Por: Bety Romero
.O que aconteceu durante muito tempo na Casa dos Jesuítas, em São Vicente, foi um mistério para os habitantes da capitania. O azeite: que serviam para alimentação e também a iluminação das lamparinas estava em falta na colônia. Isso, porém, não foi problema para os jesuítas. Quando comunicado pelo irmão despenseiro de que não havia mais uma só gota de azeite no barril, o padre superior mandou que não o removesse, pois “Deus haveria de provê lo”. No dia seguinte, o despenseiro descobriu que havia azeite no barril. Novamente à noite este já acabara, mas de manhã, novamente, lá estava o azeite.
Isso durou cerca de um ano, e para os populares era algo incompreensível: como os jesuítas conseguiam o azeite a ainda o distribuíam, quando mais ninguém o tinha na capitania? Um mistério para todos, menos para os irmãos da Casa dos Jesuítas. Para eles estava claro que aquilo era apenas mais um milagre de seu superior, o padre José de Anchieta.
Na opinião do padre Quevedo, 49 anos, autor do livro A Face Oculta da Mente, pertencente à ordem dos jesuítas a mesma do beato Anchieta e conhecido estudioso da parapsicologia, José de Anchieta é, antes de tudo, uma fonte inesgotável de estudos, pois sua vida foi uma constante de fenômenos parapsíquicos que transcendem a compreensão da ciência e da própria Igreja: “Dos feitos do padre Anchieta”, diz Quevedo, “cerca de 30 foram relacionados, testemunhados sob juramento, documentados a anexados ao seu processo de beatificação, e, dentre eles, o mais comum era a levitação. Através do testemunho de varias pessoas contemporâneas de Anchieta, sabe se que a levitação do beato era um fato corriqueiro quase não despertando sustos na população. Era comum ele reza missas levitando.”
Levitar, entretanto, não era algo comum entre os índios. Alias, foi essa proeza, que uma vez o salvou dos perigosos tamoios, quando foi feito refém em Iperoig (onde hoje é Ubatuba), enquanto o padre Nóbrega tentava um pacto com os tupis. O chefe dos tamoios, Pindobuçu, vendo o elevar se do chão, atemorizou se e, na dúvida sobre que espíritos, bons ou maus, estariam dando lhe forças para tal, preferiu não arriscar, poupando lhe a vida.
Sabe se que a fonte de todo fenômeno parapsicológico é a energia corporal, dirigida pelo inconsciente. A levitação pode ser provocada por uma emoção tão forte, transformando essa tele-energia de forma a permitir a elevação do corpo acima do solo. No caso do beato Anchieta, porém, a única explicação plausível seria a dessa energia corporal, dirigida pelo inconsciente desejo de elevar se a Deus, que o faria levitar. Porém, nisso há uma contradição. A levitação antigamente era tida como milagre, se ocorrida com alguém diretamente ligado à religião, e considerada como obra do diabo, quando ocorria com um leigo. Os fenômenos só acontecem sob transe, após o qual há o desgaste, o cansaço devido à força despendida no transe, e na sequência incorrem para uma vida mais curta dos dotados de faculdades para-psíquicas, que por toda essa energia gasta nos transes acabam morrendo cedo.
Nada disso, entretanto, ocorria com Anchieta. Apesar de fraco além de um sério problema na coluna, que o obrigava a andar curvado, tinha saúde tão débil que praticamente veio para o Brasil para morrer. Ele viveu aqui 47 dos seus 63 anos, levando sempre uma vida regrada, tranqüila, sendo dotado de um espírito sereno e equilibrado mental e emocionalmente. Na verdade, ele levitava fora de transe, ou seja, dominava as forças da natureza como Cristo…
Na opinião do parapsicólogo, há uma grande semelhança entre a vida e os feitos do beato Anchieta com a vida e os feitos de Jesus Cristo. De acordo com sua tese, na Bíblia podemos encontrar dois tipos de milagres. Um que poderíamos considerar milagre, realmente, por ser inexplicável, a outro relativo, que poderia ser analisado à luz da parapsicologia:
É nesse ponto que Oscar Quevedo vê a semelhança entre o beato a Jesus Cristo. “Ele ressuscitou mortos sabe se de seis pessoas revisitadas pelo padre Anchieta embora fugisse disso alegando sempre: ‘Não vim como medico’. Curou doentes, levitava, tinha poderes de premonição, poder hipnótico, telepatia, psicofonia, pantoamnésia, fotogênese e poder de transformação ou seja, no conjunto, como Cristo, ele também dominava as forças da natureza, conseguindo esses fenômenos quando e como queria, e sem estar em transe. Digamos que ele conseguia de Deus o dom de usar esses poderes de acordo com sua vontade.”
Apesar dos inúmeros feitos, em vida, do beato Anchieta, a Igreja mantém uma posição bastante rígida, quase cética, quanto a eles; segundo o direito canônico, não existe milagre em vida, somente após a morte. Dessa forma, a Igreja não se manifesta sobre a obra de Jose de Anchieta em vida, nem aceita que houvesse realizado em vida qualquer milagre.
Quevedo prossegue: “Sabe se que o fenômeno da psicofonia ocorreu a Anchieta quando este se encontrava em Bertioga. Várias pessoas ouviram sua voz, em pregação, num momento em que ele estava a várias dezenas de quilômetros distante do local. A fotogênese produção de intensa luz repentina foi presenciada por muitos fiéis durante uma missa, e chegou a assustar os que estavam na Igreja de Nossa Senhora do Itanhaém. Durante a pregação, o padre caiu de joelhos. Neste exato momento, um imenso clarão iluminou o templo.”
Lembra o padre: “Anchieta era o único mestre de todas as letras no Brasil, ensinando seus próprios irmãos. Já em Coimbra, quando ainda era noviço, apesar da saúde fraca, sempre foi o aluno mais brilhante.” Quevedo afirma que há um erro por parte dos historiadores na sua biografa: pela biografia conhecida, enquanto esteve cativo dos tamoios ele escreveu nas areias da praia, por não dispor de papel a lápis, o consagrado poema à Virgem. Na verdade, ele apenas escreveu em latim, corrigindo os erros gramaticais dos 5.786 versos desse poema que fora escrito anteriormente. Agora, o fato dele saber de cor esses versos por si só já é um fenômeno. Além disso, seis meses após sua chegada ao Brasil ele publicou uma gramática da língua tupi, língua que foi aprendida, estudada e analisada nesse curto espaço de tempo, sendo que seu livro, contendo profundas análises das raízes linguísticas, é utilizado até hoje e ainda não foi superado.”
No século 17, o jesuíta Francisco Pires curou se repentinamente de impaludismo (malaria) após beber alguns goles de água onde havia sido mergulhada uma lasca do fêmur de Anchieta. No século 18, novo milagre: Manoel de Jesus, picado por uma cobra no calcanhar e já com os tendões e, músculos atrofiados, e perna gangrenando, deitou se sobre a lápide do túmulo de Anchieta e de lá levantou se curado.
Porém, os milagres do beato prosseguem, e hoje existem provas vivas deles. Uma dessas provas chama se Delminda Magalhães, moradora da cidade de Jundiaí. Por volta de 1950 ela estava em coma, já desenganada pelos médicos. Como seu sofrimento se prolongasse, um de seus filhos foi ate o Pátio do Colégio, onde está uma das relíquias do beato, a pediu a bênção para que ela morresse em paz. Ela não morreu. Levantou se, curada, na mesma hora. Maria Célia Borges, também viva e morando em Salvador, em 1970 anos teve câncer nas mamas, sendo submetida a uma operação onde foram extraídos os seios. O câncer, porém, estava tão difundido que não havia cicatrização. O problema se arrastou por meses, sem que os vários médicos pudessem solucioná-lo, ate que ela rezou, evocando o padre Anchieta. Quinze dias depois, estava curada.
A beatificação de Anchieta, apesar de não terem sido provados os dois milagres após a morte, foi conseguida 400 anos após o seu processo de beatificação ter sido iniciado, uma vez que seus milagres “gozam de grande fama”.
Para um candidato chegar a venerável, primeiro é obrigatório estágio para a beatificação e canonização, os caminhos são difíceis e começam com um processo a cargo do bispo da diocese em que vivia. Nessa primeira fase o bispo ouve testemunhos, mas sem a preocupação de saber se houve ou não milagres, e sim se a pessoa exerceu “as virtudes de Deus com grande heroicidade”. Se o bispo considera que o candidato cumpriu essa exigência, o processo é enviado à Roma, onde será submetido a rigoroso exame por uma comissão especial da Sagrada Congregação para a Causa de Santos. Aprovado, o processo é submetido ao julgamento do Conselho Cardinalício. Se novamente aprovado, é enviado ao papa, que dará a palavra final. Ao ser proclamado venerável, o candidato tem aberto automaticamente seu processo de beatificação.
Revista Planeta número 100
Janeiro de 1981
Seja senhor, causa e motivação.