Asbidrushin Elgariot era o que podemos dizer um mago sistemático.
Fazia tudo dentro dos conformes. Como dizia: “Para cada coisa uma regra e para cada regra uma coisa”. Não era daqueles lunáticos que se aventuravam pelas incertezas esfumaçantes da bruxaria vulgar. Não, com ele tudo era bem pesado, bem medido e estava ali, escrito em letras bem redondas no velho livro da tradição.
Filho do meio de um dos conselheiros do reino era o desgosto do pai. Franzino, não era versado em lutas ou combates, como os outros meninos. Tinha os olhos encovados, braços finos, pernas longas, nariz comprido… Passava horas na biblioteca do rei, lendo e relendo várias vazes as passagens e os
ensinamentos que considerava importante, pois sua memória
não o ajudava muito e papel era uma coisa rara naqueles tempos para dar-se ao luxo de fazer anotações.
Quando o velho rei morreu, assumiu o príncipe herdeiro, Bramboim o Quinto, que resolveu fazer algumas modificações na estrutura do conselho. Faltava ali um mago que lhe desse conselhos inspirado pela divindade, que fizesse milagres, que comandasse os elementos… Sabia, através de um negociante de tecidos que viajava pelo mundo, da existência de uma escola para bruxos numa ilha muito distante, cercada por uma cortina de névoas. Mandou um emissário averiguar. Passado um ano, eis que volta o enviado com a notícia positiva de que encontrara a tal escola; que a viagem era longa, mas não difícil; que o custo dos estudos completos era caro, mas que valia a pena. Pudera ver, com os próprios olhos, prodígios realizados pelos estudantes de deixar o profeta embasbacado e que, por sorte, aceitavam alunos novos desde que soubessem ler.
Bramboim, entre todos os meninos do reino escolheu Asbidrushin – como você já estava adivinhando. Chamou-o diante de si e lhe informou de sua decisão.
“Nossos cofres não são ricos como os dos reinos do oriente, faremos um sacrifício extra para pagar seus estudos. Vá, volta-me mago e pague o investimento que faremos em você fazendo aqui as maravilhas que aprender lá.”
Sorridente e cheio de esperanças, ele foi.
As coisas no reino caminhavam como sempre.Havia dias de chuva, havia dias de Sol. Sim, é claro, haviam os nublados… E o tempo foi fazendo aquilo que mais sabe fazer, passar… Foi assim que, alguns anos, chega uma carta do aprendiz, solicitando ao rei a compra da coleção completa de livros de
magia editada pela escola. Dizia que ali estavam todas as fórmulas, todas as respostas. Eram livros grossos, com capa de couro persa, decorada a ouro e as folhas eram de papiro egípcio. Todos eles manuscritos por copistas gregos. Custavam muito caro, três vezes todo o investimento feito em seus
estudos, mas valiam a pena.
“Tem mesmo a resposta para todos os problemas?” – perguntou-lhe o Rei numa carta cheia de desconfianças.
“Tem majestade.” Foi a sua resposta.
Foi assim que se graduou mago, com louvor, pela famosa:
Antiga e Provecta Escola Dogmática de Magia.
Uma caravana foi enviada para trazer os livros que foram colocados numa torre especialmente construída para Asbidrushin e sua magia.
Nem bem se instalou começaram as consultas. A primeira da fila foi a Princesa Jocona que, depois dos banquetes, tinha terríveis pesadelos que a assustavam. Lá foi ele ao índice dos livros. “Pesadelos… quinto volume… página 1.454...” Ali estava, “para pesadelos depois de banquetes: se masculinos beber antes de deitar, voltado para o poente, uma infusão de folhas de pramicó, se femininos beber a mesma infusão só que com o rosto voltado para o nascente.”
Depois daquele dia ninguém mais ouviu a princesa queixar-se de pesadelos, podia empanturrar-se de assados, massas, doces, tortas gordurosas, frutas ácidas, vinhos picantes, cerveja
quente, iguarias bizarras, que depois dormia como uma porquinha feliz, sonhando com broas, geleias e pudins – delícias…
Dia após dia as filas aumentavam e os livros respondiam com acerto a tudo… Ele não se aventurava, seguia os escritos ao pé da letra, onde era balde era balde, onde era copo era copo.
Assim, foi resolvendo problemas da lavoura, de relacionamento entre pessoas, de amores e de dores…
Quando os gafanhotos invadiram o reino, destruindo as lavouras do norte, Asbidrushin, seguindo os escritos do sétimo volume, página 1.473, produziu uma espécie de incenso que, com sua fumaça, dizimou a praga em poucos dias.
Tudo ia bem, até que algo extraordinário ocorreu com o rei.
Sempre que entrava na sala do trono para despachar com seus ministros, tinha um acesso de tosse que não o deixava trabalhar. Era um inferno, ninguém entendia o que ele dizia, não podia pensar direito, causava constrangimento e muitas vezes, de tanto tossir, ficava apoplético e era necessário carregá-lo aos seus aposentos.
Eu sei que você está ai perguntando: “Por que diabos ele não mudou a sala do trono?”…
– Como, você não fala ‘diabos’?
Esta bem, eu mudo sua pergunta: “Por que cargas d’água (gostou?) ele não mudou a sala do trono?” – Pergunta que faria qualquer pessoa inteligente. Tenho várias respostas: a) Porque não eram inteligentes; b) Porque o trono era de pedra e não podia ser transportado; c) Porque era um local imposto pela tradição; d) Porque o rei era teimoso; e) Porque eu preciso que seja assim para poder continuar com a história… Fico com a opção (e), você escolha a sua ou invente uma.
O fato é que os médicos do reino diagnosticaram que a causa era uma corrente de ar muito forte que passava pela sala do trono e que provocava o mal real (eis uma palavra bem empregue, vale ao mesmo tempo nos sentidos de realeza e de efetividade – incrível).
Havia uma porta na sala que se ficasse fechada cortaria um vento incômodo, sempre presente naquele ambiente. Mas bastava um vento um pouco mais forte soprar e ‘zazzz…’ (ou ‘nheeeck…’ se você preferir), ela se abria e lá vinha a desafortunada tosse do rei.
Chamaram o mago e mandaram que ele parasse o vento. Ele correu aos livros procurando a fórmula mágica para este caso e para seu desespero, lá nada havia sobre parar sopro de vento em salas de trono… Que fazer? Havia jurado que os livros resolviam todos os problemas e bem para este, o mais importante de todos, não havia nada.
Asbidrushin não sabia, mas lá no fundo da cozinha, ele tinha uma admiradora: Elvira. Uma menina diferente, tímida, introvertida, que falava com as plantas, que via coisas no ar.
Costumava ficar olhando de longe o mago e foi assim que notou que tinha algo errado com ele. Venceu sua timidez, chegou perto e perguntou o que havia.
Normalmente o mago não falaria com ela, uma mulher, uma serviçal, mas seu desespero era tanto que abriu seu coração.
A menina ficou olhando para ele e perguntou: “Os mestres lhe disseram que os livros resolviam tudo, não foi?”
Ele balançou a cabeça afirmativamente.
“Então vamos ver estes livros” – completou ela.
Ele a colocou diante dos livros.
A moça olhou embevecida para todos aqueles volumes, com ricas lombadas douradas, imponentemente dispostos pelas prateleiras.
Foi quando seus olhos se iluminaram.
“Apanhe aquele”, apontou Elvira.
Era o livro mais grosso de todos.
“Este é o da magia dos ventos, já o consultei e nada achei” – respondeu ele.
Ela o apanhou, carregou-o até a sala do trono e calçou a porta com ele, vedando o vento.
O problema estava resolvido.
Um conto de: Arsenio Hypollito Junior
Engenheiro civil por formação,
Arsenio conciliou durante anos a engenharia e os estudos em filosofia,
estrutura funcional e ciências da mente.
Em 1990, com a fundação do Instituto de Pesquisas Psíquicas Imagick,
toda a técnica racional adquirida em anos de profissão foi utilizada para elaborar um sistema fácil, rápido e claro de ensino Criador e instrutor de cursos e vivência, é Presidente do Instituto, tendo já publicado: A Maravilhosa Criança (80), Síntese Mágicka (92) e o Caminho da Rosa Dourada (03)