suphi wConta uma antiga lenda Sufi que dois dervixes, um já ancião e o outro bem mais jovem, se encontraram por acaso em uma das várias estradas que davam acesso a uma pequena cidade, próxima da região onde eles moravam, na Turquia.

O mais velho dos dois dervixes ostentava uma suntuosa e longuíssima barba, cultivada ao longo de mais de trinta anos de aferrada, insistente e teimosa peregrinação na via do Conhecimento e da Busca de Deus. Perguntado pelo mais novo sobre as razões de se manter uma barba tão comprida e incômoda, respondeu irritado que ela representava todas as suas provações sendo ela a única fiel testemunha de seus feitos e convicções, companheira das conquistas e símbolo de sua sabedoria.

“Ó ancião, não me consta haver relação alguma entre uma barba, por maior que seja, e a sabedoria!”, retorquiu surpreso o descuidado jovem dervixe.

“Você é novo e nada sabe, é melhor calar-se e me acompanhar, se quiser aprender alguma coisa!”, esbravejou com arrogância o ancião barbudo.

Nada restando que pudesse ser dito, o jovem dervixe, então, resignou-se em silêncio e decidiu, por fim, acompanhar o outro.

Logo encontraram um caudaloso rio cruzando o atalho que os conduzia à pequena cidade. Como não havia pontes nem qualquer alternativa puseram-se a atravessá-lo a nado. Assim, o ancião pôs-se rapidamente a nadar em direção a outra margem, sendo seguido de perto pelo jovem dervixe que o acompanhava. Porém, a força das águas logo cansaria o mais velho que, sob o efeito do peso de sua grande barba encharcada, começava a se afogar. Imediatamente o jovem dervixe sacou uma navalha e ofereceu-a ao ancião, para que esse se livrasse da enorme barba. Foi quando o ancião, com insana veemência e ira, a recusou, dizendo: “jamais, ó infiel! Ela é a prova de minhas conquistas…”

E, desta forma, o velho dervixe, sucumbindo ao peso de sua enorme barba, foi arrastado pela forte correnteza e se afogou.

Quando chegou a outra margem, o atordoado jovem dervixe encontrou um mullá calmamente sentado. O tranqüilo Sábio, que, impassível, assistira toda a cena, disse então: “Não te aflijas, ó jovem aprendiz, mas sabe que a ti foi conferida uma nobre honra!”.

“Como? não entendo o que queres proferir, ó mullá.” Disse ainda meio que sem fôlego o jovem dervixe.

“Regozija-te, ó tu que és novo na Senda da Iluminação!” – continuou o Sábio – “pois viste o exemplo vivo de como A Busca de Deus é tolamente trocada pelas conquistas do caminho.”

“O homem, tal como o bode, não deve se envergonhar de sua própria barba; mas também não deve ter receio, nem acanho, em tirá-la, pois se ela indica beleza, não é a Beleza, assim como as conquistas do Caminho da Busca de Deus, não são Deus.”

“Da mesma forma, as convicções não indicam sabedoria, porquanto o saber está em acompanhar o ritmo dos tempos mesmo que para isso tenhamos que nos desfazer do excessivo peso das nossas próprias certezas, ainda que estas acumulem mais de três décadas…”

“Quando aquele infeliz dervixe recusou-se a cortar a própria barba, dando mais importância às suas posses do que a vida, que é a Busca de Deus, ele recusou a lição das águas, a lição do passar dos tempos, e pereceu ante a tola ilusão de sua própria grandeza.”

“Pois não importa a posse, mas sim o sentido e a atitude do homem perante as conquistas; e, da mesma forma pela qual muda a posição das estrelas conforme a variação das estações, nunca haverá doutrina ou convicção pessoal que resista a variação da vida em sua eterna ânsia de constante mudança!”

 

por: Carlos Raposo

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Fonte da Imagem: “Orientale with a long beard”, by Schongauer Martin.

PS.: o pequeno conto é livremente inspirado pelo “A Linguagem dos Pássaros”, de Farid ud-Din Attar.http://scribatus.wordpress.com

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