image5H4Ele se considera um operário da construção de um novo paradigma holístico. E pode-se dizer que ele foi um dos precursores dos alicerces do movimento holístico no Brasil, em 1987, quando coordenou o 1º Congresso Holístico Internacional, em Brasília. “Esse evento teve uma dimensão iniciática que nos impulsionou, definitivamente, para a construção desse verdadeiro “canteiro de obras”, destinado a construir um novo aprender a aprender, a partir do paradigma holístico, um fecundo espaço de encontro da ciência com a filosofia, a arte e a espiritualidade. Enfim, da ciência com a consciência” .

Crema é psicólogo e antropólogo e é um dos professores da Universidade da Paz que oferece um curso de formação holística de base. “Trata-se de uma escola de liderança, objetivando preparar os seus participantes para o enfrentamento lúcido dos novos e imensos desafios desse novo século, através do despertar de uma inteligência integral. A mudança do mundo tem início dentro de cada um de nós”.

Crema explica que a “sua primeira etapa destina-se ao desenvolvimento da ecologia interior, individual, através do cultivo de nossas funções psíquicas da razão, do sentimento, da sensação e da intuição. E com a integração da dimensão pessoal com a transpessoal que resgata nossas asas, ligando-as com nossas raízes. Na segunda etapa, é focalizada a ecologia social e ambiental, abrindo a compreensão para estas esferas interligadas do ser humano, a sociedade e a natureza. Finalmente, na terceira etapa, o participante realiza a sua obra prima, uma demonstração concreta, a partir da vocação particular do aprendiz, da integração da nova consciência transdisciplinar holística
Confira os melhores momentos de sua entrevista.
 

O homem afastou-se de sua verdadeira natureza. A seu ver, quais os principais impactos dessa ruptura?
Roberto Crema – Os sintomas dessa dissociação alienante são bastante claros: a degradação ambiental, a escalada da violência, as infindáveis guerras, a exclusão perversa e desumana, a injustiça crônica, o cinismo generalizado, a corrupção dominante, o índice alarmante do suicídio infanto-juvenil, são óbvios sinais de decadência de uma civilização que se desconectou da alma, da consciência, da ética e do espírito. Investir na subjetividade, nos tesouros do coração e no despertar de uma inteligência global é a estratégia mais importante de nosso momento histórico. O esquecimento do ser, da dimensão essencial, e a idolatria do ego, são fatores que se encontram na fonte mesma da crise global que exige uma consciência total para ser transcendida.

O senhor acredita que a ciência está, de certa forma, validando alguns conceitos que, até então, pertenciam às tradições espirituais?
Sem dúvida, estamos superando, felizmente, o que denomino de pacto do século XVII, que estabeleceu um princípio equivocado de antagonismo entre o domínio científico e o domínio do sagrado. Essas são duas formas distintas e complementares, de apreensão da realidade una. Compreendo que a espiritualidade se traduz por uma consciência de participação que, na essência, é amor. Na prática, é solidariedade. Com esta desvinculação, a ciência se desconectou do cuidado amoroso e do serviço. A própria UNESCO, há quase duas décadas, através de importantes documentos, vem postulando e nos convocando para o desenvolvimento da abordagem transdisciplinar, que visa o resgate da unidade do conhecimento. Essa tem sido a tarefa básica daUNIPAZ, nos últimos 15 anos. Falamos, hoje, dos quatro pilares de uma nova educação: educar para conhecer, educar para fazer, educar para conviver e educar para ser. Talvez o historiador do futuro, analisando o período em que vivemos, dirá que a revolução mais importante foi o reencontro do Ocidente com o Oriente, da razão com o coração, da ciência com a essência.

Qual o papel das religiões em pleno século XXI?
Como a etimologia indica, religião implica em religare, uma religação da parte com o todo, do ser humano com a humanidade, a natureza e o grande sopro da vida, o ser que nos faz ser. É, também, uma forma particular de encarnar a espiritualidade viva. Infelizmente, ela pode se desconectar de sua fonte original, tornando-se mera instituição, uma burocracia do suposto-divino e, na pior das hipóteses, em mecanismos de controle de massas, cegos e destruidores, a exemplo de todos os fundamentalismos. Basta lembrar que as centenas de guerras travadas no século XX tiveram motivos dominantemente étnicos e religiosos. Basta ler as manchetes de qualquer jornal, para constatarmos que, nem sempre, as religiões têm sido instrumentos de união amorosa e fraterna. A abordagem transdisciplinar é, também, transcultural e transreligiosa, colocando a ênfase na espiritualidade autêntica, que Einstein denominava de cósmica e um famoso físico contemporâneo, Fritjof Capra, denomina de “Pertencendo ao Universo”. Necessitamos de uma terapia das religiões. Não haverá paz entre os povos e nações enquanto os líderes religiosos não forem capazes de darem as suas mãos e colaborarem, em conjunto, para que o bom, o belo e o bem possam prevalecer. Felizmente, há muitas e boas iniciativas neste sentido, como o recente encontro em Assis.

Na sua opinião, qual é a missão básica do ser humano?
A missão do ser humano é se tornar, plenamente, humano. Como afirmam os sábios, antigos e contemporâneos, o ser humano ainda não nasceu. Nossa espécie introduziu uma nova qualidade de evolução neste planeta: a evolução intencional e consciente. Nós nos tornamos humanos, realmente, através do investimento disciplinado no solo fértil de nossos talentos vocacionais. A parábola é bela e antiga: todos recebemos alguns talentos, que nos serão devidamente cobrados, pelo Senhor da Vida. Nesse sentido, o autêntico ser humano é uma utopia que necessitamos realizar. Para nos inspirar, há alguns sonhos premonitórios, como Cristo, Buda e Francisco de Assis, entre muitos outros. Verdadeiros arquétipos de humanidade plena, a indicar o alcance insuspeitado do nosso potencial de humanidade.

Se depender da nossa memória celular, o homem pode conectar-se novamente com sua divindade?
Se formos capazes de esgotar um átomo do pacote de memórias que estamos sendo, poderemos nos recordar de nossa origem comum existencial, no Big Bang e, muito mais além, poderemos saborear o néctar da essência, o gosto daquilo que realmente somos, o mistério infinito que brinca em nossa inquietante finitude.

Roberto Crema

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