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Para uma Compreensão do Mundo das Sociedades Secretas
por Rémi Boyer

“A conjuração dos imbecis, dos charlatões, e dos Sábios foi perfeitamente bem
sucedida. Esta conjuração teria como objetivo esconder a verdade. Uns e outros
serviram a esta grande causa, cada um segundo seus meios; os imbecis por meio da ignorância, os charlatões por meio da mentira, os Sábios por meio do segredo”

A Sociedade Secreta constitui um fenômeno universal. Presente desde a
Antiguidade, manifestando-se em todos os domínios da vida, quer seja a esfera
política, a esfera econômica, a esfera militar, científica, religiosa,
artística, notadamente literária, ou nesta que nos concerne a esfera da Tradição
e do Ocultismo. No domínio político, por exemplo, muitos dos movimentos
políticos internacionais são nascidos nas ante-salas onde alguns obscuros
desconhecidos se reúnem para mudar o Mundo. No domínio artístico, certos
Círculos surrealistas funcionaram como Sociedades Secretas.

A Sociedade Secreta empresta formas múltiplas, mais ou menos adaptadas aos
tempos e aos espaços em que estão inseridas. Das crianças aos velhos, todos os
elementos de nossa sociedade fizeram, ou ainda farão uso de uma Sociedade
Secreta.

A Sociedade Secreta constitui o vetor habitual de manifestação do mundo do
Ocultismo, da Tradição, da Iniciação. Este mundo se interpenetra com todos os
registros de expressões da natureza humana. O sublime costeia o medíocre, o
vulgar costeia a beleza, o horror, a verdade, a mentira, o conhecimento, em um
paradoxo vivo que permite a emergência do Ser.

O Divino eleva-se mesmo no meio do vício. A fascinação do humano pelo secreto,
sua tendência natural à auto-alucinação e ao maravilhoso recobriram a noção de
Sociedade Secreta (SS) de um verniz de superstição e de crenças que tornam sua
compreensão difícil. Nossa época moderna, pela multiplicidade de SS de pretensão
Iniciática, cujo exame demonstra não serem, nem secretas, nem Iniciáticas, gerou
uma confusão sem precedentes sobre o cenário já obscuro do Ocultismo e atraiu a
atenção, entre outros de pesquisadores tradicionais ou universitários, do grande
público e dos jornalistas, como dos serviços governamentais da maior parte dos
Estados.

Tentaremos aqui fornecer alguns elementos de discriminação às numerosas pessoas
que se interessam pelo Ocultismo, Tradições, ou mais freqüentemente pelas SS, a
fim de colocarem-se em condição de passar da confusão ao discernimento. A
confusão permanecerá malgrado tudo, no geral e no particular, neste domínio,
porque sem dúvida é ela indispensável para dissimular algumas SS de
características verdadeiramente Iniciática e desqualificar a massa dos curiosos
ou dos desequilibrados que são atraídos por este tema. Citemos Lança del Vasto
que descreveu perfeitamente a situação no prefácio do livro de Louis Cattiaux:
Le Message Retrouvé (A Mensagem Reencontrada):

“A conjuração dos imbecis, dos charlatões, e dos Sábios foi perfeitamente bem
sucedida. Esta conjuração teria como objetivo esconder a verdade. Uns e outros
serviram a esta grande causa, cada um segundo seus meios; os imbecis por meio da
ignorância, os charlatões por meio da mentira, os Sábios por meio do segredo”.

Nossa intenção é de fornecer àquele que procura, não a felicidade, mas a
libertação, o despertar, alguns índices suficientes para detectar as pistas
autênticas como as vias sem procedência, e tirar proveito dos erros que não
deixará de cometer, como todos os questionadores autênticos fizeram antes dele.
 

Ensaio de definição da Sociedade Secreta

Não será possível fornecer uma definição precisa e satisfatória de Sociedade
Secreta. Diremos simplesmente que a Sociedade Secreta, no domínio Tradicional,
se caracteriza, não pelo segredo, não pelo caráter fechado ou clandestino, mas
pelo Rito. Entendemos por Rito, a existência de um Corpo doutrinal e de uma
praxe Iniciática. Esta não implica necessariamente de práticas rituais como
temos, por exemplo, nas sociedades Maçônicas, Cavalheirescas, Rosacrucianas.

Conhecidas, sobretudo pela presença de uma técnica do Despertar, de Libertação,
precisa e verificável, veiculada no geral por um Corpus doutrinal exprimido em
um modelo de mundo particular no centro de origem da Sociedade (Hermetismo,
Martinismo, Budismo, Shivaísmo).

Semelhante definição restritiva, mas consoante com a Tradição, eliminaria a
quase totalidade das autodenominadas Sociedades Secretas desconhecidas, por
sinal, muito conhecidas.

Examinaremos, portanto, o conjunto destas que são geralmente recobertas pela
expressão Sociedades Secretas, a saber, toda organização que se apresenta como
Espiritual, Esotérica, Ocultista, Tradicional, Iniciática, ou toda outra
qualificação análoga.
 

Iniciação e Sociedades Secretas

Todas as Sociedades Secretas tradicionais se pretendem Iniciáticas. Bem poucas
as são, a maior parte entre elas assumem outras funções que não a Iniciática,
funções que apresentaremos posteriormente. A noção geral de Iniciação envolve de
fato vários níveis de lógicas, onde algumas não tratam de Iniciação em seu
sentido esotérico. Neste último sentido, a Iniciação é uma questão técnica.
Trata-se da conquista de estados de seres não-humanos, ou mais que humanos,
ativando de fato e em realidades estes centros, chamados Estrelas em certas
Escolas, Rodas em outras, e mais freqüentemente de Chakras, antes de proceder a
uma série de separações (do Corpo Saturnino do Corpo Lunar, depois do Corpo
Mercurial, até o Corpo Solar segundo o Hermetismo) para a constituição final do
Corpo de Glória (ou Corpo Crístico ou Corpo Arco do Céu, etc.), atividade
colocada em obra e desenvolvida por técnicas precisas, freqüentemente perigosas,
de Chamada de Si, de Alta Magia, de Alquimia interna, técnicas de acesso ao Ser
ou Absoluto.

Aqui, a definição, ainda conforme a Tradição é restritiva. Rejeitaremos a
conhecida crença segundo a qual a “vida é Iniciação”. Isto é sem dúvida verdade,
mas necessitaria tratar-se de uma vida totalmente consciente e unificada.
Sobretudo, este é um dos argumentos colocados antes por aqueles, muito
numerosos, que inventam todo logro nos autodenominados sistemas Iniciáticos com
Cadeias sucessórias remontando à Antiguidade. Em um sentido mais largo e,
entretanto, mais aceitável, Iniciação é a Ciência da mudança.

A verdadeira mudança, isto é, a passagem de um nível lógico a um nível
imediatamente superior comporta uma mutação, um salto, uma descontinuidade ou
transformação, do mais alto interesse teórico, e da mais alta importância
prática, porque permite deixar um mundo reconhecido como sombra, para entrar em
um outro, mais “real”, mesmo que ele não seja a “Realidade”.

Os níveis lógicos devem ser reconhecidos e rigorosamente separados se desejamos
evitar a confusão e usar do paradoxo para mais tempo de compreensão. Heráclito
já havia ressaltado a estranha interdependência dos contrários que chamava de
enantiodromia.

Quanto mais uma posição é extrema, mas é provável uma enantiodromia, uma
conversão em seu contrário. A história das Sociedades Secretas é rica em
comportamentos enantiodrômicos. De fato, na ausência da técnica real de
iniciação, o indivíduo fica na impossibilidade de se elevar ao nível lógico (ou
alógico) superior, passa a oposição de sua posição inicial. Ocorre que passar de
um sistema ao seu oposto não é uma mudança.

Isto ilustra, teoricamente, o mito ocidental segundo a qual, o iniciado deve se
colocar para além das duas colunas opostas, situadas na entrada do santuário.
Resulta disto que o iniciado que deve passar de um mundo “A” a um mundo “B”,
imediatamente superior, somente saberia encontrar aquilo que produz a passagem
no mundo “A” ele mesmo, daí a necessidade de uma ingerência do sistema “B” no
sistema “A”. Motivo, igualmente, da importância do discernimento, na verdade da
sagacidade, no candidato à Iniciação.

Esta noção de ingerência se exprime perfeitamente nas estruturas piramidais das
SS, e na articulação natural que existe entre os três grandes tipos funcionais
de SS.
 

Tipologia funcional das SS

As SS assumem três funções particulares nitidamente distintas, mas
complementares: exotérica (ou exo-esotérica segundo alguns autores), mesotérica
e esotérica.
 

Sociedades do tipo 1: função exo-esotérica

Esta função é primeiramente de natureza terapêutica. Consiste em restabelecer no
indivíduo o alinhamento, a congruência, entre o corpo, a emoção e o pensamento.
Trata-se de reconciliar o indivíduo com ele mesmo e seu meio ambiente. Esta
função implica igualmente um componente cultural não negligenciável, o indivíduo
é convidado a estudar, a meditar, e se possível a integrar, um modelo de mundo,
qualificado de espiritual, que permita encontrar uma resposta satisfatória para
o mental, tranquilizadora para o coração, dos grandes problemas que a vida não
cessa de lhe impor. Esta função, importante para o indivíduo beneficiado, é
igualmente reguladora do plano social. Ao ajudar o indivíduo a encontrar um
equilíbrio no mundo como ele é, as SS deste tipo favorecem a estabilização e a
lenta evolução dos sistemas políticos, econômicos e sociais dominantes. A
totalidade das SS exteriores, mas pode-se falar ainda de SS, assumem esta função
exo-esotérica.
 

Sociedades do tipo 2: função mesotérica

Estas Sociedades, menos numerosas e mais restritivas, já constituem verdadeiras
Escolas tradicionais. Elas se esforçam de fato em fornecer aos seus alunos as
qualificações de base indispensáveis para pretender abordar uma via Real. Estas
qualificações podem variar segundo as Correntes tradicionais, assim sobre a
Corrente Rosacruciana, o conhecimento e a mestria do Trium Hermeticum será
exigido, a saber, a Alquimia, a Astrologia e a Magia, segundo o eixo da Cabala
(das organizações espiritualistas, como a A.M.O.R.C., não abordam a questão
fundamental da Alquimia Operativa, nem nenhuma das outras Ciências de Hermes, e não pode de modo algum se pretender Rosacrucianas).

Duas correntes vão caracterizar esta função e se encontram invariáveis em todas
as organizações deste tipo.

A experimentação do Universo como “resposta” por uma vontade comandante. Obter resposta do Universo é de efeito, se esta não é a definição, do Mago, deste que tendo vontade, faz responder o Universo (1).

A busca do estado objetivo. A fim de ilustrar o que entendemos por estado
objetivo ou despertar, citaremos aqui um extrato da notável obra de Ouspensky,
Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido (Pensamento, S. P., 1985, págs.
166-167).

“O terceiro estado de consciência é a lembrança de si mesmo ou consciência de si
mesmo, consciência de seu próprio ser”. Admite-se habitualmente que possuímos
esse estado de consciência ou que podemos tê-lo à vontade. Nossa ciência e nossa
filosofia não viram que não possuímos esse estado de consciência e que o nosso
simples desejo é incapaz de criá-lo em nós mesmos, por mais clara que seja nossa
decisão.

O quarto estado de consciência é a consciência objetiva, nesse estado, o homem
pode ver as coisas como são. Às vezes, em seus estados inferiores de
consciência, pode ter vislumbre dessa consciência superior. As religiões de
todos os povos contêm testemunhos da possibilidade de tal estado de consciência,
que qualificam de “iluminação” ou de diversos outros nomes e que dizem ser
indescritível. Mas o único caminho correto em direção a consciência objetiva
passa pelo desenvolvimento da consciência de si.

Um homem comum, artificialmente levado a um estado de consciência objetiva e
trazido depois ao seu estado habitual, não se lembrará de nada e pensara,
simplesmente, que perdeu os sentidos durante certo tempo. No estado de
consciência de si, porém, o homem pode ter vislumbres de consciência objetiva e
deles guardar a lembrança.

O quarto estado de consciência representa um estado completamente diferente do
anterior; é o resultado de um crescimento interior e de um longo e difícil
trabalho sobre si. No entanto, o terceiro estado de consciência constitui o
direito natural do homem tal como é, e, se o homem não o possui, é unicamente
porque suas condições de vida são anormais. Sem exagero, pode-se dizer que, na
época atual, o terceiro estado de consciência só aparece no homem por muitos
breves e muitos raros lampejos e que é impossível torná-lo mais ou menos
permanente, sem um treinamento especial.

Para a grande maioria das pessoas, mesmo cultas e intelectuais, o principal
obstáculo, no caminho da aquisição da consciência de si, é acreditar que a
possuem.

Esta referência a um estado de ser central, a um eixo do mundo, a um Reino do
Centro é comum a todas as tradições, sua importância é considerável.

Assim o Mestre Maçom é recebido na Câmara do Meio, referência a um Reino do
Centro, acessível a aquele que pode cessar de pensar o universo pelo jogo das
múltiplas representações, para perceber o Universo, deixar o mundo dissolvendo
do ter e do fazer para o do ser.

O processo da Chamada de Si provoca uma destruição das identificações e das
cristalizações mentais, conseqüentemente as crenças que subtendem a
personalidade profana, a Persona, a máscara, vão ser destruídas ao curso desta
busca do ser.

Poucos estão prontos para perder a imagem que fazem deles mesmos e do mundo,
produtos de seus condicionamentos múltiplos, fonte de seus sofrimentos, mas
também de alguns efêmeros prazeres.

Veremos, portanto, que poucas organizações assumem esta função e convidam seus
membros a deslancharem este processo.
 

Sociedades do tipo 3: função esotérica

Provavelmente, o qualificativo de Iniciático somente se aplique a este terceiro
tipo de SS. Estas sociedades, normalmente Colegiadas, são concebidas como
verdadeiros laboratórios de pesquisas. Conduzindo seus adeptos às fases
terminais das Vias Reais, Vias do Despertar, Via do Corpo de Glória, Via da
Pedra ao Vermelho, Via Essencial, Via Estrema, são numerosas as nomeações para
designar esta fase onde o indivíduo liberto de tudo isto que é humano, liberto
mesmo da libertação, acede realmente à imortalidade consciente e se torna um
Deus, em relação ao seu antigo estado humano.

Tendo este estado, é quase deslocado falar de organizações, ou de Sociedades,
criações humanas, os termos de Regra, de Ordem no sentido sacerdotal do termo
(2) serão mais adequados.

A relação entre o instrutor e o aluno, ou o discípulo (aquele que aplica a
Disciplina), constitui a base destas Sociedades muito fechadas, cujos nomes são
raramente pronunciados, e permanecem desconhecidos, mesmo dos historiadores do
Esoterismo. Em certos casos, menos raros que podemos pensar, as Regras, Veículos
das Vias Secretas, são preservadas nas tradições familiares, freqüentemente
famílias aristocratas ou religiosas, mas não necessariamente e cada vez menos. A
família concebida como Escola iniciática é de fato um conceito muito
tradicional.

Assim o mestre indiano Krishnamacharya, depositário de uma filiação Pitagórica
indiana, desenvolveu todo um ensinamento visando fazer da família uma Escola
esotérica. Na Itália, famílias aristocráticas de Veneza ou de Florença seriam
depositárias de um Segredo iniciático. Villiers de l’Isle Adam fala
explicitamente deste assunto em seu romance Clef Isis (Chave de Ísis).

Hoje mesmo, é somente nos círculos restritos das famílias, às vezes alargados a
alguns amigos próximos, que, por razões técnicas, certas operações secretas
podem ser praticadas (Via d’Erim, Via de Afrodite Vermelha, Via Shivaísta do
Deus Azul, Tradição Rosa+Cruz Lascari, por exemplo) exatamente como no passado
ou Antigüidade era o caso das famílias de Kham ou das famílias faraônicas.
 

Tipologia estrutural das Sociedades Secretas

Os três tipos de SS correspondem normalmente a três tipos de estruturas.

Estruturas externas, facilmente acessíveis, fazendo freqüentemente propaganda
nas ruas, tornam-se às vezes uma Potência financeira admirável.

Estruturas semi-internas, chamadas às vezes também de Sociedades de quadros,
muito discretas, mas não menos presentes, conhecidas de especialistas.

Estruturas internas, inacessíveis, muito flexíveis, por serem Organismos vivos
antes de organizações.

As relações entre estas estruturas são ricas, com modelos variados e às vezes
contraditórios, e foram brilhantemente expostas em um estudo publicado na obra
de Michel Monereau, Magie et Sociétés Secrètes, estudo o qual reportamos o
leitor.
 

As oscilações do cenário Maçônico e Ocultista

Existe, e constatamos, uma articulação natural entre as funções exotérica (ou
exo-esotérica), mesotérica e esotérica. Esta articulação não se manifesta
nulamente sobre o cenário Tradicional, Maçônico e Ocultista, nas relações entre
as SS de tipo 1, 2 ou 3.

Uma das tentações das Sociedades exotéricas, que naturalmente recrutam
largamente, em uma lógica quantitativa, reside na sua pretensão para assumir a
função Iniciática. Ora, há uma contradição aguda entre o Iniciático e o
hedonismo pessoal pregado por estas Sociedades, e entre o número de seus
aderentes e as exigências do procedimento Iniciático.

A conquista da felicidade situa-se nas antípodas da Questão Iniciática. Seria
perigoso para o pesquisador acreditar que as SS deste tipo oferecem as Vias de
Libertação. Úteis, como vimos, por sua característica terapêutica,
transformam-se na via do adormecimento a partir do momento que pretendem uma
função para qual não estão habilitadas a desempenharem.

Mais ainda, ao tomar emprestados abusivamente os nomes das Ordens Iniciáticas
semi-internas e internas, obrigaram estas últimas a ocultarem-se cada vez mais,
escapando às vezes por pouco do desaparecimento. Esta é a razão, de todos estes
desvios, que cada um pode seguramente reconhecer, das constantes denúncias
feitas por personagens tão diversas quanto Émile Dantinne, Jean Mallinger (que
combateu a A.M.O.R.C.), Giuliano Kremmerz, Louis Cattiaux e outros autores
Hermetistas de valor.

A articulação natural entre as funções requer que as Sociedades do tipo 1,
exotéricas e externas, venham a confiar seus elementos mais promissores às
Sociedades do tipo 2. Aqueles que atravessarem as dificuldades inerentes à uma
autêntica preparação poderão então abordar as Vias Reais sob a condução de
instrutores qualificados em uma Sociedade do tipo 3.

Este esquema ideal parece raramente ter funcionado, malgrado os esforços
reiterados das Ordens Iniciáticas, de características verdadeiramente esotérica,
para suscitar a emergência de organizações sérias, assumindo conscientemente o
trabalho pré-Iniciático.

A articulação entre as funções somente aplica-se mais ordinariamente hoje aos
incondicionais que, remexendo estruturas e idéias recebidas, adotam a atitude
heróica (3), e forçam a natureza a lhes abrir as Chaves da Via, pois nenhum
humano, nenhuma Sociedade, parece poder ajudá-los. Mas poderia ser de outra
forma no Kali-Yuga?
 

O caso da Franco-Maçonaria

A Franco-Maçonaria oferece múltiplos casos de figuras, diferentes umas das
outras. Em primeiro lugar, as Obediências Maçônicas constituem freqüentemente as
organizações externas mais estáveis e as mais úteis. Ignorando constantemente a
existência e a função das Ordens mais internas e de características mais
Hermetistas, não sendo mais que suas antecâmaras.

No seio da Franco-Maçonaria, os Ritos Egípcios possuem um lugar à parte. Durante
longo tempo, os Ritos Egípcios funcionaram exclusivamente como sistema de altos
graus. Hoje, a Ordem de Memphis-Mizraïm, tornou-se uma grande Obediência
Maçônica, como o Grande Santuário Adriático do Rito de Mizraïm e Memphis, que
continua bem confidencial, embora abrindo Lojas Azuis.

As Ordens semi-internas, como a Ordem Martinista, a O::H::T::M:: (Ordem
Hermetista Tetramagista e Mágica ou Ordem Pitagórica), e algumas outras, foram
consideradas, às vezes concebidas, como devendo aperfeiçoar a Franco-Maçonaria,
ou ao menos absorver os melhores elementos a fim de dirigi-los para às
estruturas mais internas, suscetíveis de qualificá-los para às Altas Ciências.

Em todo caso, A Franco-Maçonaria constitui ainda uma Escola preparatória para as
Correntes mais Herméticas, tanto na Europa continental quanto nos países
anglo-saxões (a S.R.I.A., Sociedade Rosacruciana in Anglia recruta, por exemplo,
na Maçonaria) ou na América do Sul (caso das organizações da ex-F.U.D.O.F.S.I.,
sempre presente no continente sul-americano).

Entretanto, se o desprezo pela Franco-Maçonaria demonstrado por personagens como Jean Mallinger é ainda partilhado por alguns, a maioria dos membros dos Colégios semi-internos e internos conservaram um profundo respeito pela Maçonaria, inclusive pelos graus Azuis (4).

Muitos acreditam que ao manifestarem todo o valor simbólico e operativo de cada
grau, a Franco-Maçonaria constitui-se somente em “uma simples escola primária de
iniciação”. Alhures, muito discreto e pouco conhecido, as Lojas, Capítulos e
outros Aéropagos reunindo estudiosos sinceros e especialistas do Hermetismo são
menos raros que a crença geral, e isto na maior parte dos Ritos, na maior parte
das Obediências, e freqüentemente, onde menos os esperamos.

O Rito Escocês Retificado é igualmente um Rito particular, funcionando às vezes
como uma Ordem semi-interna conduzindo à uma operatividade secreta (a da Ordem dos Elus-Cohen). Assim já vimos certas Lojas do R.E.R. recrutarem nas Ordens Martinistas.

Na quase totalidade das Ordens semi-interna, o Mestrado Maçônico é exigido, o
que demonstra a importância desta para a compreensão dos diversos Corpus que
propõem estas organizações.
 

Algumas experiências bem sucedidas

Existem ainda alguns exemplos de colaborações com êxito entre as organizações
externas, semi-internas e internas. O caso mais conhecido é do sistema colocado
em prática por Robert Ambelain, e largamente desenvolvido por Gérard Kloppel,
seu sucessor.

A Ordem de Memphis-Mizraïm tornou-se hoje uma organização Maçônica importante, membro do C.L.I.P.S.A.S., onde certos membros podem ser convidados a participarda Ordem Martinista Iniciática.

Encontramos também no sistema de Ambelain, uma Ordem dos Elus-Cohen, e uma
estrutura terminal reunindo várias filiações, incluindo a da Rosa+Cruz do
Oriente. O conjunto continua funcionando bem graças a uma forte centralização, e
esta, malgrado os problemas inerentes à estrutura Maçônica, é muito importante
para manter-se como um componente estritamente Tradicional, outras “entradas”
são constatadas.

Assinalamos que a Tradição Ambelain é manifestada igualmente por outros Colégios internos que reúnem um conjunto de afiliações, Reais ou de Desejos, mas
desenvolvidas segundo uma concepção diferente e muita reservada, às vezes como
complemento a outras filiações Hermetistas.

A Sociedade Rosacruciana in Anglia constitui a SS da Grande Loja Unida da
Inglaterra. Na França, é naturalmente na G.N.L.F. que esta Sociedade
rosacruciana recruta. Parece, entretanto, que existem algumas exceções, os
membros da S.R.I.A. se desinteressam atualmente do Hermetismo.

Um dos casos mais interessantes reside na tentativa feita no início do século
passado por certos adeptos da Ordem de Osíris. A Ordem de Osíris recrutaria
habitualmente entre os membros dos Arcana Arcanorum Maçônicos, isto é, nos
quatros últimos graus do Rito Maçônico Oriental de Mizraïm ou do Egito, escala
de Nápoles.

Como este sistema não era sempre satisfatório, Giuliano Kremmerz (1868-1930)
criou a Fraternidade Templária e Mágica de Myriam. A F+T+M+M foi uma formidável
organização preparatória às operatividades Osírianas, mesmo que certas
personalidades eminentes desta Corrente como o Príncipe Caetani, e o próprio
Kremmerz no fim de suas vidas, tenham considerado a criação da F+T+M+M como um erro. A F+T+M+M bem como a Ordem de Osíris, ainda possui, atualmente,
sobreviventes.
 

Os Arcana Arcanorum

Os Arcana Arcanorum, dos quais fizeram correr muita tinta, péssimas a propósito,
nestes últimos anos, criando assim um mito bastante inútil, constituem os graus
terminais de várias Ordens semi-internas, ou ainda as práticas “terminais” de
vários sistemas Tradicionais. É necessário distinguir o sistema dos irmãos
Bédarride, baseado na Cabala e na Regra de Nápoles que constituem o verdadeiro
sistema dos A::A::.

Os A::A:: estão presentes na O::H::T::M::, e nas Ordens ou Colégios Hermetistas.
Os A::A:: são definidos por Jean Pierre Giudicelli de Cressac Bachelerie, em seu
livro De la Rose Rouge à la Croix d’Or, Ed. Axis Mundi (Paris-1988), na pág. 67:
“Este ensinamento concerne em uma Teurgia, i. e., a entrada em relação com os
éons-guias que devem tomar a direção para fazer compreender um processo, mas
também uma Via Alquímica muito fechada que é um Nei Tan, isto é, uma Via
interna”.

Os A::A:: Maçônicos parecem ser em realidade, mais que os graus terminais da
Maçonaria Egípcia, a introdução a um outro sistema. De fato, não encontramos
atualmente nenhum responsável por organizações tradicionais Maçônicas e outras
detendo a totalidade do Sistema, a maioria ignora mesmo o conteúdo real dos
A::A::.

Os A::A:: constituem de fato uma qualificação para outras Ordens mais internas
ligadas às Correntes Osíriana ou Pitagórica ou ainda à Correntes dos antigos
Rosa+Cruzes, como a Ordem dos Rosa+Cruzes de Ouro do antigo Sistema, a Ordem dos Irmãos Iniciados, e outras, que permanecem desconhecidas, escapando assim à
pesquisa histórica e sobretudo aos problemas humanos. J. P. G. de Cressac
Bachelerie, faz referência a Brunelli, em seu livro já citado, na pág. 79, que
os A::A:: constituem de fato a introdução para outras Ordens: “Como indicou G.
M. Brunelli em seus formidáveis trabalhos sobre os Ritos de Mizraïm e Memphis,
outras Ordens sucedem aos A::A::”.

Saindo dos aspectos Maçônicos, descobrimos quatro ou cinco outras Ordens (Grande Ordem Egípcia, Ritos Egípcios, assim como outras três que não podemos
mencionar). Cada vez mais certas organizações Tradicionais não utilizam o nome
A::A::, detendo a totalidade ou parte do conjunto Teúrgico dos A::A::, caso por
exemplo, da Ordo Aurum Solis que constitui uma emanação da Escola de Florença e não têm nenhum laço, contrariando a afirmação de alguns, com a Corrente
anglo-saxônica da Golden Dawn.

Os Sistemas completos dos A::A::, cuja Maçonaria Egípcia não detêm que uma
parte, comporta de fato três disciplinas.

Teurgia e Cabala Angélica: com notadamente as Invocações dos 4, dos 7, e a
grande Operação dos 72.

Alquimias metálicas: entre diferentes Vias, os documentos em nossa posse parecem
dar prioridade à Via do Antimônio, mas outras Vias, notadamente a Via da
Salamandra parece constituir um elemento central do Sistema, porque dependente,
por sua vez, da Via externa e da Via interna.

Alquimias internas: segundo as Correntes internas, as Vias práticas diferem
menos tecnicamente que pelos detalhes filosóficos e míticos respectivos, às
vezes totalmente opostos. As Alquimias internas, como alhures as Alquimias
metálicas, encontram sua origem no Oriente e, mais particularmente, segundo
Alain Daniélou, no Shivaísmo. Independente de onde sejam, já fazem parte da
herança Tradicional ocidental pelo menos há dois milênios, como atesta certos
papiros egípcios.

Naturalmente, é neste último aspecto das Alquimias internas que encontramos os
aspectos mais especificamente Osírianos dos A::A::. É provável que na Idade
Média e na Renascença, este Sistema fosse exclusivamente Caldeu-Egípcio, e seria
pouco a pouco, e principalmente em seus aspectos Mágicos e Teúrgicos, que o
Sistema teria sofrido em certas estruturas Tradicionais uma “cristianização” ou
uma “hebraização”. Encontramos às vezes com relação a isto a expressão
“cristianismo caldeu”.

Em conclusão a esta introdução, instigação à Viagem pelo Mundo Secreto, convém
lembrar a característica heróica da Queste, atestada por todas as sagas. Todas
as Tradições descreveram as Vias Reais por metáforas guerreiras. Isto não é
somente uma figura de estilo, é a indicação precisa das qualidades requeridas
para partir ao assalto da Cidadela do Ser. O conhecimento é Ciência e Arte;
Ciência, porque cada frase é verificável experimentalmente, Arte porque o Adepto
é um criador, não um simples ator deste mundo, mas realmente seu criador e seu
ordenador.
 

Notas

(1) Referencia à obra de Giordano Bruno, e à Eros et Magie à La Renaissance de
Couliano;

(2) Mantêm-se no ocidente alguns círculos muitos fechados de organizações
Tradicionais, de Espertos, de depositários das Vias Internas, pertencentes às
Correntes Maçônicas Egípcias, Rosacruzes (antigas filiações R+C), Martinistas,
Gnósticos, Pitagóricos, Hermetistas; as mais representativas da Tradição.
Trabalham notadamente na manutenção das Regras Tradicionais, na primazia do
Iniciático sobre o profano, no próprio seio das SS, quer sejam de
características exotérica, mesotérica ou esotérica, recusando todos os
compromissos com os quais nosso século de facilidade cedeu lugar;

(3) Ler La voie magique du héros de Cesare de la Riviera, Ed. Arche, Milano;

(4) Trata-se dos três primeiros graus simbólicos (Aprendiz, Companheiro e
Mestre) da Maçonaria. – Nota do Tradutor.
 

Bibliografia

Bibliografia sucinta para aprofundamento da filosofia do Ocultismo e do
Hermetismo, e da história e a especificidade das SS presentes ou ativas no curso
do século XX:

AMADOU, Robert: L’occultisme, esquisse d’un monde vivant, Ed. Chanteloup, Paris,
1987;

BACHELERIE, J. P. G. de Cressac: De la Rose Rouge à la Croix d’Or, Ed. Axis
Mundi, Paris, 1988;

BARRUCAND, Pierre: Les Sociétés Secrètes, entretiens avec Robert Amadou, Ed.
Pierre Horay, 1978;

CAILLET, Serge: Sâr Hiéronymus et La F.U.D.O.S.I., 1986, Cariscript, Paris;

INTROVIGNE, Massimo: Il cappello del mago, Sugarco Ed., 1990;

KREMMERZ, Giuliano: Introduction à la science hermétique, Ed. Axis Mundi, Paris, 1986.

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