medicina    A Medicina Tibetana é uma ciência que teve a sua origem no quadro das grandes universidades monásticas do Norte da Índia onde floresceu durante mais de mil anos. Trata-se de uma ciência porque os seus princípios estão enumerados num esquema lógico e sistemático, baseado no conhecimento do corpo e da sua interação com o meio ambiente. É igualmente uma ciência que pode ser testada quanto à conformidade dos resultados de tratamento com as suas previsões, medicamentos e teses. Também é considerada uma arte e uma filosofia. Uma arte, porque usa técnicas de diagnóstico baseadas na criatividade, discernimento, sutileza e compaixão do médico praticante. Uma filosofia porque abraça os princípios Budistas do altruísmo, karma e ética.
     
    No primeiro século antes de Cristo esta ciência foi levada para o Tibete por dois panditas Indianos. Desde então esta sabedoria tem sido preservada pelos Tibetanos. No século sexto foi aclamada, numa conferência de médicos de nove nações reunidos no Tibete, como a mais preeminente prática medicinal do seu tempo. Foi então mandado construir, no oitavo século, pelo rei Trisong Detsen o primeiro colégio de Medicina chamado Melung ou “País da Medicina” em Kongpo a sul de Lhasa a antiga capital Tibetana. Melung inspirou a criação de várias escolas de Medicina que surgiam como colégios em dependência dos grandes mosteiros.
     
    Em meados do século dezessete, o quinto Dalai-Lama mandou construir o segundo colégio de Medicina chamado Chokpori, sobre o monte de ferro oposto ao Palácio Potala. Nele médicos oriundos de todo o Tibete e Mongólia congregavam para praticar uma ciência que se havia desenvolvido e apurado ao longo de anos no Tibete. Com a necessidade moderna de ter cada vez mais médicos, o Décimo Terceiro Dalai-Lama construiu o Mendzekhang ou “Casa da Medicina” a Oeste de Lhasa em 1916.
     
    A obrigação legal de todos os mosteiros, sedes de distrito e acampamentos militares recrutarem alunos para os dois colégios de Medicina em Lhasa, garantia a preservação e desenvolvimento da ciência, bem como o benefício de um sistema de saúde avançado e gratuito para a população Tibetana.
     
    Tradicionalmente a formação em Medicina Tibetana levava pelo menos onze anos de aulas com uma quantidade tremenda de memorização. Nos mosteiros, só os monges com maior capacidade de memorização é que eram selecionados para frequentarem o colégio de Medicina. Nestes, a rotina dos estudantes era a seguinte: às quatro da manhã soava o sino para o primeiro estudo dos textos ainda à luz de vela. Como se acreditava que a mente estava mais fresca quando acabada de acordar, passavam-se três horas antes do nascer do sol a memorizar as 1140 páginas dos quatro tantras da Medicina (rgyud-bzhi), os textos raiz ensinados pelo Buda, os quais juntamente com centenas de livros de comentário e catálogos farmacológicos, eram a base de estudo da Medicina Tibetana.
     
    Às sete da manhã os instrutores inquiriam os estudantes acerca do trabalho da manhã, para de seguida regressarem aos aposentos para a primeira malga de chá. Soava um segundo sino para todos se reunirem no hall central do mosteiro para as orações da manhã, lá estavam penduradas thankas (desenhos sobre pano) a ilustrar ervas medicinais, anatomia, desenvolvimento embrionário e instrumentos cirúrgicos. Nestes colégios os alunos finalistas, sob orientação dos instrutores, também examinavam os doentes, outros professores de Mendzekhang e médicos de Chokpori viajavam até à cidade para efetuarem consultas a quem estivesse demasiado débil para se deslocar. Os serviços médicos eram gratuitos no Tibete e os pacientes só tinham de pagar os medicamentos.
     
    Para o estudante a maior parte do tempo consistia em memorizar os textos. Devido à grande demanda por medicamentos, havia sobre todo o perímetro do colégio, montes de plantas medicinais a secar, raízes, ramos, folhas como também minerais, pedras preciosas e semipreciosas e produtos animais, tudo componentes a serem esmagados finamente para o fabrico dos mais de 2000 medicamentos que o colégio produzia.
     
    Depois de jantar às cinco da tarde vinha a sessão de debate. Ao sinal do Mestre, os alunos sentados por classes no pátio, desatavam numa cacofonia de vozes, palmas e respostas sonoras às questões que os atacantes colocavam aos seus inquiridos sobre a interpretação correta das descrições de causas nos tantras, sobre as várias condições e tratamentos de doenças. Eram sessões que duravam cinco horas e que por vezes se prolongavam noite a dentro, para algumas discussões mais acesas.
     
    Geralmente só após vários anos o aluno completava a memorização dos textos, algo que ainda tinha de ser demonstrado perante o seu professor. Com esta prestação o aluno era promovido e podia então requerer o seu exame final desta primeira etapa de aprendizagem. Este exame ocupava quatro manhãs de dias consecutivos. Perante a comunidade de estudantes, professores e convidados, o aluno tinha de recitar todos os cento e cinquenta e seis capítulos dos quatro tantras, consecutivamente ou na ordem que lhe fosse pedida. Só lapsos menores eram admitidos, quaisquer enganos eram motivo para reprovação.
     
    Depois segue-se um estudo em onze divisões.
     
    O diagrama da “Árvore ilustrada da Medicina”, onde três raízes (a da psicologia e da patologia, a do diagnóstico e a do tratamento) dão juntas origem a nove troncos, quarenta e dois ramos , duzentas e vinte e quatro folhas, três frutos e duas flores que têm de ser colocados em correspondência com os correspondentes capítulos do tantra.
     
    Segue-se um estudo aprofundado do que é o tópico mais importante da Medicina Tibetana e simultaneamente a base teórica de todo o sistema; os três humores corporais, rLung ou vento, mKhris-pa ou bile e Bad-kan ou fleuma. Estuda-se ainda embriologia, anatomia, funções metabólicas, sinais de morte, patologias, tratamentos e diagnóstico. Outra Matéria Médica sujeita a examinação inclui plantas medicinais, metais e minerais, partes e produtos animais, pedras vulgares e semipreciosas, várias formas de sais e algumas variedades de cogumelos.
     
    Após cerca de quatro anos de internato e com aprovação num exame final, era organizada uma cerimônia onde era atribuída a graduação. A ocasião era memorável e lúdica, envolvia toda a comunidade em festividades onde se distinguiam os com melhores prestações e onde, para divertimento do povo, se fazia troça dos com as piores prestações.
     
    Na atualidade, e após a invasão do Tibete pelo regime comunista Chinês em 1949, tem-se preservado a medicina Tibetana graças á construção de um Men-Tsee-Kang, também conhecido por Instituto de Medicina e Astrologia Tibetana em Dharamala, India. Lá só são ministrados cursos em Tibetano e o de Medicina é de seis anos com um ano de internato.
     
    Embora os benefícios do sistema médico Tibetano tenham sido vastamente aclamados, um dos problemas com que se confronta continua a ser a falta de reconhecimento por parte de governos e da ONU.

 

Ana Amalia
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