Muitos são os mistérios que envolvem as estátuas de virgens negras.
Há, em algumas partes da Europa, África América do Norte, Central e do Sul, uma devoção incomum a certas imagens de cor escura, encontradas não apenas em basílicas, igrejas e pequenos santuários, mas também em grutas, nas encostas das montanhas ou na forquilha de árvores no meio de florestas. De onde se originam essas imagens, calculadas em cerca de 450? Por que são negras ou escuras e tão veneradas?
A Igreja católica tem sua resposta para a questão da cor: “As imagens”, diz o clero, “eram claras, mas com o passar do tempo escureceram, em virtude da fumaça das velas dos seus devotos, por causa da poluição e até pelo fato de que muitas estiveram expostas às intempéries, mergulhadas na água ou enterradas’. Essa explicação, contudo, não retrata toda a verdade, porque hoje se sabe que as imagens espalhadas pelo mundo sempre foram negras e as que se encontram na África seriam, por força das circunstâncias, escuras. Este fato é confirmado por documentos antigos datados de 1340, 1591, 1619, 1676 e 1778. Até mesmo um santo católico, São Luiz, fala das estatuetas escuras que conseguiu no Oriente e deixou em Forenz (França), num relatório escrito em 1235.
Outro santo católico, São Bernardo de Clairvaux (1090 1153) não
só possuía sua própria Virgem Negra (que ele venerava), mas, segundo a lenda, a imagem entronizada em Chatillon (Franca) lhe teria dado três gotas do leite de seu seio. Este alimento foi tão poderoso que Bernardo transformou a pequena e moribunda Ordem de Cireaux numa poderosa multinacional, com centenas de abadias e mosteiros espalhados por diversos países ela Europa, todos dedicados a Nossa Seirhora.
Bernardo foi o autor de diversos poemas e numerosos sermões. Num de seus versos, sobre Salomào e sua amada a rainha de Sabá, observa se a sua admiração pela cor negra: “Ó, filhos de jerusalém, sou negra, mas sou bela.”
É interessante saber que, para incentivar a segunda cruzada, São Bernardo pregou na catedral de Metz (França), outrora um centro druida onde, até o século 16, havia uma estátua de Ísis, a deusa negra egípcia.
O povo sempre mostrou uma devoção incomum por essas imagens escuras, e isto é compreensível porque, segundo as lendas, elas não só curam, mas praticam milagres prodigiosos. Um deles é o poder que têm de ficar excessivamente pesadas quando não querem sair do lugar onde foram descobertas ou no qual se encontram no momento. E, quando mostram sua predileção por um determinado local, elas o defendem dos que perturbam a sua paz. Conta se que, em 1580, durante uma guerra, a Virgem Negra de Hal, entronizada na Igreja de St. Martin, em Bruxelas (Bélgica), interceptou os grandes petardos de ferro lançados pelos canhões inimigos, colocando os em seu colo. Esses petardos ainda podem ser vistos naquela igreja.
Outra Virgem Negra também serviu como defensora da cidade onde se encontrava. É Nossa Senhora de Vilvoorde, que há séculos se encontra num convento de carmelitas em Vilvoorde (Bélgica). Durante o sítio a que foi submetida aquela cidade, ela apareceu nas muralhas, de onde não pôde ser retirada em virtude de seu grande peso. De lá impediu a invasão das tropas inimigas e, em seguida, mudou de lugar para apagar o fogo que consumia a igreja e o convento. Essa imagem foi um presente da duquesa de Brabant ao convento, em 1247.
Muitos milagres são comprovados pelos ex votos que ficam guardados nas igrejas ou santuários onde as imagens estão entronizadas. A Nossa Senhora de Vie, em Avioth (França), perto da fronteira belga, ressuscitava bebês mortos para que pudessem ser batizados e, assim, saíssem do limbo onde se encontravam. Debaixo do seu templo há uma fonte cujas águas tornam as mulheres férteis.
Mas as Virgens Negras, além de serem guerreiras, piedosas, curarem os doentes e ressuscitarem os mortos podem ser vingativas com os que profanam suas imagens. Conta se que a de Evaux les Bains (França) teve sua cabeça decepada e
o corpo lançado num poço por quatro incrédulos. Os profanadores foram duramente punidos: o que arrancou a cabeça da imagem cortou seu próprio pescoço; o segundo morreu ao cair de um penhasco; o terceiro, que se gabava de ter quebrado o queixo da estátua, teve sua língua decepada. O último morreu quando um raio o atingiu.
Estes e muitos outros milagres explicam a devoção do povo pelas Virgens Negras. Mas, pergunta se de onde surgiram e por que são negras? Dizem os antropólogos que estas Virgens estão diretamente ligadas às antigas deusas pagãs: Ísis, Cibele, Ártemis, Perséfone, Débora, Diana, Inanna, Neith e outras. As formas como algumas delas, ainda hoje, são homenageadas comprova isso, pois não diferem muito daquelas usadas pelos povos antigos. Por exemplo, a Virgem Negra de Marselha (França) é reverenciada com procissões iluminadas com lanternas. A deusa Neith, de quem ela se originou, era uma virgem andrógina que não nasceu, produziu a própria vida, e seu culto obedecia ao mesmo processo: procissões com lanternas acesas.
Mas existem certas questões que não foram esclarecidas nem pelos religiosos nem pelos cientistas. Uma delas é por que a cor e as feições das imagens não obedecem a padrões coerentes. Por exemplo: a estátua de La Dourade, em Toulouse (Franca), é negra e venerada pelos cristãos como sendo uma Virgem Negra. Contudo, segundo os pesquisadores, essa mesma estátua anteriormente representava Palas Atena, uma deusa pagã branca. Mas ela também teria representado Anat, a irmã do terrível deus Baal, e, portanto, possivelmente seria de cor escura.
Essas mudanças de cor, porém, não ocorrem de forma consistente. Outras estátuas, hoje reverenciadas pelos cristãos e que antes representavam deusas pagãs, continuam com a sua cor inalterada. Isso aconteceu com a mais antiga imagem que se conhece: a das catacumbas de Pricila, em Roma. A estátua, que é escura, representava a deusa egípcia Ísis; hoje ela é uma Virgem Negra crista. Como esses casos não são incomuns, conclui se que a questão da cor ainda não está esclarecida.
Na parte central da Franca, constata se ainda outro particular: algumas imagens escuras encontradas em forquilhas de árvores são tipicamente celtas ou teutônicas. A Nossa Senhora da Boa Esperança, de Dijon que tem grandes seios caídos e uma barriga avantajada, mais se parece com uma bondosa feiticeira do que com uma casta virgem cristã. Esta imagem é famosa porque salvou Dijon dos suíços, em 1513, e dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial (1944). Infelizmente, o padre local não permite que a figura seja reproduzida em cartões postais.
Que essas imagens também estiveram envolvidas em cultos desaprovados pela Igreja católica é algo evidente. A Virgem Negra de Onval (Luxemburgo) estava coroada com uma estrela de cinco pontas, e como uma destas pontas estava virada para baixo, dirigida para a cabeça da imagem, os iniciados sabiam que este sinal indicava que lá se praticava a magia negra e o ocultismo. A estrela foi agora desvirada.
E quanto a Inanna (ou Iniuni), uma divindade pagã do culto da fertilidade que se transformou numa Virgem Negra? Antigamente Inanna era considerada a deusa universal dos céus, da fertilidade, da guerra, justica, amor sexual, curas, etc., e seu trono era a Árvore do Mundo. Mas quando Gilgamesh cortou a Árvore e o Deus do Céu (Entil) a despejou de sua moradia, Inanna tornou se uma viajante que lamentava a perda do lar. A sua canção tem uma estranha semelhança com o que consta no Evangelho de Mateus, capítulo 8, versículo 20: “As raposas tem tocas, e as aves do céu seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça.” O lamento da deusa pagã diz o seguinte: “O pássaro tem seu ninho ( . . .), o peixe deita se em águas calmas, o cão ajoelha se na porta, mas eu não tenho porta . . .”
Outros detalhes relativos a Inanna também se mostram semelhantes às narrações contidas nos Evangelhos. Ela desceu ao inferno, onde foi despida, humilhada, chicoteada e dependurada numa cavilha. No terceiro dia foi salva e voltou ao mundo da luz. Em Marcos 10:34, lê se: “E o escarnecerão, e acoitarão, e cuspirão nele, e o matarão, e no terceiro dia ressuscitará.”
Em vista desses fatos e existem muitos outros parece que os antropólogos não erram quando dizem que as Virgens Negras que hoje fazem parte do culto cristão foram. de inicio, deusas pagãs.
Mas, além da ligação das imagens com o paganismo, existem elos não religiosos associando as Virgens, à dinastia dos merovingios e a Maria Madalena. Observou se que onde há urna Virgem Negra geralmente se encontra um santuário ou uma igreja onde Maria Madalena é venerada.
Existe uma relação entre Maria Madalena e as Virgens Negras |
A explicação para este fato é oferecida por Ean Begg, em seu livro “The Cull of the Black Virgin”, e também pelo pregador dominicano Jean-Baliste Hetu i Licordaire (1802
1861). Segundo essas fontes, Maria Madalena fazia parte da dinastia dos merovíngios, fato proclamado até pelo rei Luiz XI (1423 1483). Outro dado a ser considerado é que as Virgens Negras estão associadas e são veneradas pelos membros de uma sociedade secreta que existe desde o século 12: La Ordre de Prieuré Notre Dame de Sion, uma organização político religiosa secreta, interessada em assuntos esotéricos e ocultos e, em especial, no restabelecimento no trono da Franca de um membro da linha dos merovingeos, considerada a “primeira raça” . daquele país. Os lugares onde Maria Madalena e as Virgens Negras eram veneradas seriam os locais de encontro dos membros da Prieuré.
Os cátaros e os templários também estariam envolvidos com o culto da Virgem Negra. Sabe se que Igreja católica considerava os cátaros hereges e promoveu uma Inquisição no século 12 que praticamente os aniquilou. Contudo, um pequeno grupo conseguiu escapar do morticínio e asilou se numa área perto dos Pirineus. Outro grupo de famílias cátaras se ocultou na zona entre Arques e Lirnoux (França), e é naquelas áreas que se encontram duas importantes Virgens Negras: a Nossa Senhora da Paz e a Nossa Senhora de Merceille.
A mais ou menos 2km de Arques há um templo também dedicado ao culto de Maria Madalena, comprovando o que se disse anteriormente: os locais onde se estabeleciam templos dedicados às Virgens Negras e os altares à santa não ficavam muito distantes uns elos outros.
Um templo perto de Rennes le-Chatéau, onde Maria Madalena é venerada e onde deve ter se praticado a magia, surpreende até os seus devotos. Na entrada há um demônio com chifres e asas, corpo rubro e roupa verde. É Asmodeus, o filho de Lilith, o qual interferia no relacionamento sexual dos recém casados e roubou o Anel da Sabedoria de Salomão. No interior de outro templo em Stenay (França) vê se uma imagem de Jesus ajoelhado cujas feições são idênticas às de Asmodeus. Num arranjo singular, pode se ver a Virgem carregando uma criança nos braços enquanto, do lado oposto, José carrega outra.
Observou se, ultimamente, que as Virgens Negras e Maria Madalena estão se tornando cada vez mais populares esta devoção coincide com a necessidade do homem moderno de reconciliar o sexo com a religião. Isso é compreensível porque, como ninguém ignora, a Virgem Maria inspira o celibato, a castidade e a virgindade, enquanto a Virgem Negra sempre estendeu a mão para ajudar na reprodução, auxiliando as mães na hora do parto, fazendo o leite jorrar e devolvendo a vida aos bebês mortos sem batismo.
E, quanto a Maria Madalena, o calendário da Igreja católica conta com um certo número de meretrizes que se tornaram santas. Maria, a Egípcia, prostituiu-se durante dezessete anos para conseguir o preço de uma passagem para Jerusalém, onde desejava venerar, a verdadeira cruz. Ela voltou depois a morar no deserto, coberta unicamente com seus longos cabelos. Lá, queimada pelo Sol, tornou-se cada vez mais escura e, depois de 47 anos de solidão, já com os cabelos brancos, encontrou-se com Zózimo, a quem pediu que voltasse no ano seguinte para enterrá-la. Isso Zózimo fez, com a ajuda de um leão. Segundo E. Saillens, autor de Nos Vierges Noir, a Virgem Negra de Orleans, França, seria Santa Maria, a Egípcia.
Existem outras meretrizes-santas em santuários dedicados às Virgens Negras, geralmente acompanhadas de Santa Catarina de Alexandria, que, cortejada pelo imperador Maximiliano, recusou-o e foi por eIe torturada e morta.
Não nos devemos esquecer que, além de ter muitas qualidades confortadoras ao homem moderno, a Virgem Negra é também defensora dos direitos humanos e das nações – na Polônia, a Madona Negra de Czestochowa é soberana.
Contudo, apesar da crescente devoção dos leigos, existe uma certa repulsa do clero católico pelas Virgens Negras. Este fato foi constado quando, em 1952, dois estudiosos desta área apresentaram um ensaio sobre o assunto à Sociedade Americana para o Progresso da Ciência. Todos os padres e freiras presentes na ocasião, abandonaram o recinto.
E, na Europa, o curador de um santuário em Les Barroux (França) proíbe a entrada de curiosos e se recusa a dar informações sobre o local exato onde a imagem da Vírgem Negra se encontra. Este e outros fatos semelhantes estão gerando um sentimento de proteção por parte dos devotos leigos, que também começaram a esconder as imagens. Assim, a não ser que estejam expostas em grandes basílicas, elas estão fadadas a, pouco a pouco, desaparecer dos olhos do povo – mas, pelo que parece, não do coração de seus devotos…
por: Elsie Dubugras
Revista Planeta
Janeiro de 1987