O Tao“Para representar o princípio eterno e incognoscível de todas as coisas, Lao Tsé escolheu uma palavra cuja etimologia possibilita uma designação pouco convencional: Tao. Esse termo foi utilizado convencionalmente pelos escritores, desde a antiguidade, para designar uma doutrina moral e social. Lao Tse, no entanto, dá-lhe uma nova acepção, utilizando-o para representar o Princípio Primordial, a causa das causas, o Absoluto Inacessível, o Ser/Não-ser superior a todas as criaturas, a Origem de tudo, que sempre foi, é e será, sem o qual nada existiria e que é Todo em tudo.” “Ao invés dos métodos de busca do Verdadeiro por intermédio dos sentidos e das faculdades mentais, o Tao Te King trata-se de uma introdução à Via da Simplicidade Original, à qual se tem acesso criando em si mesmo, pela abnegação e pelo desapego, um vazio que preenche a Virtude do Tao.” “Qualquer via que possa ser fixada e conduza gradualmente a um fim; qualquer doutrina ou sistema destinado a explicar as relações entre o espírito e a matéria, a determinar as categorias do entendimento; qualquer coisa que possa ser demonstrada a alguém, a fim de torna-lo apto a conhecer o Universo, a Verdade, a Realidade; nada disso é o que foi, é e eternamente será. Uma via que pode ser traçada não é a Via Eterna, o Tao.” “Os nomes atribuídos a seres e coisas, a fim de distingui-los, identificá-los ou evocá-los, aplicam-se às aparências apreendidas pelos sentidos e compreendidas pela inteligência, nada nos revelando da essência e, por conseguinte, da verdadeira natureza desses seres e coisas. Esses nomes pertencem ao modo de conhecimento relativo ao domínio do tempo e do espaço, onde reinam a dualidade, a oposição, a divisão. Um nome que pode ser pronunciado não é o Nome eterno.” “Nenhum dos modos de pensar e falar que conhecemos é aplicável ao Absoluto, e qualquer frase que tente qualificá-lo, fazê-lo conhecido, nega a si mesma, pois, no mistério de sua não-manifestação, o Tao é eterno, não tem nome. Assim, só nos resta balbuciar o que ele não é, fazendo preceder de uma negação todas as qualidades, virtudes e possibilidades sensíveis ou inteligíveis com que desejemos designá-lo.” “Não podendo ser nomeado, porque não manifesto no domínio do tempo e do espaço, o Tao não é para nós, senão uma necessidade lógica: percebendo tudo que há entre o céu e a terra e concebendo que nada possa nascer sem que uma causa seja seu princípio, quer dizer, que o preceda e produza, nossa impossibilidade de designar essa causa leva-nos a imaginar um Ser desconhecido, misteriosos, na origem do Universo. Sem nome, está na origem do Céu e da Terra.” A Virtude do Tao “As práticas sinceras que têm por fim a perfeição moral só podem ser úteis se servirem de introdução à vida espiritual e não se limitarem a reproduzir, em nosso comportamento, as formas exteriores daquilo que chamamos virtudes. Tal conduta, puramente formal, permanecerá obra da vontade própria enquanto não for vivificada e fecundada pelo Espírito Divino. Por isso é necessário mostrar-se simples e natural, reduzir o egoísmo e ter poucos desejos.” “É em vão que, a fim de atenuar a perda da Virtude, as disciplinas morais e religiosas esforçam-se em obter do homem, pela obediência a prescrições ou pela observação de ritos cada vez mais complicados, aquilo que ele cumpriria naturalmente em sua simplicidade primordial.” “Sendo a vontade humana movida pelo egoísmo e pelo orgulho, suas obras aparentemente mais desinteressadas estão contaminadas pelo amor-próprio e viciadas por uma secreta pretensão a um direito autoral. O desapego com relação ao fruto da ação e a espontaneidade da Suprema vontade são opostos aos cálculos de suas imitações, num paralelo que se poderia parafrasear da seguinte maneira: aquele que possui a Virtude nada premedita em interesse próprio; dia após dia, segue com confiança o itinerário traçado pela vontade do Tao; esquecendo o passado e não perscrutando o porvir, vive no presente em contato com o Eterno. Não age por si mesmo e muito menos para si mesmo. Como poderia comprazer-se com a posse da Virtude, sabendo que é somente o canal e o dócil instrumento desta? Como poderia atribuir-se qualquer mérito por ações para as quais sua vontade pessoal tem tão pouca importância?” “No entanto, o mesmo não acontece com que pratica as virtudes seguindo uma via previamente traçada para si: ele mede o caminho percorrido, calcula a distância que o separa do fim e deplora a má conduta e a inércia dos que o cercam. Assim, os resultados de suas obras não o deixam indiferente: se estes são decepcionantes no presente, ele busca uma recompensa no futuro; se as aprovações reconfortam-no, as críticas causam-lhe amargura, das quais se consola julgando injustas as opiniões dos homens.” Do livro: O Livro do Tao e sua virtude, versão integral e comentários de Marc Haven e Daniel Mazir. Attar editorial, 1988. |