Em todo o mundo, as palavras ganharam significados que ultrapassam seu sentido original. Segundo os povos antigos, em determinadas circunstâncias as palavras, na verdade, tornam se portadoras de poderes sobrenaturais, veículos do bem ou do mal.
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Por Elsie Dubugras

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus… E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade. (João 1:1 e 1:14).

Uma praga rogada verbalmente, segundo os magos, é mais do que o simples desejo de prejudicar alguém: a palavra falada é o veículo que conduz e transfere o maleficio à vítima. O som vocal, na verdade, é o mais antigo dos símbolos. Dele nasceram as palavras, depois as sentenças e, por fim, as línguas faladas.

Existem diversas hipóteses para explicar como os sons nasceram e evoluíram. Segundo alguns estudiosos do assunto, eles teriam se iniciado com gritos de medo, gemidos de dor, urros de raiva. Depois foram acrescentados sons emitidos por certos animais e ruídos provocados por determinados objetos. Aos poucos, o acervo inicial foi sendo enriquecido, até que, pelo constante uso, os sons transformaram se em palavras. Todavia, os primórdios de uma linguagem estruturada só ocorreram quando os homens, por estar vivendo em comunidades, criaram instintivamente meios mais eficientes de se comunicar entre si.

Com o aumento da populaçào e de comunidades nómades, que viviam em zonas sempre mais distantes e mudavam de hábitos alimentares e costumes, os idiomas básicos também sofreram transformações e tornaram se diferentes uns dos outros.

A Bíblia usa a lenda da Torre de Babel para explicar o fenômeno da multiplicidade dos idiomas encontrados por todo o mundo. Segundo Gênese XI, versiculos 1/9, antigamente todos falavam de forma semelhante: “E era a terra duma mesma lingua, e duma mesma fala. E aconteceu que, partindo eles do Oriente, acharam um vale na terra de Sinear,
e habitaram ali. ( . . .) E disseram: Eia, edifiquemos nós uma cidade e uma torre cujo cume toque nos céus, e façamo nos um nome, para que não sejamos espalhados sobre a face de toda a terra.”

O Senhor então desceu para ver o que os homens estavam fazendo e, achando que não haveria “restrição para tudo” que eles intentassem fazer, “estabeleceu um meio para que não se entendessem entre si: confundiu a língua. Assim o Senhor os espalhou sobre a face de toda a terra e cessaram de edificar a cidade. Por isso se chamou o seu nome de Babel, porquanto ali confundiu o Senhor a língua de toda a terra (…).”

A lenda de Babel é bastante antiga e conhecida em diversas partes do mundo. Quando os conquistadores espanhóis chegaram ao México, por exemplo, eles descobriram a existência de uma torre semelhante à de Babel, mas com outro nome: chamava se a Pirâmide de Cholula. E, para explicar a diversidade das línguas faladas em diferentes partes do mundo, o registro de Popul Vuh, dos maias, afirma: “Aqui as línguas das tribos mudaram   sua fala ficou diferente. Tudo que ouviam e compreendiam ao partir de Tulán tornou se diferente (…). Nossa língua era uma quando partimos de Tulán. Lá esquecemos nossa fala (…).”

Existe uma lenda chinesa que não difere muito das conhecidas no Ocidente. Já, segundo os persas, Arimã, o espírito do mal, dividiu a língua original em 30 diferentes idiomas, dos quais teriam surgido todas as línguas faladas. As lendas greco romanas também descrevem fatos semelhantes só que, em vez de Arimã, foi Mercúrio quem dividiu em diversos idiomas a língua falada. 

Hoje, existem 2.796 línguas faladas e cerca de 8 mil dialetos. Curiosamente, em todo o mundo as palavras e os nomes adquiriram, com o passar do tempo, conotações além das originais. De modo geral, os povos antigos acreditavam que, ao serem pronunciadas de maneira especial, as palavras tinham poderes sobrenaturais. Por isso, como as doenças eram atribuídas a seres de outras dimensões, o sacerdote encarregado de curar um paciente procurava, em primeiro lugar, descobrir o nome do demônio responsável pelo mal. Então, invocava o nominalmente e o dominava. Mas havia uma recomendação: a invocação teria de ser feita enfaticamente, pois só assim teria um efeito semelhante ao de um ato físico.

Na Babilônia, certos nomes eram considerados santos; por isso os sacerdotes amarravam os demónios cantando os. Segundo Margaret Stutley, autora do livro “Ancient Iadian Magic and Folklore”, foi esse ato mágico que deu o nome à arte de encantar. Os gregos transferiam a doença aos corvos dizendo: “Vá para os corvos.” Os sumerianos, por sua vez, matavam um cabrito branco   que em certos casos era substituído por um porco  , retiravam o coração do animal morto e, depois de colocá lo na mão do paciente, transferiam a doença para ele, por meio de encantações. Vale lembrar que também Jesus usou essa forma de cura, ordenando que os demônios saíssem de um homem e entrassem numa manada de porcos.

No conceito de alguns povos, a palavra falada era tão poderosa que se acreditava que uma praga proferida verbalmente se consolidava em matéria física e não poderia ser destruída até o desejo em questão ser concretizado. Todavia, depois que isso acontecesse, a praga poderia ser contrabalançada por palavras boas, e até por um pensamento forte.

Os hebreus, os cananeus e alguns povos semitas acreditavam que, quando pronunciada em voz alta, a praga tinha poderes idênticos aos de certas fórmulas mágicas que, expressas verbalmente, liberavam forças sobrenaturais. Na opinião desses povos, tanto as pragas como as bênçãos eram indestrutíveis. Na própria Bíblia existe a confirmação dessa crença. Segundo o livro, Isaac deveria ter abençoado seu primogênito, Esaú, mas por engano abençoou seu segundo filho, Jacó, e não pôde desfazer aquele ato nem impedir que os benefícios da bênção recaíssem sobre ele (Gênese, cap. 27).

 

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