Como trabalhar magicamente com a sombra pessoal sem cair nas suas armadilhas.
Um tema que anda meio “em voga” nos meios da magia ultimamente é a Sombra – o que ela é e como trabalhá-la. Como é um tema até certo ponto polêmico, diversas visões sobre ele vão surgindo a cada momento. Neste artigo procuro dar a minha visão, tendo como apoio o estudo da Tradição Oculta Ocidental. Mas, antes de tudo, vamos analisar algumas outras visões sobre este tema.
Alguns tentam livrar-se da sua Sombra. Mas a meu ver, a sombra é parte indissociável da gente. Algo como um órgão vital. Se temos um problema cardíaco, não adianta arrancar o coração do peito achando que isso resolve. Da mesma forma, se temos algum problema de sombra (e todos temos!), não adianta querer “se livrar” da sombra, pois também não resolve.
Também não adianta sublimá-la, pois mais cedo ou mais tarde, quando baixamos a guarda, ela aflora. Sublimação é apenas um modo de adiar um trabalho que deve ser feito já.
Glorificá-la, como alguns procuram fazer, então, é psicose.
O que resta, portanto, é descobrir a função da sombra em você e integrá-la à sua consciência.
Mas há um problema nisso. Para integrar a sombra à consciência é preciso ter consciência. Coisa que em geral não temos. (Como Gurdjieff dizia, para expandir a consciência é preciso tê-la).
Então, antes de qualquer coisa, o que é preciso fazer é trabalhar muito bem a consciência, ter uma psiquê bem estruturada para depois poder trabalhar direito a sombra. Antes de encarar as feras de Dionísio é preciso ter se integrado à consciência de Apolo. Senão, danou: as feras te devoram.
Acho que por causa disso que tem muita gente surtando por aí em todo tipo de sistema mágico. Trabalhar com sombra virou “moda” no meio ocultista, neopagão etc. Só que praticamente ninguém percebe o trabalho que é preciso fazer antes de trabalhar a sombra à fundo.
Na magia hermético-cabalística, costuma-se dizer que antes de fazer esse tipo de trabalho a pessoa tem que ter alcançado a experiência da esfera de Tipheret (o Sol, a Consciência), ter vivenciado uma integração mínima com o seu Eu Superior (personificado pelo Santo Anjo Guardião). Depois disso, e somente depois disso, a pessoa vai poder lidar com certas forças das sombras, assim como certas forças elementais. Sim, pois tanto o trabalho com a sombra quanto a evocação de elementais podem trazer um desequilíbrio muito grande na pessoa se ela não estiver bem estruturada.
Isso não é válido apenas para magia hermético-cabalística, mas para qualquer forma de espiritualidade, incluindo a wicca, o xamanismo, o druidismo etc. Embora cada sistema vá trabalhar este tema com seu próprio simbolismo e terminologia, o conceito por trás deles é o mesmo.
Após já termos uma consciência bem estruturada podemos trabalhar a sombra sem sermos seduzidos e, conseqüentemente, destruídos por ela. Antes disso, necas!
Também é preciso ter a consciência bem estruturada para não sairmos fugindo de medo da nossa sombra. Pois, realmente, já vi muita gente largar todo o seu trabalho mágico por ter visto mais do que era capaz de suportar. E isso pode gerar vários problemas psicológicos, como a paranóia.
Depois que trabalhamos bem a nossa consciência, a nossa Luz, podemos mexer com a sombra sem sermos (muito) atemorizados por ela. Na verdade, medo teremos sempre. Mas neste estágio saberemos controlá-lo. E, no fundo, um pouquinho de medo é sempre bom, pois destemor em excesso nos faz dar um passo maior do que a perna.
Mas, uma vez que isso tudo tenha sido feito (coisa que já dá um bom tempo de trabalho!), como a pessoa poderia trabalhar a sombra?
Primeiro ela tem que entender o que é sombra. Sombra é aquilo que negamos em nós mesmos. Quando negamos algo em nós mesmos, esse algo começa a trabalhar de uma forma não-natural, causando-nos problemas. Vou dar um exemplo, para ilustrar.
Faz parte da sombra de muita gente a agressividade. Quando uma pessoa se toca de que é agressivo em excesso, pode tentar “sublimar” essa agressividade. O que mostra que não entendeu a origem da mesma. Pois agressividade é um dinamismo mal direcionado. Quando não sabemos dar vazão a um certo dinamismo, a uma certa força vital, pelos canais corretos, ele começa a se manifestar sob a forma da agressividade (ou de alguma outra qualidade negativa).
Então, se tentamos sublimar nossa agressividade, isso significa que estamos sublimando parte do nosso dinamismo, da força vital. Estamos negando uma importante fonte de poder pessoal.
Aí, quando a pessoa entende que a origem da sua agressividade é esta, o que ela irá fazer será procurar dar vazão ao seu dinamismo pelos canais corretos, como, por exemplo, o condicionamento físico e o sexo, para citar apenas canais “mundanos”.
O mesmo tipo de raciocínio deve-se fazer com quaisquer outros atributos da sombra que estejam dando problemas à pessoa.
Isto é muito similar ao que a ocultista inglesa Dion Fortune falava: do ponto de vista do ocultismo, aquilo que chamamos de “mal” é somente uma força fora de lugar. Coloque essa força no seu devido lugar e ela se transformará em “bem”.
Quando os atributos da sua sombra são colocados no seu lugar correto, a nossa sombra deixa de trabalhar contra a gente para trabalhar a nosso favor. E isso é importante, pois a sombra é muito importante para que possamos agir no mundo. Na verdade, a única forma de conseguir negar a sombra completamente é virando um eremita e ir morar isolado no Himalaia. Para a vida integrada à sociedade, ela é necessária.
Quem trabalha bem a sombra não se torna “maldoso”. Caso tenha se tornado assim, não soube trabalhar com ela e foi devorado pela mesma. E isso acontece muito…
E que mais pode-se fazer para trabalhar a sombra? Antes de tudo, pensemos através do gráfico da pirâmide. Se você quer chegar ao topo, deve primeiro criar uma base sólida. Negligencie isso e nunca alcançará o topo. Ou, se o alcançar, a pirâmide desaba. E aí… danou-se! Tem que começar tudo de novo, se conseguir se levantar após o tombo.
Muita gente quando quer saber como trabalhar a sombra já quer logo sair fazendo certas meditações de lua negra, trabalhos com espelhos em que você evoca a sua sombra para vê-la, vai trabalhar com “deuses negros” etc etc etc.
Mas isso é o topo da pirâmide. E só pode ser feito após ter uma consciência bem formada e ter feito o “trabalho de base” desta pirâmide. Se negligenciou estes passos, mais cedo ou mais tarde terá maus resultados.
O que é esse trabalho de base? Simples: antes de pensar no trabalho místico, comece pelo trabalho psicológico. Só encontramos o sagrado após encontrar o profano. Só entramos no trabalho místico após termos feito direitinho o nosso trabalho mundano.
Então, antes de tudo, o que se deve fazer é o estudo de si mesmo. O que faz parte tanto do trabalho com a sombra quanto do trabalho com a luz (consciência). Aliás, a luz também pode fascinar e isso cria também alguns distúrbios que nos tiram do caminho. Se houver interesse, podemos falar mais sobre isso posteriormente. Pois vejo que se fala muito do problema em se trabalhar a sombra, mas pouco do problema em se trabalhar a luz.
Este estudo de si mesmo pode ser feito de várias formas. Vou citar algumas.
A mais óbvia é terapia. Procurar um psicólogo para falar dos seus problemas e começar a resolvê-los. Há alguns poucos ocultistas e neopagãos que se dão conta da importância disto.
Uma vez estava assistindo a uma entrevista com uma psicóloga e a entrevistadora perguntou: “quem precisa de terapia?”. E ela respondeu: “todo mundo!”. Isso é óbvio, pois todos temos problemas a resolver. É uma pena que sejam tão poucos os que percebem que não é vergonha ir à terapia e que psicólogo não é “médico de louco”. Ou talvez seja, pois somos todos loucos mesmo, magistas ou não…
Israel Regardie numa época de sua vida chegou a dizer que qualquer pessoa que lida com magia deveria fazer terapia, para ter equilíbrio para lidar com o tipo de força que lidamos. Há covens de wicca americanos e ingleses que exigem que qualquer pessoa que queira ser iniciado vá fazer terapia. Se não fizer, pode esquecer a iniciação. Acho essa uma atitude muito coerente.
Outra forma: um bom estudo do seu mapa astral. Ele revela muito de quem somos, aonde estamos, para onde devemos ir e como fazer isso.
Mais uma: a recapitulação. Fazer todo um trabalho de relembrar de absolutamente toda a sua vida, desde o dia de ontem até o dia em que você nasceu. Relembrando a nossa vida, percebemos melhor os padrões de acontecimentos na nossa vida, os padrões das nossas ações, sentimentos, pensamentos etc. Assim, muito da nossa sombra e da nossa luz vai se revelando para nós.
Essas são apenas algumas formas, que podem inclusive serem combinadas umas às outras. É uma pena que cada vez mais no ocultismo e no neopaganismo esse estudo de si mesmo seja tão negligenciado. Isto é justamente o que forma a base do tal “conhece-te a ti mesmo”. Muitos ocultistas dizem que todo treinamento em magia deveria começar por este estudo de si mesmo. Mas, infelizmente, são poucos os grupos ocultistas que realmente o fazem.
Eu não acredito que meditações de lua escura, de lua cheia ou qualquer outra coisa dê um resultado realmente substancialmente positivo sem essa fase do estudo de si mesmo. Fase, aliás, que não é bem apenas uma fase, pois dura a vida inteira.
Bem… então, primeiro a pessoa tem que estudar a si mesmo através de métodos “mundanos”, isto é, que não envolvam magia ou espiritualidade. E continua esse estudo para sempre, mesmo após começar o trabalho mágico em si. Aí, quando começa este trabalho, o que a pessoa deve procurar é justamente ter consciência. O que já é trabalho para alguns anos…
Depois de já ter trabalho bem a consciência do ponto de vista mágico, então a pessoa vai poder entrar pro trabalho com a sombra. O que não significa que o trabalho com a luz esteja terminado. Ele irá continuar para sempre, pois é o que nos dá equilíbrio.
E então poderá enfrentar a sua sombra, a equilibrar e se integrar com ela. Quando então terá uma grata surpresa: a de que se integrar com a sombra é uma forma de purificação! Realmente isso… e uma fonte de êxtase espiritual tão forte quanto as grandes experiências de luz!
Mas essa integração com a sombra e consequente purificação só vai ser possível se o trabalho for feito direitinho. Não pode haver pressa nesse trabalho todo. Não há atalhos neste caminho, a não ser um: o que leva ao despenhadeiro.
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