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Por: Maurice Nicoll

Falaremos, esta noite, do Trabalho. Falaremos do que significa o trabalho sobre si em relação às emoções negativas. O Trabalho diz: “Tens o direito a não ser negativo.” Observem que o Trabalho não diz: “Não tens direito a ser negativo.” Um dos sinais pelos quais se pode distinguir entre um ensinamento falso e um ensinamento verdadeiro é que o ensinamento falso insiste que se faça algo que não se pode fazer ou estabelecer como regra. É sinal de um ensinamento falso, por exemplo, obrigá-lo a prometer algo, ou a jurar, ou fazer um voto de silêncio, e assim sucessivamente. Um homem — um homem comum — não pode cumprir uma promessa em todas as circunstâncias, porque não é uma pessoa, mas, ao contrário, várias pessoas.

Uma pessoa, um “Eu” nele, pode prometer ou até amarrar-se por um juramento. Outros “Eus” nele, entretanto, não quererão reconhecê-lo. Supor que um homem pode prometer alguma coisa é supor que já é uno, uma unidade — quer dizer, um homem que só tem um “Eu” real, permanente, que o controla e, assim, uma só vontade. Mas um homem tem muitos “Eus” e muitas vontades diferentes.

Suponhamos que o Trabalho estabeleça uma regra deste teor: “Não deve ser negativo. Deve jurar que não será nunca negativo. Se não cumprir esta promessa, terá que abandonar o Trabalho.” Se o Trabalho dissesse isso, significaria que pressupõe que o Homem pode fazer.

Mas o Trabalho diz que o homem não pode fazer e que isso é preciso perceber por meio da observação de si. Se prossegue imaginando que pode fazer, se continua pensando que sempre recorda e cumpre seu propósito, então não haverá lugar em você para o Trabalho e o Trabalho não poderá ajudá-lo. Não sentirá seu desamparo interior. 

Se começa a sentir seu desamparo interior de um modo correto, sentirá a necessidade do Trabalho, para que o ajude. Como o Trabalho pode ajudá-lo? Só pode ajudá-lo se você começar por obedecê-lo. Sentir a necessidade do Trabalho é sentir que precisa de algo para servir de guia. Se deixa que alguém o guie, é melhor que o obedeça. É preciso que trate de obedecer ao Trabalho. Entretanto, se não entende nada, não pode obedecer ao Trabalho. Por isso é necessário pensar naquilo que o Trabalho ensina, para que fique gravado claramente em sua mente. 

É preciso que pense, por si mesmo, com seus pensamentos mais genuínos e pessoais, naquilo que o Trabalho está sempre lhe dizendo. Se pensar dessa maneira, profunda, íntima e pessoal, verá que o trabalho lhe diz mais sobre o que tem de fazer do que sobre o que não tem de fazer. Agora, bem, as pessoas muitas vezes perguntam: “Que é que tenho que fazer?” Por esse lado, o Trabalho só diz duas coisas definidas: “Lembre-se de si mesmo” e “Observe-se a si mesmo.” Isso é o que você deve tratar de fazer. 

Por outro lado, o Trabalho diz muitas coisas sobre o que não deve fazer. Diz, por exemplo, que deve tratar de lutar contra a identificação, de lutar contra a mecanicidade, contra a conversa mecânica e equivocada, contra todo tipo de consideração interior, contra todo tipo de auto justificativa, contra as diferentes imagens de si mesmo, as formas especiais de imaginação, a antipatia mecânica, contra todas as variedades de auto compaixão e auto valorização, os ciúmes, os ódios, com a vaidade, a falsidade interior, a mentira, o auto convencimento, os preconceitos, etc. E fala expressamente de lutar contra as emoções negativas em seu conjunto. 

Às vezes se encontra no Trabalho uma pessoas ansiosa e desejosa de saber exatamente o que fazer. Em geral as pessoas que fazem essa pergunta só prestam atenção exterior e não interior. Como sabem, o Trabalho começa com a atenção interior. A observação de si é atenção interior. Uma pessoa deve começar por ver a si mesma, a que se assemelha e o que lhe acontece — por exemplo, é preciso que veja por meio da atenção interna suas próprias emoções negativas, em lugar de ver só as das demais pessoas por meio da atenção exterior. 

É preciso que veja o que significa identificar-se com suas emoções negativas e o que significa não identificar-se com elas. Uma vez que o veja, já conseguiu a chave para entender o aspecto prático do Trabalho. As primeiras etapas do Trabalho se chamam, às vezes, “limpeza da máquina”. Uma pessoa que constantemente diz: “Que deveria fazer?”, depois de haver ouvido o ensinamento prático do Trabalho algumas vezes, assemelha-se a um homem que tem um jardim cheio de ervas daninhas e diz, ansiosamente: “Que deveria plantar nesse jardim?, Quais plantas poderiam crescer nele?”. Mas a primeira coisa que tem a fazer é limpar o jardim.

Por isso o Trabalho enfatiza o que não deve ser feito — quer dizer, aquilo que é preciso deter, aquilo ao que não se deve ceder, o que se deve impedir, o que não se deve alimentar mais, o que se deve limpar na máquina humana. Porque entre nós não há ninguém que tenha máquinas lindas e novas quando entra nesse Trabalho, e sim máquinas oxidadas, sujas, que necessitam de limpeza diária e, por certo, uma limpeza radical no começo.

Uma das maiores formas de sujeira são as emoções negativas e o abandono habitual a elas. A maior sujeira no homem é a emoção negativa. Uma pessoa habitualmente negativa é uma pessoa suja, no sentido do Trabalho. Uma pessoa que sempre pensa coisas desagradáveis das demais, que não simpatiza com ninguém, que tem inveja, que sempre tem algum motivo de queixa, alguma forma de compaixão de si mesma, que sempre sente que não é tratada com justiça, tal pessoa tem a mente suja no mais verdadeiro e prático dos sentidos, porque todas essas coisas são formas de emoções negativas e as emoções negativas são sujas. 

Agora, bem, o Trabalho diz que tens o direito a não ser negativo. Como se assinalou antes, não se diz que não tens o direito de ser negativo. Examinando a diferença ver-se-á como ela é grande. Sentir que se tem o direito a não ser negativo significa que se está bem encaminhado para o verdadeiro trabalho sobre si em relação aos estados negativos. Ser capaz de senti-lo atrai a força que o ajuda. Mantendo-se erguido, por assim dizer, em si mesmo, em meio a toda a desordem da negatividade, e sentir e saber que não é necessário perder-se nessa desordem. Dizer esta frase de modo correto para si mesmo, experimentar o significado das palavras “Tenho direito a não ser negativo”, é, na realidade, uma forma de lembrança de si, de sentir um indício do verdadeiro “Eu” que se levanta sobre o nível de seus “Eus” negativos que todo o tempo repetem que tens todo o direito a ser negativo.

Parte II — Todos vocês têm ouvido falar dos níveis, mas alguns não têm compreendido o que significa um nível superior no sentido prático. Qual é o nível inferior e qual é o nível superior em si mesmo? O Trabalho nos fará viver no nível superior de nós mesmos. Por exemplo, suponhamos que você comece a considerar-se internamente. Começa por fazer contas, calculando o que os outros lhe devem, pensando que o tratam mal, preocupando-se com o que os outros pensam de você, etc. Esta é uma atividade do nível inferior de si mesmo. Quer dizer, você não pode viver em um nível melhor de si mesmo se abandonar-se todo o tempo à consideração interior. Agora, bem, suponhamos que comece a não gostar do sabor interior da consideração. Então, quando a consideração interior começa, você se dá conta disso e sente-se incomodado. 

Por que? Porque já começou a experimentar ao que se assemelha o nível superior. Sente-se incomodado por razões de contraste. Já viu algo melhor. Já está em uma posição que permita fazer uma escolha interior. Ou em outro momento, se está em um estado negativo, está em um nível superior ou inferior de si mesmo? Está em um nível inferior e não poderá saborear o que é um nível superior enquanto continue abandonando-se, sem controle algum, a seus estados negativos. 

É sempre questão de decisão interior, de escolha interior. Se você começa a se interessar por seus melhores estados e pelo que os produzem, começará a trabalhar praticamente sobre si mesmo. Os estados melhores pertencem aos níveis superiores de si mesmo. Existem em você diferentes níveis. Você pode viver no subsolo ou mais alto. Mas é preciso que veja tudo isso por si mesmo e chegue a reconhecer aonde está em si mesmo. Pergunte-se: Onde estou eu? Que pensamentos e emoções o acompanham, que estado de ânimo, quais “Eus”? É preciso aprender não só com quem viver em si mesmo, mas, também, onde viver em si mesmo.

Mais uma nota. Ao ocupar-se de um estado negativo, contemple o “Eu” em você e não a pessoa com quem você está negativo. A verdadeira causa do estado negativo é o “Eu” que está falando internamente em você e a quem você está escutando. Se você permite que esse “Eu” continue falando e lhe presta atenção, tornar-se-á cada vez mais negativo. Seu único fim é fazê-lo negativo e absorver tanta força quanto for possível. Todo “Eu” negativo tem um só propósito — apoderar-se de você e alimentar-se de você às suas custas. A verdadeira causa dos estados negativos está em você — nos “Eus” negativos que só vivem persuadindo-o com meias verdades e mentiras para estropiar-lhe a vida. Todos os “Eus” negativos só desejam destruí-lo, arruinar sua vida. Este é um bom exercício para praticar.

 


 Maurice Nicoll
(1884-1953) 
estudou medicina em Cambridge e psicologia em Paris, 
Berlim, e Viena e Zurique com Carl Gustav Jung. 
Como pioneiro da medicina psicológica, 
exerceu sua profissão em Londres. 
Discípulo de G.I.Gurdjieff e de Piotr Demianovitch Ouspensky, 
expandiu, desenvolveu e ensinou o Trabalho na Inglaterra, 
de 1935 até a sua morte

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