William Blake

number-of-the-beast-william-blakeO Argumento

Rintrah ruge e chacoalha seus fogos
No AR opresso;
Nuvens famintas escoam para o abismo.

Antes dócil e em perigosa senda
O justo seguiu seu curso
Ao longo do vale DA morte

Rosas são plantadas onde espinhos crescem
E no urzal estéril
Cantam as abelhas do mel.

Então a perigosa senda foi plantada.
E em um Rio e uma fonte
Em cada penhasco e tumba,
E sobre ossos descorados
Vermelho barro foi trazido.

Até que o vilão deixou as sendas do conforto
Para caminhar por perigosas sendas
E conduzir o justo a regiões estéreis.

Agora a sorrateira serpente
Se move em meiga humildade
E o justo vocifera nos desertos
Onde leões perambulam.

Rintrah ruge e chacoalha seus fogos
No AR opresso
Nuvens famintas escoam para o abismo.

Como um novo céu é começado, e são passados trinta e três anos de seu
advento, o Eterno Inferno revive. E eis: Swedenborg é o anjo sentado sobre a
tumba: seus escritos as roupas de linho dobradas. Agora é o domínio de Edom
e o retorno de Adão ao Paraíso. Ver Isaías, capítulos 34 e 35.
Sem contrários não há Progresso. Atração e Repulsa, Razão e Energia,
Amor e Ódio são necessários à existência humana.
Destes contrários provém o que OS religiosos chamam de Bem e Mal. Bem é o
passivo que obedece à Razão. Mal é o ativo emanando DA Energia.
Bem é Céu. Mal é Inferno.

A voz do Demônio

Todas as Bíblias ou códigos sagrados têm sido as causas dos seguintes erros
:

1.Que o homem tem dois princípios reais de existência: ou sejam: um Corpo
e uma Alma.
2.Que a Energia, chamada Mal, é apenas do Corpo; e que a Razão, chamada
Bem, é apenas DA Alma.
3.Que Deus atormentará o Homem pela Eternidade por seguir suas Energias.
Mas OS seguintes contrários a estes são verdadeiros:
1.O Homem não tem um corpo distinto de sua Alma, pois isso chamado Corpo
é uma porção DA Alma discernida pelos cinco sentidos, as principais entradas
DA Alma nessa idade.
2.Energia é a única vida, e provém do Corpo; e Razão é o limite ou
circunferência externa DA Energia.
3.Energia é Eterno Deleite.

Aqueles que reprimem o desejo assim o fazem porque o deles é fraco o
suficiente para ser reprimido; e o repressor ou Razão ursupa-lhe o lugar e
governa o sem-vontade.
E, sendo reprimido, ele aos poucos torna-se passivo, até ser apenas a sombra
do desejo.
A história disto está escrita no Paraíso Perdido, e o Governante ou Razão é
chamado Messias.
E o Arcanjo Original, ou possuidor do comando das hostes celestiais, é
chamado Demônio ou Satã, e suas crianças são chamadas Pecado e Morte.
Mas no Livro de Jó o Messias de Milton chama-se Satã.
Pois esta história foi adotada por ambos OS lados.
Realmente pareceu à Razão que o desejo tinha sido banido.
Mas a versão do Diabo é que o Messias caiu e formou um céu com o que roubara
do Abismo.
Isso é mostrado no Evangelho, em que ele ora ao Pai para enviar-lhe o
confortador ou Desejo, de forma que a Razão possa ter idéias sobre as quais
se fundamentar: O Jeová DA Bíblia não sendo outro senão aquele que habita o
fogo flamejante.
Saibam que após a morte de Cristo ele tornou-se Jeová.
Mas, em Milton, o Pai é Destino, o Filho quociente dos Cinco Sentidos, e o
Espírito Santo Vácuo!
Nota: a razão pela qual Milton escreveu acorrentado quando escreveu sobre
Anjos e Deus, e em liberdade, quando sobre Demônios e Inferno, é porque era
um verdadeiro poeta, e DA parte do Diabo, sem sabê-lo.

Uma Visão Memorável

Enquanto caminhava por entre OS fogos do inferno, encantado com OS prazeres
do Gênio, que para OS Anjos parecem tormento e insanidade, coletei alguns de
seus Provérbios, pensando que como OS dizeres usados em uma nação delineiam
seu caráter, assim OS Provérbios do Inferno mostram a natureza DA sabedoria
infernal melhor que qualquer descrição de edifícios ou vestuário.
Ao voltar para Casa: no abismo dos cincos sentidos, onde uma encosta
íngreme e plana desaprova o mundo atual, vi um poderoso demônio envolto em
nuvens negras, pairando sobre as bordas do rochedo: com fogos corrosivos
escreveu a seguinte sentença, agora percebida pela mente dos homens e por
else lida na terra:

Como sabeis que cada pássaro que corta OS ares seja um imenso mundo de
deleite, fechado por vossos cinco sentidos?

Provérbios do Inferno

No plantio aprende, na colheita ensina, no inverno desfruta.
Leva teu carro e teu arado por sobre OS ossos dos mortos.
A estrada do excesso conduz ao palácio DA sabedoria
A Prudência é uma Rica, feia e velha dama cortejada pela Incapacidade.
Aquele que deseja e não age, cultiva a peste.
O verme cortado perdoa o arado.
Afunda no rio aquele que ama a água.
Um tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê.
Aquele cuja face não lampeja, jamais se tornará uma estrela.
A Eternidade namora os frutos do tempo.
A abelha laboriosa não tem tempo para entrevos.
As horas de estupidez são medidas pelo relógio; as de sabedoria, porém,
relógio algum pode medir.
Toda comida sadia é conseguida sem rede ou armadilha.
Traz número, peso e medida num ano de privação.
Nenhum pássaro voa muito alto, se voa com as próprias asas.
Um cadáver não revida a agressões.
O mais sublime ato é realizar um outro que o supere.
Se o tolo persistisse em sua tolice, sábio se tornaria.
A tolice é o manto da malandragem.
A vergonha é o manto do orgulho.
Prisões são construídas com pedras da lei, bordéis com tijolos de religião.
O orgulho do pavão é a glória de Deus.
A luxúria do bode é a generosidade de Deus.
A ira do leão é a sabedoria de Deus.
A nudez da mulher é a obra de Deus.
Excesso de tristeza ri. Excesso de alegria chora.
O rugir dos leões, o uivar dos lobos, a fúria do mar tempestuoso, e a espada
destruidora, são porções de Eternidade, grandiosas demais para o olho do
homem.
A raposa condena a armadilha, não a si mesma.
Alegrias fecundam. Tristezas fazem germinar.
Que o homem vista a pele do leão e a mulher a da ovelha.
O pássaro um ninho, a aranha uma teia, o homem amizade.
O tolo mesquinho e o risonho, e o tolo sisudo e tristonho, devem ser ambos
julgados sábios, para que sirvam de exemplo.
O que agora é provado, foi antes apenas imaginado.
O rato, o camundongo, a raposa e coelho espreitam as raízes; o leão, o
tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos.
A cisterna contém, a fonte transborda.
Um pensamento preenche a imensidão.
Sempre esteja pronto para dizer o que pensa, e um sujeito desprezível o
evitará.
Qualquer coisa em que se possa acreditar é uma imagem da verdade.
A águia nunca perdeu tanto tempo como como quando se submeteu a aprender com
a gralha.
A raposa provê a si mesma, mas Deus provê ao leão.
Pensa de manhã, age ao meio-dia, come de tarde, dorme de noite.
Aquele que sofreu a tua imposição, esse te conhece.
Assim como o arado segue as palavras, Deus recompensa as preces.
Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.
Espera veneno da água parada.
Nunca se sabe o que é suficiente enquanto não se sabe o que é mais do que
suficiente.
Ouve a crítica do tolo! É um direito régio!
Os olhos de fogo, as narinas de ar, a boca de água, a barba de terra.
O fraco em coragem é forte em astúcia.
A macieira jamais pergunta a faia como crescer, nem o leão ao cavalo como
apanhar sua presa.
O que recebe agradecido obtém colheita abundante.
Se outros não tivessem sido tolos, nós o seríamos.
A alma de doce deleite jamais deve ser maculada.
Quando vês uma águia, vês uma porção de Gênio; levanta a cabeça!
Como a lagarta escolhe as mais belas folhas para por seus ovos, assim o
sacerdote amaldiçoa as mais belas alegrias.
Criar uma pequena flor é labor de anos.
Maldição tensiona, bênção relaxa.
O melhor vinho, o mais velho.
A melhor água, a mais nova.
Orações não aram! Louvores não colhem!
Alegrias não riem! Tristezas não choram!
A cabeça sublime, o coração Pathos, os genitais Beleza, mãos e pés Proporção

red_dragon1Como o ar para um pássaro e o mar para um peixe, assim é o desprezo para o
desprezível.
A gralha queria que tudo fosse negro, a coruja que tudo fosse branco.
Exuberância é Beleza.
Se o leão fosse aconselhado pela raposa, seria astuto.
O progresso constrói estradas retas, mas as estradas tortuosas sem Progresso
são estradas de Gênio.
Antes matar um bebê no berço que cuidar de desejos não realizados.
Onde o homem não está, a natureza é estéril.
A verdade nunca pode ser dita para que seja compreendida sem que nela se
possa acreditar.
Suficiente! Ou Demasiado.

Os antigos poetas animavam todos os objetos sensíveis com Deuses ou Gênios,
chamando-os por nomes e adornando-os com as propriedades das florestas, rios
montanhas, lagos, cidades, nações e tudo o que seus vastos e numerosos
sentidos podiam perceber.
E estudaram em particular o gênio de cada cidade e país, colocando-o sob sua
deidade mental;
até que um sistema foi formado, do qual alguns se aproveitaram, e
escravizaram o vulgo com o intento de criar ou abstrair as deidades mentais
de seus objetos: assim começou o Sacerdócio.
Escolhendo formas de adoração tiradas dos contos poéticos. E com o tempo,
pronunciaram que os deuses tinham ordenado tais coisas.
Assim o homem se esqueceu que todas as deidades residem no peito humano.

Uma Visão Memorável

Os profetas Isaías e Ezequiel jantaram comigo, e eu lhes perguntei como
ousavam tão redondamente afirmar que Deus lhes falara; e se não pensaram na
época que seriam mal-compreendidos, e assim, causa de imposição.
Isaías respondeu: “Eu não vi Deus algum, nem ouvi, numa percepção
orgânica finita; mas meus sentidos descobriram o infinito em todas coisas, e
como estivesse assim convencido, e ainda o estou, de que a voz da indignação
honesta é a voz de Deus, não me preocupei com as consequências, mas escrevi.

Então perguntei: “A firme convição de que uma coisa é assim, assim a
torna?”
Ele respondeu: “Todos os poetas assim o acreditam, e em eras de
imaginação esta firme convicção removeu montanhas; mas muitos não são
capazes de uma firme convicção de coisa alguma.”
Então Ezequiel disse: “A filosofia do Oriente ensinou os primeiros
princípios de percepção humana: algumas nações mantiveram um princípio para
a origem, algumas outro: nós de Israel ensinamos que o Gênio Poético (como
vocês agora o chamam) foi o primeiro princípio e os outros meramente
derivados, e essa foi a causa de nosso desprezo pelos Sacerdotes e Filosófos
de outros países e de profetizarmos que se provaria afinal serem todos os
Deuses originados no nosso e serem tributários do Gênio Poético; foi isso
que nosso grande poeta, Rei David, desejou tão ardentemente e invoca tão
pateticamente, dizendo que com isso ele conquista inimigos e governa
reinados; e nós amamos tanto nosso Deus, que amaldiçoamos em seu nome todas
as divindades das nações vizinhas, e afirmamos terem elas se rebelado:
destas opiniões o vulgo veio a pensar que todas as nações seriam afinal
subjugadas pelos judeus.”
“Isto”, disse ele, “como toda firme convição, é fatal que aconteça; pois
todas as nações acreditam no código dos judeus e adoram o seu Deus, e pode
haver maior sujeição?”
Ouvi isso com algum espanto, e devo confessar, minha própria convicção.
Após o jantar, pedi a Isaías que favorecesse o mundo com suas obras
perdidas; ele disse que nenhuma de valor se perdera. Ezequiel disse o mesmo
das suas.
Também a Isaías o que o fazia caminhar nu e descalço durante três anos?
ele respondeu:
“O mesmo que nosso amigo Diógenes, o grego.”
Perguntei então a Ezequiel por que comia lama e se deitava por tanto
tempo em seus lados direito e esquerdo? ele respondeu : “O desejo de
despertar outros homens para uma percepção do infinito: isto, as tribos
norte-americanas praticam, e é honesto aquele que resiste a seu gênio ou
consciência, visando apenas conforto ou gratificação presentes?”

A antiga tradição de que o mundo será consumido em fogo ao final de seis mil
anos é verdadeira, conforme ouvi no Inferno.
Pois o querubim com sua espada flamejante tem aqui ordens de deixar a
guarda da árvore da vida; e quando ele o fizer, toda a criação será
consumida e parecerá infinita e sagrada, enquanto agora parece finita e
corrupta.
Isto ocorrerá com um aperfeiçoamento do prazer sensual.
Mas primeiro a noção de que o homem tem corpo distinto de sua alma deve
ser banida.
Isto deverei fazê-lo imprimindo no método infernal, com corrosivos, que
no inferno são salutares e medicinais, solvendo superfícies aparentes, e
expondo o infinito que estava oculto.
Se as portas da percepção fossem limpas, tudo apareceria ao homem como é,
infinito.
Pois o homem fechou-se a si mesmo, até ver todas as coisas pelas
estreitas fendas de sua caverna.

Uma Visão Memorável

Estava numa tipografia do inferno, e vi o método pelo qual o conhecimento é
transmitido de geração a geração.
Na primeira câmara havia um Homem-Dragão, limpando a sujeira da boca de
uma caverna, em cujo interior, uns quantos Dragões escavavam.
Na segunda câmara havia uma Víbora envolvendo a rocha e a caverna, e
outras adornando-a com ouro, prata e pedras preciosas.
Na terceira câmara havia uma Águia com asas e plumas de ar: tornava o
interior da caverna infinito; ao redor estavam alguns Homens-Águia, que
construíam palácios nos imensos rochedos.
Na quarta câmara havia leões de fogo flamante, vagando furiosos e fundindo
os metais em vivos fluidos.
Na quinta câmara havia formas Inominadas que lançavam os metais espaço
adentro.
Lá eram recebidos por homens que ocupavam a sexta câmara, e ganhavam a
forma de livros, e eram arrumados em bibiliotecas.

Os Gigantes que formaram este mundo em sua existência sensual, e parecem
viver nele agora acorrentados, são na verdade as causas de sua vida e as
fontes de toda atividade; mas as correntes são a astúcia de mentes fracas e
domesticadas, que têm poder de resistir à Energia; como diz o provérbio, o
fraco em coragem é forte em astúcia.
Assim uma parte do ser é o Prolífico, a outra o Devorador: ao Devorador
lhe pareceu ter o Produtor em suas correntes; mas não é assim, ele apenas
toma porções de existência e as imagina o todo.
Mas o Prolífico deixaria de ser Prolífico, se o Devorador, como um mar,
não recebesse o excesso de seus prazeres.
Alguns dirão: “Não é somente Deus o Prolífico?” Eu respondo: “Deus só age
e é em seres existentes ou Homens.”
Essas duas espécies de homens estão sempre sobre a terra, e devem ser
inimigos : quem tentar reconciliá-los busca destruir a existência.
A Religião é um esforço para reconciliar os dois.
Nota: Jesus Cristo não desejava uní-los, mas separá-los, como na parábola
das ovelhas e das cabras! E ele diz: “Eu não vim trazer a Paz, mas a Espada.

Messias ou Satã ou o Tentador era originalmente considerado um dos
Antediluvianos que são nossas Energias.

Uma Visão Memorável

novo 19Um Anjo veio para mim e disse: “Oh lamentável, tolo jovem! Oh horrível!
Pavoroso estado! Considera a ardente masmorra que estás preparando para ti
mesmo por toda a Eternidade, para a qual estás indo em tal carreira!”

Eu disse: “Talvez gostarias de mostrar-me meu Destino Eterno, e refletindo
juntos a respeito, veremos se o teu ou o meu é mais desejável.”
Então, levou-me por um estábulo, e por uma igreja, e para o interior do
sepulcro da igreja, dentro do qual havia um moinho; através do moinho fomos,
e chegamos a uma caverna: pela caverna sinuosa adentro tateamos nosso
tedioso caminho, até que um vazio vasto como um céu rebaixado se mostrou a
nós, e nos seguramos nas raízes das árvores e pairamos sobre a imensidão;
mas eu disse: “se me permites, vamos entregar-nos a este vazio e ver se a
providência aí também se encontra: se não fores, eu irei.” Mas ele
respondeu: Não seja presunçoso, jovem homem, mas já que aqui estamos,
contempla tua sina, que em breve aparecerá, quando as trevas tenham se
dissipado.”
Permaneci, então, com ele, sentado sobre a raíz retorcida de um carvalho;
ele se mantinha suspenso por um cogumelo que pendia com a cabeça voltada
para o abismo.
Pouco a pouco contemplamos o abismo infinito, ardente como a fumaça de uma
cidade em chamas; atrás de nós, a uma imensa distância, estava o sol, negro,
mas brilhante; ao seu redor, trilhas ardentes nas quais se revolviam enormes
aranhas, rastejando atrás de suas presas que voavam, ou antes, nadavam no
abismo infinito, nas mais terríveis formas de animais nascidos da corrupção;
e o ar estava cheio deles, e parecia composto por eles: esses são os
demônios, e são chamados Poderes do ar. Perguntei então a meu companheiro
onde estava meu destino eterno? Ele disse: “entre as aranhas negras e as
brancas.”

Mas agora, dentre as aranhas negras e brancas, uma nuvem e um fogo
irromperam e rolaram espaço adentro, enegrecendo tudo embaixo, de forma que
o baixo abismo ficou negro como um mar, e rolou com um terrível ruído;
abaixo de nós nada mais se via senão uma negra tempestade, até que, olhando
para leste, entre as nuvens e as ondas, avistamos uma catarata de sangue
mesclado com fogo e, a não muitas pedras de distância, emergiu e afundou de
novo a escamosa pele de uma monstruosa serpente; por fim, a leste, distante
aproximadamente três graus, surgiu a crista ardente sobre as ondas;
lentamente ela se elevou como uma cadeia de montanhas douradas, até
descobrirmos dois globos de fogo carmim, dos quais o mar se expandia em
nuvens de fumaça; e então vimos que era a cabeça de Leviatã; sua fronte
estava dividida em listras verde e púrpura como as da fronte de um tigre:
logo vimos sua boca e guelras rubras pendiam por sobre a espuma raivosa,
tingindo o negro abismo com raios de sangue, avançando em direção a nós com
toda a força de uma existência espiritual.

Meu amigo o Anjo galgou desde seu posto até o moinho: eu permaneci só, e
então não havia mais essa aparição, mas encontrei-me sentado em uma
agradável encosta à beira de um rio ao luar, ouvindo um harpista, que
cantava ao som de sua harpa; e seu tema era:
“O homem que nunca altera sua opinião é como água parada, e engendra
répteis da mente.”
Mas eu me levantei e procurei o moinho, e lá encontrei meu Anjo, que,
surpreso, perguntou-me como escapei?
Eu respondi: “Tudo o que vimos deveu-se à tua metafísica; pois quando
fugiste, encontrei-me numa encosta ao luar ouvindo um harpista. Mas agora
que vimos meu destino eterno, devo mostrar-te o teu?” Ele riu de minha
proposta; mas eu, à força, subitamente tomei-o em meus braços, e voamos
noite adentro em direção a oeste, até sermos elevados acima da sombra da
terra; então me atirei com ele diretamente para dentro do corpo do sol; ali,
vesti-me de branco, e tomando em minha mão volumes de Swedenborg, deixei-me
cair da região gloriosa e passei todos os planetas até chegar a Saturno: lá
parei para descansar e então saltei para dentro do vácuo entre Saturno e as
estrelas fixas.
“Aqui”, disse eu, “está teu destino, neste espaço, se de espaço pode ser
chamado”. Logo avistamos a igreja, e levei-o até o altar e abri a bíblia e
ah! Era um poço profundo, para dentro do qual desci, guiando o Anjo à minha
frente: logo vimos sete casas de tijolos, em uma entramos; dentro, havia uns
quanto macacos, babuínos, e todos dessa espécie, acorrentados pela cintura,
arreganhando os dentes e agarrando-se uns aos outros, mas detidos pelo curto
alcance de suas correntes: no entanto, vi que eles às vezes tornavam-se
numerosos, e então os fracos eram pegos pelos fortes, e com dentes
arreganhados, primeiro copulavam com eles e então os devoravam,
arrancando-lhes primeiro um membro, depois outro, até que o corpo se
reduzisse a um tronco miserável: este, após mostrarem-lhe os dentes e
beijá-lo com aparente afeto, devoravam também; e aqui e ali vi um
saborosamente mordendo a carne de sua própria cauda; como o fedor nos
incomodasse a ambos terrivelmente, entramos no moinho, e em minha mão trazia
um esqueleto, que no moinho era a Analítica de Aristóteles.
Então o Anjo disse: “tua fantasia se impôs sobre mim, e deverias estar
envergonhado.”
Eu respondi: “Nós nos impusemos um ao outro, e é perda de tempo conversar
contigo, cujas obras não passam de Analítica.”

Oposição é verdadeira amizade.

Eu sempre achei que os anjos têm a vaidade de falar de si mesmos como os
únicos sábios; isto o fazem com uma confiante insolência, surgida do
raciocínio sistemático.
Assim Swedenborg se vangloria de que o que ele escreve é novo: embora seja
apenas um Sumário ou Índice de livros já publicados.
Um homem levou consigo um macaco para mostrá-lo, e por quê era um pouco
mais sábio que o macaco, envaideceu-se e julgou-se mais sábio que sete
homens. O mesmo ocorre com Swedenborg: ele mostra a estupidez das igrejas, e
expõe hipócritas, até imaginar que todos são religiosos e ele mesmo o único
na terra que jamais rompeu barreiras.
Agora ouçam um fato evidente: Swedenborg não escreveu uma só verdade nova.
Agora ouçam outro: ele escreveu todas as velhas falsidades.
E agora ouçam a razão. Ele conversava com Anjos, que são todos religiosos,
e não com Demônios, que odeiam todos religião, pois ele era incapaz dentro
de suas noções presunçosas.
Assim os escritos de Swedenborg são uma recapitulação de todas as opiniões
superficiais, e uma análise das mais sublimes , mas nada mais.
Ouçam agora outro fato evidente. Qualquer homem de talentos mecânicos pode
a partir dos escritos de Paracelso ou Jacob Boehme, produzir dez mil
volumes de igual valor aos de Swedenborg, e daqueles de Dante ou Shakespeare
um número infinito.
Mas que, ao fazê-lo, não o deixem dizer que sabe mais do que seu mestre,
pois ele apenas segura uma vela à luz do sol.

Uma Visão Memorável

Vi uma vez um Demônio numa flama de fogo, que se elevou diante de um Anjo
sentado numa nuvem, e o Demônio proferiu as seguintes palavras:
“A adoração de Deus é : Honrar seus dons em outros homens, cada um de
acordo com seu gênio, e amar mais os maiores homens: aqueles que invejam e
caluniam os grandes homens odeiam Deus, pois não há outro Deus.”
O Anjo, ouvindo isso, tornou-se quase azul, mas, recompondo-se, ficou
amarelo, e finalmente branco, rosa, e sorrindo respondeu:
“Tu, idólatra! Não é Deus Uno? E não é ele visível em Jesus Cristo? e
Jesus Cristo não deu sua sanção à lei dos dez mandamentos? E não são todos
os outros homens tolos, pecadores e ninguéns?”
O Demônio respondeu: “Mói um tolo num pilão com trigo e ainda não se
conseguirá arrancar-lhe sua tolice: se Jesus Cristo é o maior dos homens,
deve-se amá-lo no mais alto grau; ouve agora como Ele deu Sua sanção à lei
dos dez mandamentos: não zombou ele do sabbath e assim do Deus do sabbath?
não matou aqueles que foram mortos por sua causa? não fez vista grossa à lei
da mulher pega em adultério? não roubou trabalho alheio pra se sustentar?
não manteve falso testemunho quando se recusou a fazer uma defesa diante de
Pilatos? não cobiçou ao pregar para seus discípulos, e pedir-lhes que
sacudissem a poeira de seus pés diante dos que se negavam a hospedá-los? Eu
te digo, nenhuma virtude pode existir sem a quebra desses dez mandamentos.
Jesus era todo virtude, e agia por impulso, não por regras.”
Quando ele acabou de falar, observei o Anjo, que estendeu os braços,
envolvendo a flama de fogo, e foi consumido, e ascendeu como Elias.
Nota: esse Anjo, que agora se tornou um Demônio, é meu amigo íntimo. Nós
sempre lemos juntos a Bíblia, em seu sentido infernal ou diabólico, que o
mundo deverá ter, se se comportar bem.
Tenho sempre a Bíblia do Inferno, que o mundo há de ter, quer queira, quer
não.

Uma Lei para o Leão e o Boi é Opressão.

Uma Canção de Liberdade

mostra_imagem_anonima1. A Eterna Fêmea grunhiu! foi ouvida por toda a Terra.
2. A costa de Albion está doente, silenciosa; fenecem os campos
americanos!
3. Sombras de Profecias tremem ao longo de lagos e rios, e murmuram através
do oceano: França, derruba a tua masmorra!
4. Dourada Espanha, estoura as barreiras da velha Roma!
5. Joga tuas chaves, ó Roma, abismo adentro despencando, mesmo até a
Eternidade despencando,
6. E chora.
7. Em sua mão trêmula ele tomou o terror recém-nascido, uivando.
8. Naquelas infinitas montanhas de luz, agora confinadas pelo Oceano
Atlântico, o recém-nascido fogo deteve-se perante o rei estelar!
9. Embandeiradas com neves de fronte cinzenta e rostos trovejantes, as asas
ciumentas agitaram-se sobre o abismo.
10. A mão em forma de lança incinerou-se no ar; desatado estava o escudo;
adiante seguiu a mão do ciúme por entre os cabelos em fogo, e lançou a
maravilha recém-nascida através da noite estrelada.
11. O fogo, o fogo está caindo!
12. Olha para o alto! Olha, cidadão de Londres, alarga teu semblante! Ó
Judeu, deixa de contar ouro! retorna a teu óleo e teu vinho. Ó Africano!
negro Africano! (vai, pensamento alado, amplia o seu semblante.)
13. Os membros ardentes, cabelos flamejantes, lançados como o sol poente no
oceano ocidental.
14. Desperto de seu sono eterno, o antigo elemento urrando fugiu.
15. Para baixo, precipitando-se, batendo suas asas em vão, o rei ciumento;
seus conselheiros de cenho cinzento, guerreiros retumbantes, veteranos
encrespados, por entre elmos, escudos e carruagens, cavalos, elefantes,
estandartes, castelos, tipóias e rochas.
16. Caindo, precipitando-se, ruindo! enterrado em ruínas, nos refúgios de
Urthona.
17. Por toda a noite, por entre as ruínas; então, suas chamas sombrias,
apagadas, emergem em torno do melancólico rei.
18. Com trovão e fogo, conduzindo suas hostes estelares através do árido
deserto, ele promulga seus dez mandamentos, erguendo suas luminosas
pálpebras sobre o abismo, em profundo desânimo.
19. Onde o filho do fogo, em sua nuvem oriental, enquanto a manhã empluma
seu peito dourado,
20. Desprezando as nuvens escritas com maldições, esmaga reduzindo a pó a
lei de pedra, libertando os cavalos eternos dos refúgios da noite, gritando:
O IMPÉRIO CAÍU! E AGORA O LEÃO E O LOBO DEVEM PARAR.

  Coro

Não permitam mais que os sacerdotes do corvo da Aurora, em negro mortal, com
áspera voz, amaldiçoem os filhos do prazer. Nem seus confrades aceitos – a
quem ele, tirano, chama de livres – marquem o limite ou construam o telhado.
Nem que a pálida luxúria religiosa chame aquela virgindade que deseja mas
não age!

Porquê tudo o que vive é Sagrado.

Tradução de Dênis Urgal

(Arquivo Rizoma)

filipeta

 

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