criadas.
O pai diz aos servos: “Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se.” Luc. 15:22-24.
Em sua irrequieta juventude, o filho pródigo considerava o pai inflexível e austero. Que diferente é sua concepção dele agora! Assim também os engodados por Satanás consideram Deus áspero e severo. Vêem-nO esperando para os denunciar e condenar, como se não tivesse vontade de receber o pecador enquanto houver uma desculpa legítima para não o auxiliar. Consideram Sua lei uma restrição à felicidade humana, jugo opressor de que se alegram em escapar. Todavia o homem cujos olhos foram abertos por Cristo, reconhecerá a Deus como cheio de compaixão. Não lhe parece um tirano inexorável, mas um pai ansioso por abraçar o filho arrependido. O pecador, com o salmista, exclamará: “Como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor Se compadece daqueles que O temem.” Sal. 103:13.
Na parábola não é acusada nem censurada a má conduta do filho pródigo. O filho sente que o passado está perdoado, esquecido e apagado para sempre. E assim fala Deus ao pecador: “Desfaço as tuas transgressões como a névoa, e os teus pecados, como a nuvem.” Isa. 44:22. “Porque perdoarei a sua maldade e nunca mais Me lembrarei dos seus pecados.” Jer. 31:34.
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“Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus pensamentos e se converta ao Senhor, que Se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar.” Isa. 55:7. “Naqueles dias e naquele tempo, diz o Senhor, buscar-se-á a maldade de Israel e não será achada; e os pecados de Judá, mas não se acharão.” Jer. 50:20.
Que segurança da voluntariedade de Deus em receber o pecador arrependido! Escolheste, caro leitor, teu próprio caminho? Vagaste longe de Deus? Aspiraste desfrutar os frutos da transgressão, só para vê-los desfazerem-se em cinzas nos lábios? E agora que os teus bens estão dissipados, teus planos malogrados e mortas as tuas esperanças, estás solitário e desolado? Agora, aquela voz que te falou longamente ao coração, mas para a qual não atentaste, chega a ti clara e distinta: “Levantai-vos e andai, porque não será aqui o vosso descanso; por causa da corrupção que destrói, sim, que destrói grandemente.” Miq. 2:10. Volta ao lar do Pai. Ele te convida, dizendo: “Torna-te para Mim, porque Eu te remi.” Isa. 44:22.
Não dê ouvidos à sugestão do inimigo, de permanecer afastado de Cristo até que se faça melhor, até que você seja bastante bom para ir a Deus. Se esperar até lá, nunca

“Buscai ao Senhor enquanto se pode achar, invocai-O enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno, os seus pensamentos e se converta ao Senhor, que Se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar.” Isa. 55:6 e 7.
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você irá a Ele. Se Satanás te apontar as vestes imundas, repete a promessa de Jesus: “O que vem a Mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” João 6:37. Dize ao inimigo que o sangue de Cristo purifica de todo o pecado. Faze tua a oração de Davi: “Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais alvo do que a neve.” Sal. 51:7.
Levante-se e vá ter com seu Pai. Ele irá ao seu encontro quando ainda estiver longe. Se aproximar-se um passo que seja, em arrependimento, Ele se apressará para cingi-lo com os braços de infinito amor. Seu ouvido está aberto ao clamor da alma contrita. O primeiro anseio do coração por Deus Lhe é conhecido. Jamais é proferida uma oração, por vacilante que seja, jamais uma lágrima vertida, por mais secreta, e jamais alimentado um sincero anelo de Deus, embora débil, que o Espírito de Deus não saia a satisfazê-lo. Antes mesmo de ser pronunciada a oração, ou expresso o desejo do coração, sai graça de Cristo para juntar-se à graça que opera na pessoa.
Seu Pai celestial te tirará as vestes manchadas de pecados. Na bela profecia de Zacarias, o sumo sacerdote Josué, que estava em pé diante do anjo do Senhor, com vestimentas imundas, representa o pecador. E o Senhor disse: “Tirai-lhe estas vestes sujas. E a ele lhe disse: Eis que tenho feito com que passe de ti a tua iniqüidade e te vestirei de vestes novas. … E puseram uma mitra limpa sobre sua cabeça e o vestiram de vestes.” Zac. 3:4 e 5. Assim Deus o vestirá de “vestes de salvação”, e o cobrirá com o “manto da justiça”. Isa. 61:10. “Ainda que vos deiteis entre redis, sereis como as asas de uma pomba, cobertas de prata, com as suas penas de ouro amarelo.” Sal. 68:13.
Levá-lo-á à sala do banquete, e o Seu estandarte sobre você será o amor. Cant. 2:4.
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“Se andares nos Meus caminhos”, declara, “te darei lugar entre os que estão aqui”, mesmo entre os santos anjos que circundam Seu trono. Zac. 3:7.
“E, como o noivo se alegra com a noiva, assim Se alegrará contigo o teu Deus.” Isa. 62:5. “Ele Se deleitará em ti com alegria; calar-Se-á por Seu amor, regozijar-Se-á em ti com júbilo.” Sof. 3:17. E o Céu e a Terra unir-se-ão ao Pai em cânticos de alegria: “Porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado.” Luc. 15:24.
Até aqui, na parábola do Salvador, não há nota discordante para destoar a harmonia da cena de júbilo; agora, porém, Cristo introduz novo elemento. Ao voltar o filho pródigo, o primogênito estava “no campo”; e chegando-se à casa ouviu a música e a dança. Luc. 15:25. Chamou um dos criados e perguntou-lhe que significavam essas coisas. Retrucou-lhe este: “Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar.” Luc. 15:27 e 28. Este irmão mais velho não participara da ansiedade e expectativa do pai por aquele que se perdera. Não partilha por isso da alegria paterna pela volta do errante. Os cânticos de alegria não lhe inflamam contentamento ao coração. Pergunta a um servo pelo motivo da festa, e a resposta aviva-lhe o ciúme. Não quer entrar para dar as boas-vindas ao irmão perdido. O favor mostrado ao pródigo, considera-o um insulto a si próprio.
Quando o pai sai para argumentar com ele, o orgulho e maldade de sua natureza são revelados. Expõe sua vida na casa paterna como um ciclo de serviço não reconhecido, e então contrasta de modo ingrato o favor mostrado ao filho que acabava de voltar. Demonstra que seu serviço era antes o de servo e não de filho.
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Ao passo que devia ter constante alegria na presença do pai, seus pensamentos estavam dirigidos aos lucros a serem acumulados por sua vida circunspecta. Suas palavras mostram que por essa razão se privou dos prazeres do pecado. Agora esse irmão deve partilhar das dádivas do pai, o filho mais velho julga que lhe fazem injustiça. Inveja a boa acolhida proporcionada ao irmão. Mostra claramente que se estivesse na posição do pai não receberia o pródigo. Nem mesmo o reconhece como irmão, porém dele fala friamente como “teu filho”. Luc. 15:30.
Contudo, o pai tratou-o com brandura. “Filho”, diz ele “tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas.” Luc. 15:31. Durante todos esses anos da vida dissoluta de teu irmão, não tiveste o privilégio de minha companhia?
Tudo que podia favorecer a felicidade de seus filhos, estava-lhes à disposição. O filho não precisa esperar uma recompensa
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ou dádiva. “Todas as minhas coisas são tuas.” Só deves confiar em meu amor, e tomar o dom que é oferecido gratuitamente.
Um filho rompera algum tempo com a família por não discernir o amor do pai. Mas agora voltara, e a onda de alegria varre todo pensamento perturbante. “Este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado.” Luc. 15:32.
Foi levado o irmão mais velho a ver seu espírito mesquinho e ingrato? Chegou a reconhecer, que embora o irmão tivesse agido impiamente, era, ainda e sempre, seu irmão? Arrependeu-se o irmão mais velho de seu amor-próprio e dureza de coração? Com referência a isso, Jesus guardou silêncio. A parábola ainda não terminara, e restava que os ouvintes determinassem qual seria o epílogo.
Pelo irmão mais velho foram representados os impenitentes judeus contemporâneos de Cristo, como também os fariseus de todas as épocas, que olhavam com desprezo àqueles que consideravam publicanos e pecadores. Porque eles mesmos não caíram no mais degradante vício, enchiam-se de justiça própria. Jesus enfrentou essa gente ardilosa em seu próprio terreno. Como o filho mais velho da parábola, desfrutavam de especiais privilégios de Deus. Diziam-se filhos na casa de Deus, mas tinham o espírito de mercenários. Não trabalhavam movidos por amor, mas pela esperança de recompensa. A seus olhos, Deus era um feitor severo. Viam como Cristo convidava os publicanos e pecadores para receber livremente as dádivas de Sua graça – dádivas que os rabinos pensavam assegurar-se somente por trabalho e penitência – e ofenderam-se. A volta do filho pródigo, que encheu o coração paterno de alegria, provocava-lhes o ciúme.
Na parábola, a intercessão do pai junto do primogênito era o terno apelo do Céu aos fariseus.
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“Todas as Minhas coisas são tuas” – não como salário mas como dádiva. Como o pródigo, somente podeis recebê-las como concessões imerecidas do amor paterno.
A justiça própria conduz os homens não somente a representar a Deus falsamente, como os torna impiedosos e críticos para com seus irmãos. O filho mais velho, em seu egoísmo e inveja, estava pronto a observar o irmão, criticar todas as suas ações, e culpá-lo da menor falta. Acusaria todo engano e exageraria quanto possível todo ato errado. Desse modo pretendia justificar seu espírito irreconciliável. Muitos fazem hoje o mesmo. Enquanto a pessoa enfrenta a primeira luta contra um turbilhão de tentações, estão ao lado de zombeteiros, obstinados, reclamando e acusando. Podem professar ser filhos de Deus, mas manifestam o espírito de Satanás. Por seu procedimento para com os irmãos, estes acusadores se colocam onde Deus não pode fazer brilhar a luz de Seu semblante.
Quantos não perguntam constantemente: “Com que me apresentarei ao Senhor e me inclinarei ante o Deus altíssimo? Virei perante Ele com holocaustos, com bezerros de um ano? Agradar-Se-á o Senhor de milhares de carneiros? De dez mil ribeiros de azeite?” Miq. 6:6 e 7. Mas “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência, e andes humildemente com o teu Deus?” Miq. 6:8.
Esse é o culto que o Senhor escolheu: “Que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo, e que deixes livres os quebrantados, e que despedaces todo o jugo… e não te escondas daquele que é da tua carne.” Isa. 58:6 e 7. Quando vos considerardes pecadores salvos unicamente pelo amor do Pai celestial, então tereis amor e compaixão por outros que sofrem no pecado. Então não mais defrontareis a miséria e o arrependimento com ciúme e censura.
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Quando o gelo do amor-próprio se derreter de vosso coração, estareis em simpatia com Deus, e partilhareis de Sua alegria na salvação do perdido.
Verdade é que professas ser filho de Deus; porém, se esta declaração for verdade, é “teu irmão”, que estava “morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado”. Luc. 15:32. Ele se acha ligado a ti pelos vínculos mais íntimos; porque Deus o reconhece como filho. Nega teu parentesco com ele, e mostrarás que és apenas mais um empregado na casa paterna, não um filho da família de Deus.
Embora não te associes à recepção ao pródigo, a alegria prosseguirá, o restaurado tomará seu lugar ao lado do Pai e em Sua obra. Aquele a quem muito se perdoou, ama também muito. Tu, porém, estarás fora, nas trevas; pois “aquele que não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor”. I João 4:8.
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Alento nas Dificuldades
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Em Seus ensinos Cristo relacionava com a advertência de juízo o convite da graça. “O Filho do homem não veio”, disse Ele, “para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las.” Luc. 9:56. “Porque Deus enviou o Seu Filho ao mundo não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele.” João 3:17. Sua misericordiosa missão, no que se refere à justiça e ao juízo divinos, é ilustrada pela parábola da figueira estéril.
Cristo advertira os homens da vinda do Reino dos Céus, e censurara-lhes severamente a ignorância e indiferença. Os sinais no céu que prediziam o tempo, reconheciam rapidamente, mas os sinais do tempo que apontavam tão claramente Sua missão, não eram discernidos.
Os homens de então estavam tão prontos, porém, como hoje estão, para concluir que são os favoritos do Céu, e que a mensagem de advertência destina-se para os outros. Os ouvintes contaram a Jesus de um acontecimento que acabava de causar grande sensação. Algumas medidas de Pôncio Pilatos, o governador da Judéia, escandalizaram o povo.
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Houvera um levante em Jerusalém, e Pilatos tentara sufocá-lo pela violência. Numa ocasião seus soldados invadiram o átrio do templo, e degolaram alguns peregrinos galileus, no ato de oferecer seus sacrifícios. Os judeus consideravam a calamidade um castigo motivado pelos pecados das vítimas; e aqueles que narravam esse ato de violência, faziam-no com satisfação íntima. Segundo seu modo de ver, sua felicidade era prova de serem muito melhores, e por isso mais favorecidos de Deus do que aqueles galileus. Esperavam ouvir de Jesus palavras de condenação sobre esses homens que, sem dúvida, haveriam merecido a pena.
Os discípulos de Jesus não aventuravam exprimir sua própria opinião sem ter ouvido a de seu Mestre. Ele lhes dera lições adequadas no tocante a julgar o caráter de outros homens e a medir a retribuição conforme seu juízo acanhado. Contudo esperavam que Cristo denunciasse esses homens como mais pecadores que os demais. Grande foi sua surpresa pela resposta.
Voltando-se para a multidão, o Salvador disse: “Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? Não, vos digo; antes, se vos não arrependerdes, todos de igual modo perecereis.” Luc. 13:2 e 3. Estas terríveis calamidades tinham por finalidade induzi-los a humilhar o coração e arrepender-se de seus pecados. A tempestade da vingança acumulava-se, para desencadear-se logo sobre todos os que não acharam refúgio em Cristo.
Falando Jesus aos discípulos e à multidão, olhava com visão profética para o futuro, e via Jerusalém sitiada por exércitos. Ouvia o barulho dos estranhos que marchavam contra a cidade escolhida, e via-os, aos milhares, perecendo no cerco. Muitos judeus eram então assassinados como aqueles galileus no átrio do templo, no próprio ato de oferecerem o sacrifício. As calamidades que sobrevieram
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a alguns indivíduos, eram advertências divinas a uma nação igualmente culpada. “Se vos não arrependerdes”, disse Jesus, “todos de igual modo perecereis.” O tempo da graça duraria ainda um pouco para eles. Ainda podiam conhecer as coisas que diziam respeito à sua paz.
“Um certo homem”, prosseguiu Ele, “tinha uma figueira plantada na sua vinha e foi procurar nela fruto, não o achando. E disse ao vinhateiro: Eis que há três anos venho procurar fruto nesta figueira e não o acho; corta-a. Por que ocupa ainda a terra inutilmente?” Luc. 13:6 e 7.
Os ouvintes de Cristo não podiam interpretar mal a aplicação de Suas palavras. Davi cantara de Israel como uma vide tirada do Egito. Isaías escrevera: “Porque a vinha do Senhor dos Exércitos é a casa de Israel, e os homens de Judá são a planta das Suas delícias.” Isa. 5:7. A geração à qual o Salvador tinha vindo, era representada pela figueira na vinha do Senhor, dentro do círculo de Seus cuidados e bênçãos especiais.
O propósito de Deus para com Seu povo, e as gloriosas possibilidades que tinham perante si foram descritos nas belas palavras: “A fim de que se chamem árvores de justiça, plantação do Senhor, para que Ele seja glorificado.” Isa. 61:3. Jacó, agonizante, dissera de seu filho predileto, por inspiração do Espírito: “José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto à fonte; seus ramos correm sobre o muro.” Gên. 49:22. Mais adiante diz: “Pelo Deus de teu Pai, o qual te ajudará, e pelo Todo-poderoso, o qual te abençoará com bênçãos dos Céus de cima, com bênçãos do abismo que está debaixo.” Gên. 49:25. Assim Deus plantara a Israel como uma vide frutífera junto à fonte da vida. Tinha Sua “vinha em um outeiro fértil. E a cercou, e a limpou das pedras, e a plantou de excelentes vides”. Isa. 5:1 e 2.
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“E esperava que desse uvas boas, mas deu uvas bravas.” Isa. 5:2. O povo do tempo de Cristo fazia maior ostentação de piedade do que os judeus de épocas anteriores; porém eram ainda mais destituídos das suaves graças do Espírito de Deus. Os preciosos frutos de caráter, que tornaram a vida de José tão fragrante e bela, não se manifestavam no povo judeu.
Deus, por Seu Filho, procurara frutos mas não encontrou nenhum. Israel era um estorvo à terra. Toda a sua existência era uma maldição, pois ocupava na vinha o lugar que uma árvore frutífera poderia preencher. Roubava o mundo das bênçãos que Deus intencionava dar. Os israelitas mal representavam Deus aos povos. Não eram somente inúteis, mas decididamente um embaraço. Sua vida religiosa iludia em alto grau, e em vez de salvação acarretava ruína.
Na parábola, o vinhateiro não questiona a sentença de que se a árvore permanecesse infrutífera, deveria ser decepada; porém, conhece e partilha do interesse do proprietário na árvore estéril. Nada lhe podia dar mais alegria que vê-la crescer e frutificar. Responde ao desejo do proprietário, dizendo: “Senhor, deixa-a este ano, até que eu a escave e a esterque; e, se der fruto, ficará.” Luc. 13:8 e 9.
O jardineiro não recusa trabalhar numa planta tão pouco promissora; está pronto a prestar-lhe ainda maiores cuidados.

“Julgai, vos peço, entre Mim e a Minha vinha. Que mais se podia fazer à Minha vinha, que Eu lhe não tenha feito? E como, esperando Eu que desse uvas boas, veio a produzir uvas bravas?” Isa. 5:3 e 4.
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Quer tornar o ambiente mais propício, e prodigalizar-lhe maior atenção.
O proprietário e o vinhateiro têm o mesmo interesse na figueira. Assim o Pai e o Filho eram um no amor ao povo escolhido. Cristo dizia aos ouvintes que lhes seriam dadas maiores oportunidades. Todo meio que o amor de Deus podia sugerir, seria empregado para tornarem-se árvores de justiça, e produzirem frutos para bênção do mundo.
Jesus não disse, na parábola, qual seria o resultado do trabalho do jardineiro. Neste ponto, interrompeu a história. A conclusão dependia da geração que Lhe ouvia as palavras. À mesma foi dada a severa advertência: “Se não, depois a mandarás cortar.” Dependia deles se estas palavras irrevogáveis seriam pronunciadas. O dia da vingança estava próximo. Pelas calamidades sobrevindas a Israel, o proprietário da vinha advertia-os misericordiosamente da aniquilação da árvore estéril.
Esta advertência é também dirigida a nós que vivemos nesta geração. És tu, ó coração indiferente, uma árvore infrutífera na vinha do Senhor? Será esta sentença endereçada em breve a ti? Quanto tempo recebeste Suas dádivas? Quanto tempo tem Ele vigiado e esperado uma retribuição de amor? Que privilégio tens, em ser plantado em Sua vinha, e estar sob a proteção do jardineiro! Com quanta freqüência a terna mensagem do evangelho te comoveu o coração! Tomaste o nome de Cristo, exteriormente és membro da igreja que é Seu corpo; contudo estás consciente de nenhuma ligação viva com o grande coração de amor. A corrente de Sua vida não flui através de ti; as doces graças de Seu caráter, “os frutos do Espírito”, não são vistos em tua vida.
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A árvore estéril recebe a chuva, os raios do Sol e os cuidados do jardineiro; suga alimento do solo. Mas seus ramos infrutíferos só ensombram o chão, de modo que árvores produtoras não podem florescer sob sua copa. Igualmente as dádivas de Deus a ti concedidas não transmitem bênçãos para o mundo. Roubas a outros o privilégio que, se não fosse teu, seria deles.
Embora talvez obscuramente, reconheces que és um empecilho ao solo. Contudo, Deus em Sua grande misericórdia não te cortou. Não te contempla friamente. Não Se volta com indiferença, nem te abandona à destruição. Olhando a ti, clama, como clamou há tantos séculos, referindo-se a Israel, “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? … Não executarei o furor da Minha ira; não voltarei para destruir a Efraim, porque Eu sou Deus e não homem.” Osé. 11:8 e 9. O misericordioso Salvador diz, concernente a ti: Poupa-a ainda este ano, até que Eu a escave e a esterque.
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Com que incansável amor Cristo servia ao povo de Israel durante o adicional período de graça! Na cruz, orava: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem.” Luc. 23:34. Depois da ascensão, o evangelho foi pregado primeiramente em Jerusalém. Ali foi derramado o Espírito Santo. Ali a primeira igreja revelou o poder do Salvador ressurreto. Ali testemunhou Estêvão – “seu rosto como o rosto de um anjo” – e depôs sua vida. Atos 6:15. Tudo que o Céu podia dar foi prodigalizado. “Que mais se podia fazer à Minha vinha”, disse Cristo, “que Eu lhe não tenha feito?” Isa. 5:4. Assim Seu cuidado e trabalho não foi diminuído, porém aumentado. Ainda hoje diz: “Eu, o Senhor, a guardo e, a cada momento, a regarei; para que ninguém lhe faça dano, de noite e de dia a guardarei.” Isa. 27:3.
“Se der fruto, ficará; e, se não, depois…” Luc. 13:9.
O coração que não atende às instâncias divinas se endurece até tornar-se insensível à influência do Espírito Santo. Então, sim, é dito: “Corta-a. Por que ela ocupa ainda a terra inutilmente?” Luc. 13:7.
Hoje te convida: “Converte-te-; ó Israel, ao Senhor teu Deus. … Eu sararei a sua perversão, Eu voluntariamente os amarei. … Eu serei, para Israel, como orvalho; ele florescerá como o lírio e espalhará as suas raízes como o Líbano. … Voltarão os que se assentarem à sua sombra; serão vivificados como o trigo e florescerão como a vide. … De Mim é achado o teu fruto.” Osé. 14:1, 4, 5, 7 e 8.
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Um Convite Generoso
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O Salvador era convidado no banquete de um fariseu. Aceitava convites tanto de ricos como de pobres, e consoante Seu costume, vinculava com Suas lições da verdade a cena que tinha diante de Si. Entre os judeus o banquete sagrado era associado com todas as suas épocas de júbilo nacional e religioso. Era-lhes um tipo das bênçãos da vida eterna. O grande banquete em que se assentariam à mesa com Abraão, Isaque e Jacó, enquanto os gentios estariam de fora, olhando cobiçosamente, era tema sobre que se deleitavam em falar. A lição de advertência e instrução que Cristo desejava dar, ilustrou agora pela parábola da grande ceia. Os judeus pretendiam circunscrever a si as bênçãos divinas para esta vida e a futura. Negavam a misericórdia de Deus para com os gentios. Pela parábola Cristo mostrou que nesse mesmo momento eles rejeitavam o convite de misericórdia, a chamada para o reino de Deus.
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Demonstrou que o convite que desdenhavam estava para ser dirigido àqueles a quem desprezavam, e de quem se retraíam como de leprosos.
Na escolha dos convidados para o banquete, consultara o fariseu o próprio interesse egoísta. Cristo lhe disse: “Quando deres um jantar ou uma ceia, não chames os teus amigos, nem os teus irmãos, nem os teus parentes, nem vizinhos ricos, para que não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso recompensado. Mas, quando fizeres convite, chama os pobres, aleijados, mancos e cegos e serás bem-aventurado; porque eles não têm com que to recompensar; mas recompensado serás na ressurreição dos justos.” Luc. 14:12-14.
Cristo repetia aqui as instruções que dera a Israel por Moisés. Em seus banquetes sagrados ordenara o Senhor que “o estrangeiro, e o órfão, e a viúva, que estão dentro das tuas portas”, viessem, comessem e se saciassem. Deut. 14:29. Essas reuniões deveriam ser para Israel lições objetivas. Sendo ensinada deste modo a alegria da verdadeira hospitalidade, o povo deveria cuidar durante todo o ano dos pobres e indigentes. E essas ceias encerravam uma lição mais ampla. As bênçãos espirituais,

“Ó vós todos os que tendes sede, vinde às águas, e vós que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão? E o produto do vosso trabalho naquilo que não pode satisfazer? Ouvi-me atentamente e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura.” Isa. 55:1 e 2.
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prodigalizadas a Israel, não eram para eles somente. Deus lhes dera o pão da vida, para que o repartissem com o mundo.
Essa tarefa não executaram. As palavras de Cristo eram-lhes uma censura ao egoísmo. Desagradavam aos fariseus. Desejando desviar o rumo da conversa, um deles exclamou com ares de beato: “Bem-aventurado o que comer pão no reino de Deus!” Luc. 14:15. Esse homem falou com grande confiança, como se estivesse certo de um lugar no reino. Sua atitude era semelhante à dos que se alegram com ser salvos por Cristo, conquanto não preencham as condições sob que a salvação é prometida. Seu espírito era idêntico ao de Balaão, quando orava: “A minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu.” Núm. 23:10. O fariseu não pensava em sua aptidão para o Céu, mas naquilo em que esperava deleitar-se lá. Sua observação destinava-se a desviar do tema de seus deveres práticos, a atenção dos convidados à ceia. Desejava dirigi-los da vida presente ao remoto tempo da ressurreição dos justos.
Cristo leu o coração do dissimulador e, dirigindo-lhe o olhar, expôs aos convidados o caráter e o valor de seus privilégios presentes. Indicou-lhes que, a fim de partilharem das bem-aventuranças futuras, tinham uma obra para fazer neste tempo.
“Um certo homem”, disse, “fez uma grande ceia e convidou a muitos.” Luc. 14:16. Chegado o tempo da celebração, o que convidava enviou seus servos com uma segunda mensagem aos hóspedes esperados: “Vinde, que já tudo está preparado.” Luc. 14:17. Estranha indiferença manifestou-se, porém. “Todos à uma começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei um campo e preciso ir vê-lo;
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rogo-te que me hajas por escusado. E outro disse: Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-los; rogo-te que me hajas por escusado. E outro disse: Casei e, portanto, não posso ir.” Luc. 14:18-20.
Nenhuma das escusas tinha base em necessidade real. O homem que precisava sair a ver seu campo, já o comprara. Sua pressa de ir vê-lo era devida a que seu interesse estava absorvido pela aquisição. Os bois, também, tinham sido comprados. O exame dos mesmos só devia satisfazer à curiosidade do comprador. Também a terceira desculpa não tinha melhor motivo. A circunstância de o convidado haver contraído núpcias, não precisava impedir sua presença à festa. Sua esposa também seria bem-vinda. Fizera, porém, seus próprios planos de prazer, e estes lhe pareciam mais desejáveis do que comparecer à festa, como prometera. Aprendera a achar prazer noutra companhia que não a do anfitrião. Não pediu desculpas, nem mesmo usou de cortesia em escusar-se. O “não posso ir” era unicamente um véu para a verdade – “não faço questão de ir”.
Todas as escusas denunciavam espírito preocupado. Estes convidados ficaram absortos pelo interesse em outras coisas. O convite que se comprometeram a aceitar, foi rejeitado, e o generoso amigo, ofendido por sua indiferença.
Pela grande ceia, Cristo representa as bênçãos oferecidas pelo evangelho. A provisão é nada menos que o próprio Cristo. Ele é o pão que desceu do Céu; e dEle procedem as torrentes da salvação. Os mensageiros do Senhor anunciaram aos judeus a vinda do Salvador, apontaram a Cristo como “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. João 1:29. No banquete que preparou, Deus lhes ofereceu a
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maior dádiva que o Céu podia conceder – uma dádiva que excede todo o entendimento. O amor de Deus supriu o custoso banquete, e proveu inesgotáveis recursos. “Se alguém comer desse pão”, disse Cristo, “viverá para sempre.” João 6:51.
Todavia, para aceitar o convite ao banquete do evangelho, precisariam subordinar seus interesses materiais ao propósito de receber a Cristo e Sua justiça. Deus prodigalizou tudo ao homem, e lhe pede colocar Seu serviço acima de todas as considerações terrenas e egoístas. Não pode aceitar um coração indiferente. O coração absorto em afeições terrenas não pode ser entregue a Deus. A lição é para todo o tempo. Devemos seguir o Cordeiro de Deus, aonde quer que vá. Deve ser escolhida Sua direção, e Sua companhia apreciada mais que a de amigos terrenos. Cristo diz: “Quem ama o pai ou a mãe mais do que a Mim não é digno de Mim; e quem ama o filho ou a filha mais do que a Mim não é digno de Mim.” Mat. 10:37.
Ao redor da mesa, quando partiam o pão cotidiano, muitos repetiam, nos dias de Cristo, as palavras: “Bem-aventurado o que comer pão no reino de Deus!” Luc. 14:15. Mas Cristo mostra como é difícil encontrar hóspedes à mesa provida por preço infinito. Aqueles que Lhe escutavam as palavras sabiam que tinham desprezado o misericordioso convite. Posses terrenas, riquezas e prazeres eram-lhes

“Eu sou o pão da vida. Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desce do Céu, para que o que dele comer não morra. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu.” João 6:48-51.
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todo-absorventes. De consenso unânime escusaram-se.
O mesmo se dá hoje. As desculpas apresentadas ao recusar o convite para o banquete encerram todos os motivos apresentados para recusar o convite do evangelho. Declaram que não podem prejudicar suas perspectivas materiais dando ouvidos às reivindicações do evangelho. Consideram seus propósitos temporais de maior valor que as coisas da eternidade. Justamente as bênçãos que receberam de Deus se tornam um empecilho que lhes separa a alma do Criador e Redentor. Não querem ser interrompidas em suas empresas mundanas, e dizem ao mensageiro da graça: “Por agora, vai-te, e, em tendo oportunidade, te chamarei.” Atos 24:25. Outros insistem nas dificuldades que surgiriam nas relações sociais se obedecessem ao convite de Deus. Dizem que não podem estar em desarmonia com seus parentes e conhecidos. Deste modo denunciam fazer o mesmo que os descritos na parábola. O anfitrião considera-lhes as desculpas fúteis, e demonstrativas de desprezo ao convite.
O homem que disse: “Casei e, portanto, não posso ir” (Luc. 14:20), representa uma grande classe. Muitos há que permitem que a esposa ou o marido os impeçam de atender ao convite de Deus. Diz o esposo: “Não posso seguir minha convicção do dever enquanto minha senhora é a isso contrária. Sua influência me tornaria excessivamente difícil fazê-lo.” A esposa ouve o misericordioso convite: “Vinde, que tudo já está preparado”, e diz: “Rogo-Te que me hajas por escusada. Meu marido recusa o convite de misericórdia. Diz que seu negócio é um embaraço. Preciso acompanhar meu marido, e por isso não posso ir.” O coração dos filhos é
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impressionado. Desejam ir. Mas, amam o pai e a mãe, e como estes não atendem ao convite do evangelho, pensam que sua presença não é esperada. Também dizem: “Gostaria de ser dispensado.”
Todos esses não atendem ao convite do Salvador, porque temem causar divisão no círculo da família. Pensam que negando obediência a Deus, asseguram a paz e a prosperidade do lar; porém, isto é uma ilusão. Quem semeia egoísmo, colherá egoísmo. Rejeitando o amor de Cristo rejeitam aquilo que, somente, pode emprestar ao amor humano pureza e estabilidade. Não só perderão o Céu como também a verdadeira felicidade pela qual o Céu foi sacrificado.
Na parábola, o doador da ceia ouviu como seu convite fora recebido, e, “indignado, disse ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade e traze aqui os pobres, e os aleijados, e os mancos, e os cegos”. Luc. 14:21.
O hospedeiro voltou-se daqueles que menosprezaram sua bondade e convidou uma classe não abastada, que não possuía casas nem terras. Convidou os pobres e

“Disseram-Lhe, pois: … Nossos pais comeram o maná no deserto, como está escrito: Deu-lhes a comer o pão do Céu. Disse-lhes, pois, Jesus: Na verdade, na verdade vos digo que Moisés não vos deu o pão do Céu, mas Meu Pai vos dá o verdadeiro pão do Céu. Porque o pão de Deus é Aquele que desce do Céu e dá vida ao mundo. … Eu sou o pão da vida; aquele que vem a Mim não terá fome; e quem crê em Mim nunca terá sede.” João 6:30-33 e 35.
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famintos, que apreciariam a generosidade. “Os publicanos e as meretrizes”, disse Cristo, “entram adiante de vós no reino de Deus.” Mat. 21:31. Por mais miseráveis que sejam os espécimes da humanidade, de quem outros zombam e se retraem, não são baixos, nem miseráveis demais para a atenção e amor de Deus. Cristo anseia que homens aflitos, cansados e opressos, a Ele vão. Anseia dar-lhes luz, alegria e paz não encontradas em qualquer outra parte. Os piores pecadores são objeto da Sua profunda, ardente misericórdia e amor. Envia o Espírito Santo para sobre eles vigiar com ternura, procurando atraí-los a Si.
O servo que fez entrar os pobres e cegos, disse ao Mestre: “Senhor, feito está como mandaste, e ainda há lugar. E disse o senhor ao servo: Sai pelos caminhos e atalhos e força-os a entrar, para que a minha casa se encha.” Luc. 14:22 e 23. Cristo apontou aqui a obra do evangelho fora dos limites do judaísmo, nos caminhos e valados do mundo.
Obedientes a este mandado, Paulo e Barnabé declaravam aos judeus: “Era mister que a vós se vos pregasse primeiro a Palavra de Deus; mas, visto que a rejeitais, e vos não julgais dignos da vida eterna, eis que nos voltamos para os gentios. Porque o Senhor assim no-lo mandou: Eu te pus para luz dos gentios, para que sejas de salvação até aos confins da Terra. E os gentios, ouvindo isto, alegraram-se e glorificavam a Palavra do Senhor, e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna.” Atos 13:46-48.
A mensagem evangélica, pregada pelos discípulos de Cristo, era a anunciação de Sua primeira vinda ao mundo. Trouxe aos homens as boas-novas de salvação pela fé nEle. Apontava para Sua segunda vinda em glória para redimir
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Seu povo, e deu aos homens a esperança de partilhar da herança dos santos na luz pela fé e obediência. Esta mensagem é dada à humanidade hoje em dia, e, neste tempo, está ligada à anunciação da breve volta de Cristo. Os sinais de Sua vinda dados por Ele mesmo, cumpriram-se; e assim, pelos ensinos da Palavra de Deus podemos saber que o Senhor está à porta.
João, no Apocalipse, prediz a proclamação da mensagem do evangelho, justamente antes da vinda de Cristo. Viu “outro anjo voar pelo meio do céu, e tinha o evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a Terra, e a toda a nação, e tribo, e língua, e povo, dizendo com grande voz: Temei a Deus e dai-Lhe glória, porque vinda é a hora do Seu juízo.” Apoc. 14:6 e 7.
A esta advertência do Juízo e às mensagens com ela relacionadas segue-se, na profecia, a volta do Filho do homem nas nuvens do céu. A proclamação do Juízo é uma anunciação de que a segunda vinda de Cristo está próxima. E esta proclamação é chamada o evangelho eterno. Deste modo é mostrado que a pregação da segunda vinda de Cristo

“Eu continuei olhando, até que foram postos uns tronos, e um Ancião de Dias Se assentou; e a Sua veste era branca como a neve, e o cabelo da Sua cabeça, como a limpa lã; o Seu trono, chamas de fogo, e as rodas dele, fogo ardente. Um rio de fogo manava e saía de diante dele; milhares de milhares O serviam…; assentou-se o juízo, e abriram-se os livros.” Dan. 7:9 e 10.
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ou a anunciação de sua brevidade, é parte essencial da mensagem evangélica.
A Bíblia declara que nos últimos tempos os homens estariam absortos em empresas mundanas, prazeres e enriquecimento. Estariam cegos para as realidades eternas. Cristo diz: “E, como foi nos dias de Noé, assim será também a vinda do Filho do homem. Porquanto, assim como, nos dias anteriores ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, até que veio o dilúvio, e os levou a todos, assim será também a vinda do Filho do homem.” Mat. 24:37-39.
O mesmo se dá hoje. Os homens lançam-se à caça de lucro e satisfação própria como se não houvesse Deus, nem Céu, nem vida futura. Nos dias de Noé foi dada a advertência do dilúvio vindouro para despertar os homens de sua impiedade e convidá-los ao arrependimento. Assim a mensagem da próxima vinda de Cristo visa a despertar os homens de seu enlevo nas coisas temporais. Destina-se a acordá-los para o senso das realidades eternas, para que atendam ao convite para a ceia do Senhor.
O convite do evangelho deve ser dado a todo o mundo – “a toda nação, e tribo, e língua, e povo”. Apoc. 14:6. A última mensagem de advertência e misericórdia deve iluminar com sua glória toda a Terra. Deve alcançar todas as classes sociais – ricos e pobres, elevados e humildes. “Sai pelos caminhos e atalhos”, diz Cristo, “e força-os a entrar, para que a Minha casa se encha.” Luc. 14:23.
O mundo perece pela carência do evangelho. Há fome da Palavra de Deus. Poucos pregam a Palavra não misturada com tradições humanas. Embora tenham os homens nas mãos a Bíblia, não recebem as bênçãos que, para eles, Deus nela colocou. O Senhor chama Seus servos para levar a mensagem ao povo.
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A Palavra da vida eterna deve ser dada aos que perecem em seus pecados.
Na ordem de ir pelos caminhos e valados, Cristo apresenta a tarefa, a todos os que chama, de ministrar em Seu nome. Todo o mundo é o campo para os ministros de Cristo. Toda a família humana está compreendida em sua congregação. O Senhor deseja que Sua Palavra de misericórdia seja levada a toda pessoa.
Isso deve ocorrer principalmente pelo serviço pessoal. Era o método de Cristo. Sua obra consistia grandemente em entrevistas pessoais. Tinha fiel consideração pelo auditório de uma só pessoa. Por esse único ouvinte, a mensagem, muitas vezes, era proclamada a milhares.
Não devemos esperar que as almas venham a nós; precisamos procurá-las onde estiverem. Quando a Palavra é pregada do púlpito, o trabalho apenas começou. Há multidões que nunca serão alcançadas pelo evangelho se ele não lhes for levado.
O convite para o banquete foi dado primeiramente ao povo judeu, ao povo que fora escolhido para ser professor e guia entre os homens, ao povo em cujas mãos estavam os escritos proféticos que prediziam o advento de Cristo, e a quem fora confiado o serviço simbólico que prefigurava Sua missão. Tivessem os sacerdotes e o povo atendido ao convite, ter-se-iam unido aos mensageiros de Cristo para estender ao mundo o convite evangélico. A verdade foi-lhes enviada para que a comunicassem a outros. Escusando-se ao convite, foi este enviado aos pobres, aleijados, mancos e cegos. Publicanos e pecadores aceitaram o convite. Quando o convite do evangelho é dirigido aos gentios, continua o mesmo plano de trabalho. A mensagem deve ser proclamada primeiramente “pelos caminhos” – aos homens que têm parte ativa no trabalho do mundo, aos mestres e guias do povo.
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Os mensageiros do Senhor devem manter isto em mente. Deve atingir os pastores do rebanho, os mestres divinamente ordenados, como uma advertência a ser atendida. Aqueles que pertencem às camadas sociais mais elevadas devem ser procurados com terna afeição e respeito fraternal. Homens de negócios, em altas posições de confiança, homens de faculdades inventivas e intuição científica, intelectuais, mestres do evangelho, cuja atenção não foi dirigida para as verdades especiais deste tempo – esses devem ser os primeiros a ouvir o convite. A eles deve ser feito o convite.
Há uma obra que deve ser feita em prol dos ricos. Precisam ser despertados para reconhecer sua responsabilidade como a quem foram confiados dons do Céu. Devem ser lembrados de que precisam prestar contas Àquele que julgará os vivos e os mortos. Os ricos necessitam de seu trabalho no amor e temor de Deus. Muitíssimas vezes confiam eles nas riquezas, e não sentem o perigo. Seus olhos da mente precisam ser atraídos para as coisas de valor duradouro. Precisam reconhecer a autoridade da verdadeira bondade, que diz: “Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma. Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo é leve.” Mat. 11:28-30.
Aqueles que por sua instrução, riqueza ou fama, ocupam posição saliente no mundo, raramente são abordados pessoalmente sobre os interesses da alma. Muitos obreiros cristãos hesitam em aproximar-se destas classes. Mas isto não deve acontecer. Se um homem se estivesse afogando, não permaneceríamos imóveis, vendo-o perecer, porque é advogado, negociante ou juiz. Se víssemos pessoas rolando a um
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precipício, não hesitaríamos em socorrê-las, qualquer que fosse sua posição ou profissão. Semelhantemente, não devemos hesitar em advertir os homens do perigo da alma.
Ninguém deve ser negligenciado por causa da aparente devoção às coisas materiais. Muitos da alta camada social estão pesarosos e cansados da vaidade; anseiam uma paz que não possuem. Nas mais elevadas classes da sociedade há homens que têm fome e sede de salvação. Muitos receberiam auxílio se os obreiros do Senhor deles se aproximassem pessoalmente de maneira cortês, com o coração sensibilizado pelo amor de Cristo.
O êxito da mensagem evangélica não depende de discursos estudados, de testemunhos eloqüentes nem de argumentos profundos. Depende da simplicidade da mensagem e de sua adaptação às almas que têm fome do pão da vida. “Que é necessário que eu faça para me salvar?” (Atos 16:30) – é a necessidade da alma.
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Milhares podem ser alcançados pelo modo mais simples e modesto. Os mais intelectuais, considerados os homens e mulheres mais prendados do mundo, são muitas vezes refrigerados pelas palavras simples de alguém que ama a Deus e fala desse amor tão naturalmente como os mundanos o fazem das coisas que mais profundamente lhes interessam.
Freqüentemente as palavras bem preparadas e estudadas têm pouca influência. Mas a expressão verdadeira e sincera de um filho ou filha de Deus, dita em simplicidade natural, tem poder para abrir a porta do coração que durante muito tempo esteve cerrada para Cristo e Seu amor.
Lembrem os obreiros de Cristo que não têm que trabalhar em sua própria força. Apoderem-se do trono de Deus com fé em Seu poder de salvar. Instem com Deus em oração, e trabalhem então com todas as facilidades que Deus lhes proporcionou. O Espírito Santo é provido como sua eficiência. Anjos ministradores estarão a seu lado para impressionar os corações.
Que centro missionário não seria Jerusalém, se seus guias e mestres houvessem recebido a verdade por Cristo! O Israel apóstata teria sido convertido. Um grande exército se teria congregado para o Senhor. Com que rapidez não teriam levado o evangelho a todas as partes do mundo! Assim, agora, que obra não poderia ser realizada para levantar os caídos, asilar os desterrados e pregar as boas-novas da salvação, se homens influentes e de grande capacidade fossem ganhos para Cristo! Rapidamente poderia ser feito o convite, e reunidos os convidados para a mesa do Senhor.
Contudo, não devemos pensar somente nos grandes e talentosos homens com desprezo das classes mais pobres. Cristo instrui Seus mensageiros para ir também pelos caminhos e valados, aos pobres e humildes da Terra. Nos cortiços e vielas das grandes cidades, nos caminhos solitários do
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campo, há famílias e indivíduos – talvez estrangeiros em Terra estranha – que não pertencem a nenhuma igreja, e na solidão chegam a sentir que Deus deles Se esqueceu. Não sabem o que devem fazer para serem salvos. Muitos sucumbem no pecado. Muitos estão acabrunhados. Estão opressos de sofrimentos e vicissitudes, incredulidade e desespero. Acometem-nos doenças de toda espécie, da alma e do corpo. Anelam encontrar consolo para os tormentos, e Satanás tenta-os a procurá-lo nos prazeres e divertimentos que conduzem à ruína e morte. Oferece-lhes os pomos de Sodoma, que se reduzirão a cinzas em seus lábios. Gastam dinheiro naquilo que não é pão, e trabalham por aquilo que não satisfaz.
Devemos ver nesses sofredores aqueles a quem Cristo veio salvar. Seu convite é: “Ó vós todos os que tendes sede, vinde às águas, e vós que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei; sim, vinde e comprai, sem dinheiro e sem preço, vinho e leite. … Ouvi-Me atentamente e comei o que é bom, e a vossa alma se deleite com a gordura. Inclinai os ouvidos e vinde a Mim; ouvi, e a vossa alma viverá.” Isa. 55:1-3.
Deus deu um mandamento especial, pelo qual devemos estimar o estrangeiro, o desterrado, e as pobres almas destituídas de poder moral. Muitos que aparentam completa indiferença pelas coisas religiosas, no coração anseiam descanso e paz. Embora tenham caído no mais profundo abismo do pecado, há possibilidades de salvá-los.
Os servos de Cristo devem seguir-Lhe o exemplo. Andando de lugar em lugar, consolava Ele os sofredores e curava os enfermos. Apresentava-lhes, então, as grandes verdades sobre Seu reino. Esta é a obra de Seus seguidores. Aliviando os sofrimentos do corpo, achareis caminho para socorrer as necessidades da alma. Podereis apontar ao Salvador exaltado, e contar do amor
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do grande Médico, que, unicamente, tem o poder de restaurar.
Diga aos pobres desanimados e corrompidos, que não desesperem. Embora hajam errado, e não tenham formado bom caráter, Deus tem alegria em restabelecer-lhes a alegria da salvação. Compraz-Se em tomar material aparentemente sem esperança – aqueles por quem Satanás operou – e fazê-los súditos de Sua graça. Deleita-Se em livrá-los da ira que virá sobre o desobediente. Dizei-lhes que há purificação e salvação para todo ser humano. Há um lugar para eles à mesa do Senhor. Ele espera dar-lhes as boas-vindas.
Quem sai pelos caminhos e valados, encontrará outros de caráter inteiramente oposto, que necessitam de seu auxílio. Há homens que vivem em harmonia com toda a luz que possuem, e servem a Deus da melhor maneira que sabem. Mas reconhecem que há uma grande obra para ser feita em proveito deles e dos que os cercam. Anelam maior conhecimento de Deus, porém apenas começaram a ter um vislumbre de maior luz. Oram com lágrimas para que Deus lhes envie a bênção que vislumbram ao longe, pela fé! Em meio da impiedade dos grandes centros podem ser encontradas muitas dessas pessoas. Algumas estão em ambiente humilde, e por isso são desconhecidas ao mundo. Há muitas, das quais nada sabem ministros e igrejas; porém, são testemunhas do Senhor nos lugares humildes e miseráveis. Podem ter tido pouca luz e poucas oportunidades de instrução cristã, mas em meio à nudez, fome e frio, procuram ministrar a outros. Procurem estas almas os mordomos da múltipla graça de Deus; visitem seus lares e, pelo poder do Espírito Santo, remedeiem suas vicissitudes. Estudai com elas a Bíblia e orai com elas com aquela simplicidade que o Espírito Santo inspira. Cristo dará aos Seus servos uma mensagem que será, para a
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alma, o pão do Céu. A preciosa bênção será levada de coração a coração, de família a família.
A ordem dada na parábola, “força-os a entrar” (Luc. 14:23), tem sido freqüentemente mal-interpretada. Tirou-se daí a conclusão de que deveríamos obrigar os homens a aceitarem o evangelho. Denota, porém, de preferência, a urgência do convite e a eficácia dos estímulos apresentados. O evangelho jamais emprega força para conduzir homens a Cristo. Sua mensagem é: “Ó vós todos os que tendes sede, vinde às águas.” Isa. 55:1. “E o Espírito e a esposa dizem: Vem! … E quem quiser tome de graça da água da vida.” Apoc. 22:17. O poder do amor e da graça de Deus nos constrange a aceitar o convite.
O Salvador diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e com ele cearei, e ele, comigo.” Apoc. 3:20. Não é repelido por menosprezo nem desviado por ameaças, antes procura constantemente o perdido, e diz: “Como te deixaria?” Osé. 11:8. Embora Seu amor seja repelido pelo coração obstinado, volta a suplicar com mais força: “Eis que estou à porta e bato.” Apoc. 3:20. O poder prevalecente de Seu amor, impele a alma a entrar; e diz a Cristo: “A Tua mansidão me engrandeceu.” Sal. 18:35.
Cristo quer implantar nos mensageiros o mesmo amor comovente que tem em procurar os perdidos. Não só devemos dizer: “Vem!” Há homens que escutam o convite; porém, seus ouvidos são demasiado surdos para compreender. Seus olhos são muito cegos para ver alguma coisa boa reservada para eles. Muitos reconhecem sua grande degradação. Dizem: Não posso mais ser socorrido, deixai-me sozinho. Mas os obreiros não devem desistir. Com terno e piedoso amor, aproximai-vos. Dêem-lhes seu ânimo, sua esperança, sua força. Bondosamente impele-os a entrar.
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“E apiedai-vos de alguns que estão duvidosos; e salvai alguns, arrebatando-os do fogo.” Jud. 22 e 23.
Se os servos de Deus com Ele andarem pela fé, Ele lhes dará força à mensagem. Estarão aptos para apresentar de tal modo Seu amor e o perigo da rejeição da graça de Deus, que os homens serão constrangidos a aceitar o evangelho. Cristo realizará milagres maravilhosos, se os homens executarem a tarefa dada por Deus. Pode ser operada uma tão grande transformação no coração humano, hoje em dia, como o foi sempre nas gerações passadas. João Bunyan foi redimido da impiedade e orgia, João Newton do tráfico de escravos, para proclamar o Salvador exaltado. Um Bunyan e um Newton podem ser redimidos dentre os homens, hoje em dia. Por agentes humanos que cooperam com os divinos, muito pobre desterrado poderá ser ganho, e por sua vez procurará restaurar a imagem de Deus em outros. Aos que tiveram poucas oportunidades, e andaram no caminho do mal por não conhecerem um melhor, advirão raios de luz. Como a Palavra de Cristo veio a Zaqueu: “Hoje, Me convém pousar em tua casa” (Luc. 19:5), assim a Palavra virá a eles; e aqueles que eram considerados pecadores inveterados, serão achados com coração terno como o de uma criança, porque Cristo Se dignou notá-los. Muitos volverão do mais vil erro e pecado, e tomarão o lugar de outros que tiveram privilégios e oportunidades, mas não os apreciaram. Serão contados entre os escolhidos do Senhor, eleitos e preciosos; e quando Cristo vier em Seu reino, estarão junto ao Seu trono.
Mas, “vede que não rejeiteis ao que fala”. Heb. 12:25. Jesus disse: “Nenhum daqueles varões que foram convidados provará a Minha ceia.” Luc. 14:24. Rejeitaram o convite e nenhum deles seria convidado novamente. Rejeitando a Cristo, os judeus endureciam o coração e entregavam-se ao poder de Satanás, de modo
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que se lhes tornaria impossível aceitar a graça de Jesus. O mesmo acontece hoje em dia. Se o amor de Deus não for apreciado, e não se tornar um princípio que habite em nós, para abrandar e sujeitar a alma, estaremos completamente perdidos. O Senhor não pode proporcionar maior revelação de amor que a por Ele demonstrada. Se o amor de Jesus não sensibilizar o coração, não há outro meio pelo qual podemos ser alcançados.
Toda vez que recusais ouvir a mensagem da graça, fortificai-vos na incredulidade. Toda vez que deixardes de abrir a porta do coração para Cristo, ficareis menos e menos inclinados a atender à voz dAquele que fala. Diminuis as probabilidades de atender ao último apelo da graça. Não seja escrito de vós como do antigo Israel: “Efraim está entregue aos ídolos; deixa-o.” Osé. 4:17. Não deixeis Jesus chorar por vós, como chorou por Jerusalém, dizendo: “Quantas vezes quis Eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste? Eis que a vossa casa se vos deixará deserta.” Luc. 13:34 e 35.
Vivemos no tempo em que a última mensagem da graça, o convite final, está sendo enviado aos homens. A ordem “sai pelos caminhos e atalhos” (Luc. 14:23), está atingindo seu cumprimento final. A toda pessoa será apresentado o convite de Cristo. Os mensageiros estão dizendo: “Vinde, que já tudo está preparado.” Luc. 14:17. Os anjos celestes ainda cooperam com os agentes humanos. O Espírito Santo apresenta todo o estímulo para vos constranger a ir. Cristo aguarda algum sinal que demonstre que o ferrolho está sendo puxado, e a porta de vosso coração Lhe está sendo aberta. Os anjos esperam levar para o Céu a boa nova de que outro pecador perdido foi achado. Os exércitos celestiais aguardam, prontos para tocar suas harpas e cantar um hino de alegria, porque mais um pecador aceitou o convite para a ceia do evangelho.
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Como é Alcançado o Perdão
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Pedro se achegou a Cristo, com a pergunta: “Até quantas vezes pecará meu irmão contra mim, e eu lhe perdoarei? Até sete?” Mat. 18:21. Limitavam os rabinos o exercício do perdão até três ofensas. Pedro, que, como cuidava, seguia os ensinos de Cristo, ampliou-o até sete, o número que indica perfeição. Cristo, porém, ensinou que nunca nos devemos fatigar de perdoar. Não “até sete”, disse Ele, “mas até setenta vezes sete”. Mat. 18:22.
Mostrou, então, o verdadeiro motivo pelo qual o perdão deve ser concedido, e o perigo de acariciar espírito irreconciliável. Numa parábola, contou o procedimento de um rei para com os oficiais que administravam os negócios de seu domínio. Alguns desses oficiais recebiam grandes somas de dinheiro pertencentes ao Estado. E quando o rei investigava a administração desse depósito, foi-lhe apresentado um homem cuja conta mostrava uma dívida para com seu senhor, da imensa soma de dez mil talentos.
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Nada tinha ele com que pagar e, segundo o costume, o rei ordenou que fosse vendido com tudo quanto tinha, para que se fizesse o pagamento. Terrificado, porém, o homem prostrou-se aos seus pés, e suplicou-lhe, dizendo: “Senhor, sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Então, o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, soltou-o e perdoou-lhe a dívida.
“Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem dinheiros e, lançando mão dele, sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então, o seu companheiro, prostrando-se aos seus pés, rogava-lhe, dizendo: Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis, antes foi encerrá-lo na prisão, até que pagasse a dívida. Vendo, pois, os seus conservos o que acontecia, contristaram-se muito e foram declarar ao seu senhor tudo o que se passara. Então, o seu senhor, chamando-o à sua presença, disse-lhe: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.” Mat. 18:26-34.
Esta parábola apresenta pormenores necessários ao remate do quadro, mas não têm homólogos em sua significação espiritual. A atenção não deve ser divergida para eles. São ilustradas certas verdades importantes, e estas devemos entender.
O perdão concedido por esse rei representa o perdão divino de todo pecado. Cristo é representado pelo rei que, movido de compaixão, perdoou a dívida de seu servo. O homem estava sob a condenação da lei quebrantada. Não podia salvar-se por si mesmo, e por esse motivo veio Cristo ao mundo, velando Sua divindade com a humanidade, e deu Sua vida – o Justo pelo injusto.
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Entregou-Se por nossos pecados, e oferece livremente a todos o perdão comprado com Seu sangue. “No Senhor há misericórdia, e nEle há abundante redenção.” Sal. 130:7.
Eis a razão por que devemos ter compaixão de pecadores como nós também. “Se Deus assim nos amou, também nós devemos amar uns aos outros.” I João 4:11. “De graça recebestes”, diz Cristo, “de graça dai.” Mat. 10:8.
Na parábola, quando o devedor solicitou um prazo, com a promessa: “Sê generoso para comigo, e tudo te pagarei”, a sentença foi revogada. Foi cancelada toda a dívida. E logo lhe foi concedida a oportunidade de seguir o exemplo do mestre que lhe tinha perdoado. Saindo, encontrou um conservo que lhe devia uma pequena soma. A ele lhe haviam sido perdoados dez mil talentos, o conservo devia-lhe cem dinheiros. Todavia, ele que havia sido tratado tão misericordiosamente, procedeu com o conservo de maneira inteiramente oposta. O devedor fez-lhe um apelo semelhante ao que fizera ao rei, porém, com resultado diferente. Ele, que fora perdoado recentemente, não foi magnânimo nem piedoso. O perdão que lhe foi demonstrado, não o exerceu em relação a seu conservo. Não atendeu ao pedido de ser generoso. A diminuta soma a ele devida era tudo o que pensava o servo ingrato. Exigiu tudo que cuidava lhe ser devido, e levou a efeito uma sentença idêntica à que lhe fora revogada tão graciosamente.
Quantos hoje em dia não manifestam o mesmo espírito! Quando o devedor pediu ao seu senhor misericórdia, não tinha verdadeiro conhecimento do vulto da dívida. Não reconheceu seu estado irremediável. Tinha esperança de livrar-se a si mesmo. “Sê generoso para comigo”, disse ele, “e tudo te pagarei.” Assim há muitos que esperam por suas próprias obras merecer a graça de Deus. Não reconhecem a própria incapacidade.
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Não aceitam como dádiva liberal a graça de Deus, antes procuram apoiar-se em justiça própria. Seu coração não está quebrantado nem humilhado por causa do pecado, e são severos e irreconciliáveis para com os outros. Seus próprios pecados contra Deus, comparados com os do irmão para com eles, são como dez mil talentos contra cem
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dinheiros – quase um milhão contra um, e ainda ousam ser irreconciliáveis.
Na parábola, o senhor intimou à sua presença o devedor malvado e disse-lhe: “Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti? E, indignado, o seu senhor o entregou aos atormentadores, até que pagasse tudo o que devia.” Mat. 18:32-34. “Assim”, disse Jesus, “vos fará também Meu Pai celestial, se do coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas.” Mat. 18:35. Aquele que recusa perdoar, rejeita a única esperança de perdão.
Os ensinos dessa parábola não devem ser mal-aplicados, porém. O perdão de Deus não nos diminui de modo algum o nosso dever de obedecer-Lhe. Assim também o espírito de perdão para com nosso próximo não diminui o direito de justa obrigação. Na oração que Cristo ensinou aos discípulos, disse: “Perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores.” Mat. 6:12. Com isso não queria Ele dizer que para nos serem perdoados os pecados não devemos requerer de nossos devedores nossos justos direitos. Se não puderem pagar, embora isso seja o resultado de má administração, não devem ser lançados na prisão, oprimidos ou mesmo tratados severamente; todavia a parábola tampouco nos ensina a animar a indolência. A Palavra de Deus declara: “Se alguém não quiser trabalhar, não coma também.” II Tess. 3:10. O Senhor não requer do trabalhador diligente que suporte outros na ociosidade. Para muitos, a causa de sua pobreza e vicissitude é um desperdício de tempo, uma falta de esforço. Se estas faltas não forem corrigidas por aqueles que com elas condescendem, tudo que se fizer em seu auxílio será como pôr riquezas em saco sem fundo. Todavia há uma pobreza inevitável, e devemos manifestar ternura e compaixão para com os desafortunados.
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Devemos tratar os outros como quereríamos ser tratados sob circunstâncias idênticas.
Diz-nos o Espírito Santo, pelo apóstolo Paulo: “Portanto, se há algum conforto em Cristo, se alguma consolação de amor, se alguma comunhão no Espírito, se alguns entranháveis afetos e compaixões, completai o meu gozo, para que sintais o mesmo, tendo o mesmo amor, o mesmo ânimo, sentindo uma mesma coisa. Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. De sorte que haja entre vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus.” Filip. 2:1-5.
Mas, não se deve fazer pouco caso do pecado. O Senhor nos ordenou não tolerar injustiça em nosso irmão. Diz: “Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o.” Luc. 17:3. O pecado deve ser chamado pelo verdadeiro nome, e deve ser claramente exposto ao delinqüente.
Na admoestação a Timóteo, Paulo diz, por inspiração do Espírito Santo: “Instes a tempo e fora de tempo, redarguas, repreendas, exortes, com toda a longanimidade e doutrina.” II Tim. 4:2. E a Tito escreve: “Há muitos desordenados, faladores, vãos e enganadores. … Portanto, repreende-os severamente, para que sejam sãos na fé.” Tito 1:10 e 13. “Se teu irmão pecar contra ti”, disse Cristo “vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão. Mas, se não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que, pela boca de duas ou três testemunhas, toda palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja, considera-o como um gentio e publicano.” Mat. 18:15-17.
Nosso Senhor ensina que dificuldades entre cristãos devem ser resolvidas dentro da igreja. Não devem
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ser declaradas aos que não temem a Deus. Se um cristão for ofendido por seu irmão, não deve ir a um tribunal apelar a incrédulos. Siga a instrução dada por Cristo. Em vez de procurar vindicar-se, procure salvar o irmão. Deus protegerá os interesses dos que O temem e amam; e podemos entregar com toda a confiança nosso caso Àquele que julga justamente.
Muitíssimas vezes, quando se perpetram injustiças repetidamente, e o delinqüente confessa sua culpa, o ofendido se cansa e pensa que o perdão foi genuíno. Mas o Salvador disse claramente como devemos tratar os relapsos: “Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe.” Luc. 17:3. Não o consideres indigno de confiança. Olha “por ti mesmo, para que não sejas também tentado”. Gál. 6:1.
Se vossos irmãos erram, deveis perdoar-lhes. Quando vos procuram com confissão, não deveis dizer:
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Não creio que são bastante humildes. Não creio que sintam a confissão. Que direito tendes de julgá-los como se pudésseis ler o coração? A Palavra de Deus diz: “Se ele se arrepender, perdoa-lhe; e, se pecar contra ti sete vezes no dia e sete vezes no dia vier ter contigo, dizendo: Arrependo-me, perdoa-lhe.” Luc. 17:3 e 4. E não somente sete vezes, porém setenta vezes sete – tantas vezes quantas Deus te perdoa a ti.
Nós mesmos devemos tudo à livre graça de Deus. A graça do concerto é que prescreveu nossa adoção. A graça do Salvador efetua nossa redenção, regeneração e exaltação a co-herdeiros de Cristo. Que esta graça seja revelada a outros.
Não dê ao perdido ocasião para desânimo. Não permita intervir uma severidade farisaica para ferir seu irmão. Não surja amargo escárnio no espírito ou no coração. Não manifeste sinal de desprezo na voz. Se falar uma palavra de você mesmo, se tomar atitude de indiferença, ou denotar suspeita ou desconfiança, poderá causar a ruína de uma vida. Carece ela de um irmão com o coração simpatizante do Irmão mais velho para que lhe toque o coração humano. Sinta ela o aperto de uma mão simpatizante, e ouça o sussurro: Oremos. Deus dará rica experiência a ambos. A oração une-nos um ao outro e a Deus. A oração traz Jesus ao nosso lado, e dá à alma fatigada e perplexa novas forças para vencer o mundo, a carne e o diabo. A oração desvia os ataques de Satanás.
Quando alguém se volta da imperfeição humana para contemplar a Jesus, dá-se uma divina transformação no caráter. O Espírito de Cristo que opera no coração conforma-o a Sua imagem. Seja pois vosso esforço exaltar a Jesus. Que os olhos do espírito se dirijam ao “Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. João 1:29. Empenhando-vos nesta obra, lembrai-vos de que
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“aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador salvará da morte uma alma e cobrirá uma multidão de pecados”. Tia. 5:20.
“Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas.” Mat. 6:15. Nada pode justificar o espírito irreconciliável. Aquele que não é misericordioso para com os outros, mostra não ser participante da graça perdoadora de Deus. No perdão de Deus, o coração do perdido é atraído ao grande coração do Infinito Amor. A torrente da compaixão divina derrama-se no espírito do pecador e, dele, na de outros. A benignidade e misericórdia que em Sua própria vida preciosa Cristo revelou, serão vistas também naqueles que se tornam participantes de Sua graça. “Mas, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle.” Rom. 8:9. Está alienado de Deus e apto unicamente para a eterna separação dEle.
É verdade que pode uma vez haver sido perdoado; porém, seu espírito impiedoso mostra que agora rejeita o amor perdoador de Deus. Está separado de Deus e na mesma condição em que estava antes de ser perdoado. Desmentiu seu arrependimento, e os pecados sobre ele estão como se não se tivesse arrependido.
Mas a grande lição da parábola está no contraste entre a compaixão de Deus e a dureza de coração do homem – no fato de que a misericórdia perdoadora de Deus deve ser a medida da nossa própria. “Não devias tu, igualmente, ter compaixão do teu companheiro, como eu também tive misericórdia de ti?” Mat. 18:33.
Não nos é perdoado porque perdoamos, porém, como o fazemos. O motivo de todo perdão acha-se no imerecido amor de Deus; mas, por nossa atitude para com os outros denotamos se estamos possuídos desse amor. Por isto Cristo diz: “Com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.” Mat. 7:2.
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O Maior Perigo do Homem
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Cristo estava ensinando, e, como de costume, reuniram-se em redor outras pessoas, além dos discípulos. Falara aos discípulos de cenas em que em breve tomariam parte. Deviam proclamar as verdades a eles confiadas, e seriam levados a conflitos com os governantes deste mundo. Por Sua causa seriam intimados a tribunais, e perante juízes e reis. Prometeu-lhes sabedoria que ninguém poderia contradizer. Suas palavras que moviam o coração da multidão e confundiam os sagazes adversários, testemunhavam do poder daquele Espírito imanente, que prometera a Seus seguidores.
Havia muitos, porém, que ansiavam a graça do Céu unicamente para servir a seus propósitos egoístas. Reconheciam o maravilhoso poder de Cristo de expor a verdade em clara luz. Ouviam a promessa a Seus seguidores, de sabedoria para falar perante governadores e juízes. Não lhes concederia também poder para seu proveito material?
“E disse-Lhe um da multidão: Mestre, dize a meu irmão que reparta comigo a herança.” Luc. 12:13. Deus dera por Moisés instruções
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a respeito da transmissão de propriedade. O primogênito recebia uma porção dobrada das posses do pai (Deut. 21:17), enquanto os mais jovens recebiam o restante em partes iguais. Este homem julga que seu irmão o defraudou de sua herança. Seus próprios esforços falharam para ganhar o que considerava seu de direito; porém, se Cristo Se interpusesse, a intenção certamente seria alcançada. Ele ouvira os fortes apelos de Cristo e Suas solenes denúncias contra os escribas e fariseus. Se palavras de tal autoridade fossem dirigidas a este irmão, não ousaria recusar ao queixoso sua cota.
No meio da solene instrução que Cristo dera, este homem revelou sua disposição egoísta. Podia apreciar aquela habilidade do Senhor que serviria à promoção de seus negócios temporais; porém, as verdades espirituais não lhe impressionavam a mente nem o coração. A obtenção da herança era o tema que o enlevava. Jesus, o Rei da glória, que era rico mas por nossa causa Se tornou pobre, lhe estava abrindo os tesouros do amor divino. O Espírito Santo com ele pleiteava para que se tornasse herdeiro do tesouro “incorruptível, incontaminável e que se não pode murchar”. I Ped. 1:4. Vira as evidências do amor de Cristo. Agora tinha a oportunidade de falar ao grande Mestre e de exprimir o mais íntimo desejo do coração. Como o homem com o ancinho na alegoria de Bunyan, seus olhos estavam fixos na Terra. Não viu a coroa sobre sua cabeça. Como Simão Mago, estimava a dádiva de Deus como meio de alcançar lucros materiais.
A missão do Salvador na Terra estava próxima do fim. Restavam-Lhe poucos meses para concluir aquilo a que viera, isto é,
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estabelecer o reino de Sua graça. Contudo, a cobiça humana tentava desviá-Lo de Sua obra para resolver a contenda sobre um pedaço de terra. Mas Jesus não podia ser distraído de Sua missão. Retrucou: “Homem, quem Me pôs a Mim por juiz ou repartidor entre vós?” Luc. 12:14.
Jesus podia ter dito a esse homem justamente o que era correto. Sabia quem neste caso tinha razão; porém os irmãos estavam em desavença porque eram avarentos. Cristo disse, com efeito: Não Me compete a Mim a tarefa de decidir controvérsias de tal espécie. Viera com outro propósito, isto é, pregar o evangelho e assim despertar os homens para o senso das realidades eternas.
Na atitude de Cristo nesse caso há uma lição para todos os que ministram em Seu nome. Quando enviou os doze, disse: “E, indo, pregai, dizendo: É chegado o reino dos Céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de graça dai.” Mat. 10:7 e 8. Não tinham que resolver as questões temporais do povo. Sua obra era persuadir os homens para que se reconciliassem com Deus. Nesta obra consistia seu poder para abençoar a humanidade. O único remédio para os pecados e sofrimentos dos homens é Cristo. Unicamente o evangelho de Sua graça pode curar os males que amaldiçoam a sociedade. A injustiça do rico para com o pobre, e o ódio dos pobres para com os ricos, ambos têm a raiz no egoísmo; e este, somente pode ser desarraigado pela submissão a Cristo. Ele, unicamente, substitui o cobiçoso coração do pecado pelo novo coração de amor. Preguem os servos de Cristo o evangelho com o Espírito enviado do Céu e como Ele trabalhem para o benefício dos homens. Então, hão de se manifestar no abençoar e soerguer a humanidade, resultados cuja realização seria totalmente impossível pelo poder humano.
Nosso Senhor bateu na raiz da questão que turbava este interlocutor e de todas as disputas semelhantes, dizendo: “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida
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de qualquer não consiste na abundância do que possui.” Luc. 12:15.
“E lhes proferiu ainda uma parábola, dizendo: O campo de um homem rico produziu com abundância. E arrazoava consigo mesmo, dizendo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? E disse: Farei isto: destruirei os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens
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para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é o que entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.” Luc. 12:16-21.
Pela parábola do rico insensato mostrou Cristo a loucura dos que fazem do mundo seu tudo. Este homem recebera tudo de Deus. Ao Sol fora permitido brilhar sobre sua propriedade; pois seus raios caem sobre justos e injustos. A chuva desce do céu do mesmo modo sobre maus e bons. O Senhor fizera que a vegetação florescesse e os campos produzissem abundantemente. O rico estava em perplexidade sobre o que devia fazer com a colheita. Seus celeiros estavam superabarrotados, e não tinha lugar para o excedente. Não pensou em Deus, de quem vieram todas as dádivas. Não reconheceu que Deus o fizera mordomo de Seus bens, para que socorresse os necessitados. Tinha a abençoada oportunidade de se tornar distribuidor das bênçãos de Deus, porém unicamente pensou em administrar ao próprio conforto.
A situação do pobre, do órfão, da viúva, do enfermo, do aflito, foi trazida à atenção desse rico. Havia muitos lares nos quais distribuir seus bens. Podia ele facilmente privar-se de uma porção de sua abundância e muitas famílias poderiam ser libertas das privações, muito faminto poderia ser saciado, vestido muito nu, muito coração alegrado, respondida muita súplica por pão e roupa, e uma melodia de louvor teria ascendido ao Céu. O Senhor ouvira a oração do necessitado, e em Sua bondade tomara providência para o pobre. Sal. 68:10. Havia na bênção outorgada ao rico abundante provisão para a indigência de muitos. Cerrou ele, porém, o coração ao clamor do indigente, e disse aos servos: “Farei isto: destruirei
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os meus celeiros, reconstruí-los-ei maiores e aí recolherei todo o meu produto e todos os meus bens. Então, direi à minha alma: tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e regala-te..” Luc. 12:18 e 19.
A aspiração desse homem não era mais elevada que a das bestas que perecem. Vivia como se não houvesse Deus, nem Céu,
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nem vida futura; como se tudo que possuía lhe pertencesse, e nada devesse a Deus nem aos homens. Descreve o salmista esse rico, ao dizer: “Disseram os néscios no seu coração: Não há Deus.” Sal. 14:1.
Esse homem vivera e planejara para o eu. Vê que há bastante provisão para o futuro; nada mais lhe resta agora senão entesourar e desfrutar o fruto de seu trabalho. Considera-se favorecido sobre os outros homens, e confere a si mesmo a honra de ter administrado sabiamente. É honrado pelos concidadãos como homem de bom discernimento e próspero. Porque “os homens” te louvam, “quando faz bem a si mesmo”. Sal. 49:18.
Mas “a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus”. I Cor. 3:19. Enquanto o rico está prevendo anos de prazeres, o Senhor faz planos muito diferentes. Veio a este mordomo infiel a mensagem: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma.” Eis uma exigência que o dinheiro não pode satisfazer. O tesouro por ele acumulado não pode alcançar revogação. Num momento torna-se sem valor aquilo para cujo ganho trabalhara a vida toda. “E o que tens preparado para quem será?” Luc. 12:20. Seus largos campos e celeiros abarrotados escapam a seu controle. “Amontoam riquezas e não sabem quem as levará.” Sal. 39:6.
A única coisa que lhe seria de valor agora, não a adquiriu. Vivendo para o próprio eu, rejeitou o amor divino, que fluiria em misericórdia para com seus concidadãos. Assim obrando, rejeitou a vida; porque Deus é amor, e amor é vida. Este homem escolheu o material em vez do espiritual, e com o material tem que sucumbir. “O homem que está em honra, e não tem entendimento, é semelhante aos animais, que perecem.” Sal. 49:20.
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“Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.” Luc. 12:21. A ilustração é aplicável a todos os tempos. Podeis planejar meramente para a própria satisfação egoísta, acumular tesouros, construir mansões grandes e altas como os arquitetos da antiga Babilônia; porém, não podeis arquitetar um muro tão alto e um portal tão forte que exclua os mensageiros da vingança. O rei Belsazar dava um grande banquete, e louvava “aos deuses de ouro, de prata, de cobre, de ferro, de madeira e de pedra”. Dan. 5:4. Mas a mão do Invisível escreveu na parede aquelas palavras de condenação, e o ruído do exército inimigo foi ouvido nos portões do palácio. “Naquela mesma noite, foi morto Belsazar, rei dos caldeus”, e um rei estrangeiro subiu ao trono. Dan. 5:30.
Viver para si mesmo é perecer. A avareza, o desejo de beneficiar a si próprio, compromete a vida. É de Satanás o espírito de ganhar e atrair para si. De Cristo é o espírito de dar e sacrificar-se em benefício dos outros. “E o testemunho é este: que Deus nos deu a vida eterna; e esta vida está em Seu Filho. Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida.” I João 5:11 e 12.
Portanto diz: “Acautelai-vos e guardai-vos da avareza, porque a vida de qualquer não consiste na abundância do que possui.” Luc. 12:15.
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Como é Decidido Nosso Destino
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Na parábola do rico e Lázaro, Cristo mostra que nesta vida os homens decidem seu destino eterno. Durante o tempo da graça de Deus, esta é oferecida a toda a humanidade. Mas, se os homens desperdiçam as oportunidades na satisfação própria, afastam-se da vida eterna. Não lhes será concedida nova oportunidade. Por sua própria escolha cavaram entre eles e Deus um abismo intransponível.
Essa parábola traça um contraste entre o rico que não confiara em Deus e o pobre que nEle depositara confiança. Cristo mostra que se está aproximando o tempo em que a posição das duas classes será invertida. Os que, embora pobres nos bens deste mundo confiam em Deus e são pacientes no sofrimento, um dia serão exaltados sobre os que agora ocupam as mais elevadas posições que o mundo pode dar, mas não submeteram sua vida a Deus.
“Ora, havia um homem rico”, disse Cristo, “e vestia-se de púrpura e de linho finíssimo, e vivia todos os dias regalada e esplendidamente. Havia também um certo mendigo, chamado Lázaro, que jazia cheio de chagas à porta daquele. E desejava alimentar-se com as migalhas que caíam da mesa do rico.” Luc. 16:19-21.
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O rico não pertencia à classe representada pelo juiz injusto, que declarava abertamente seu desrespeito a Deus e ao homem. Professava ser filho de Abraão. Não maltratava o mendigo nem exigia que se retirasse porque sua aparência lhe era repugnante. Se este pobre e asqueroso espécime da humanidade era confortado por contemplá-lo ao passar os portais, o rico consentia que lá permanecesse. Mas era de forma egoísta indiferente às necessidades de seu irmão sofredor.
Não havia então hospitais onde os enfermos pudessem ser cuidados. Os sofredores e necessitados eram trazidos ao conhecimento daqueles a quem Deus confiara riquezas, para que deles recebessem auxílio e simpatia. Assim se dava com o mendigo e o rico. Lázaro estava em grande necessidade, pois não tinha amigos, casa, dinheiro, nem alimento. Contudo era deixado ficar nesse estado dia após dia, enquanto toda necessidade do nobre rico era suprida. Ele, a quem seria tão fácil aliviar os sofrimentos de seu próximo, vivia para si mesmo, como o fazem muitos hoje em dia.
Hoje, em nossa vizinhança, muitos há famintos, nus e sem teto. Se negligenciarmos repartir nossos meios com esses necessitados e sofredores, pomos sobre nós um fardo de culpa, que um dia temeremos enfrentar. Toda avareza é condenada como idolatria. Toda condescendência egoísta é aos olhos de Deus uma ofensa.
Deus fizera do rico um mordomo de Seus meios, com a obrigação de atender justamente a casos tais como o do mendigo. Fora dada a ordem: “Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder” (Deut. 6:5); e “amarás o teu próximo como a ti mesmo”. Lev. 19:18.
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O rico era judeu, e como tal conhecia os mandamentos de Deus. Esqueceu, porém, que teria que prestar contas pelo uso dos meios e capacidades a ele concedidos. As bênçãos do Senhor sobre ele repousavam abundantemente, mas as empregou de forma egoísta para a própria honra e não de seu Criador. Proporcional à abundância era a sua obrigação de usar as dádivas para erguer a humanidade. Este era o mandamento do Senhor. Mas o rico não pensara na obrigação para com Deus. Emprestava dinheiro e recebia juros do mesmo, mas não devolvia juros do que Deus lhe emprestara. Possuía conhecimento e talentos, mas não os aperfeiçoava. Esquecendo sua responsabilidade para com Deus, devotara todas as energias ao prazer. Tudo de que era rodeado, o círculo de divertimentos, os louvores e lisonjas de seus amigos, lhe satisfazia o prazer egoísta. Tão enlevado estava na companhia dos amigos, que perdeu todo o senso da responsabilidade de cooperar com Deus em Seu ministério de misericórdia. Tinha oportunidade de compreender a Palavra de Deus e praticar seus ensinos, mas a sociedade amante de prazeres que escolhera lhe ocupava tanto o tempo, que esqueceu o Deus da eternidade.
Veio o tempo em que se deu uma mudança na condição dos dois homens. O pobre sofrera dia após dia, porém suportara com paciência e tranqüilidade. Afinal morreu e foi sepultado. Ninguém por ele chorou, porém testemunhara de Cristo pela paciência no sofrimento, suportara a prova de sua fé, e na morte nos é representado como havendo sido levado pelos anjos ao seio de Abraão.
Lázaro representa o pobre sofredor que crê em Cristo. Quando a trombeta soar e todos os que estão nas sepulturas ouvirem a voz de Cristo e ressurgirem, receberão a recompensa; pois sua fé em Deus não era mera teoria, mas realidade.
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“E morreu também o rico e foi sepultado. E, no Hades, ergueu os olhos, estando em tormentos, e viu ao longe Abraão e Lázaro, no seu seio. E, clamando, disse: Abraão, meu pai, tem misericórdia de mim e manda a Lázaro que molhe na água a ponta do seu dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama.” Luc. 16:22-24.
Nesta parábola Cristo Se acercava do povo no próprio terreno deles. A doutrina de um estado consciente de existência entre a morte e a ressurreição era mantida por muitos dos que ouviam as palavras de Cristo. O Salvador lhes conhecia as idéias e compôs Sua parábola de modo a inculcar verdades importantes em lugar dessas opiniões preconcebidas. Apresentou aos ouvintes um espelho em que se pudessem ver em sua verdadeira relação para com Deus. Usou a opinião predominante para exprimir a idéia de que desejava todos ficassem imbuídos, isto é, que nenhum homem é apreciado por suas posses; porque tudo que lhe pertence é unicamente emprestado por Deus. O mau emprego destas dádivas colocá-lo-á abaixo dos mais pobres e afligidos que amam a Deus, e nEle confiam.
Cristo desejava que Seus ouvintes compreendessem a impossibilidade do homem assegurar-se a salvação da alma depois da morte. Abraão é apresentado como a responder: “Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro, somente males; e, agora, este é consolado, e tu, atormentado. E, além disso, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tampouco os de lá, passar para cá.” Luc. 16:25 e 26. Deste modo Cristo mostra a completa falta de esperança em aguardar uma segunda oportunidade. Esta vida é o único tempo dado ao homem para preparar-se para a eternidade.
O rico não abandonara a crença de ser filho de Abraão, e em sua aflição é apresentado como a pedir-lhe socorro.
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“Abraão, meu pai”, orou ele, “tem misericórdia de mim.” Luc. 16:24. Não orou a Deus, mas a Abraão. Assim mostrava que colocava Abraão acima de Deus, e confiava na salvação pelo parentesco com ele. O ladrão na cruz endereçou sua oração a Cristo. “Senhor, lembra-Te de mim, quando entrares no Teu reino” (Luc. 23:42), disse ele, e imediatamente veio a resposta: Na verdade, na verdade te digo hoje (quando estou suspenso na cruz, em humilhação e sofrimento), estarás comigo no Paraíso. O rico, porém, orou a Abraão, e sua petição não foi atendida. Cristo somente está exaltado a “Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados”. Atos 5:31. “E em nenhum outro há salvação.” Atos 4:12.
O rico passara a vida em complacência própria, e demasiado tarde viu que não fizera provisão para a eternidade. Reconheceu sua loucura, e pensou nos irmãos que como ele procederiam, vivendo para se comprazerem. Suplicou, então: “Rogo-te, pois, ó pai, que o mandes [Lázaro] à casa de meu pai, pois tenho cinco irmãos, para que lhes dê testemunho, a fim de que não venham para este lugar de tormento.” Mas “disse-lhe Abraão: Eles têm Moisés e os profetas; ouçam-nos. E disse ele: Não, Abraão, meu pai; mas, se algum dos mortos fosse ter com eles, arrepender-se-iam. Porém Abraão lhe disse: Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.” Luc. 16:27-31.
Quando o rico solicitava evidência adicional para seus irmãos foi-lhe dito claramente que mesmo que esta evidência fosse dada, não seriam persuadidos. Seu pedido lançava uma injúria a Deus. Era como se o rico dissesse: Se me tivesses advertido mais cabalmente, eu não estaria aqui agora. Por sua resposta, Abraão é apresentado
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como a dizer: Teus irmãos têm sido suficientemente advertidos. Foi-lhes dada luz, porém não quiseram ver; foi-lhes apresentada a verdade, porém não quiseram ouvir. “Se não ouvem a Moisés e aos profetas, tampouco acreditarão, ainda que algum dos mortos ressuscite.” Luc. 16:31. Essas palavras demonstraram-se verdadeiras na história da nação judaica. O último e mais importante milagre de Cristo foi a ressurreição de Lázaro de Betânia, após estar morto quatro dias. Aos judeus foi concedida esta maravilhosa demonstração da divindade do Salvador, mas rejeitaram-na. Lázaro ressurgiu dentre os mortos e apresentou-lhes seu testemunho, porém eles empederniram o coração contra toda evidência, e até tentavam tirar-lhe a vida. João 12:9-11.
A lei e os profetas são os meios designados por Deus para a salvação dos homens. Cristo disse: Atentem para estas evidências. Se não ouvem a voz de Deus em Sua Palavra, o testemunho de alguém que se levantasse dentre os mortos não seria atendido.
Aqueles que ouvem a Moisés e aos profetas não requererão maior luz que a que Deus deu; mas se os homens rejeitam a luz e deixam de apreciar as oportunidades a eles proporcionadas, não escutariam alguém que, dentre os mortos, se lhes acercasse com uma mensagem. Não seriam convencidos nem por esta evidência; porque os que rejeitam a lei e os profetas, endurecem o coração, ao ponto de repelir toda a luz.
A conversação entre Abraão e o homem outrora rico é figurativa. A lição a ser tirada dela é que a todo homem é dada suficiente luz para o desempenho dos deveres dele exigidos. As responsabilidades do homem são proporcionais às suas oportunidades e privilégios. Deus outorga a todos luz e graça suficientes para executar a obra que lhes deu para fazer. Se o homem deixar de fazer o que uma pequena luz mostra ser seu dever, maior luz somente revelaria infidelidade e negligência no aperfeiçoamento das bênçãos concedidas. “Quem
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é fiel no mínimo também é fiel no muito; quem é injusto no mínimo também é injusto no muito.” Luc. 16:10. Quem recusa ser iluminado por Moisés e pelos profetas, e pede a execução de algum milagre maravilhoso, não seria persuadido se seu desejo se cumprisse.
A parábola do rico e Lázaro mostra como são avaliadas as duas classes representadas por estes homens no mundo invisível. Não é pecado ser rico, se a riqueza não for alcançada por injustiça. Um rico não é condenado por possuir riquezas; mas a condenação sobre ele paira se os meios a ele confiados forem despendidos de forma egoísta. Muito melhor faria, se depositasse seu dinheiro ao lado do trono de Deus, usando-o para fazer o bem. A morte não empobrecerá ninguém que assim se devote a procurar riquezas eternas. Mas, o homem que acumula dinheiro para si, nada poderá levar aos Céus; demonstrou-se um mordomo infiel. Durante a vida teve boas coisas; mas esqueceu-se do dever para com Deus; deixou de assegurar-se o tesouro celeste.
O rico que teve tantos privilégios nos é apresentado como alguém que deveria haver cultivado seus dons de modo que suas obras atingissem o grande além, levando consigo as aperfeiçoadas vantagens espirituais. É propósito da redenção não somente extirpar o pecado, mas restituir ao homem os dons espirituais perdidos pelo poder atrofiante do pecado. Dinheiro não pode ser introduzido na vida futura; ele não é necessário lá; mas as boas obras feitas para conquistar almas para Cristo, são levadas às mansões celestes. Mas os que desperdiçam de forma egoísta as dádivas do Senhor, que deixam seus semelhantes sem auxílio, e nada fazem para a promoção da obra de Deus neste mundo, desonram seu Criador. Roubo a Deus está escrito junto a seus nomes nos livros do Céu.
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O rico tinha tudo quanto podia ser adquirido por dinheiro; mas não as riquezas que teriam conservado sua conta justa com Deus. Vivera como se tudo quanto possuía lhe pertencesse. Desdenhou o apelo de Deus e o clamor do pobre sofredor. Mas finalmente lhe chega um convite a que não pode deixar de atender. Por um poder que não pode questionar nem resistir, lhe é ordenado que entregue os bens de que não será mais mordomo. O homem que fora rico está reduzido a uma pobreza desesperadora. As vestes da justiça de Cristo, tecidas no tear do Céu, jamais podem cobri-lo. Ele, que uma vez usara a mais rica púrpura, o mais fino linho, está reduzido à nudez. Sua oportunidade findou. Nada trouxe ao mundo, e nada pode levar dele.
Cristo levantou a cortina e apresentou este quadro aos sacerdotes e maiorais, escribas e fariseus. Olhai-o vós que sois ricos nos bens deste mundo, e não sois ricos para com Deus. Não quereis contemplar esta cena? O que é mais estimável entre os homens é abominável à vista de Deus. Cristo diz: “Pois que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma? Ou que daria o homem pelo resgate da sua alma?” Mar. 8:36 e 37.
Aplicação à Nação Judaica
Quando Cristo deu a parábola do rico e Lázaro, havia muitos na nação judaica na condição lastimosa do rico, usando os bens do Senhor para a própria satisfação egoísta, preparando-se para ouvir a sentença: “Pesado foste na balança e foste achado em falta.” Dan. 5:27. O rico foi favorecido com todas as bênçãos temporais e espirituais, mas recusou cooperar com Deus no uso destas bênçãos. Isto se dava com a nação judaica. O Senhor fizera dos judeus depositários da verdade sagrada. Nomeou-os mordomos
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de Sua graça. Deu-lhes todas as vantagens temporais e espirituais, encarregou-os de partilhar estas bênçãos. Uma instrução especial fora-lhes dada a respeito do tratamento de irmãos empobrecidos, dos estrangeiros dentro de suas portas e dos pobres entre estes. Não deveriam procurar ganhar tudo para o proveito próprio, antes deveriam lembrar-se dos necessitados e repartir com eles. E Deus prometeu abençoá-los de acordo com as suas obras de amor e misericórdia. Como o rico, porém, não estendiam a mão auxiliadora para aliviar as necessidades temporais e espirituais da humanidade sofredora. Cheios de orgulho, consideravam-se o povo escolhido e favorecido de Deus; contudo não serviam nem adoravam a Deus. Depositavam confiança na circunstância de serem filhos de Abraão. “Somos descendência de Abraão”, diziam, com altivez. João 8:33. Ao chegar a crise foi revelado que se tinham divorciado de Deus, e confiado em Abraão como se fosse Deus.
Cristo ansiava iluminar os espíritos entenebrecidos do povo judeu. Dizia-lhes: “Se fôsseis filhos de Abraão, faríeis as obras de Abraão. Mas, agora, procurais matar-Me a Mim, homem que vos tem dito a verdade que de Deus tem ouvido; Abraão não fez isso.” João 8:39 e 40.
Cristo não reconhecia virtude na estirpe. Ensinava que a ligação espiritual supera a natural. Os judeus diziam ser descendentes de Abraão; porém, deixando de fazer as obras de Abraão, provavam não ser seus verdadeiros filhos. Somente os que provam estar em harmonia espiritual com Abraão, obedecendo à voz de Deus, são tidos como da legítima descendência. Embora o mendigo pertencesse à classe pelos homens considerada inferior, Cristo o reconhecia como alguém a quem Abraão tomaria na mais íntima amizade.
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Embora o rico estivesse rodeado de todos os luxos da vida, era tão ignorante que colocava a Abraão onde devia estar Deus. Se tivesse apreciado seus elevados privilégios e permitisse que o Espírito de Deus lhe moldasse o espírito e coração, teria procedido de maneira muito diferente. O mesmo se dava com a nação que representava. Se tivessem atendido ao convite divino, seu futuro seria totalmente diverso. Teriam mostrado verdadeiro discernimento espiritual. Possuíam meios que Deus poderia multiplicar, tornando-os suficientes para abençoar e iluminar todo o mundo. Tinham-se, porém, afastado tanto das prescrições do Senhor, que toda a sua vida estava pervertida. Deixaram de usar as dádivas como mordomos de Deus de acordo com a verdade e justiça. A eternidade não era tomada em consideração, e o resultado de sua infidelidade foi ruína para toda a nação.
Cristo sabia que na destruição de Jerusalém os judeus se lembrariam de Sua advertência. E assim foi. Ao vir a calamidade sobre Jerusalém, quando miséria e sofrimento de toda espécie sobrevieram ao povo, lembraram-se dessas palavras de Cristo e entenderam a parábola. Acarretaram sobre si mesmos sofrimento pelo menosprezo de fazer brilhar a luz dada por Deus ao mundo.
Nos Últimos Dias
As cenas finais da história deste mundo são-nos retratadas no final da história do rico. O rico professava ser filho de Abraão, porém foi alienado de Abraão por um abismo intransponível – o caráter incorretamente formado. Abraão servia a Deus, seguindo Sua Palavra com fé e obediência. Mas o rico não pensava em Deus, nem nas carências da humanidade sofredora. O grande abismo posto entre ele e Abraão era o abismo da
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desobediência. Muitos há hoje em dia que estão seguindo a mesma trilha. Embora membros da igreja, não são conversos. Podem tomar parte no culto religioso e cantar o salmo: “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por Ti, ó Deus!” (Sal. 42:1) porém, dão testemunho de falsidade. Aos olhos de Deus, não são mais justos que o maior pecador. O que se alegra com prazeres mundanos, que ama a ostentação, não pode servir a Deus. Como o rico da parábola, essa pessoa não tem pendor para combater os prazeres da carne. Anseia satisfazer o apetite. Escolhe a atmosfera do pecado. Repentinamente é arrastado pela morte e baixa ao túmulo com o caráter formado durante a vida em parceria com os agentes satânicos. Na cova não tem a possibilidade de escolher nada, seja bom ou mau; porque quando o homem morre, sua memória perece. (Sal. 146:4; Ecl. 9:5 e 6.)
Quando a voz de Deus despertar os mortos, virão eles da sepultura com os mesmos apetites e paixões, com os mesmos gostos e caprichos que nutriam quando vivos. Deus não faz milagres para regenerar um homem que não quis ser regenerado quando lhe era proporcionada toda oportunidade e favorecidos todos os meios. Durante a vida não se deleitava em Deus nem tinha prazer em Sua obra. Seu caráter não está em harmonia com Deus, e não poderia ser feliz na família celestial.
Há em nosso mundo, hoje, uma classe cheia de justiça própria. Não são glutões, nem beberrões, não são incrédulos; porém, desejam viver para si mesmos e não para Deus. Ele não está em seus pensamentos; por isso são classificados com os descrentes. Caso lhes fosse possível entrar na cidade de Deus, não poderiam ter direito à árvore da vida; pois quando os mandamentos de Deus lhes foram apresentados com todas as reivindicações em vigor, disseram: Não.
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Não serviram a Deus aqui, por isso não haveriam de servi-Lo futuramente. Não poderiam viver em Sua presença, e sentiriam que qualquer lugar seria preferível ao Céu.
Aprender de Cristo significa receber Sua graça, que é Seu caráter. Mas os que não apreciam nem aproveitam as preciosas oportunidades e sagradas influências a eles concedidas na Terra, não estão qualificados para tomar parte na pura devoção do Céu. Seu caráter não está moldado segundo a semelhança divina. Por sua própria negligência abriram uma voragem que nada pode transpor. Entre eles e o justo está posto um grande abismo.
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O que Tem Mais Valor
Diante de Deus
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“Um homem tinha dois filhos e, dirigindo-se ao primeiro, disse: Filho, vai trabalhar hoje na minha vinha. Ele, porém, respondendo, disse: Não quero. Mas, depois, arrependendo-se, foi. E, dirigindo-se ao segundo, falou-lhe de igual modo; e, respondendo ele, disse: Eu vou, senhor; e não foi. Qual dos dois fez a vontade do pai? Disseram-lhe eles: O primeiro.” Mat. 21:28-31.
No sermão da montanha, disse Cristo: “Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos Céus.” Mat. 7:21. A prova de sinceridade não está nas palavras, mas nos atos. Cristo não diz a ninguém: Que dizeis mais do que os outros? porém: “Que fazeis de mais?” Mat. 5:47. Cheias de significação são Suas palavras: “Se sabeis essas coisas, bem-aventurados sois se as fizerdes.” João 13:17. As palavras não são de valor algum se não forem acompanhadas de atos equivalentes. Esta é a lição ensinada na parábola dos dois filhos.
Esta parábola foi pronunciada na última visita de Cristo a Jerusalém, antes de Sua morte. Expulsara do templo os
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vendedores e compradores. Sua voz lhes falara ao coração com o poder de Deus. Assombrados e terrificados, obedeceram ao mando sem recusa nem resistência.
Abatido o terror, os sacerdotes e anciãos, voltando ao templo, encontraram Cristo curando os enfermos e moribundos. Ouviram vozes de alegria e cânticos de louvor. No próprio templo as crianças, a quem restaurara a saúde, acenavam ramos de palmeiras e cantavam hosanas ao Filho de Davi. Criancinhas balbuciavam os louvores do poderoso Médico. Contudo para os sacerdotes e anciãos isto não bastava para vencer os preconceitos e ciúmes.
Quando, no dia seguinte, Cristo ensinava no templo, os príncipes dos sacerdotes e anciãos do povo foram ter com Ele, e disseram: “Com que autoridade fazes isso? E quem Te deu tal autoridade?” Mat. 21:23.
Os sacerdotes e anciãos tiveram uma insofismável demonstração do poder de Cristo. Na purificação do templo, viram a autoridade do Céu irradiando de Seu semblante. Não puderam resistir ao poder com que falara. Além disso, respondera-lhes pelas maravilhosas curas. Dera, de Sua autoridade, provas que não podiam ser refutadas. Mas não era evidência o que desejavam. Os sacerdotes e anciãos estavam ansiosos por Jesus Se proclamar o Messias, para mal interpretarem-Lhe as palavras e incitarem contra Ele o povo. Desejavam aniquilar Sua influência e matá-Lo.
Jesus sabia que se não reconheciam a Deus na pessoa dEle, nem viam em Suas palavras a evidência de Seu divino caráter, não creriam no próprio testemunho de que era o Cristo. Em Sua resposta evitou a cilada a que esperavam induzi-Lo, e voltou sobre eles mesmos a condenação.
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“Também vos perguntarei uma coisa”, disse Ele, “se ma disserdes, também Eu vos direi com que autoridade faço isso. O batismo de João donde era? Do Céu ou dos homens?” Mat. 21:24 e 25.
Os sacerdotes e maiorais ficaram perplexos. “E pensavam entre si, dizendo: Se dissermos: do Céu, Ele nos dirá: Então, por que não o crestes? E, se dissermos: dos homens, tememos o povo, porque todos consideram João como profeta. E, respondendo a Jesus, disseram: Não sabemos. Ele disse-lhes: Nem Eu vos digo com que autoridade faço isso.” Mat. 21:25-27.
“Não sabemos.” Essa resposta era uma falsidade. Mas os sacerdotes viram a posição em que estavam e dissimularam, com o fim de se defender. João Batista viera testemunhando dAquele cuja autoridade então discutiam. Apontara a Ele, dizendo: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” João 1:29. Ele O batizara, e depois do batismo, quando Cristo orava, o Céu se abriu, e o Espírito de Deus repousou sobre Ele como uma pomba, enquanto se ouviu uma voz do Céu, dizendo: “Este é o Meu Filho amado, em quem Me comprazo.” Mat. 3:17.
Lembrando-se de como João repetira as profecias a respeito do Messias, recordando a cena do batismo de Jesus, os sacerdotes e maiorais não ousaram dizer que o batismo de João era do Céu. Se reconhecessem a João como profeta, como criam que fosse, como poderiam negar seu testemunho de que Jesus de Nazaré era o Filho de Deus? E não podiam dizer que o batismo de João era dos homens por causa do povo que cria que João fosse profeta. Assim, disseram: “Não sabemos.”
Deu, então, Cristo a parábola do pai e dos dois filhos. Quando o pai foi ao primeiro, dizendo:
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“Vai trabalhar hoje na minha vinha”, o filho prontamente respondeu: “Não quero.” Mat. 21:28 e 29. Recusou obedecer, e entregou-se a companhia e procedimentos ímpios. Mas depois se arrependeu e obedeceu ao chamado.
O pai foi ao segundo, com a mesma ordem: “Vai trabalhar hoje na minha vinha.” Esse filho replicou: “Eu vou, senhor”; porém, não foi. Mat. 21:30.
Nessa parábola o pai representa Deus, a vinha, a igreja. Pelos dois filhos são representadas duas classes de pessoas.
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O filho que recusou obedecer à ordem, dizendo: “Não quero”, representa aqueles que vivem em transgressão aberta, que não fazem profissão de piedade, que declaradamente recusam submeter-se ao jugo de restrição e obediência que a lei de Deus impõe. Muitos destes, porém, se arrependeram depois e obedeceram ao chamado divino. Quando o evangelho os atingiu, na mensagem de João Batista: “Arrependei-vos, porque é chegado o reino dos Céus”, arrependeram-se e confessaram seus pecados. Mat. 3:2.
No filho que disse: “Eu vou, senhor” (Mat. 21:30), e não foi, revelou-se o caráter dos fariseus. Como esse filho, os guias judeus eram impenitentes e presunçosos. A vida religiosa da nação judaica tornara-se formalidade. Ao ser proclamada a lei no monte Sinai, pela voz de Deus, todo o povo se comprometeu a obedecer. Disseram: “Eu vou, senhor”, porém não foram. Quando Cristo veio em pessoa para lhes apresentar os princípios da lei, rejeitaram-nO. Cristo dera aos guias judeus de Seu tempo provas abundantes de Sua autoridade e poder divinos, e embora convictos, não quiseram aceitar a evidência. Cristo lhes mostrou que continuavam a descrer porque não possuíam o espírito que conduz à obediência. Declarara-lhes: “E assim invalidastes, pela vossa tradição, o mandamento de Deus. Mas em vão Me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos dos homens.” Mat. 15:6 e 9.
Na multidão que estava perante Jesus, havia escribas e fariseus, sacerdotes e maiorais, e depois de ter apresentado a parábola dos dois filhos, Jesus perguntou: “Qual dos dois fez a vontade do pai?” Esquecendo-se de si mesmos os fariseus responderam: “O primeiro.” Isto disseram sem perceber que pronunciavam sentença contra si mesmos. Então Cristo fez a denúncia: “Em verdade vos digo que os
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publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus. Porque João veio a vós no caminho de justiça, e não o crestes, mas os publicanos e as meretrizes o creram; vós, porém, vendo isso, nem depois vos arrependestes para o crer.” Mat. 21:31 e 32.
João Batista apresentou-se pregando a verdade, e por sua pregação os pecadores eram convencidos e convertidos. Estes entrariam no reino dos Céus antes daqueles que em justiça própria resistiam à solene advertência. Os publicanos e meretrizes eram ignorantes, porém estes homens cultos conheciam o caminho da verdade. Contudo recusavam andar no caminho que conduz ao Paraíso de Deus. A verdade que deveria haver sido para eles um cheiro de vida para vida, tornou-se um cheiro de morte para morte. Pecadores declarados, que se aborreciam a si mesmos, receberam das mãos de João o batismo, porém esses mestres eram hipócritas. Seu coração obstinado era o obstáculo para a aceitação da verdade. Resistiam à convicção do Espírito de Deus. Negavam obediência aos Seus mandamentos.
Cristo não lhes disse: Vós não podeis entrar no reino do Céu; porém, mostrou que eles mesmos criavam o obstáculo que lhes embargava a entrada. A porta ainda estava aberta para esses

“Assim falarás à casa de Jacó, … se diligentemente ouvirdes a Minha voz e guardardes o Meu concerto, então, sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é Minha. E vós Me sereis um reino sacerdotal e povo santo.” Êxo. 19:3, 5 e 6.
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guias judeus; o convite ainda era mantido. Cristo anelava vê-los convencidos e conversos.
Os sacerdotes e anciãos de Israel passavam a vida em cerimônias religiosas que consideravam muito sagradas para ligá-las com negócios seculares. Por isso sua vida era tida como inteiramente religiosa. Eles, porém, executavam as cerimônias para serem vistos dos homens, para que fossem considerados pelo mundo piedosos e devotos. Ao passo que professavam obedecer, recusavam prestar obediência a Deus. Não eram praticantes da verdade que pretendiam ensinar.
Cristo declarou que João Batista era um dos maiores profetas, e mostrou aos ouvintes que tinham prova suficiente de que João era um mensageiro de Deus. As palavras do pregador no deserto eram poderosas. Apresentou sua mensagem inflexivelmente, repreendendo os pecados dos sacerdotes e maiorais, e prescrevendo-lhes as obras do reino dos Céus. Apontou-lhes o desrespeito pecaminoso à autoridade de seu Pai por eximirem-se ao cumprimento da tarefa a eles imposta. Não condescendeu com o pecado, e muitos se arrependeram de sua injustiça.
Fosse genuína a profissão dos guias judeus, e teriam recebido o testemunho de João e aceito a Jesus como o Messias. Mas não produziram os frutos do arrependimento e justiça. Justamente aqueles que desprezavam, os precediam no reino de Deus.
Na parábola, o filho que disse: “Eu vou, senhor”, apresenta-se como fiel e obediente; porém o tempo mostrou que sua pretensão não era real. Não tinha verdadeiro amor ao pai. Assim os fariseus orgulhavam-se de sua santidade; porém, quando provados, foram achados em falta. Quando era de seu interesse, cumpriam exatamente as exigências da lei; mas, ao ser-lhes requerido obediência, anulavam toda a força dos preceitos de Deus por meio de ardilosos enganos. Deles declarou Cristo:
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“Não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam.” Mat. 23:3. Não possuíam verdadeiro amor a Deus e aos homens. Deus os chamou para serem Seus colaboradores no abençoar o mundo; mas se bem que nominalmente aceitavam a chamada, na prática negavam obediência. Confiavam em si mesmos e orgulhavam-se de sua bondade; mas desprezavam os mandamentos de Deus. Recusavam fazer a obra que Deus lhes prescrevera, e por causa de sua transgressão o Senhor estava prestes a divorciar-Se da nação desobediente.
Justiça própria não é verdadeira justiça, e aqueles que a ela se apegam terão que sofrer as conseqüências de uma decepção fatal. Muitos hoje em dia presumem obedecer aos mandamentos de Deus, todavia não possuem no coração o amor de Deus para transmiti-lo a outros. Chama-os Cristo para se unirem com Ele em Sua obra de salvar o mundo, porém contentam-se com dizer: “Eu vou, Senhor.” Não vão, entretanto. Não cooperam com aqueles que estão executando a obra de Deus. São ociosos. Como o filho infiel, fazem falsas promessas a Deus. Assumindo o solene convênio da igreja, comprometeram-se a receber a Palavra de Deus, obedecer-lhe, entregar-se a Seu serviço, porém não fazem isto. Nominalmente professam ser filhos de Deus, mas na vida e no caráter desmentem o parentesco. Não rendem a vontade a Deus. Vivem uma mentira.
A promessa de obediência aparentam cumprir quando esta não exige sacrifício; mas quando são requeridas abnegação e renúncia, quando vêem a cruz para ser levada, retrocedem. Deste modo a convicção do dever desaparece, e a transgressão consciente dos mandamentos de Deus torna-se um hábito. O ouvido pode escutar a Palavra de Deus, mas, a percepção espiritual está desligada. O coração está endurecido, e a consciência cauterizada.
Não pense que você serve a Cristo porque não Lhe manifesta
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aberta hostilidade. Desse modo enganamos a nós mesmos. Retendo aquilo que Deus nos outorgou para usar em Seu serviço, seja tempo ou meios ou qualquer outra dádiva por Ele concedida, trabalhamos contra Ele.
Satanás usa a sonolenta e descuidada indolência de professos cristãos para se fortificar e conquistá-los para si. Muitos que presumem que embora não estejam trabalhando ativamente para Cristo, estão contudo a Seu lado, habilitam o inimigo a ocupar terreno e obter vantagens. Deixando de ser obreiros diligentes do Mestre, deixando deveres por cumprir e palavras por pronunciar, permitem que Satanás alcance domínio sobre as pessoas que podiam ser ganhas para Cristo.
Jamais poderemos ser salvos na indolência e inatividade. Não há pessoa verdadeiramente convertida que viva vida inútil e ociosa. Não nos é possível deslizar para dentro do Céu. Nenhum preguiçoso pode entrar lá. Se não nos esforçarmos para conseguir entrada no reino, se não procurarmos sinceramente aprender o que constitui suas leis, não estaremos aptos para dele participar. Quem recusa cooperar com Deus na Terra, não cooperaria com Ele no Céu. Não seria seguro levá-los para lá.
Mais esperança há para os publicanos e pecadores do que para os que conhecem a Palavra de Deus, e recusam obedecer-lhe. O homem que se vê pecador, sem paliativo para seu pecado, que sabe estar corrupto de alma, corpo e espírito perante Deus, torna-se alarmado, com medo de ser separado eternamente do reino dos Céus. Reconhece sua condição enferma, e procura remédio do grande Médico, que disse: “O que vem a Mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” João 6:37. Essas pessoas o Senhor pode usar como obreiros em Sua vinha.
O filho que por algum tempo negou obedecer ao mandado do pai não foi condenado por Cristo; mas, tampouco foi louvado. A classe que age como o primeiro filho,
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recusando obediência, não merece louvor por seu procedimento. Sua franqueza não deve ser considerada virtude. Santificada pela verdade e santidade tornaria os homens testemunhas destemidas para Cristo. Usada como é pelo pecador, porém, é insultante e arrogante, e aproxima-se da blasfêmia. O fato de um homem não ser hipócrita não lhe diminui a pecaminosidade. Quando os apelos do Espírito Santo atingirem ao coração, nossa única segurança está em a eles responder sem tardar. Quando vier o chamado: “Vai trabalhar hoje na Minha vinha”, não recuseis o convite. “Hoje, se ouvirdes a Sua voz, não endureçais o vosso coração.” Heb. 4:7. É perigoso postergar a obediência. Podeis nunca mais ouvir o convite.
E ninguém se lisonjeie de que o pecado acariciado algum tempo pode ser deixado facilmente aos poucos. Não acontece assim. Todo pecado acariciado debilita o caráter e fortalece o hábito; a depravação física, mental e moral é a conseqüência. Podeis arrepender-vos do erro que cometestes, e pôr os pés no caminho justo, porém, o molde de vosso espírito e a familiaridade com o mal vos tornarão difícil distinguir entre o bem e o mal. Pelos maus hábitos formados, Satanás vos atacará sempre e sempre.
No mandamento: “Vai trabalhar hoje na Minha vinha”, é provada a sinceridade de todo ser humano. Haverá ações tão boas quanto as palavras? Utilizará o que foi chamado todo o conhecimento que possui, trabalhando fiel e desinteressadamente para o Proprietário da vinha?
O apóstolo Pedro nos ensina a respeito do plano, segundo o qual devemos trabalhar. “Graça e paz vos sejam multiplicadas”, disse ele, “pelo conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como o Seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento dAquele que nos chamou por Sua glória e virtude, pelas quais Ele nos tem dado grandíssimas e preciosas
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promessas, para que por elas fiqueis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que, pela concupiscência, há no mundo.
“E vós também, pondo nisto mesmo toda a diligência, acrescentai à vossa fé a virtude, e à virtude, a ciência, e à ciência, a temperança, e à temperança, paciência, e à paciência, a piedade, e à piedade, o amor fraternal, e ao amor fraternal, a caridade.” II Ped. 1:2-7.
Se você cultivar fielmente a vinha de sua vida, Deus o fará colaborador Seu. E você terá que fazer uma obra não somente para você, mas também para os outros. Representando a igreja como a vinha, Cristo não nos ensina a restringir nossa simpatia e trabalho aos membros. A vinha do Senhor deve ser ampliada. Deseja Ele que se estenda a todas as partes da Terra. Recebendo instrução e graça de Deus, devemos ensinar a outros como devem ser tratadas as preciosas plantas. Assim ampliaremos a vinha do Senhor. Deus aguarda evidências de nossa fé, amor e paciência. Procura ver se usamos toda faculdade espiritual para nos tornarmos obreiros peritos em Sua vinha na Terra, para que possamos entrar no Paraíso de Deus, aquele lar do Éden, do qual Adão e Eva foram expulsos pela transgressão.
A posição de Deus para com os Seus é a de um pai, e tem o direito de pai ao nosso serviço fiel. Considerai a vida de Cristo. Sendo a cabeça da humanidade, servindo o Pai, é um exemplo do que cada filho deve e pode ser. A obediência que Cristo prestava, Deus requer hoje da humanidade. Servia a Seu Pai com amor, voluntariedade e livremente. “Deleito-Me em fazer a Tua vontade, ó Deus Meu”, declarava Ele, “sim, a Tua lei está dentro do Meu coração.” Sal. 40:8. Cristo não considerava sacrifício algum muito grande, nem trabalho algum pesado demais para executar a obra que viera fazer. Na idade de doze anos dizia:
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“Não sabeis que Me convém tratar dos negócios de Meu Pai?” Luc. 2:49. Ouvira o chamado, e iniciara a obra. Disse Ele: “A Minha comida é fazer a vontade dAquele que Me enviou e realizar a Sua obra.” João 4:34.
Assim devemos servir a Deus. Somente O serve aquele que age segundo a mais alta norma de obediência. Todos quantos querem ser filhos e filhas de Deus precisam provar ser coobreiros de Deus, de Cristo e dos anjos celestiais. Esta é a prova para cada alma. Daqueles que O servem fielmente o Senhor diz: “Eles serão Meus, … naquele dia que farei, serão para Mim particular tesouro; poupá-los-ei como um homem poupa a seu filho que o serve.” Mal. 3:17.
O grande objetivo de Deus na execução de Suas providências é provar os homens e dar-lhes oportunidades para desenvolver o caráter. Deste modo prova se são obedientes ou não a Seus mandamentos. Boas obras não adquirem o amor de Deus, porém revelam que possuímos esse amor. Se rendermos a vontade a Deus, não trabalharemos com o fim de merecer o Seu amor. Seu amor, como dádiva livre, será acolhido no coração, e impelido pelo mesmo nos deleitaremos em obedecer aos Seus mandamentos.
Há no mundo hoje somente duas classes, e somente essas duas serão reconhecidas no Juízo – os que violam a lei de Deus, e os que a ela obedecem. Cristo nos dá a prova pela qual demonstramos nossa lealdade ou deslealdade. Diz Ele: “Se Me amardes, guardareis os Meus mandamentos. Aquele que tem os Meus mandamentos e os guarda, este é o que Me ama; e aquele que Me ama será amado de Meu Pai, e Eu o amarei e Me manifestarei a ele. Quem não Me ama não guarda as Minhas palavras; ora, a palavra que ouvistes não é Minha, mas do Pai que Me enviou.” João 14:15, 21 e 24. “Se guardardes os Meus mandamentos, permanecereis no Meu amor; do mesmo modo que Eu tenho guardado os mandamentos de Meu Pai e permaneço no Seu amor.” João 15:10.

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