Este tema da recapitulação vale a pena ser comentado, é um dos pilares do processo apontado pelo xamanismo guerreiro e por outros caminhos também.
É fato que todos recapitulamos ao morrer.
O mar escuro de consciência, a fonte que nos doou a consciência ao final da existência toma de volta para si tal consciência, que se dilui no vasto mar, nele diluindo o teor de nossas experiências, metabolizadas pelo processo de estarmos vivos e percebermos.
Ao final da existência o ponto de aglutinação, a percepção , tudo que somos, pois o resto é emprestado, passa por todas as experiências de vida que tivemos, não é um recordar mental, é um viver de novo mesmo, algumas pessoas que quase morreram e voltaram falam desse “passar da vida”.
Por isso os videntes toltecas desenvolveram a técnica de viver neste mundo em consciência intensificada e ir a muitos mundos, não humanos principalmente, se lançar as vastidões do infinito e retornar a esta terra, este tempo onde temos nossas vidas.
Imaginem onde um(a) xamã pleno como os que ensinaram o nagual de 3 partes não iam?
E voltavam, viviam ali, na casa do México por exemplo onde faziam seus piquiniques, onde D. Juan Matus cozinhava rabadas apimentadas para deleite de todos.
Esse ir a extremos da segunda atenção e voltar tem um porque.
Nossos ancestrais espirituais foram, e foram e foram, alguns tão indo ainda, mas isto se revelou uma armadilha.
Eles pensavam que o nagual, a segunda atenção fosse algo como hoje se pensa em plano espiritual, algo que vai subindo, ficando mais “puro”, mais “pleno”.
Os (as) novos(as) videntes resolveram essa armadilha, perceberam que a segunda atenção é só a contraparte da primeira, vasta,muito mais vasta, mas apenas uma contraparte, ir -se por ela é apenas adiar um fim, não vencê-lo.
Descobriram outra possibilidade.
O vasto mar da consciência quer de volta apenas a consciência, que é sua de fato, mas nada quer com a força da vida que temos.
Esta descoberta mudou tudo.
A força da vida não precisa se dissipar , apenas a consciência.
E treinando guerreiramente os (as) nuevos videntes fizeram algo impensado, além de toda possibilidade de compreensõa, mas possível de realização.
O ente perceptivo ao morrer abre mão da consciência. Ao passar por todas as experiências de vida o ponto de aglutinação libera uma tremenda energia pois , ao contrário dos caminhos antigos, os (as) nuevos videntes não foram progressivamente a outras realidades, ascendendo uma fibra de cada vez.
Foram aleatoriamente a muitas realidades, imaginem a cena de uma bexiga transparente, cheia de fibras óticas. Um ponto de luz sai de um feixe aceso e vai acendendo os outros, dos mais distantes aos mais próximos.
Isso libera um tipo de energia estupendo, essa energia, se for usada com intento permite a quem isso faz dar um salto em direção a outro estado, abandonamos a primeira e a segunda atenção, mas absorvemos uma “terceira atenção” estado que só cito prá dizer que existe e já é muito.
Este caminho faz com que os (as) xamãs guerreiros (as) tenham práticas que lhe permitam chegar a este objetivo.
O ente perceptivo que somos pode se “individualizar” .
Podemos ser nós mesmos, podemos ser mais do que “fizeram de nós”.
Para os(as) xamãs guerreiros(as), muitas linhagens, taoistas, hinduistas, sufis, budhistas , o ser humano existe para cumprir um papel dentro de um amplo esquema cósmico.
Não fomos “criados a imagem e semelhança de deus para reinar sobre a criação”.
Tais histórias atestam a necessidade humana de fugir da constatação do nada que somos.
Somos como enzimas,cumprimos um papel na existência e voltamos para o “caldão” de onde viemos.
Isso se tudo for seguir o caminho “natural”.
Mas é neste nada que os (as) xamãs guerreiros encontraram poder para ir além, pois se tão ínfimos somos podemos mesmo escapar deste intento primeiro da realidade e astutamente nos esgueirarmos pelos mundos, alcançando um estado que metafóricamente chamamos de “liberdade total”.
Para realizar este desafio supremo precisamos de muita energia, antes de mais nada. E esta energia tão necessária, durante a vida, foi sendo perdida pelos atos, nas pessoas e vivências que tivemos.
Deixamos pedaços nossos em pessoas, situações, em cenas, lugares e estes pedaços de energia que ficaram nos fazem falta, pois só com toda nossa TOTALIDADE podemos desafiar os desígnios primeiros da FONTE, da ÁGUIA e “como um jato, passar além de seu bico, livres, rumo a LIBERDADE.
Esse sonho já foi sonhado antes, isso o torna realizável.
Recapitular é um exercício para recuperar esta energia, estes pedaços de nós que fomos sem saber, deixando pela estrada de nossa vida.
Os budhistas de várias linhagem o realizam, taoistas, sufis, muitas tradições trabalham com esse recapitular da vida.
Por que?
Para quê?
Como?
O que é recapitular?
É antes de mais nada lembrar, lembrar de um evento que aconteceu, começa assim, então não para aí, se nos colocamos na atitude coerente desse momento, se estamos focados nesse momento com o devido “intento” algo em nós é afetado e nosso ponto de aglutinação, isto é nossa percepção, é deslocada para o “momentum” energético onde aquele fato recapitulado aconteceu.
Todos os fatos da vida devem ser recapitulados, por isso se diz que a recapitulação dura a vida inteira, temos sempre camadas mais profundas para recapitular.
Recapitulando descobri que vivemos em várias dimensões ao mesmo tempo, temos múltiplas vidas e mesmo nessa vida aqui e agora nós só lembramos de uma camada superficial do mundo, recapitular nos dá energia, nos devolve a energia.
Nossas possibilidades existenciais são incríveis, posso citar apenas o exemplo de uma mulher do grupo de D. Juan MAtus que sonhando trazia para este mundo Esperanza, uma curandeira e o Zelador, intelectual simpático que cuidava de uma das casas do grupo.
Esses mistérios são perturbadores, fascinantes, somos magia num grau impensado e ficamos aqui nestas percepções tolas e limitadas de mundo, acreditando mesmo que é a bolsa de valores, a seleção brasileira, a alta do dólar que importa.
Presos a uma mídia que serve ao conquistador e por isso oblitera nossa percepção, ficamos sendo alimentados com lixo cultural e embotados em nossa realidade existencial.
Notícia é a tragédia, a violência, meios sutis de aumentar o medo, pois sabem que se te mantiverem com medo do que está a tua volta tu não questionará o sistema que lhe escraviza.
E cada dia surge um novo processo contra o bode expiatório da vez para que não vejamos nosso pais sendo entregue aos sempre vorazes mercantilistas, a companhia das índias ocidentais do momento.
Vivemos neste contexto histórico e deixamos nossa energia neste mundo,ele é mantido também com nossa energia, cada vez que assistimos um programa de tv, cada vez que lemos jornais, que comentamos sobre esses assuntos.
Não são apenas nossos impostos, cobrados em cada bala, em cada cafézinho que tomamos, que sustentam esse sistema.
Nós o sustentamos com a força de nossa intenção e nossa energia, toda nossa vida desde que nascemos, tem sido sustentar esta realidade, que nos anula, mas nos mantém como galinhas em granja, alimentados se botamos nossos ovos, depois abate.
Recapitular portanto é também uma atitude da Tribo do Arco Íris em sua luta pacífica e silenciosa pela retomada dos direitos de nossos ancestrais, de outra abordagem da realidade.
Quando tiramos a energia dos eventos passados e deixamos apenas a que ele tinha estamos também tirando a energia desses eventos que ficou impregnada em nós.
Só assim podemos mudar nossa percepção da realidade, do contrário será apenas uma mudança intelectual.
Porque em cada interação que temos deixamos energia nossa e levamos a energia do lugar das pessoas, de tudo que ali ocorreu.
E sabemos que percebemos uma vastidão da qual só registramos a mínima parte.
Quando recapitulamos vamos tirando a energia que ficou e devolvendo a que ficou impregnada em nós, isto é, vamos resgatando nossa energia singular.
Isso amplia nosso poder pessoal.
A recapitulação é mais que lembrar portanto, começa assim, mas não é uma revisão psicanalítica.
Pela magia da respiração damos uma dimensão extra a esse exercício.
A prática usual recomenda escrever uma lista com as pessoas que conhecemos, todas. Depois dessa fase o ideal é sentar-se em um lugar calmo, com o mínimo de interferências externas. Reduzir as influências externas é muito importante para uma real recapitulação, recebemos muitas “impressões ” das coisas a nossa volta.
Florinda Matus fez sua recapitulação em um caixote construido ao seu redor.
Certa vez morei , em Sampa, numa casa que tinha uma escada e em baixo dela fizeram um armário. O armário não tinha prateleiras. Durante anos usei aquele armário para recapitular. Eu trabalhava a noite e durante o dia ficava só em casa, as pessoas que moravam comigo trabalhavam de dia, assim tinha silêncio durante a tarde e recolhimento.
Comento isso porque me parece que essas condições são muito importantes, a qualidade da recapitulação sofre influências desses dados.
Taisha recapitulou numa caverna.
Este dado de estar num ambiente mais restrito focaliza energias da pele que em outras estâncias estariam sendo “tocadas” por vibrações sutis , que podemos não perceber conscientemente mas estão de fato em ação.
Além de um lugar adequado a recapitulação pode ser fortalecida por passes mágicos para a recapitulação que quem faz tensigridade pode partilhar com quem não faz.
No Shün que é a Arte do Movimento que prático antes de fazer a “limpeza do poço”, como seria a traduçao do nome que damos a essa prática, existem movimentos que são feitos.
Vou sintetizá-los para ajudar quem não tem acesso a grupos dessas práticas como:
Primeiro espreguiçar bem, muito, mexer boca , olhos, puxar o corpo todo pelos dedos, sentir os dedos dos pés e mãos.
“Acordar o corpo” que é com os joelhos meio flexionados, braços a frente com as mãos em garras, pés alinhados com ombros e tensionar o corpo inteiro, tensionar mesmo, ir expirando contraindo o abdome e tensionando até ficar alguns instantes sem ar e todo tenso, então se soltar, dar uns pulos e sacudir braços , mãos e pernas como se estivesse saindo de uma piscina e tirando a água do corpo. Então sentar numa cadeira ou chão e o corpo tá pronto para recapitular.
Costas eretas, pode se encostar numa parede ou apoio para as costas.
Olhando para frente solta todo o ar, sentir-se vazio.
Então vira a cabeça toda para esquerda, queixo no ombro esquerdo
Faz uma respiração vazia, isto é, vira a cabeça até o ombro direito mas sem respirar, vazio. Depois inspira indo prá esquerda e expira indo para direita.
Intente que a inspiração absorve toda tua energia que está na cena e a expiração devolve toda energia da cena que ficou em ti.
Então vá deixando a lembrança fluir, sinta-se na cena, mas não julgue, apenas observe.
Julgar, lamentar-se são formas de prender-se , de anular o valor da prática.
O importante é ir a cena e observar com foco o ocorrido, deixa que o aprendizado venha, não crie interpretações mentais do tipo: “agora vou agir assim ou assado”, “a partir de hoje vou ser assim” estas propostas são respostas da mente desequilibrada que temos em nós, é “o que fizeram de nós”, não querendo perder o controle e jogando como sempre aprendeu: “agora serei a criança boazinha e farei tudo direito para agradar a todos e ao papai do céu!”
O trabalho aqui é observar com neutralidade e recuperar a energia perdida, deixando ali a que ficou impregnada em nós.
Podemos usar a recapitulação como o tremendo instrumental que é para nos livrar de tudo que não somos, que apenas impuseram a nós.
Há várias dicas, fazer uma lista com todos os eventos da vida, tem muita informação sobre técnicas por aí, basta pesquisar.
Uma prática muito válida é lembrar do dia todo ao deitar-se para dormir.
Eu prático ir lembrando do momento que sentei para relembrar, já indo dormir, voltando cena a cena até chegar na hora de manhã que abri os olhos.
Esta prática diária tem várias resultantes, dá para gente antes de mais nada um dimensionamento de como tem horas durante o dia que estamos “no piloto automático” ausentes de nós mesmos.
São instrumentais de guerra, a guerra contra os limites em nossa busca de liberdade.
Um(a) xamã guerreiro (a) da liberdade total luta este tipo de batalha, estes são nossos treinos de combate