Albino LucianiQuando Albino Luciani  abriu as janelas dos aposentos papais,  24 horas depois de sua eleição, o gesto simbolizou todo o seu Pontificado. 

Ar fresco e os raios do sol  penetraram por uma Igreja Católica  que se tomara cada vez mais escura e sombria durante os últimos anos de Paulo VI.

Luciani, que se descrevera com franqueza durante os seus dias em Veneza, “Sou apenas um homem pobre, acostumado às coisas pequenas e ao silêncio”, descobria-se agora obrigado a se confrontar com a, grandeza do Vaticano e as intrigas da Cúria. O filho de um pedreiro era agora o Chefe Supremo de uma religião cujo fundador fora o filho de um carpinteiro. 

Muitos dos especialistas em Vaticano, que nem sequer levaram em consideração a possibilidade da eleição de Luciani, aclamaram-no como “O Papa Desconhecido”. Ele era bastante conhecido por 99 cardeais para que lhe confiassem o futuro da Igreja, a um homem sem qualquer treinamento diplomático ou experiência curial. O número considerável de cardeais da Cúria fora rejeitado. Em suma, toda a Cúria fora rejeitada, em favor de um homem quieto e humilde, que prontamente anunciou que preferia ser chamado de Pastor ao invés de Pontífice. As aspirações de Luciani logo se tomaram claras: uma revolução total. Estava determinado a levar a Igreja de volta a suas origens, de volta à simplicidade, honestidade, ideais e aspirações de Jesus Cristo. Outros antes dele tiveram o mesmo sonho, apenas para que a realidade do mundo, conforme impingida por seus conselheiros, acabasse prevalecendo. Como poderia aquele homem pequeno e modesto realizar sequer os primórdios da transformação material e espiritual que seria necessária? 

Ao elegerem Albino Luciani, os cardeais fizeram diversas declarações profundas sobre o que queriam e o que não queriam. Claramente, não queriam um Papa reacionário, que poderia deixar sua marca no mundo com exemplos desconcertantes de intelectualismo incompreensível. Pareceria que haviam buscado causar um impacto no mundo ao elegerem um homem cuja bondade, sabedoria e humildade exemplar seriam manifestas a todos. No caso, foi justamente o que conseguiram. Um pastor empenhado nos cuidados pastorais. 

Seu novo nome foi considerado muito comprido pelos romanos que prontamente passaram a tratá-lo de forma mais intima como “Gianpaolo”, uma corruptela que o Papa aceitou alegremente e adotou para assinar cartas, apenas para tê-las devolvidas pelo Secretário de Estado Villot, a fim de serem corrigidas para o titulo formal. Uma dessas cartas, escrita pessoalmente por Luciani, foi para agradecer aos agostinianos pela hospitalidade antes do Conclave. Esse ato simples era típico do homem. Dois dias depois de eleito Papa, tomando-se o líder espiritual de mais de 800 milhões de católicos, Luciani encontrava tempo para agradecer a seus antigos anfitriões. 

Outra carta, escrita no mesmo dia, era mais sombria. Escrevendo a um padre italiano, cujo trabalho admirava, Luciani revelou estar consciente do fardo que agora lhe pertencia exclusivamente. “Não sei como pude aceitar. Já estava arrependido no dia seguinte, mas a esta altura era tarde demais.” Um dos seus primeiros atos, ao entrar nos aposentos papais, fora telefonar para sua terra natal no norte. Falou com um atônito Monsenhor Ducoli, um antigo amigo e colega de trabalho, agora Bispo de Beiluno. Disse ao bispo que sentia “saudade da minha gente”. Depois, falou com o irmão Edoardo, “Veja só o que me aconteceu”. Foram atos particulares; outros, de natureza mais pública, despertariam a imaginação do mundo. 

Para começar, havia o seu sorriso. Somente com essa expressão facial de alegria, ele comoveu milhões de pessoas. Era impossível não simpatizar com o homem e experimentar uma sensação agradável. Paulo VI, com sua angústia, afastara milhões de pessoas. Albino Luciani inverteu dramaticamente a tendência. Recuperou o interesse do mundo pelo Pontificado. E quando o mundo escutou o que havia por trás daquele sorriso, o interesse aumentou. O sorriso nao pode ser encontrado em qualquer livro que alega tornar o leitor um cristão melhor, mas eficazmente projetava a alegria que aquele homem descobrira no cristianismo. O que Luciani demonstrou, numa extensão jamais conhecida antes em qualquer Papa, foi a capacidade de se comunicar, quer pessoalmente ou pelo rádio, imprensa e televisão. Era um trunfo jamais sonhado para a Igreja Católica. 

Luciani era uma lição objetiva de como vencer a batalha pelo coração, mente e alma da humanidade. Pela primeira vez na memória viva, um Papa falava a seu povo numa maneira e estilo que todos podiam compreender. O suspiro de alívio dos fiéis foi quase audível. Os murmúrios de satisfação continuaram por todo o veranico de 1978. Luciani começou a levar a Igreja pela longa caminhada de volta ao Evangelho. 

O público rapidamente converteu esse homem carismático num tremendo sucesso. Os observadores do Vaticano simplesmente não sabiam como analisá-lo. Ofereceram opiniões imediatas e doutas sobre a escolha do nome papal, falando em “continuidade simbólica”. Luciani involuntariamente demoliu tudo isso no primeiro domingo, ao dizer “João me fez um bispo, Paulo me fez um cardeal”. Não havia muita continuidade simbólica ai. Os especialistas escreveram artigos especulativos sobre o que o novo Papa poderia fazer ou deixar de fazer nas mais variadas questões. Uma parcela considerável dessas especulações se tomara supérflua por um comentário do Papa João Paulo, em seu primeiro discurso: 

— Desejo dedicar ao Concilio Vaticano Segundo meu total ministério, como padre, como mestre, como pastor… 

Não havia mais necessidade de especular; bastava consultar as diversas conclusões do Concilio. 

No domingo, 10 de setembro, perante uma Praça de São Pedro apinhada, Luciani falou em Deus e disse: 

— Ele é nosso Pai; mais do que isso, é nossa Mãe. 

Os especialistas italianos do Vaticano, em particular, ficaram frenéticos. Num pais notório por seu machismo, sugerir que Deus era uma mulher foi julgado por alguns como a confirmação do fim do mundo. Houve muitos debates ansiosos sobre esse quarto membro da Trindade até que Luciani, gentilmente, informou que citara Isaías. A Mãe Igreja, dominada pelos homens, relaxou. 

Antes, a 6 de setembro, durante uma Audiência Geral, membros do círculo papal, agitando-se em tomo do Santo Padre de uma maneira que lembrava moscas irritantes ao redor de um cavalo, exibiram publicamente o seu embaraço, enquanto Luciani mantinha 15 mil pessoas completamente fascinadas. Entrando quase a correr no Salão Nervi, inteiramente lotado, ele falou sobre a alma. Não havia nada de extraordinário nisso. Excepcionais foram apenas a maneira e o estilo. 

Um homem foi comprar um carro novo na revendedora. O vendedor deu-lhe alguns conselhos: “É um carro excelente, mas deve tratá-lo corretamente. Ponha a melhor gasolina no tanque, o melhor óleo no motor.” Ao que o cliente respondeu: “E impossível. Não suporto o cheiro de gasolina e óleo. Encherei o tanque com champanha, que me agrada muito mais, farei a lubrificação com geléia.” O vendedor deu de ombros. “Faça como quiser, mas depois não venha se queixar se terminar numa vala com o carro. O Senhor fez uma coisa similar conosco: deu-nos este corpo, animado por uma alma inteligente, uma boa vontade. Disse que esta máquina é boa, mas deve ser bem tratada. 

Enquanto a elite do Vaticano estremecia por tal profanidade, Albino Luciani sabia perfeitamente que suas palavras eram transmitidas ao mundo inteiro. Espalhe bastante sementes, algumas germinarão. Ele fora presenteado com o mais poderoso púlpito da terra. O uso que fez dessa dádiva foi profundamente comovente. Muitos na Igreja falam ad nauseam das “Boas novas do Evangelho”, enquanto dão a impressão de que comunicam aos ouvintes desastres absolutos. Quando Luciani falava em boas novas, era evidente por toda a sua atitude que se tratava mesmo de boas novas. 

Em diversas ocasiões, Luciani tirou um menino do coro para partilhar o microfone com ele, ajudando-o não apenas com a audiência dentro do Salão Nervi. mas também com a audiência mas vasta lá fora. Outros líderes mundiais eram propensos a pegar crianças no colo e beijá-las. Mas ali estava um homem que falava com as crianças e, o que era ainda mais extraordinário, escutava e respondia ao que tinham a dizer. 

Ele citava Mark Twain, Jules Verne e o poeta italiano Trissula. Falava de Pinóquio. Já tendo comparado a alma a um carro, fez então uma analogia entre a oração e o sabonete. 

A oração bem usada seria um sabonete maravilhoso, capaz de transformar todos nós em santos. Não somos todos santos porque não temos usado esse sabonete o suficiente. 

A Cúria estremecia, particularmente determinados bispos e cardeais. O público escutava. 

Poucos dias depois da eleição, ele enfrentou mais de mil representantes da imprensa internacional. Censurou-os de maneira gentil por se concentrarem excessivamente nos aspectos triviais do Conclave e não no seu verdadeiro significado, mas reconheceu que o problema deles não era novo e recordou o conselho que um editor italiano dera a um de seus repórteres: 

Lembre-se de que o público não quer saber o que Napoleão III disse a Guilherme da Prússia. Quer saber se ele usava calça bege ou vermelha e se fumava um charuto. 

Luciani obviamente sentia-se à vontade com os repórteres. Comentara mais de uma vez, ao longo de sua vida, que teria sido jornalista se não fosse um padre. Seus dois livros e numerosos artigos indicam um talento que poderia se comparar ao de muitos correspondentes presentes. Recordando o comentário do falecido Cardeal Mercier, de que o Apóstolo Paulo seria um jornalista se estivesse vivo hoje, o novo Papa demonstrou uma profunda compreensão da importância dos diversos meios de comunicação na ampliação do possível papel moderno do Apóstolo: 

— Não apenas um jomalista. Possivelmente chefe da Reuters. Não apenas chefe da Reuters, acho que ele pediria tempo no ar na televisão italiana e na NBC. 

Os correspondentes adoraram. A Cúria não achou muito engraçado. Todos os comentários acima referidos foram omitidos da transcrição oficial do discurso. O que permanece para a posteridade é um discurso insípido preparado de antemão, escrito por autoridades do Vaticano, do qual o Papa se afastou muitas vezes, um testemunho mudo e inacurado do espírito e personalidade de Albino Luciani. Essa censura do Vaticano ao Papa tornou-se um fato constante durante o mês de setembro de 1978. 

Ilustrissimi, a coletânea de suas cartas aos famosos, era encontrada em forma de livro na Itália desde 1976. Fora um grande sucesso. Agora, com seu autor se tornando o líder de 800 milhões de católicos, o potencial comercial não passou despercebido ao mundo editorial. Executivos começaram a aparecer nos escritórios de Il Messaggero, em Pádua. O mensário católico estava sentado na proverbial mina de ouro, menos os royalties do autor. Para o autor, a verdadeira recompensa era saber que as idéias e comentários das cartas seriam lidos por uma audiência mundial. O fato de que só seriam lidos porque ele se tornara Papa não tinha a menor importância para Luciani. Mais sementes eram espalhadas. Mais germinariam. 

Um dos melhores resultados da eleição do novo Papa, que se tornou patente nos dias subsequentes ao Conclave, foi que os intérpretes, observadores, especialistas e analistas do Vaticano se tornaram redundantes. Só era necessário uma reprodução literal. Havendo isso, as intenções do novo Papa eram bastante claras. 

A 28 de agosto, foi anunciado o início de sua revolução papal. Assumiu a forma de uma declaração do Vaticano de que não haveria coroação, pois o novo Papa se recusava a ser coroado. Não haveria a sedia gestato ria, a cadeira em que se carregava o Papa, não haveria tiara cravejada de esmeraldas, rubis, safiras e diamantes. Não haveria penas de avestruz, não haveria a cerimônia de seis horas. Em suma, foi abolido o ritual com que a Igreja demonstrava que ainda ansiava pelo poder temporal. Albino Luciani fora obrigado a se empenhar numa longa e tediosa discussão com os tradicionalistas do Vaticano antes que sua vontade prevalecesse. Luciani, que jamais usou o real “nós”, a primeira pessoa do plural monárquica, decidira que o Pontificado real, com suas ostentações de grandeza temporal, seria substituído por uma Igreja que mais se assemelhasse aos conceitos de seu fundador. A coroação” converteu-se numa missa simples. O absurdo de transportar o Pontífice a balançar numa cadeira, como um califa das Mil e Uma Noites, foi suplantado por um Pastor supremo, subindo calmamente os degraus do altar. Com esse gesto, Luciani aboliu mil anos de história e fez a Igreja voltar mais um pouco no caminho para Jesus Cristo. 

A tiara de pedras preciosas foi substituida pelo pálio, uma estola branca de lã sobre os ombros do Papa. O monarca dera passagem ao pastor. A era da Igreja pobre começara oficialmente. 

Entre os 12 chefes de Estado e outros representantes de dezenas de países à cerimônia, havia homens a quem o Papa preferia evitar. Em particular, pedira à sua Secretaria de Estado que não convidasse os lideres da Argentina, Chile e Paraguai para a sua missa inaugural. Mas o departamento do Cardeal Villot já expedira os convites, sem antes consultar Albino Luciani. Presumiram que haveria a coroação tradicional, e a lista de convidados refletia essa suposição. 

Consequentemente, participaram da missa na Praça de São Pedro o General Videla, da Argentina, o ministro do exterior chileno e o filho do presidente do Paraguai, representantes de países em que os direitos humanos não eram considerados prioridades urgentes. Manifestantes italianos protestaram contra a presença deles e houve quase 300 prisões. Posteriormente, Albino Luciani seria criticado pela presença desses homens na missa. Os críticos não sabiam que toda a culpa deveria ser atribuida ao Cardeal Villot. Quando os comentários de censura apareceram, Luciani não estava em condições de responder e Villot se manteve em silêncio. 

Na audiência particular que se seguiu à missa, Luciani, o filho de um socialista que abominava todos os aspectos do fascismo, não deixou qualquer dúvida ao General Videla de que herdara as opiniões do pai. Falou especialmente de sua preocupação com “Los Desaparecidos”, os milhares de pessoas que sumiram misteriosamente do território argentino. Ao final da audiência de 15 minutos, o general já desejava ter atendido às pressões de última hora de emissários do Vaticano para que nao fosse a Roma. 

A audiência com o Vice-Presidente Mondale, dos Estados Unidos, foi um encontro mais agradável. Mondale entregou ao novo Papa um livro contendo a primeira página de mais de 50 jornais americanos, noticiando a eleição de Luciani. Um presente mais deferente foi uma primeira edição do livro Vida no Mississippi, de Mark Twain. Era evidente que alguém no Departamento de Estado americano trabalhara bem. 

Assim começou o Pontificado de João Paulo I, com objetivos e aspirações definidos. Antes da missa inaugural, ele falara ao Corpo Diplomático credenciado no Vaticano. Sua própria equipe diplomática empalideceu visivelmente quando ele comentou, em nome de toda a Igreja Católica: 

Não temos bens temporais para trocar, não temos interesses econômicos a discutir. Nossas possibilidades de intervenção são especificas e limitadas, de um caráter especial. Não interferem com os assuntos puramente temporais, técnicos e políticos, que são problemas de seus governos. Assim, nossas missões diplomáticas junto às suas mais altas autoridades civis, longe de serem uma sobrevivência do passado, constituem um testemunho do nosso profundo respeito pelo poder temporal legitimo e do nosso intenso interesse pelas causas humanas que esse poder temporal deve promover. 

“Não temos bens temporais para trocar…” Era uma sentença de morte pública ao Vaticano S.A. Tudo o que restava indefinido era o número de dias e meses em que continuaria a funcionar. Os homens dos mercados financeiros internacionais, em Milão, Londres, Tóquio e Nova York, analisaram com o maior interesse as palavras de Luciani. Se ele realmente falava a sério, então haveria muitas mudanças. Tais mudanças não se limitariam ao movimento de pessoas deixando o Banco do Vaticano e a APSA, mas inevitavelmente incluiria uma drástica redução das atividades do Vaticano S.A. Os homens dos mercados financeiros internacionais poderiam ganhar bilhões se adivinhassem corretamente o rumo por que enveredaria essa nova filosofia do Vaticano. Albino Luciani queria uma Igreja pobre para os pobres. O que ele planejava fazer com os que haviam criado uma Igreja rica? O que planejava fazer com a riqueza? 

A humildade de Luciani foi responsável pelo nascimento de diversas concepções errôneas. Muitos observadores concluíram que esse homem obviamente santo era simples e sem qualquer complexidade, carecendo dos talentos culturais de seu antecessor, Paulo VI. A realidade era que Luciani possuía uma cultura muito mais rica e uma sofisticação muito maior do que Paulo. Seus talentos eram tão excepcionais que esse homem extraordinário podia parecer completamente plebeu. Tinha a simplicidade que só é adquirida por uns poucos, a simplicidade que deriva de uma profunda sabedoria. 

Uma das peculiaridades de nossa época é que a humildade e gentileza são inevitavelmente encaradas como indicações de alguma espécie de fraqueza. Pois muitas vezes indicam justamente o oposto, uma grande força. 

Quando o novo Papa comentou que andara folheando o Anuário do Vaticano para descobrir quem fazia o que, muitos na Cúria sorriram e concluíram que ele seria facilmente manobrável, um homem que não teriam a menor dificuldade para controlar. Havia outros que sabiam que não era bem assim. 

Homens que conheciam Albino Luciani há muitos anos observavam e esperavam. Conheciam o aço no fundo, a força para tomar decisões difíceis ou impopulares. Muitos me falaram desses atributos ocultos. Monsenhor Tiziano Scalzotto, Padre Mario Senigaglia, Monsenhor Da Rif, Padre Bartolomeo Sorge e Padre Busa são apenas cinco dos muitos que me falaram sobre a força interior do Papa João Paulo I. O Padre Busa comentou: 

Sua mente era tão forte, tão dura e tão contundente quanto um diamante. Era lá que estava o seu poder real. Compreendia e possuía a capacidade de chegar ao ceme de um problema. Não podia ser sufocado. Enquanto todos aplaudiam o Papa risonho, eu esperava que ele tirare fuori le unghie, revelasse as suas garras. Era uni homem de tremendo poder. 

Sem um grupo pessoal, pois nenhuma Máfia veneziana substituiu a turma de Milão nos aposentos papais, Albino Luciani precisaria de toda a sua força interior se queria evitar se tomar o prisioneiro da Cúria do Vaticano. 

Nos primeiros dias depois do Conclave, a máquina governamental do Vaticano não se manteve ociosa. No domingo, 27 de agosto, após seu discurso do meio-dia à multidão, Luciani almoçou com o Cardeal Jean Villot. Como Secretário de Estado do Papa Paulo desde abril de 1969, Villot criara reputação de serena competência. Durante o Conclave, Villot, como camerlengo, funcionou virtualmente como substituto do Papa, ajudado pelos comitês de cardeais. Luciani pediu a Villot que continuasse como Secretário de Estado por “mais um pouco, até que eu encontre meu caminho”. Villot, aos 73 anos de idade, esperava o momento de aposentar-se. Luciani designara Villot para seu Secretário de Estado e confirmara todos os chefes curiais em seu cargos anteriores. Mas a Cúria sabia perfeitamente que era apenas uma medida temporária. Sempre o homem prudente das montanhas, o novo Papa queria ganhar mais algum tempo. “Deliberação. Decisão. Execução.” Se a Cúria queria saber como agiria o novo Papa, bastava ler sua carta a São Bernardo. Muitos o fizeram. E também efetuaram uma pesquisa mais profunda sobre o Papa João Paulo I. O que descobriram causou consternação em diversos setores do Vaticano e um profundo prazer de expectativa em outros. 

A morte do Papa Paulo VI fizera aflorar muitas hostilidades que existiam na aldeia do Vaticano. A Cúria Romana, o corpo administrativo central da Igreja, vinha se empenhando numa guerra interna há vários anos; somente a habilidade de Paulo evitara que a maioria das batalhas chegasse ao conhecimento público. Agora, depois da rejeição no Conclave, a guerra curial alcançou os aposentos papaís. Albino Luciani queixou-se amargamente da situação a alguns amigos que foram visitá-lo:

— Quero aprender depressa o ofício de Papa, mas quase ninguém explica problemas e situações de uma maneira meticulosa e imparcial. Passo a maior parte do tempo a escutar comentários desfavoráveis sobre tudo e sobre todos. 

A outro amigo do norte ele disse: 

— Já notei que há duas coisas que parecem estar em escassez no Vaticano: honestidade e uma boa xícara de café. 

Havia tantas facções curiais quanto garotos no coro da Capela Sistina. Havia a Cúria do Papa Paulo VI, totalmente empenhada em garantir não apenas que a memória do falecido Papa fosse constante e continuamente homenageada, mas também a evitar que houvesse qualquer desvio de suas posições, opiniões e pronunciamentos. 

Havia a Cúria que era favorável ao Cardeal Giovanni Benelli e a Cúria que desejava vê-lo no Inferno. O Papa Paulo VI elevara Benelli a Subsecretário de Estado, o segundo homem depois do Cardeal Villot. Ele se tornara rapidamente o homem forte do Papa, assegurando o cumprimento de sua política. Paulo o transferira para Florença e o promovera a fim de protegê-lo, durante os seus últimos anos. Agora, seu protetor estava morto, mas os punhais afiados permaneciam embainhados, Luciani era Papa por causa de homens como Benelli. 

Havia facções curiais que favoreciam ou se opunham aos Cardeais Baggio, Felici e Bertoli. Havia facções que queriam mais poder central e controle, outras que queriam menos. 

Durante toda a sua vida, Albino Luciani evitara as visitas ao Vaticano. Mantivera seus contatos com a Cúria Romana num nível mínimo. Em decorrência, antes de sua eleição tinha provavelmente menos inimigos na Cúria do que qualquer outro cardeal. Mas era uma situação que mudou rapidamente. Ali estava um Papa que considerava a “mera execução” como a função básica da Cúria. Ele acreditava numa maior divisão do poder com os bispos do mundo inteiro e planejava descentralizar a estrutura do Vaticano. Recusando-se a ser coroado, ele contrariara os tradicionalistas. Outra inovação que não poderia granjear para Luciani a estima dos membros da Cúria de mentalidade material foi a sua instrução para que o salário extra, que automaticamente se pagava por ocasião da eleição de um novo Papa, fosse reduzido à metade. 

É claro que havia muitos entre os três mil membros da Cúria que lealmente serviriam e amariam o novo Papa; mas neste mundo as forças negativas muitas vezes predominam. Assim que o resultado da eleição foi conhecido, a Cúria ou determinados setores dela entraram em ação. Em poucas horas, uma edição especial do Osservatore Romano estava nas ruas, com uma biografia completa do novo Papa. A Rádio Vaticano já estava irradiando detalhes similares. 

Como um exemplo da melhor maneira de influenciar o pensamento do mundo sobre um líder de Estado até então desconhecido, o tratamento que o Osservatore Romano dispensou a Albino Luciani é definitivo. Porque deliberadamente descreveu uma pessoa que só existia na mente reacionária e opressiva de quem escreveu os detalhes biográficos, essa edição em particular do Osservatore Romano é também um excelente exemplo do motivo pelo qual o jomal semi-oficial do Vaticano tem sido comparado desfavoravelmente ao Pravda. Aproveitando os “fatos oficiais”, muitos jornalistas pressionados por prazos improrrogáveis descreveram um homem que não existia. The Economist, para citar apenas um entre centenas de exemplos, disse o seguinte a respeito do novo Papa: “Ele não se sentiria muito à vontade em companhia do Dr. Hans Kung.” Uma pesquisa revelaria que Luciani e Hans Kung mantinham uma correspondência cordial e frequentemente enviavam livros um ao outro. Mais alguma pesquisa mostraria que Luciani muitas vezes citara Kung favoravelmente em seus sermões. Praticamente todos os jornais e revistas do mundo que publicaram perfis do novo Papa cometeram erros similares. 

Ler a edição especial do Osservatore Romano é tomar conhecimento de um novo Papa que era ainda mais conservador do que Paulo VI. A distorção se estendia por diversas opiniões de Luciani, mas uma em particular é extremamente relevante quando se considera a vida e a morte de Albino Luciani: o controle da natalidade. O jornal do Vaticano descreveu um homem que era um intrépido e incondicional partidário da Humanae Vitae. 

Ele efetuou um estudo meticuloso da questão da paternidade responsável, consultou especialistas médicos e teólogos. Alertou para a grande responsabilidade da Igreja ao se pronunciar sobre uma questão tão delicada e controvertida. 

Isso era perfeitamente acurado e verdadeiro. O que vem depois é que era completamente incorreto. 

Com a publicação da encíclica Humanae Vitae não podia mais haver margem para dúvidas. O bispo de Vittorio Veneto foi um dos primeiros a divulgá-la e a insistir, aos que estavam confusos com o documento, que seus ensinamentos eram incontestáveis . 

Quando a Cúria entra em ação, é uma máquina formidável. Sua eficiência e rapidez deixariam atordoados outros serviços civis. Homens da Cúria Romana apareceram no Colégio Gregoriano e removeram de lá todos os estudos e documentos referentes ao período de estudo de Luciani. Outros membros da Cúria foram a Veneza, Vittorio Veneto, Belluno. Onde quer que Luciani estivera, a Cúria ia até lá. Todas as cópias do documento de Luciani sobre o controle da natalidade foram confiscadas e imediatamente guardadas nos Arquivos Secretos do Vaticano, juntamente com sua tese sobre Rosmini e diversos outros escritos. Pode-se dizer que o processo de beatificação de Albino Luciani começou no dia em que ele foi eleito Papa. Seria igualmente acurado dizer que o trabalho da Cúria para encobrir o verdadeiro Albino Luciani começou no mesmo dia. 

O que determinados setores da Cúria compreenderam, com um profundo choque, foi que, ao elegerem Albino Luciani, os cardeais haviam lhes dado um homem que não deixaria a questão do controle da natalidade ser encerrada pela Humanae Vitae. Um estudo cuidadoso por membros da Cúria do que Luciani dissera, não apenas a seus paroquianos em público, mas também a seus amigos e colegas em particular, prontamente indicou que o novo Papa era favorável ao controle artificial da natalidade. O quadro impreciso falso que o Osservatore Romano pintara de um homem que aplicava rigorosamente os princípios da Humanae Vitae foi o tiro inicial num contra-ataque destinado a conter Albino Luciani dentro dos limites da encíclica de seu antecessor. Rapidamente seguido por outra rajada. 

A agência noticiosa UPI descobriu que Luciani fora a favor de uma decisão do Vaticano que permitisse o controle artificial da natalidade. Os jornais italianos também divulgaram matérias sobre o documento de Luciani encaminhado ao Papa Paulo pelo Cardeal Urbani, de Veneza, com uma recomendação favorável à pílula anticoncepcional. A Cúria apressadamente localizou o Padre Henri de Riedmatten, que fora o secretário da Comissão Papal de Controle da Natalidade. Ele descreveu os relatórios em que Luciani se opusera a uma encíclica que condenasse o controle artificial da natalidade, alegando que isso não passaria de uma “fantasia” . Riedmatten também informou que Luciani nunca fora membro da comissão, o que era verdadeiro. Depois negou que Luciani houvesse algum dia escrito uma carta ou relatório sobre o assunto enviado ao Papa Paulo. 

Essa negativa e a maneira como foi apresentada é um exemplo da duplicidade que predomina na Cúria. O documento de Luciani chegou a Roma por intermédio do Cardeal Urbani e, portanto, com a sua aprovação. Negar que existisse um documento assinado por Luciani era tecnicamente correto. Negar que Luciani, em nome dos outros bispos da região do Veneto, tivesse encaminhado tal documento ao Papa, por intermédio do Patriarca de Veneza, era uma mentira iníqua. 

Ironicamente, nas três primeiras semanas de seu Pontificado, Albino Luciani já dera os primeiros passos significativos para inverter a posição da Igreja Católica na questão do controle artificial da natalidade. Enquanto essas providências eram tomadas, a imprensa internacional permanecia na ignorância, por cortesia do Osservatore Romano e da Rádio Vaticano, controlados por determinados membros da Cúria Romana, que já projetara uma imagem inteiramente falsa das opiniões de Albino Luciani. 

Durante o seu Pontificado, Luciani citou diversos pronunciamentos e encíclicas do Papa Paulo VI. Mas, expressivamente, não houve qualquer referência à Humanae Vitae. Os defensores dessa encíclica foram alertados para as opiniões do novo Papa quando souberam, consternados, que o discurso de aceitação para o sucessor de Paulo, preparado pela Secretaria de Estado e contendo referências candentes à Humanae Vitae, fora alterado por Luciani, que suprimira a todas. A facçao anticontrole da natalidade dentro do Vaticano descobriu em seguida que, em maio de 1978, Albino Luciani fora convidado a comparecer e falar num congresso internacional realizado em Milão, a 21-22 de junho. O objetivo principal do congresso era celebrar o 10º aniversário da encíclica Humanae Vitae. Luciani respondera que não falaria no congresso e também não compareceria. Entre os que compareceram e falaram, em louvor da Humanae Vitae, estava o cardeal polonês Karol Wojtyla. 

Agora, em setembro, enquanto a imprensa mundial fielmente repetia as mentiras do Osservatore Romano, Albino Luciani foi ouvido nos aposentos papais a dizer a seu Secretário de Estado, Cardeal Villot: 

— Terei o maior prazer em falar com essa delegação dos Estados Unidos sobre a questão. Na minha opinião, não podemos deixar a situação como está. 

A “questão” era a população mundial. A “situação” era a Humanae Vitae. A conversa continuou e Villot ouviu o Papa João Paulo I manifestar uma opinião que muitos outros, inclusive o secretário particular dele, Padre Diego Lorenzi, já tinham escutado várias vezes. O Padre Lorenzi é somente um dos muitos que foram capazes de reproduzir para mim ás palavras exatas de Lucíani: 

Estou à par do período de ovulação de uma mulher, com seu âmbito de fertilidade de 24 à 36 horas. Mesmo que se admita uma vida de 48 horas para o espermatozóide, o tempo máximo de concepção possível é inferior a quatro dias. Num ciclo regular, isso significa quatro dias de fertilidade e 24 (lias de infertilidade. Como pode ser um pecado falar em 28 em vez de 24 dias? 

O que provocara essa conversa realmente histórica fora um contato com o Vaticano da Embaixada Americana em Roma. Esta forá instruída pelo Departamento de Estado americano e procurada pelo congressista James Scheuer. O congressista presidia o Comitê Sobre População dá Câmara dos Representantes e era também vice-presidente do fundo da ONU para pesquisas sobre população. A história do documento de Luciani ao Papa Paulo VI sobre o controle da natalidade alertara Scheuer e seu comitê para a possibilidade de mudança na posição da Igreja. Scheuer achava que era improvável que seu grupo obtivesse uma audiência com Luciani logo depois da eleição, mas concluiu que valia a pena a tentativa de pressionar o Vaticano através do Departamento de Estado e da Embaixada Americana em Roma. Pois Scheuer ouviria boas notícias. 

Villot. como muitos que cercavam Luciani, encontrava uma considerável dificuldade para se ajustar ao novo Pontificado. Nomeado por Paulo VI, ele desenvolvera ao longo dos anos um íntimo relacionamento de trabalho com o falecido Papa. Aprendera à admirar o estilo Montini. Agora, o Hãmlet cansado do mundo de 81 anos fora substituido por um otimista Henry VI, que aos 65 anos era relativamente um rapaz. 

O relacionamento entre Luciani e seu Secretário de Estado era bastante desconfortável. O novo Papa achava Villot frio e distante, sempre comentando o que Paulo VI diria a respeito dessa questão ou como Paulo VI trataria aquele problema. Paulo VI estava morto, mas era evidente que Villot e uma parcela significativa da Cúria não haviam aceitado esse fato, e que o estilo Martini de resolver problemas morrera com ele. 

O discurso que o novo Papa pronunciara, 24 horas depois do Conclave, fora de caráter geral. O verdadeiro programa começou à ser formulado somente durante os primeiros dias de setembro de 1978. Foi desencadeado com a inspiração dos primeiros 100 dias do Papa João XXIII. 

João fora eleito Papa à 28 de outubro de 1958. Nos primeiros 100 dias, efetuara diversas nomeações cruciais, inclusive a do Cardeal Domenico Tardini para à Secretaria de Estado, um posto que se achava vago desde 1944. O mais importante foi à sua decisão de convocar o Concílio Vaticano Segundo. Essa decisão tornou-se pública a 25 de janeiro de 1959, 89 dias depois da eleição. 

Agora que usava as sandálias do pescador, Albino Luciani estava determinado a seguir o exemplo de João de 100 dias revolucionários. No alto de sua lista de prioridades de reformas e mudanças estava a necessidade de alterar radicalmente o relacionamento do Vaticano com o capitalismo e o desejo de mitigar os sofrimentos que testemunhara pessoalmente e que derivavam diretamente da Humanae Vitae. 

De acordo com o Cardeal Benelli, o Cardeal Felici e outras fontes do Vaticano, o austero Cardeal Villot ficou escutando contrariado, enquanto o novo Papa discorria sobre os problemas que a encíclica causara. Durante as entrevistas com ele, ficou claro que sua atitude com relação à este assunto concordava vivamente com Villot. 

Poucos meses antes, Villot louvara a encíclica, no 10º aniversário de sua publicação. Numa carta ao Arcebispo John Quinn, de São Francisco, Villot reafirmara a oposição de Paulo à anticoncepção artificial. O Secretário de Estado ressaltara como Paulo considerava importante esse ensinamento e que estava “de acordo com a Lei de Deus”. 

Houve muito mais, no mesmo espírito. Agora, menos de dois meses depois, era obrigado a escutar o sucessor de Paulo assumir uma posição inversa. O café esfriou, enquanto Luciani se levantava e andava de um lado para o outro no gabinete, falando sobre alguns efeitos que a Humanae Vitae produzira durante à última década. 

A encíclica que fora projetada para reforçar à autoridade papal, negando que pudesse haver qualquer mudança no ensinamento tradicional sobre o controle da natalidade, tivera justamente o efeito oposto. As evidências eram irrefutáveis. Na Bélgica, Holanda, Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e muitos outros países não apenas houvera uma acentuada oposição à encíclica, mas também uma desobediência ostensiva. A máxima se tomara rapidamente à de que, se um padre não assumisse uma posição tolerante no confessionário, o pecador procuraria um padre mais liberal. Luciani citou exemplos dessa contradição que conhecia pessoalmente, na região do Veneto. 

A teoria da Humanae Vitae podia parecer um ponto de vista moral ideal quando proclamada do interior do reduto exclusivamente masculino do Vaticano. A realidade que Luciani observara no norte da Itália e no exterior demonstrava claramente a desumanidade da encíclica. Naquela década, a população mundial aumentara em mais de três quartos de um bilhão de pessoas. 

Quando Villot objetou que o Papa Paulo ressaltara as virtudes do método anticoncepcional natural, Luciani limitou-se à sorrir. Mas não era o sorriso cheio e radiante que o público conhecia, antes um meio sorriso triste. 

— Eminência, o que nós, velhos celibatários, sabemos realmente sobre os desejos sexuais das pessoas casadas? 

Essa conversa, a primeira de muitas que o Papa teve com seu Secretário de Estado sobre o assunto. ocorreu no gabinete dos aposentos papais na terça-feira, 19 de setembro. Eles discutiram o problema por quase 45 minutos. Quando à reunião terminou e Villot estava se retirando, Luciani acompanhou-o até a porta e acrescentou: 

Eminência, conversamos sobre o controle da natalidade durante cerca de 45 minutos. Se as informações forem corretas, se as estatísticas forem precisas, então no período de nossa conversa mais de mil crianças com menos de cinco anos de idade morreram de desnutrição. Durante os próximos 45 minutos, enquanto nós dois aguardamos com expectativa a nossa próxima refeição, outras mil crianças morrerão de desnutrição. Amanhã, a esta hora, 30 mil crianças que se encontram vivas neste momento estarão mortas de desnutrição. Deus nem sempre provê. 

O Secretário de Estado do Vaticano aparentemente não foi capaz de encontrar uma resposta adequada. 

Todos os detalhes da possível audiência com uma delegação dos Estados Unidos sobre população mundial foram mantidos em sigilo, tanto pelo Vaticano como pelo Departamento de Estado americano. Tal reunião, ocorrendo tão cedo no Pontificado de Luciani, seria corretamente encarada como extremamente significativa, se transpirasse para o conhecimento público. 

Um significado ainda maior seria atribuído ao encontro pela opinião pública mundial se fosse divulgado por que o Papa João Paulo I não compareceria à Conferência de Puebla, no México. Era à seqúência de uma conferência muito importante que se realizara em Medellin, na Colômbia. em 1968. 

Em Medellin, os cardeais e bispos da América Latina injetaram uma vida nova na Igreja Católica no continente sul-americano. A declaração contida no ““Manifesto de Medellín” incluia à afirmativa de que o esforço básico de sua Igreja no futuro seria procurar se relacionar com os pobres, os abandonados e negligenciados. Era uma mudança revolucionária numa Igreja que anteriormente sempre se relacionara com os ricos e os poderosos. A ““Teologia da Libertação”, que emergiu de Medellín, alertava as diversas juntas militares e regimes ditatoriais da América do Sul para o fato de que à Igreja tencionava trabalhar para acabar com a exploração financeira e à injustiça social. Fora, na verdade, um chamado às armas. Inevitavelmente, a resistência a essa filosofia liberal veio não apenas dos diversos regimes, mas também dos elementos reacionários dentro da Igreja. A conferência de Puebla, uma década depois, prometia ser crucial. A Igreja continuaria a seguir pela mesma trilha ou haveria um recuo para a antiga posição odiosa? O fato de o novo Papa recusar o convite para comparecer à conferência ressalta à importância que atribuia à seu encontro com o comitê de Scheuer. Ele certamente conhecia as implicações da reunião em Puebla. 

No Conclave, menos de uma hora depois de ser eleito Papa, Luciani fora procurado pelos Cardeais Baggio e Lorscheider, dois homens-chave na projetada conferência no México. Puebla fora adiada por causa da morte do Papa Paulo VI. Os cardeais queriam saber se o novo Papa estava disposto a aprovar uma nova data para a conferência no México. 

Luciani discutiu os problemas que seriam tratados em Puebla, em profundidade, menos de uma hora depois de sua eleição. Concordou que à conferência deveria ser realizada e foi definida a data, de 12 a 28 de outubro. Durante a conversa com Baggio e Lorscheider, ele surpreendeu os dois cardeais com seu conhecimento e percepção das questões que seriam examinadas em Puebla. Em relação à seu comparecimento, recusou-se à assumir um compromisso firme logo no início do Pontificado. Quando Villot informou-o que o comitê de Scheuer gostaria de ter uma audiência a 24 de outubro’. Luciani disse à Baggio e Lorscheider que não poderia ir a Puebla. E mandou que Villot confirmasse o encontro com à delegação americana. Fora a confirmação final para Luciani de que seu lugar era no Vaticano durante as semanas seguintes. Havia outros motivos válidos para a sua decisão de permanecer em Roma. O Papa João Paulo I concluíra, em meados de setembro, que a sua primeira prioridade deveria ser à de pôr a casa em ordem. O problema do Banco do Vaticano e sua filosofia operacional tornara-se de suprema importância para ele. 

Luciani agiu com uma urgência que faltara perceptivelmente nos últimos anos do seu antecessor imediato. A vassoura nova não tinha a intenção de limpar todo o Vaticano nos primeiros 100 dias, mas ele estava ansioso para que, nesse período, à Igreja começasse a mudar de direção, particularmente em relação ao Vaticano S.A. 

Ainda em sua primeira semana, o novo Papa deu uma indicação do rumo que seguiria. “Concordou” com o desejo do Cardeal Villot de ser substituído em um dos seus muitos cargos, a presidência do Conselho Pontifical, Cor Unum. O cargo foi para o Cardeal Bernard Gantin. Cor Unum é um dos principais funis por que passam os recursos coletados no mundo inteiro. a serem distribuídos às nações mais pobres. 

Para Luciani, Cor Unum era um elemento vital em sua filosofia de que as finanças do Vaticano deveriam ser inspiradas pelo Evangelho. Villot foi gentilmente substituído, mas mesmo assim substituido, poí Gantin, um homem de grande espiritualidade e evidente honestidade. 

A aldeia do Vaticano fervilhava com especulações. Alguns proclamavam que nunca haviam conhecido Sindona, Calvi ou qualquer outro da Máfia de Milão que infestara o Vaticano durante o período do Papa Paulo. Outros, em seus esforços individuais de sobrevivência, começaram a transmitir informações aos aposentos papais.

Poucos dias depois da designação de Gantin, o novo Papa encontrou em sua mesa uma cópia de uma circular do Controle de Câmbio Italiano. Não havia à menor dúvida de que a circular era uma resposta direta à carta aberta de Il Mondo ao Papa, descrevendo uma situação inadmissível para um homem que se comprometera com a pobreza pessoal e com uma Igreja pobre. 

A circular, assinada pelo Ministro do Comércio Exterior Rinaldo Ossola, fora enviada à todos os bancos italianos. Lembrava que o IOR, o Banco do Vaticano, é ““para todos os efeitos uma instituição bancária não-residente”. . . em outras palavras, um banco estrangeiro. Assim, as relações entre o Banco do Vaticano e as instituições de crédito italianas eram governadas pelas mesmas regras que se aplicavam a todos os outros bancos estrangeiros. 

O ministro estava particularmente preocupado com os abusos de câmbio, envolvendo à exportação ilegal de capitais da Itália. A circular era também uma inequívoca confissão ministerial de que tais abusos eram realidade. Os círculos financeiros italianos encararam-na como uma tentativa de reprimir pelo menos uma das muitas atividades escusas do Banco do Vaticano. No Vaticano, foi considerada uma confirmação adicional de que o dobre de finados para à presidência no banco do Bispo Paul Marcinkus soava cada vez mais alto.

Uma história que acreditei ser boato, mas que muitos no Vaticano e na imprensa italiana me garantiram ser verdadeira, começou a circular pelo Vaticano no início de setembro de 1978. Dizia respeito à venda do Banca Cattolica deI Veneto e à viagem de Albino Luciani ao Vaticano na tentativa de evitar à venda do banco à Roberto Calvi. Já narrei anteriormente o encontro de Luciani e Benelli. A versão que circulou introduziu elegantes variações em estilo italiano. Luciani se defrontara com Paulo VI que respondera:

— Mesmo você tem de fazer esse sacrifício pela Igreja. Nossas finanças ainda não se recuperaram dos prejuízos causados por Sindona. Mas leve seu problema à Monsenhor Marcinkus. 

Pouco depois, Luciani estivera no escritório de Marcinkus e repetira a lista de pedidos da diocese com relação à venda do banco. Marcinkus o escutara e respondera: 

— Eminência, não tem nada melhor para fazer hoje? Faça seu trabalho e farei o meu. 

A esta altura Marcinkus lhe mostrara a porta de saída. Qualquer um que já tenha visto Marcinkus em ação saberá que faz jus ao seu apelido: “o Gorila”. Para os bispos, monsenhores, padres e freiras no Vaticano é certo que à confrontação realmente aconteceu. 

Agora, inesperadamente, o pequeno e pacato homem de Belluno podia remover Marcinkus num piscar de olhos. 

Membros da Cúria organizaram uma loteria. Ganharia quem adivinhasse o dia em que Marcinkus seria formalmente removido do banco. O Papa, que acreditava em prudência, ainda reunia as provas necessárias. Além da investigação sendo conduzida por conta do Papa pelo Cardeal Villot, o risonho João Paulo I, com a típica astúcia das montanhas, abriu outras linhas de inquérito. Começou a conversar com o Cardeal Felici sobre o Banco do Vaticano. E também telefonou para o Cardeal Benelli, em Florença. 

Foi por intermédio de Giovanni Benelli que o Papa tomou conhecimento da investigação do Banco da Itália no Banco Ambrosiano. Era tfpico da maneira como funcionava a Igreja Católica. O cardeal em Florença disse ao Papa em Roma o que estava acontecendo em Milão. 

O ex-segundo homem da Secretaria de Estado do Vaticano formara uma vasta rede de contatos por toda a Itália. Licio Geldi, da P2, ficaria devidamente impressionado com a extensão e a qualidade das informações a que o Cardeal Benelli tinha acesso. Incluía fontes muito bem situadas dentro do Banco da Itália. Foram essas fontes que informaram ao cardeal sobre a investigação no império de Roberto Calvi, um inquérito que se aproximava do climax em setembro de 1978. O que mais preocupou Benelli e posteriormente Albino Luciani era a parte da investigação que levantava as ligações de Calvi com o Vaticano. O contato no Banco da Itália estava convencido de que a investigação seria seguida por graves acusações criminais contra Roberto Calvi e possivelmente alguns de seus diretores. Parecia igualmente certo que o Banco do Vaticano estava bastante envolvido em diversas transações que violavam uma variedade de leis italianas. Os homens no Banco do Vaticano que estavam sendo mais investigados, como criminosos em potencial, eram Paul Marcinkus, Luigi Mennini e Pellegrino de Strobel. 

Benelli aprendera, por quase uma década, que não se influenciava Luciani com a insistência vigorosa para que assumisse um determinado curso de ação. Ele me disse: 

Com o Papa Luciani, apresentavam-se os fatos, fazia-se uma recomendação e depois se lhe dava tempo e espaço para considerar. Depois de absorver todas as informações disponíveis, ele decidia… e quando o Papa Luciani decidia, nada, mas absolutamente nada, podia demovê-lo ou contê-lo. Era um homem gentil, é verdade. E humilde. Mas quando se lançava a um determinado curso de ação, era inabalável como um rochedo. Bennelli não era o único a ter acesso aos pensamentos dos altos dirigentes do Banco da Itália. Membros da P2 estavam transmitindo exatamente as mesmas informações para Licio Gelli em Buenos Aires. E ele, por sua vez, mantinha plenamente informados os seus companheiros de viagem, Roberto Calvi e Umberto Ortolani. Outros membros da P2, infiltrados no poder judiciário em Milão, informaram a Gelli que, concluída a investigação sobre o Banco Ambrosiano, tudo seria encaminhado ao Juiz Emilio Alessandrini. Poucos dias depois que Gelli tomou conhecimento disso, um grupo terrorista de extrema esquerda, baseado em Milão, Prima Linea, recebeu um aviso de seu contato no sistema judiciário sobre o homem recomendado como sua próxima vítima em potencial. O líder terrorista pregou uma fotografia do alvo na parede de seu apartamento: Juiz Emilio Alessandrini. A P2 movia-se por muitos caminhos, inclusive o Vaticano 

No início de setembro, Aibino Luciani descobriu que, por algum meio misterioso, fora acrescentado à lista de distribuição exclusiva de uma insólita agência de notícias chamada L’Osservatore Político (O.P.). Era dirigida pelo jornalista Mino Pecorelli e invariavelmente divulgava histórias escandalosas, que posteriormente eram confirmadas como altamente verdadeiras. Agora, juntamente com políticos, jornalistas e outras pessoas que tinham a necessidade de tomar conhecimento das coisas em primeira mão, o Papa leu uma reportagem sobre o que a O.P. classificou de A Grande Loja do Vaticano”. O artigo dava os nomes de 121 pessoas que supostamente pertenciam a lojas maçônicas. Diversos leigos estavam incluidos na lista, mas abrangia principalmente cardeais, bispos e prelados em altos postos. Os motivos de Pecorelli para divulgar a lista eram simples. Ele estava empenhado numa luta com seu antigo Grão-Mestre, Licio Geldi. Pecorelli era um membro da P2… um membro desencantado. 

Estava convencido de que a publicação da lista dos maçons do Vaticano causaria um profundo embaraço ao Grão-Mestre da P2, especialmente porque muitos eram amigos íntimos de Gelli e Ortolani. 

Se a informação era correta, então Luciani estava virtualmente cercado por maçons… e ser um maçom significava a excomunhão automática da Igreja Católica. Antes do Conclave, houvera rumores de que vários dos mais eminentes papabile eram maçons. Agora, a 12 de setembro, o novo Papa recebia a lista completa. Luciani tinha a opinião de que era inconcebível que um sacerdote se tornasse membro da maçonaria. Sabia que diversos católicos leigos de suas relações pertenciam a várias Lojas. Da mesma forma, tinha amigos que eram comunistas. Aprendera a conviver com essa situação, mas achava que os critérios eram diferentes quando se tratava de alguém do clero, A Igreja Católica decretara há muito tempo que se opunha implacavelmente à maçonaria. O novo Papa estava aberto a uma discussão da questão, mas uma lista de 121 homens que eram membros confirmados da maçonaria não chegava a constituir uma discussão. 

O Secretário de Estado Cardeal Villot, nome maçônico Jeanni, registrado numa Loja de Zurique a 6 de agosto de 1966, com o número 041/3. Ministro do Exterior Monsenhor Agostino Casaroli. Cardeal Vigário de Roma Ugo Poletti. Cardeal Baggio. Bispo Paul Marcinkus e Monsenhor Donato de Bonis, do Banco do Vaticano. O aturdido Papa leu uma relação que parecia o “Quem é Quem” do Vaticano. Notando com alívio que nem Benelli nem o Cardeal Felici apareciam na lista, que incluia até mesmo o secretário particular do Papa Paulo, Monsenhor Pasquale Macchi, Albino Luciani prontamente telefonou para Felici e convidou-o para tomar um café. 

Felici informou ao Papa que uma lista similar circulara discretamente pelo Vaticano, há mais de dois anos, em maio de 1976. O motivo para o seu reaparecimento era obviamente uma tentativa de influenciar o pensamento do novo Papa sobre nomeações, promoções e remoções. 

— A lista é verdadeira? — perguntou Luciani. 

Felici disse ao Papa que, em sua opinião, era uma hábil mistura. Alguns nomes na lista eram de fato maçons, outros não. E acrescentou: 

— Essas listas parecem proceder da facção Lefebvre… não foram criadas por nosso irmão francês rebelde, mas certamente usadas por ele. 

O Bispo Lefebvre fora um incômodo para o Vaticano e particularmente para o Papa Paulo VI durante alguns anos. Um tradicionalista que considerava o Concilio Vaticano Segundo como a suprema heresia, ignorara quase que totalmente as conclusões conciliares. Alcançara notoriedade internacional com sua insistência de que a missa fosse celebrada exclusivamente em latim. Suas posições de extrema direita, numa variedade de assuntos, resultaram numa condenação pública pelo Papa Paulo VI. Em relação ao Conclave que elegera o Papa João Paulo I, os partidários de Lefebvre haviam inicialmente declarado que se recusariam a reconhecer o novo Papa, por ter sido eleito num Conclave que excluira os cardeais com mais de 80 anos. Posteriormente, eles lamentaram a escolha como ‘‘sinistra’’. 

Luciani refletiu sobre a situação por um momento, antes de perguntar: 

— Quer dizer que listas como esta existem há mais de dois anos? 

— Isso mesmo, Santidade. 

— A imprensa tomou conhecimento delas? 

— Tomou, Santidade. A lista completa jamais chegou a ser publicada, mas saiu um nome aqui, outro ali. 

— E qual foi a reação do Vaticano? 

— A normal.., ou seja, nenhuma reação. 

Luciani riu. Gostava de Pericle Felici. Curial até a raiz dos cabelos, tradicionalista em seu pensamento, mas um homem espirituoso e sofisticado, de cultura considerável.

— Eminência, na revisão da lei canônica, que ocupou tanto de seu tempo, o Santo Padre por acaso previu uma mudança na posição da Igreja em relação à maçonaria? 

— Ao longo dos anos, houve muitos grupos de pressão. Determinadas partes interessadas exortavam a que se assumisse uma posição mais “moderna”. O Santo Padre ainda estava considerando esses argumentos quando morreu. 

Felici continuou a deixar claro que entre os que defendiam fortemente um afrouxamento da lei que declarava que qualquer católico que se filiasse à maçonaria estava automaticamente excomungado estava o Cardeal Jean Villot. 

Nos dias que se seguiram, o Papa passou a observar mais atentamente alguns de seus muitos visitantes. O problema era que os maçons pareciam extraordinariamente com o resto da humanidade. Enquanto Luciani considerava esse problema imprevisto, diversos membros da Cúria Romana, intensamente simpáticos à visão do mundo de extrema direita de Licio GeIli, vazavam informações para fora do Vaticano. Essas informações acabaram chegando a seu destino, Roberto Calvi. 

As notícias do Vaticano eram sombnias. O banqueiro milanês estava convencido de que o Papa queria se vingar pela tomada do Banca Cattolica deI Veneto. Não podia conceber que a investigação de Luciani no Banco do Vaticano não fosse pessoalmente orientada e inspirada por seu desejo (de atacar Roberto Calvi . Lembrava muito bem a ira do clero de Veneza e os protestos de Luciani, sem falar no encerramento de muitas contas diocesanas e a transferência para um banco rival. Por alguns dias, Calvi chegou mesmo a considerar a possibilidade de subornar Luciani. Quem sabe se uma doação substancial ao Vaticano não resolveria o problema? Uma doação generosa para as obras de caridade? Mas tudo o que aprendera a respeito de Luciani dizia a Calvi que lidava com um tipo de homem que só encontrara raramente nos negócios, alguém que era totalmente incorruptível. 

Enquanto os dias de setembro passavam, Calvi viajou pelo continente sul-americano, Uruguai, Peru, Argentina. Com ele estavam sempre Gelli ou Ortolani. Marcinkus caindo, um novo homem logo descobriria qual era a situação e a verdadeira natureza das relações entre o Banco do Vaticano e o Banco Ambrosiano. Mennini e De Strobel seriam afastados. O Banco da Itália seria informado e Roberto Calvi passaria o resto de sua vida na prisão. 

Ele cobrira todas as eventualidades, considerara todos os perigos em potencial, bloqueara todas as brechas. Era perfeito o que criara: não um roubo, nem mesmo um grande roubo, mas sim um roubo contínuo numa escala até então jamais imaginada. Em setembro de 1978, Calvi já roubara mais de 400 milhões de dólares. Os conglomerados no exterior, os associados estrangeiros, as empresas de fachada… a maioria dos ladrões experimentaria um senso de triunfo por realizar um único assalto a banco. Calvi, no entanto, estava empenhado em roubar bancos às dúzias. Todos entravam em fila para serem roubados, disputando o privilégio de emprestar dinheiro ao Banco Ambrosiano. 

Agora, no meio de seu sucesso irresistível, ele tinha de lidar com inspetores do Banco da Itália que não podiam ser corrompidos e a cada dia mais se aproximavam da conclusão de sua investigação. Gelli lhe assegurara que o problema podia e seria controlado. Mas como poderia até mesmo Gelli, com todo o seu imenso poder e influência, manipular um Papa? 

Enquanto os dias passavam, Calvi foi ficando obcecado pelo problema. Como se pode impedir um homem honesto de destruí-lo? Se fosse um mortal comum, poderia ser pressionado, talvez ameaçado. Se isso não desse certo, haveria muitos que não hesitariam em silenciar uma ameaça… permanentemente. Mas não se tratava de um mortal comum. Era o Chefe de Estado da Cidade do Vaticano. Mais objetivamente, era o Papa. Como se podia ameaçar um Papa? 

Se Albino Luciani, por algum milagre, morresse antes de substituir Marcinkus, então Calvi disporia do tempo de que precisava. Era verdade que seria apenas um mês. Mas muita coisa coisa pode acontecer em um mês. E muita coisa poderia acontecer no próximo Conclave. Deus não produziria outro Papa que quisesse reformar as finanças do Vaticano, não é mesmo? Como sempre, ele virou-se para Licio Gelli e confidenciou-lhe os seus piores receios. Depois de um longo telefonema internacional para Gelli, Roberto Calvi sentiu algum alivio. Gelli o tranqúilizara. O “problema” podia e seria resolvido. 

Enquanto isso, a rotina cotidiana nos aposentos papais rapidamente se assentava em um novo padrão, em torno do novo ocupante. Mantendo, o hábito de uma vida inteira, Luciani se levantava muito cedo. Optara por dormir na cama usada por João X.XIII, ao invés de na cama de Paulo VI. O Padre Magee disse a Luciani que Paulo se recusara a dormir na cama de João “por causa de seu respeito pelo Papa João”. Ao que Luciani respondeu: 

— Pois dormirei na cama de João por causa do meu amor por ele. Embora o despertador na mesinha-de-cabeceira estivesse preparado para tocar às 5:00, caso dormisse demais, o Papa era sempre despertado por uma batida na porta às 4:30. Informava-o que a Irmã Vincenza deixara um bule de café ali. Até mesmo esse ato simples ficara sujeito à interferência curial. Em Veneza, a freira se acostumara a bater na porta, gritar um “bom-dia” e levar o café até a cama para Luciani. Os ativos monsenhores do Vaticano acharam que esse ato simples violava algum protocolo imaginário. Protestaram junto ao aturdido Luciani, que acabou concordando que o café fosse deixado na porta do gabinete adjacente. O hábito de tomar um café logo depois de acordar derivava de uma operação de sinusite realizada muitos anos antes. A operação deixara Luciani com um gosto amargo na boca ao despertar. Quando viajava, se não havia café disponível, chupava uma bala.

Depois de tomar o café, Luciani fazia a barba e tomava um banho, Das 5:00 às 5:30, praticava seu inglês com a ajuda de um curso gravado em cassette. Deixava o quarto às 5:30 e ia para a pequena capela particular ali perto. Orava, meditava e dizia o seu breviário até as 7:00. 

Recebia então a companhia de outros membros do círculo papal, particularmente seus secretários, Padre Lorenzi e Padre Magee. Lorenzi, também novo no Vaticano, perguntara ao Papa se Magee, um dos secretários do Papa Paulo, não poderia continuar no posto. Luciani, que se impressionara com a capacidade do Padre Magee de providenciar xícaras de café, durante os dois primeiros dias do seu Pontificado, prontamente concordara. Os três homens tinham a companhia das freiras da Congregação de Maria Bambina durante a missa, cujas funções eram limpar e cozinhar para o Papa. As freiras, Madre Superior Elena, Irmãs Margherita, Assunta, Gabriella e Clorinda logo receberam a ajuda de mais uma pessoa, a Irmã Vincenza, de Veneza, por sugestão do Padre Lorenzi. Vincenza trabalhara para Luciani desde os seus dias em Vittorio Veneto e conhecia seus jeitos, seus hábitos. Ela o acompanhara a Veneza e fora a. madre superiora da comunidade de quatro freiras que cuidava do Patriarca. Sofrera um ataque cardíaco em 1977 e fora hospitalizada. Os médicos disseram-lhe que nunca mais deveria trabalhar, limitando-se a ficar sentada e dar instruções às outras freiras. Vincenza ignorara as determinações médicas e continuara a supervisionar a cozinha da Irmã Celestina, a se movimentar constantemente em torno do Patriarca, lembrando-o de tomar seu remédio para a pressao baixa. 

Para Albino Luciani, Vincenza e o Padre Lorenzi representavam seu único vinculo com as terras do norte da Itália, que agora só veria raramente e onde nunca mais tornaria a viver. E um pensamento profundo saber que, ao ser eleito Papa, um homem passa imediatamente a viver onde possivelmente morrerá e com toda certeza será enterrado. E como viver em seu próprio cemitério. 

O café da manhã, de cafe latte, um pão e uma fruta, era servido logo depois da missa, ás 7:30. Como Vincenza diria às outras freiras, alimentar Luciani era um desafio considerável. Ele geralmente se mostrava indiferente ao que comia e seu apetite era como o de um canário. Como muitos que haviam conhecido a pobreza extrema, ele detestava o desperdício. O que sobrara de um jantar especial para convidados seria uma de suas refeições no dia seguinte. 

Ao café da manhã, Luciani lia diversos jornais italianos. Determinara que o diário Il Gazzetino, de Veneza, fosse acrescentado à lista. Entre 8:00 e 10:00, o Papa trabalhava em seu gabinete, preparando-se para a primeira audiencia. Entre 10:00 e 12:30, com homens como Monsenhor Jacques Martin, Prefeito da Residência Pontifical, tentando fazer com que as pessoas entrassem e saíssem no horário, o Papa recebia e conversava com os visitantes, no segundo andar do Palácio Apostólico. 

Martin e outros membros da Cúria não demoraram a descobrir que Luciani era um homem de vontade própria e firme. Apesar das objeções murmuradas, as conversas do Papa com os visitantes tinham o hábito de se prolongar além do horário, acarretando a maior confusão para a programação. Homens como Monsenhor Martin representam uma atitude predominante no Vaticano de que todos poderiam se desincumbir a contento de suas funções se não fosse pelo Papa. 

Um almoço de minestrone ou macarrão, seguido por qualquer outra coisa que Vincenza tivesse preparado para segundo prato, era servido as 12:30. Mesmo isso dava margem a comentários. O Papa Paulo sempre almoçava às 13:30. O fato de uma coisa tão banal inspirar comentários excitados nó Vaticano é indicativo de quanto o lugar é uma aldeia. Os rumores se tornaram ainda mais intensos quando se espalhou a noticia de que o Papa aceitava a presença de mulheres à sua mesa de refeições. A sobrinha Pia e a cunhada provavelmente entraram para o livro de recordes do Vaticano. Luciani fazia uma pequena sesta entre 13:30 e 14:00. De pois, passeava um pouco pelo terraço ou pelos jardins do Vaticano. Ocasionalmente, era acompanhado pelo Cardeal Villot; com mais freqúência, Luciani lia. Além do breviário, encontrava prazer em autores tão diversos como Mark Twain e Sir Walter Scott. Ele voltava a seu gabinete pouco depois das 16:00, estudava o conteúdo de um envelope recheado que era entregue por Monsenhor Martin, relacionando os visitantes do dia seguinte e um breve sumário a respeito de cada um. 

As 16:30, enquanto tomava uma xícara de chá de camomila, o Papa recebia em seu gabinete, o “Tardella”, os diversos cardeais arcebispos e secretários de congregações que constituíam o seu ministério. Eram reuniões importantes, pois garantiam o funcionamento seguro das engrenagens da Igreja Católica. 

A refeição da noite era às 19:45. Às 20:00, enquanto ainda comia Luciani assistia à televisão. Seus companheiros ao jantar, a não ser que houvesse convidados especiais., eram os Padres Lorenzi e Magee. 

Depois do jantar, havia mais preparativos para as audiências do dia seguinte. O Papa dizia a parte final do breviário diário e em seguida se retirava para dormir, em torno das 21:30. 

O jantar, assim como o almoço que o precedera, seria simples e sem sofisticações. A 5 de setembro Luciani recebeu um padre veneziano, Padre Mario Ferrarese. Para convidar o padre aos aposentos papais, Luciani deu a desculpa de que desejava retribuir a hospitalidade que Padre Mario lhe dispensara em Veneza. Preferia a companhia de um padre paroquiano a considerar o fato de que os ricos e poderosos da Itália tentavam conseguir que partilhasse de sua mesa. Aquela refeição em particular foi servida por dois membros da equipe papal, Guido e Gian Paolo Guzzo. O Papa pediu notícias de Veneza, a seguir observou tranquílamente: 

— Peça às pessoas por lá que rezem por mim porque não é fácil ser um Papa. 

E dirigindo-se aos irmãos Guzzo disse:

— Como temos um convidado devemos servir-lhe uma sobremesa. 

Após alguma demora, taças de sorvete foram servidas à mesa papal. Para os de fora, vinho. Luciani se contentava com água mineral. 

Essa era a rotina diária do Papa João Paulo I… uma rotina que ele tinha a maior satisfação em perturbar de vez em quando. Sem avisar a ninguém, saía inesperadamente a passear pelos jardins do Vaticano. Podia-se pensar que era uma simples diversão, mas um passeio improvisado lançava o protocolo do Vaticano e os guardas suíços na maior confusão. Luciani já causara consternação entre os oficiais da Guarda Suiça ao conversar com homens de sentinela e também pedir que se abstivessem de ajoelhar-se cada vez que se aproximava. Ele comentou para o Padre Magee:

— Quem sou eu para que se ajoelhem na minha presença?

Monsenhor Virgilio Noe, o mestre-de-cerimônias, suplicou-lhe que não conversasse com os guardas e se limitasse a um aceno de cabeça silencioso. O Papa perguntou por quê. Noe abriu os braços numa reação de espanto. 

— Santo Padre, isso simplesmente não se faz. Nenhum Papa jamais falou com os guardas. 

Albino Luciani sorriu e continuou a falar com os guardas. Era muito diferente dos primeiros dias do Pontificado de Paulo, quando padres e freiras ainda ficavam de joelhos para conversar com o Papa, mesmo quando fosse pelo telefone. 

A atitude de Luciani em relação ao telefone também provocou alarme entre os tradicionalistas da Cúria. Tinham de lidar agora com um Papa que se considerava perfeitamente capaz de discar para alguém que desejasse falar e atender ligações. Ligava para amigos ern Veneza. Telefonava para diversas madres superioras apenas para uma conversa inconsequente. Certa ocasião, comentou com seu amigo Padre Bartolomeo Sorges que gostaria que o Padre Dezza, um jesuíta, ouvisse sua confissão. Uma hora depois, o Padre Dezza telefonou para combinar a visita. A voz ao telefone informou-o: 

— Lamento muito, mas o secretário do Papa não está no momento. Posso ajudar? 

— Quem está falando? 

— O Papa. 

Simplesmente não se fazia assim. Nunca acontecera antes e talvez nunca mais torne a acontecer. Os dois homens que atuavam como secretários de Luciani negaram categoricamente que jamais tivesse acontecido. Era inconcebível. Mas aconteceu realmente.

Luciani começou a explorar o Vaticano, com seus 10 mil cômodos e corredores, 997 escadas, sendo que 30 secretas. Muitas vezes deixava subitamente os aposentos papais, sozinho ou acompanhado apenas pelo Padre Lorenzi. E também de repente aparecia nos escritórios da Cúria. 

— Estou apenas descobrindo os caminhos por aqui — ele explicou uma ocasião ao surpreso Arcebispo Caprio, Subsecretário de Estado. 

Eles não gostavam. Não gostavam absolutamente. A Cúria estava acostumada a um Papa que conhecia o seu lugar, que atuava através dos canais burocráticos. Mas aquele Papa circulava por toda parte, se intrometia em tudo, e a pior de tudo, queria fazer mudanças. A batalha pela sedia gestatoria, a cadeira em que os papas anteriores eram transportados, começou a assumir proporções extraordinárias. Luciani a banira para a depósito. Os tradicionalistas iniciaram uma luta para trazê-la de volta. O fato de coisas tão insignificantes ocuparem o tempo de um Papa e um comentário esclarecedor sobre as perspectivas de determinados setores da Cúria Romana. 

Luciani tentou argumentar com homens como Monsenhor Noe como se faz com uma criança. O mundo deles não era o seu e o Papa não estava disposto a mudar. Explicou a Noe e aos outros que circulava a pé em público porque não se considerava melhor do que qualquer outro homem. Detestava a cadeira e o que ela simbolizava.

— Mas as multidões não podem vê-lo sem a cadeira — protestou um representante da Cúria. — Todos estão pedindo a sua volta. Todos devem poder ver o Santo Padre. 

Obstinadamente, Luciani lembrou que aparecia com frequência na televisão e que todos os domingos aparecia na sacada para o Angelus. Disse também o quanto detestava a idéia de ser virtualmente carregado nos ombros de outros homens.

— Mas se Sua Santidade procura uma humildade ainda mais profunda do que claramente já tem, o que poderia ser mais humilhante do que ser carregado na cadeira que tanto detesta? Diante desse argumento, o Papa reconheceu a derrota. Em sua segunda audiência pública, foi levado ao Salão Nervi na sedia gestatoria. 

Enquanto uma parte do tempo de Luciani era absorvida pelas atividades triviais da Cúria, a maioria de suas horas de vigília era dedicada a problemas mais sérios. Dissera ao corpo diplomático que o Vaticano renunciava a todas as reivindicações de poder temporal. Não obstante, o novo Papa logo descobriu que praticamente todos os grandes problemas do mundo passavam por sua mesa. A Igreja Católica, com mais de 18 por cento da população mundial lhe prestando fidelidade espiritual, representa uma força poderosa; como tal, era obrigada a assumir uma posição e tomar uma atitude numa enorme variedade de problemas. 

Além de sua atitude em relação ao General Videla, da Argentina, qual seria a reação de Albino Luciani à pletora de ditadores que presidiam vastas populações católicas? Qual seria a sua reação à camarilha de Marcos, nas Filipinas, com seus 43 milhões de católicos? Em relação ao auto-eleito Pinochet, no Chile, que tem mais de 80 por cento da população de católicos? E o General Somoza, da Nicarágua, o ditador tão admirado pelo assessor financeiro do Vaticano, Michele Sindona? Como Luciani restauraria a posição de uma Igreja Católica para os pobres e oprimidos num pais como Uganda, onde Amin providenciava acidentes fatais para padres como uma ocorrência quase cotidiana? Qual seria sua resposta aos católicos de El Salvador, onde alguns membros da junta militar no poder consideravam que ser católico era ser um inimigo”? Trata-se de um país em que 96 por cento dos habitantes são católicos e que prometia oferecer ao mundo uma receita de genocídio, um problema um pouco mais sério do que o debate no Vaticano sobre a cadeira do Papa. 

Como o homem que dissera palavras duras sobre o comunismo de seu púlpito em Veneza falaria ao mundo comunista da Basílica de São Pedro? O cardeal que aprovara um “equilíbrio do terror” em relação às armas nucleares manteria a mesma posição quando os defensores internacionais do desarmamento unilateral solicitassem uma audiência? 

Havia também incontáveis problemas, herdados de Paulo VI dentro de suas próprias fileiras. Muitos padres queriam o fim do voto de celibato. Havia pressões para se permitir o ingresso das mulheres no sacerdócio. Havia grupos que exigiam a reforma das leis canônicas sobre o divórcio, aborto, homossexualismo e uma dúzia de outras questões… e todos se dirigiam a um só homem, exigindo, suplicando, exortando. O novo Papa demonstrou rapidamente, nas palavras de Monsenhor Loris Capovilla, o ex-secretário de João XXIII, que “havia mais em sua loja do que ele mostrou na vitrine”. Quando o Ministro do Exterior Monsenhor Agostino Casaroli procurou o Papa com sete questões sobre as relações da Igreja com diversos países do lest europeu, Albino Luciani prontamente deu as soluções para cinco pediu um pouco de tempo para analisar as outras duas. O aturdido Casaroli voltou a seu gabinete e relatou a um colega o que acontecera O sacerdote perguntou-lhe: 

— As soluções foram corretas?

— Totalmente corretas, na minha opinião. Mas seria preciso um ano para se arrancar as respostas de Paulo. 

Outro dos problemas encaminhados ao Papa envolvia a Irlanda e a atitude da Igreja em relação ao IRA. Muitos consideravam que a Igreja Católica não fora bastante franca e objetiva em sua condenação da continua carnificina na Irlanda do Norte. Poucas semanas antes da eleição de Luciani, o Arcebispo O’Fiaich, então o Primaz Católico de Toda a Irlanda, alcançara as manchetes com sua denúncia das condições na prisão de Maze, em Long Kesh. O’Fiaich visitara a prisão e depois falara de seu choque “com o fedor e sujeira em algumas celas, os remanescentes de carne putrefata e excremento humano espalhados pelas paredes”. Havia muitos outros comentários similares. Em nenhum lugar do seu longo pronunciamento, liberado para os meios de comunicação com extremo profissionalismo, o arcebispo reconhecia que as condições na prisao eram criadas pelos próprios presos. 

A Irlanda estava sem um cardeal. Muitos tentavam influenciar o Papa. O Arcebispo O’Fiaich era considerado por alguns como o maior candidato ao posto, outros sentiam que sua promoção à Arquidiocese de Armagh provou ser um absoluto desastre. 

Albino Luciani devolveu o dossiê sobre O’Fiaich a seu Secretário de Estado com um movimento negativo e a frase: 

— Acho que a Irlanda merece um pouco mais. 

A procura por um cardeal continuou. 

Em setembro de 1978, a crise no Líbano não era considerada de maior importância na lista dos problemas mundiais. Havia dois anos que reinava uma espécie de paz, entremeada de combates esporádicos entre tropas sírias e cristãs. Muito antes de qualquer outro chefe de Estado, o pequeno e discreto sacerdote do Veneto compreendeu que o Líbano era um matadouro em potencial. Discutiu o problema em profundidade com Casaroli e disse que desejava visitar Beirute antes do Natal de 1978. 

Um dos homens que Luciani recebeu, durante as audiências matutinas de 15 de setembro, foi o Cardeal Gabriel-Marie Garrone, Prefeito da Sagrada Congregação para a Educação Católica. Essa audiência em particular é um exemplo extraordinário de como eram excepcionais os talentos de Luciani. Garrone viera discutir um documento chamado Sapientia Christiana, que versava sobre a constituição apostólica e as diretivas e regras de todas as faculdades católicas do mundo. Já no início dos anos 60 o Concílio Vaticano Segundo revisara as orientações para os seminários. Depois de dois anos de discussões internas, a Cúria Romana enviara suas propostas aos bispos do mundo, a fim de que estudassem e apresentassem suas recomendações. Todos os documentos relevantes foram depois submetidos a mais duas reuniões curiais, com a presença de consultores não-curiais. Os resultados foram em seguida examinados pelo menos por seis departamentos curiais, o documento final sendo apresentado ao Papa Paulo VI em abril de 1978, 16 anos depois das reformas propostas serem discutidas pela primeira vez. Paulo pensara em divulgar o documento a 29 de junho, dia de São Pedro e São Paulo. Mas um documento com um período de gestação de cerca de 16 anos naõ podia ser aprontado tão depressa no departamento de tradução da Cúria. E o Papa Paulo já morrera quando o documento finalmente ficou pronto. Qualquer iniciativa não proclamada por ocasião da morte de um Papa perde o valor, a menos que seja aprovada pelo sucessor. Por isso, o Cardeal Garrone entrou na audiência com o novo Papa com uma profunda apreensão. Cerca de 16 anos de trabalho árduo poderiam ser jogados no lixo se Luciani rejeitasse o documento. O antigo professor de seminário de Belluno disse a Garrone que passara a maior parte do dia anterior estudando o documento. Depois, sem sequer consultar uma cópia. pôs-se a discuti-lo em profundidade e detalhes. Garrone ficou atônito com a percepção e compreensão do Papa de um documento tão complexo. Ao final da audiência, Luciani comunicou que o documento tinha sua aprovação e deveria ser publicado a 15 de dezembro.

Como Casaroli, Baggio, Lorscheider e diversos outros homens Garrone saiu da audiência com Luciani extremamente admirado. Voltando a seu gabinete, encontrou por acaso com N’lonsenhor Scalzotto, da Propaganda Fide, com quem comentou:

— Acabo de me encontrar com um grande Papa. 

Enquanto isso, o “grande Papa” continuava a abrir caminho pela montanha de problemas deixados por Paulo, Um deles era o Cardeal John Cody, de uma das mais poderosas e ricas dioceses do mundo, Chicago.

Para um cardeal, qualquer cardeal, ser considerado um grande problema pelo Vaticano é insólito.., mas Cody era um homem insólito. As acusações formuladas contra o Cardeal Cody, nos 10 anos anteriores ao início do pontificado de Luciani, eram extraordinárias. Mesmo que apenas cinco por cento fossem verdadeiras, então Cody não tinha condições de ser um padre, muito menos o cardeal de Chicago. 

Antes de sua promoção à Arquidiocese de Chicago, em 1965, ele dirigira a diocese de Nova Orleans. Muitos padres que tentaram trabalhar com ele em Nova Orleans ainda exibem as cicatrizes para prová-lo. Um deles recordou: 

— Quando aquele filho da puta ganhou Chicago, promovemos uma festa e entoamos o Te Deum. Nosso ganho era a perda de Chicago. 

Quando conversei sobre a carreira subsequente do cardeal de Chicago com o Padre Andrew Greeley, famoso sociólogo cristão, escritor e antigo critico de Cody, comentei que outro padre de Chicago comparara o Cardeal Cody ao Capitão Queeg, o despótico e paranóico comandante, naval em The Caine Mutiny. A resposta do Padre Greeley foi imediata: 

— Acho que é uma injustiça com o Capitão Queeg. 

Nos anos que se seguiram à nomeação do Cardeal Cody para Chicago, tornou-se’moda na Cidade dos Ventos compará-lo com o Prefeito Richard Daley, um homem cujas práticas no comando da cidade só eram democráticas por acaso. Havia, porém, uma diferença básica. A cada quatro anos, Daley tinha de prestar contas de seus atos aos eleitores, pelo menos em teoria. Se conseguissem superar a sua máquina política, poderiam afastá-lo do cargo. Mas Cody não fora eleito. A não ser por uma ação muito drástica de Roma, ele continuaria ali pelo resto de sua vida. Cody gostava até de comentar: 

— Não tenho de prestar contas a ninguém além de Roma e Deus. 

Os acontecimentos provariam que Cody se recusava a prestar contas até a Roma. Com isso, só restava Deus. 

Quando chegou a Chicago, Cody tinha a reputação de ser um excelente gerente financeiro, um liberal progressista que batalhara por muito tempo e com grande afinco pela integração escolar em Nova Orleans e um prelado muito exigente. Ele não demorou a perder os dois primeiros atributos. No início de junho de 1970, quando era tesoureiro da Igreja Americana, aplicou dois milhões de dólares em ações da Penn Central. Houve um colapso das ações poucos dias depois e a companhia faliu. Cody investira ilegalmente o dinheiro durante a administração de seu sucessor devidamente eleito, a quem se recusara a entregar os talões de cheques até muito depois do prejuízo. Mas conseguiu sobreviver ao escândalo. 

Semanas depois de sua chegada a Chicago, ele demonstrou o seu tipo particular de liberalismo progressista no tratamento com alguns padres. Nos arquivos de seu antecessor, Cardeal Albert Meyer, descobriu uma lista de padres “problemas”, homens que eram alcoólatras, senis ou simplesmente incompetentes. Cody começou a passar as tardes de domingo a visitar as residências paroquiais. Demitia pessoalmente os padres, dando-lhes apenas duas semanas para deixarem as residências. Não havia fundos de pensão, planos de aposentadoria ou esquemas de seguros para os padres em Chicago em meados dos anos 60. Muitos daqueles tinham mais de 70 anos. Cody simplesmente jogouos na rua. 

Ele começou a transferir padres de uma parte para outra da cidade, sem qualquer consulta. Assumia uma atitude similar em relação a fecnar conventos, residências parôquiais e escolas. Houve uma ocasião em que, por ordem de Cody, uma equipe de demolição começou a derrubar uma residência paroquial e um convento enquanto os ocupantes ainda se banhavam e tomavam o café da manhã. 

O problema básico de Cody parecia ser uma profunda incapacidade de reconhecer o Concílio Vaticano Segundo como um fato da vida. Houvera conversas intermináveis no Concilio sobre partilhar o poder, tomar as decisões em colegiado. Mas essas notícias nunca chegaram à mansão do cardeal. 

Numa diocese com 2,4 milhões de católicos, começaram a ser definidas as linhas de batalha entre as facções a favor e contra Cody. Enquanto isso, a maioria dos católicos na cidade se perguntava o que estava acontecendo. 

Os padres formaram uma espécie de sindicato, a Associação dos Padres de Chicago. Cody ignorou quase que totalmente suas reivindicações. Cartas pedindo reuniões não eram respondidas. Telefonemas descobriam que o cardeal estava constantemente “ocupado”. Alguns permaneceram para continuar a luta por uma Igreja dirigida de forma mais democrática. Muitos desistiram. Numa década, um terço dos clérigos de Chicago abandonou o sacerdócio. Embora essas de monstrações maciças comprovassem que havia algo de podre no Estado de Illinois, o Cardeal Cody continuou a insistir que seus oponentes não passavam de “uma minoria altamente ruidosa”. 

O cardeal também atacou a imprensa local, declarando-a hostil. Na verdade, porém, os meios de comunicação de Chicago foram extraordinariamente tolerantes durante o reinado de Cody. 

O homem que lutara pela integração em Nova Orleans tornou-se conhecido em Chicago como o homem que fechou escolas para negros, alegando que a Igreja não tinha condições de mantê-las… numa diocese com uma receita anual que beirava os 300 milhões de dólares.

Como acontecia praticamente com todos os seus atos, Cody fechou a maioria das escolas sem consultar ninguém, nem mesmo a junta escolar. Quando o clamor de “racista” se elevou, Cody tratou de se defender com a declaração de que muitos negros não eram católicos e que a Igreja não tinha a obrigação de educar negros protestantes de classe média. Mas foi muito difícil de se desvencilhar do rótulo de racismo. 

A medida que os anos passaram, as acusações contra Cody se multiplicaram. O conflito com amplos setores do seu próprio clero tornou-se encarniçado. Sua paranóia desabrochou.

Começou a contar histórias de como fora utilizado em trabalho secreto de espionagem para o governo dos Estados Unidos, e as contribuições com o FBI. Disse aos padres que também realizara missões especiais para a CIA, inclusive voando a Saigon. Os detalhes eram sempre vagos. Mas se Cody dizia a verdade, envolvera-se em atividades de serviço secreto para o governo desde o inicio dos anos 40. Parecia que John Patrick Cody, o filho de um bombeiro de St. Louis, levara muitas vidas. 

A reputação de astúcia financeira que levara para Chicago e fora um tanto afetada pelo prejuízo de dois milhões de dólares da Penn Central sofreu um novo golpe quando alguns de seus oponentes começaram a investigar sua carreira anterior, bastante movimentada. Nos intervalos dos vôos reais ou imaginários sobre territórios inimigos, ele conseguira involuntariamente reduzir a um estado de pobreza uma parte da Igreja, embora não da maneira idealizada por Albino Luciani. Deixara a diocese de São José, em Kansas City, com uma dívida de 30 milhões de dólares. Fizera a mesma coisa em Nova Orleans, o que acrescentava um significado maior ao Te Deum do clero local por ocasião de sua partida. Pelo menos deixara um memento permanente de sua passagem por Kansas City, tendo aplicado somas vultosas para dourar o domo da catedral restaurada no centro da cidade. 

Cody passou a vigiar os movimentos diários dos padres e freiras que suspeitava de deslealdade. Dossiês foram reunidos. Interrogatórios secretos de amigos de “suspeitos” tornaram-se uma norma. Nunca se definiu o que tudo isso tinha a ver com o Evangelho de Cristo.

Quando algumas dessas atividades foram denunciadas a Roma pelo clero de Chicago. o Papa Paulo VI ficou preocupado e angustiado. Era mais do que evidente que o membro sênior da Igreja Católica em Chicago já demonstrara, no início dos anos 70, que não tinha condições de presidir a diocese. Apesar disso, imbuido de um estranho senso de prioridades, o Papa ainda hesitava. A paz de espírito de Cody parecia pesar mais que o destino de 2,4 milhões de católicos. 

Um dos aspectos mais extraordinários do caso de Cody é que ele controlava, aparentemente sem qualquer consulta a quem quer que fosse, toda a receita da Igreja Católica em Chicago. Um homem são e extremamente inteligente já teria dificuldades para controlar com plena eficiência uma receita anual entre 250 e 300 milhões de dólares. O fato dessa incumbência ser entregue às mãos de Cody desafia qualquer explicação. 

Por volta de 1970, os bens da Igreja Católica em Chicago ultrapassavam um bilhão de dólares. Por causa da recusa do Cardeal Cody em publicar um balanço anual fiscalizado, padres de diversas partes da cidade passaram a reter algumas somas, que em tempos mais felizes seriam encaminhadas ao controle do cardeal. Finalmente, em 1971, seis anos depois de iniciar seu domínio despótico, Cody se dignou a divulgar o que passava por uma prestação de contas anual. Foi um curioso balanço. Não revelava os investimentos imobiliários, Não revelava os investimentos em ações. Em relação à receita dos cemitérios, apresentava finalmente uma prova de vida depois da morte. Os lucros eram enormes. Seis meses antes de as cifras serem divulgadas, Cody confidenciara a um assessor que o lucro andava na casa dos 50 milhões de dólares. Quando a prestâção de contas foi divulgada, à cifra caíra pará 36 milhões de dólares. Para um homem que podia estar simultaneamente em Romã, Saigon, Casa Branca, Vaticano e nâ mansão do cardeal em Chicago, desviar cerca de 14 milhões de dólares de receita de cemitérios era brincadeira de criança. 

Cerca de 60 milhões de dólares de recursos da paróquia estâvam depositados na chancelaria de Chicago. Cody recusava-se a revelar a quem quer que fosse onde o dinheiro se achava investido ou quem se beneficiava dos juros. 

Um dos trunfos pessoais mais notáveis do cardeal era o número de amigos influentes que ele continuamente adquiria dentro da estrutura de poder da Igreja. Seus tempos na Cúria Romana, antes dá guerra, trabalhando inicialmente no Colégio Norte-Americano em Roma e depois na Secretaria de Estado, produziram ricos dividendos para os momentos de necessidade. Cody era um homem que desde cedo soube aproveitar as melhores oportunidâdes. Insinuando-se nas boas graças de Pio XII e do futuro Paulo VI, ele estabeleceu uma formidável base de poder em Romã. 

A ligação do Vaticano com Chicago era, no inicio dos anos 70, um de seus vínculos mais importântes com os Estados Unidos. A maior parte dos investimentos do Vaticano S.A. no mercado de ações americano era canalizada pelo Continental de Illinois. Na diretoria do banco, juntamente com David Kennedy, um amigo íntimo de Michele Síndona, estava o padre Jesuíta Raymond C. Bãumhart. As grandes somas que Cody canalizava para Roma tornaram-se um fator importante na política fiscal do Vaticano. Cody podia não ser capaz de controlar seus padres, mas certamente sabia como lidar com questões de dinheiro, Quândo o bispo que controlava a diocese de Reno fez alguns “investimentos infelizes” e houve um totâl colapso financeiro, o Vaticano pediu a Cody que o socorresse. Cody ligou para seus amigos banqueiros e o dinheiro foi prontamente providenciado. 

Ao longo dos anos, a amizade entre Cody e Marcinkus tornou-se particularmente intima; tinham muita coisa em comum, muitos interesses envolvidos. Em Chicago, com sua vasta população de origem polonesa involuntariamente ajudando-o, Cody começou a desviar centenas de milhares de dólares para Marcinkus, no Banco do Vaticano, através do Continental Illinois, Marcinkus encaminhava o dinheiro para os cardeãis na Polônia. 

O cardeal cuidava de garantias adicionais, distribuindo a riqueza de Chicago por determinados setores da Cúria Romana. Quando estava na cidade, e fez mais de uma centena de viagens a Roma, distribuia presentes caros pelas pessoas que mais lhe poderiam ser úteis, um isqueiro de ouro para este monsenhor, um relógio caro para aquele bispo.

Mas as queixas que continuavam a chegar a Roma superavam os presentes caros. Na Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, que age como a polícia do Vaticano em questão de ortodoxia doutrinária e moralidade clerical, a pilha de cartas crescia continuamente. Vinham não apenas de padres e freiras de Chicago, mas também de homens e mulheres dos mais diversos níveis. O Arcebispo Jean Hamer, OP, na direção da Congregação, analisou o problema. Entrar em ação contra um padre é relativamente fácil. Depois da devida investigação, a Congregação recorre ao bispo relevante, solicitando que o padre seja removido da área de controvérsia. Mas a quem recorrer quando a ação proposta é contra o cardeal?

A União dos Padres condenou Cody publicamente e declarou que ele mentia. Acabaram aprovando um voto de censura contra ele, Apesar disso, Roma permaneceu em silêncio,

No inicio de 1976, o Arcebispo Hamer não era o único membro destacado da Cúria Romana que conhecia os problemas que a conexão de Chicago estava causando. Os Cardeais Benelli e Baggio, independentemente a princípio e depois em conjunto, haviam chegado à conclusão de que Cõdy devia ser substituído.

Foi encontrada uma fórmula depois de longas conferências com Paulo VI. Numa das numerosas viagens de Cõdy a Roma, na primavera de 1976, Benelli ofereceu-lhe um posto na Cúria Romana, Ele teria um título maravilhoso, mas absolutamente nenhum poder. Reconhecia-se que Cody era ambicioso e achava que possuía talento para subir além do controle de Chicago. O plano do cardeal era tornar-se Papa. E indicativo da arrogância de Cody o fato de um homem que causara tanta confusão e transtorno em Chicago pensar seriamente que tinha possibilidades de alcançar o Pontificado. Com essa ambição, ele teria o maior prazer em trocar Chicago pelo controle de uma das Congregações da Cúria que distribuíam dinheiro às dioceses necessitadas do mundo inteiro. Cody raciocinou que poderia comprar votos suficientes para ascender ao trono de Roma quando surgisse a oportunidade. Benelli sabia disso e fora o motivo pelo qual oferecera o cargo. Mas não era o que Cody queria. Ele recusou. Era necessário encontrar outra solução.

Em janeiro de 1976, poucos meses antes da confrontação Beneldi Cody, uma delegação de Chicago visitou Jean Jadot, o núncio apostólico em Washington. Jadot informou que Roma estava cuidando da situação. A medida que o ano prosseguia sem qualquer solução, a batalha em Chicago recomeçou. A imagem pública de Cody se tornara a essa altura, tão lamentável que ele contratou uma agência de relações públicas de Chicago, à custa da Igreja, numa tentativa de obter uma cobertura favorável dos meios de comunicação.

Os irados padres e freiras começaram a se queixar outra vez a Jadot em Washington. Ele aconselhou paciência, prometendo:

— Roma encontrará a melhor solução. Mas vocês devem suspender os ataques públicos. Deixem o problema se aquietar. Roma então cuidará de tudo com a discrição necessária,

O clero aceitou as ponderações. As críticas públicas foram atenuadas. Mas logo foram reacendidas pelo próprio Cody, que decidiu fechar diversas escolas da cidade. Baggio aproveitou essa questão para outra tentativa de persuadir o Papa Paulo VI a agir de forma decisiva. O conceito de firmeza do Papai foi escrever uma carta formal a Cody, pedindo uma explicação para o fechamento das escolas. Cody ignorou a carta e gabou-se publicamente por isso.

Em Chicago, impedidos pela inatividade do Vaticano, os oponentes enviaram mais cartas a Roma, Havia novas acusações, apoiadas por depoimentos juramentados, e registros de irregularidades financeiras. Muitas evidências indicavam que o comportamento de Cody em outra área também deixava a desejar. Envolvia a sua amizade com uma mulher chamada Helen Dolan Wilson.

Cody dissera a seu pessoal na Chancelaria que Helen Wilson era sua parente. A natureza exata do parentesco variava; mas, de um modo geral, ela era descrita como prima. A fim de explicar a vida elegantede Helen Wilson, as roupas sempre na última moda, as viagens constantes, o apartamento luxuoso, o cardeal espâlhou que a prima fora deixada “muito bem de vida” pelo falecido marido. As acusações encaminhadas a Romã eram de que Cõdy e Helen Wilson não tinham qualquer parentesco, que o marido, de quem ela se divorciara há muito tempo, estava vivo na ocasião em que o cardeal o declarara morto e que, ainda por cima, quando o ex-marido morreu, em maio de 1969, não deixou testamento e seu único bem terreno, um carro de oito anos, no valor de 150 dólares, ficou para a segunda esposa.

As acusações, apresentadas a Roma em termos confidenciais, incluíam provas de que a amizade de Cody com Helen Wilson era antiga, ele fizera um seguro de vida no valor de 100 mil dólares indicando-a como beneficiária, e o registro de emprego dela na Chancelaria de Chicago fora falsificado pelo cardeal para permitir-lhe obter uma pensão maior. A pensão se baseava em 24 anos de trabalho para a diocese, o que era comprovadamente falso. Havia também provas de que Cody dera à amiga a quantia de 90 mil dólares, a fim de que ela pudesse comprar uma casa na Flórida. O Vaticano foi lembrado de que Helen Wilson acompanhara Cody a Roma quando ele fora elevado a cardeal, mas a verdade é que muitas outras pessoas integravam a sua comitiva. Ao contrário de Helen Wilson, no entanto, as outras não participavam da direção da diocese de Chicago, não decidiam os móveis e a decoração da residência do cardeal. Foi também alegado que Cody desviara centenas de milhares de dólares dos fundos dá Igreja para essa mulher.

Como se tudo isso não fosse suficiente, as acusações ainda enumeravam as vultosas quantias de seguros diocesanos encaminhadas para David. o filho de Helen. David Wilson começara a se beneficiar com a generosidade de “Tio” John já em St. Louis, em 1963, À medida que o cardeal subia, o negócio de seguros prosperava. Foi alegado que as comissões que David Wilson ganhara, aparentemente monopolizando os seguros da Igreja, controlados por Cody, ultrapassavam os 150 mil dólares.

Baggio estudou cuidadosamente a lista longa e detalhada. Houve investigações. O Vaticano é incomparável no negócio de espionagem. Basta se considerar o número de padres e freiras existentes no mundo, todos devendo fidelidade a Roma. As respostas chegaram ao Cardeal Baggio, confirmando: as acusações eram procedentes. Era agora o final de junho de 1978.

Em julho de 1978, o Cardeal Baggiõ tornou a discutir o problema do Cardeal Cody com o Papa Paulo VI, que acabou aceitando que Cody devia ser substituído. Ele insistiu, porém, que isso devia ser feito com compaixão, de uma maneira que permitisse a Cody manter as aparências. Mais importante ainda, devia ser feito de maneira a evitar qualquer publicidade escandalosa. Ficou combinado que Cody seria informado que devia aceitar uni coadjutor, um bispo que dirigiria a diocese, para todos os efeitos práticos. Oficialmente, seria anunciado que isso acontecia por causa dos problemas de saúde de Cody, que realmente existiam. Cody teria permissão para continuar como titular da diocese de Chicago até alcançar a aposentadoria compulsória, aos 75 anos, em 1982.

Munido com o édito papal, o Cardeal Baggio prontamente articulou sua viagem, fez as malas e seguiu para o Aeroporto Fiumicino, de Roma, Ali chegando, foi informado de que o Papa desejava lhe falar antes que voasse para Chicago.

Paulo mais uma vez voltara atrás. Disse a Baggio que o plano de colocar um coadjutor em Chicago para assumir o poder só poderia ser executado se Cody concordasse, Consternado, Baggio suplicou:

— Posso insistir, Santo Padre?

— Não, não pode. O plano só deve ser executado se Sua Eminência concordar.

Um irado e frustrado Cardeal Baggio voou para Chicago.

As redes de espionagem transmitem as informações para um lado e outro. O Cardeal Cody tinha as suas fontes na Cúria Romana, O elemento surpresa, com que Baggio esperava desconcertar Cody, se perdera um dia antes de sua reunião crucial com o Papa. Cody estava pronto e esperando.

A maioria dos homens na situação de Cody se submeteria a uma pequena auto-análise, talvez uma consideração dos acontecimentos que, ao longo dos anos, haviam levado aquele Papa tão relutante à conclusão angustiante de que o poder que o cardeal de Chicago detinha, no interesse de todos, devia ser entregue a outro. Sempre atencioso com os sentimentos do homem que desejava substituir, o Papa até providenciara para que o motivo da viagem de Baggio a Chicago fosse um segredo. Oficialmente, ele estava seguindo para o México, a fim de cuidar das providências finais para a Conferência de Puebla. Mas o Cardeal Cody em nenhum momento levou em consideração esses melindres.

A confrontação ocorreu na residência do cardeal, na área do seminário em Muridelein. Baggio apresentou as provas. Mostrou que, ao dar presentes em dinheiro a Helen Wilson, o cardeal incluira quantias que pertenciam à Igreja. Além disso, a pensão que concedera à sua amiga era indevida. A investigação do Vaticano revelara uma variedade de inconveniências, que certamente acarretariam descrédito para a Igreja Católica, se chegassem ao conhecimento público.

Cody estava longe de se mostrar arrependido, enquanto a confrontação rapidamente evoluia para uma discussão aos gritos. Pôs-se a falar de suas vultosas contribuições a Romã, todo o dinheiro que despejara no Banco do Vaticano para ser usado na Polônia, as doações que fizera ao Papa durante as suas visitas ad limina (as visitas e relatórios obrigatórios a cada cinco anos)… não os míseros poucos milhares de dólares que os outros levavam, mas centenas de milhares de dólares. Por toda a área do seminário podia-se ouvir os gritos dos dois Príncipes da Igreja. Cody se manteve intransigente. Outro bispo só dirigiria a diocese “por cima do meu cadáver”. Ao final, como uma agulha enguiçada num disco, ele só podia pronunciar insistentemente uma única frase:

— Não renunciarei ao poder em Chicago.

Baggio foi embora, temporariamente derrotado. Um Cody desafiante, que se recusava a aceitar um coadjutor, era uma total violação das leis canônicas. Mas era inconcebível para Paulo que o público soubesse que o cardeal de uma das mais poderosas dioceses do mundo estava desafiando abertamente a autoridade papal. O Papa toleraria Cõdy até o final de seus dias, ao invés de suportar a alternativa. Para Paulo, os dias de tolerância forarri poucos. Uma semana depois de receber o relatório de Baggio, o Papa Paulo VI morreu.

Em meados de setembro, Albino Luciani já estudara em profundidade o problema de Cody. Reuniu-se com o Cardeal Baggio e discutiu o assunto. Falou das implicações da crise com Villot, Benelli, Felici e

Casaroli. A 23 de setembro, teve outra reunião longa com o Cardeal Baggio. Ao final, comunicou a Baggio que lhe falaria de uma decisão nos próximos dias.

Em Chicago, pela primeira vez em sua longa e turbulenta história, o Cardeal Cody começou a sentir-se vulnerável. Depois do Conclave, ele partícularmente não dera a menor importância ao italiano tranquilo que sucedera a Paulo.

— Tudo continuará a mesma coisa — declarara Cody a um dos seus amigos íntimos na Cúria.

Era justamente o que Cõdy queria, pois assim continuaria a mandar e desmandar em Chicago. Agora, no entanto, as notícias de Roma indicavam que ele subestimara seriamente o novo Papa. A medida que setembro de 1978 se aproximava do fim, John Cody convenceu-se de que Luciani agiria onde Paulo permanecera inativo. Os amigos de Cody informaram-no que o novo Papa, com toda certeza, levaria sua decisão até o fim, qualquer que fosse. Citaram muitos exemplos da vida de Luciani que revelavam uma excepcional força interior.

Na mesa de trabalho de Luciani estava um dos poucos bens pessoais que ele estimava. Uma fotografia. Originalmente se encontrava numa moldura velha e escalavrada, Durante a sua permanência em Veneza, um paroquiano agradecido mandara remontar a fotografia numa moldura de prata, cravejada com pedras semipreciosas. A fotografia era dos pais, tendo ao fundo as Dolomitas, cobertas de neve. Nos braços da mãe estava a bebê Pia, agora uma mulher casada, com seus próprios filhos. Durante o mês de setembro de 1978, seus secretários observaram que o Papa, em diversas ocasiões, parecia perdido em pensamentos, enquanto contemplava a fotografia. Era uma lembrança de tempos mais felizes, quando homens como Cody, Marcinkus, Calvi e os outros não perturbavam sua tranquilidade. Houvera então tempo para o silêncio e para pequenas coisas. Agora, Luciani tinha a impressão de que nunca encontrava tempo suficiente para os aspectos mais importantes de sua vida. Estava isolado de Canale e até mesmo de sua família. Ainda conversava ocasionalmente pelo telefone com Edoardo e Pia, mas as visitas inesperadas haviam acabado para sempre. A máquina do Vaticano cuidava disso. Até mesmo Diego Lorenzi tentava afastar Pia quando ela telefonava. Ela queria levar alguns pequenos presentes, lembranças do norte.

— Deixe no portão — disse Lorenzi. — O Papa está muito ocupado para recebê-la.

Luciani ouviu essa conversa e pegou o telefone.

— Venha me visitar, Não tenho tempo, é verdade, mas darei um jeito.

Almoçaram juntos. Tio Albino gozava de excelente saúde e parecia muito animado. Durante a refeição, comentou seu novo papel:

— Se soubesse que um dia me tornaria Papa, eu teria estudado mais. E muito difícil ser Papa.

Pia compreendia como o trabalho podia ser árduo e difícil, e tudo agravado pela obstinação da Cúria. Luciani desejava tratar Roma como sua nova paróquia, passeando pelas ruas como costumava fazer em Veneza e suas outras dioceses. Mas havia problemas para um Chefe de Estado se comportar assim. A Cúria declarou categoricamente que a idéia não apenas era inconcebível, mas também inexeqúivel. A cidade mergulharia num caos constante se o Santo Padre saísse a perambular pelas ruas. Luciani abandonou a idéia, mas apenas por uma versão modificada. Comunicou aos homens do Vaticano que desejava visitar todos os hospitais, igrejas e centros de refugiados em Roma, gradativamente conhecendo e circulando por todos os setores do que considerava a sua paróquia. Para um homem determinado a ser um Papa pastoral, a realidade em sua porta constituía um poderoso desafio.

Roma possui uma população católica de dois milhões e meio de habitantes. Deveria estar produzindo pelo menos 70 novos padres por ano. Quando Luciani tornou-se Papa, produzia apenas seis. A vida religiosa de Roma era mantida pela importação de clérigos. Muitas partes da cidade eram na verdade pagãs, com o comparecimento às igrejas sendo inferior a três por cento da população. Ali, no coração da fé, o ceticismo era grande.

A cidade que se tornara agora o lar de Albino Luciani também abrigava o prefeito comunista Cardo Argan, um prefeito comunista numa cidade em que o maior produto é a religião e cuja indústria só encontra equivalente no índice de criminalidade, Um dos novos títulos que Luciani adquirira era o de Bispo de Roma, uma cidade que não contava com um bispo, no mesmo sentido de Milão, Veneza, Florença ou Nápoles, há mais de um século. E isso transparecia.

Enquanto Pia almoçava com o Papa, Dom Diego estava envolvido numa discussão prolongada com um elemento da Cúria, que se recusava a sequer considerar o desejo papal de visitar diversas partes de Roma. Luciani interrompeu a conversa com Pia para dizer a seu secretário:

— Diga a ele que tem de ser feito, Dom Diego. Diga que o Papa assim deseja.

Lorenzi transmitiu a determinação papal, mas a recusa persistiu. Virando-se para o Papa, ele informou:

— Eles dizem que nâo é possível, Santo Padre, porque nunca foi feito antes.

Pia observava, fascinada, enquanto prosseguia a partida de tênis do Vaticano, Luciani acabou pedindo desculpas à sobrinha pela interrupção e disse a seu secretário que daria as instruções necessárias a Villot. E acrescentou para Pia, sorrindo:

— Se a Cúria Romana permitir, seu tio espera visitar o Líbano antes do Natal.

Ele discorreu longamente sobre aquele país conturbado e seu desejo de interferir antes que o barril de pólvora explodisse. Depois do almoço, quando a sobrinha estava de partida. Luciani insistiu em lhe dar de presente uma medalha que ganhara da mãe do Presidente do México. Poucos dias depois, a 15 de setembro, recebeu o irmão Edoardo para jantar. Essas duas reuniões familiares estavam destinadas a ser as últimas que Albino Luciani teria.

Enquanto o Pontificado de Albino Luciani prosseguia, aumentava o abismo entre o papa e os observadores profissionais do Vaticano, na proporção direta em que se tornavam mais estreitos os laços e relacionamentos entre o novo Papa e o público em geral. A perplexidade dos profissionais era compreensível.

Confrontados com um cardeal não-curial, que aparentemente carecia de reputação internacional, os profissionais concluíram que observavam o primeiro de uma nova espécie de Papa, um homem deliberadamente escolhido para garantir que houvesse uma redução de poder, um papel menos significativo para o Pontificado. Não pode haver muita dúvida de que o próprio Luciani encarava o seu papel nesses termos reduzidos. O problema essencial nessa visão de um Pontificado menos significativo era o próprio homem. A essência de Albino Luciani, sua personalidade, inteligência e talentos extraordinários fizeram com que o público em geral conferisse ao novo Papa uma posição de maior importância, aceitando o que ele tinha a dizer como algo de significado mais profundo. A reação pública a Luciani demonstrava claramente uma necessidade profunda de uma atuação papal ampliada, exatamente o inverso do que tencionavam muitôs cardeais. Quanto mais Luciani se mostrava humilde, mais exaltado se tomava para os fiéis.

Muitos que só haviam conhecido Luciani em seus dias em Veneza estavam profundamente surpresos com o que consideravam a mudança no homem. Em Vittorio Veneto, Belluno e Canale, no entanto, não houve qualquer surpresa. Aquele era o verdadeiro Albino Luciani. A simplicidade, o senso de humor, a ênfase no catecismo.., esses eram os elementos integrantes do homem.

A 26 de setembro, Luciani podia olhar para trás e contemplar com satisfação o seu primeiro mês no novo cargo. Fora um mês repleto de impactos poderosos. Suas investigações sobre atividades corruptas e desonestas lançaram os responsáveis no medo mais profundo. Sua impaciência com a pomposidade da Cúria causara indignação. Em

diversas ocasiões, ele abandonara os.discursos escritos oficialmente e se queixara em público:

— O estilo é curial demais.

Ou comentava:

— Está untuoso demais.

A Rádio Vaticano e o Osservatore Romano raramente reproduziam as suas palavras literalmente, mas o público as ouvia e o mesmo acontecia com outros meios de comunicação. Tomando emprestada uma frase de São Gregório, o Papa comentou que, ao elegê-lo, “o imperador queria um macaco para se transformar em leão”. Lábios se contraíram no Vaticano, enquanto bocas se abriam em sorriso pelo público. Ali estava um “macaco” que, no transcorrer de seu primeiro mês de Pontificado, falara-lhes em latim, italiano, francês, inglês, alemão e espanhol. Como Winston Churchill poderia ter comentado, “que macaco!”

A 7 de setembro, durante uma audiência particular com Vittore

Branca, às 8:00 da manhã, um horário que causou consternação na

Cúria, o amigo manifestou sua preocupação pelo peso do Pontificado.

Ao que Luciani respondeu:

É verdade, claro que sou muito pequeno para grandes coisas. Só posso repetir a verdade e o chamado Evangelho, como fazia na igrejinha da minha terra. Basicamente, os homens precisam disso. Sou o guardião das almas, acima de tudo. Entre o padre da paróquia de Canale e mim só há diferença no número de fiéis. A missão, no entanto, é a mesma:

lembrar Cristo e sua palavra.

Mais tarde, nesse mesmo dia, reunido com todos os padres de Roma, ele falou da necessidade de meditação. Suas palavras têm um significado profundamente pungente quando se considera quão pouco tempo e espaço um novo Papa dispõe para meditação.

Fiquei comovido na estação ferroviária de Milão ao ver um carregador dormindo na maior felicidade, com a cabeça num saco de carvão e as costas numa pilastra. Os trens apitavam ão partirem, as rodas guinchavam ao chegarem. Os altofalantes constantemente interrompiam. As pessoas passavam ruidosamente. Mas o homem continuava a dormir e parecia dizer: “Façam o que devem, mas eu preciso de alguma paz. Nós, sacerdotes, devemos fazer a mesma coisa. Há um movimento contínuo ao nosso redor. Pessoas falando, jornais, emissoras de rádio e televisão. Com a disciplina e moderação de sacerdotes, devemos dizer: “Além de determinados limites, vocês não existem para mim. Sou um sacerdote do Senhor. Preciso de um pouco de silêncio para a minha alma. Eu me distancio de vocês para estar com meu Deus por algum tempo.”

O Vaticano registrava os seus discursos nas audiências gerais, quando ele falou, em sucessivas quartas-feiras, em Fé, Esperança e Caridade. Mas a súplica de Luciani para que essas virtudes fossem demonstradas, por exemplo, em relação aos viciados em tóxicos, foi ignorada pela Cúria, que controlava os meios de comunicação do Vaticano.

A 20 de setembro, quando ele pronunciou a frase memorável que era errado acreditar Ubi Lenin, ibi Jerusalem (Onde Lenin está, há Jerusalém), a Cúria anunciou que o Papa estava rejeitando a “teologia da libertação”. Não estava. Além disso, a Rádio Vaticano e o Osservatore Romano deixaram de registrar a qualificação importante de Luciani, de que entre a Igreja e a salvação religiosa, por um lado, e o mundo e a salvação humana, por outro, “há alguma coincidência, mas não podemos fazer uma equação perfeita”.

No dia 23 de setembro, um sábado, a investigação de Luciani sobre o Vaticano S. A. estava bastante adiantada, Villot, Benelli e outros haviam fornecido relatórios sobre os quais o Papa meditara, Nesse dia, ele deixou o Vaticano pela primeira vez, a fim de tomar posse de sua catedral como o Bispo de Roma. Apertou a mão do Prefeito de Roma, Argan, trocaram discursos. Depois da missa que se seguiu, com a maioria da Cuna presente, o Papa abordou por diversas vezes os problemas intemos com que se defrontava. Referindo-se aos pobres, o setor da população que mais falava ao seu coração, Luciani disse:

Como afirmou o diácono romano Lawrence, esses são os verdadeiros tesouros da Igreja. Mas devem ser ajudados por aqueles que podem, pelos que têm mais e são mais, sem serem humilhados e ofendidos pelas riquezas ostensivas, pelo dinheiro esbanjado em coisas inúteis e não investido em empreendimentos que beneficiem a todos, na medida do possível.

Mais adiante, no mesmo discurso, ele virou-se e olhou diretamente para os homens do Banco do Vaticano, reunidos a um lado, passando a falar sobre as dificuldades de guiar e governar.

Embora tenha sido bispo de Vittorio Veneto e em Veneza por mais de 20 anos, reconheço que não aprendi o trabalho muito bem. Em Roma, eu me colocarei na escola de São Gregório, o Grande, que escreveu que (o pastor) deve, com compaixão, estar próximo de cada um que lhe está sujeito; independente de seu posto, deve se considerar no mesmo nível que o rebanho, mas sem temer exercitar os direitos de sua autoridade contra os iníquos…

Sem conhecimento do que acontecia no Vaticano, o público limitou-se a assentir sabiamente. Mas a Cúria sabia exatamente a que o Papa se referia. Era um pronunciamento elegante e indireto, ao melhor estilo do Vaticano, sobre os eventos futuros.

As mudanças pairavam no ar, e na aldeia do Vaticano havia especulações frenéticas. O Bispo Marcinkus e pelo menos dois de seus assessores mais chegados, Mennini e De Strobel, estavam para cair. Isso era considerado um fato inevitável. O que mais agitava as mentes curiais era que havia também rumores de outras substituições.

No domingo, 25 de setembro, um visitante particular dos aposentos papais foi identificado por um monsenhor atento como sendo Lino Marconato. O excitamento na aldeia alcançou um novo auge. Marconato era diretor do Banco San Marco. Sua presença nos aposentos papais indicava que já fora encontrado um sucessor para o Banco Ambrosiano?

Na verdade, porém, a reunião foi sobre questões bancárias menos exóticas. O Banco San Marco tomara-se o banco oficial da diocese de Veneza depois que Luciani, furioso, encerrara todas as contas no Banca Cattolica Veneto. Agora, Luciani precisava encerrar suas contas pessoais no San Marco, sabendo que nunca mais voltaria a residir naquela cidade. Marconato encontrou o seu quase ex-cliente na melhor saúde. Conversaram cordialmente sobre Veneza, Luciani deu instruções para que o dinheiro em sua conta de Patriarca fosse transferido para o seu sucessor.

A preocupação com as mudanças iminentes era intensa. Em muitas cidades. Por muitas pessoas.

Outro que tinha um interesse velado no que Luciani podia estar prestes a fazer era Michele Sindona. A batalha de quatro anos de Sindona pára evitar a extradição dos Estados Unidos para a Itália encaminhava-se para o climax em setembro de 1978. Pouco antes, em maio desse mesmo ano, um juiz federal americano decidira que o siciliano, que se tornara cidadão suíço, deveria ser recambiado a Milão, a fim de enfrentar o julgamento pelo que fizera. Em sua ausência, Sindona fora condenado a três anos e meio de prisão, mas sabia que essa sentença pareceria clemente depois que os tribunais italianos acabassem com ele. Apesar da investigação federal, ele ainda se achava livre de qualquer acusação nos Estados Unidos. O colapso do Franklin Bank fora seguido pela prisão de diversos homens, sob várias acusaçoes, mas em setembro de 1978 O Tubarão permanecia incólume. Seu maior problema na ocasião estava na Itália.

A bateria de advogados de um milhão de dólares persuadira os tribunais americanos a não decretarem a extradição, até que os procuradores federais provassem que havia provas concretas contra Sindona das diversas acusações formuladas em Milão.

De maio em diante, os procuradores se empenhavam ao máximo para obter essas provas. Sindona, ajudado pela Máfia e por seus companheiros da P2, empenhava-se com igual afinco para dar um sumiço nas provas. Quando setembro de 1978 se aproximava do fim, ele ainda tinha muitos “problemas”.

O primeiro era o depoimento prestado no processo de extradição por uma testemunha, Nicola Biase, um antigo empregado de Sindona. Seu depoimento era considerado perigoso. Sindona procurou tomá-lo seguro”. Discutiu o problema com a farmília mafiosa Gambino e um pequeno contrato foi fechado. Não chegava a ser particularmente sinistro: Biase, a mulher, a família e seu advogado seriam ameaçados de morte. Se sucumbissem à ameaça e Biase refutasse o depoimento, tudo ficaria por aí. Mas se Biase se recusasse a cooperar com a Máfia, então a família Gambino e Sindona planejavam “revisar” a situação. O que não pressagiava nada de bom para a saúde de Biase. O contrato de menos de mil dólares seria trocado por outro mais condizente. Luigi Ronsisvaíle e Bruce McDowall foram os escolhidos para executar o contrato. Ronsisvaíle é um assassino profissional.

Outro contrato também foi discutido com Ronsisvaíle, A Máfia informou-o que Michele Sindona queria a morte do promotor federal John Kenney.

Nada demonstra tão claramente a mentalidade de Michele Sindona quanto o contrato para liquidar John Kenney. O promotor que atuava no processo de extradição, era o homem que comandava a pressão do governo americano para acabar com a permanência de Sindona nos Estados Unidos. Sindona estava convencido de que o problema terminaria se Kenney fosse eliminado. Funcionaria como uma advertência ao governo de que ele, Michele Sindona, não admitia mais a pressão. A investigação seria suspensa. Não haveria mais irritantes comparecimentos ao tribunal, não haveria mais tentativas absurdas para enviá-lo de volta à Itália, O processo de pensamento neste caso é cem por cento da Máfia siciliana. E uma filosofia que funciona repetidamente na Itália. Faz parte essencial da Solução Italiana. As autoridades podem ser intimidadas e de fato o são. Os investigadores que substituem um colega assassinado não se mostram tão ansiosos em esclarecer um caso. Sindona raciocinou que qualquer coisa que funcionava em Palermo também daria certo em Nova York.

Luigi Ronsisvaíle, embora fosse um assassino profissional, relutou em aceitar o contrato. O pagamento de 100 mil dólares era ótimo, mas Ronsisvaíle. compreendendo o sistema americano muito mais do que Sindona, achava que não teria qualquer oportunidade de gastá-lo. Se Kenney fosse assassinado, haveria ondas, a repercussão seria tremenda. Ronsisvaíle começou a procurar alguém, por conta da família Gambino, que julgasse ter possibilidades de sobrevivência depois de assassinar um promotor federal americano.

Sindona e seus associados concentraram-se no problema seguinte, Cardo Bordoni, ex-associado nos negócios e amigo intimo de Sindona. Bordorti já enfrentava diversas acusações pela falência do Franklin Bank. Poderia aceitar um acordo para redução de sua pena, em troca de um depoimento fatal contra O Tubarão. Ficou decidido que o tratamento previsto para Nicola Biase, sua família e seu advogado seria também aplicado a Carlo Bordoni.

Os problemas restantes de Sindona estavam na Itália, especialmente no Vaticano. Se Marcinkus caísse, Calvi também estaria perdido. Se Calvi afundasse, Sindona também seria arrastado. A luta de quatro anos para evitar a extradição seria encerrada com a sua derrota. Um homem que julgava ser possível resolver seus problemas nos Estados Unidos com o assassinato de um promotor federal não pensaria que a grande ameaça com que se defrontava na Itália poderia ser eliminada com a morte de um Papa?

Sindona, Calvi, Marcinkus e o Cardeal Cody: a 28 de setembro de 1978, todos esses homens seriam destruidos se Albino Luciani resolvesse prosseguir nos cursos de ação que já indicara. Outros que seriam diretamente afetados: Licio Gelli e Umberto Ortolani, para esses lideres da P2 perder Calvi seria para a Loja Maçônica perder seu pagador. Em 28 de setembro, um outro nome foi acrescentado aos que seriam seriamente afetados pelas ações propostas por Luciani. O novo nome era o do Cardeal Jean Villot, Secretário de Estado do Vaticano.

Na manhã de 28 de setembro, depois de tomar café com leite e comer um croissant, Luciani já estava á sua mesa de trabalho antes das oito horas da manhã; Havia muito o que fazer.

O primeiro problema que ele enfrentou foi o Osservatore Romano. Durante o mês anterior, ele tivera motivos para se queixar do jornal em diversas ocasiões. Depois de vencida a batalha inicial contra o uso do real “nós”, com que o jornal insistia em substituir o uso mais humilde da primeira pessoa do singular pelo Papa, cada nova edição diária proporcionava mais motivos de irritação para Luciani. O jornal aderia rigorosamente aos discursos escritos pela Cúria e ignorava os comentários pessoais que o Papa acrescentava. Até mesmo se queixava quando jornalistas italianos reproduziam acuradamente o que o Papa dissera, em vez de se limitarem ao que o Osservatore Romano achava que ele deveria ter dito. Havia agora novos problemas, de natureza muito mais séria.

Diversos cardeais da Cúria descobriram, horrorizados, que pouco antes do Conclave, Albino Luciani fora entrevistado a respeito do nascimento de Louise Brown, conhecida como “primeiro bebê de proveta”. A entrevista se realizara três dias antes da morte do Papa Paulo VI, mas suas opiniões só se tornaram geralmente conhecidas depois que a matéria saiu em Prospettive nel Mondo, depois da eleição. Os partidários da linha dura na questão do controle da natalidade ficaram consternados ao lerem as opiniões do homem que era agora o Papa.

Luciani começara cautelosamente, deixando bem claro que estava expressando apenas a sua opinião pessoal, já que, como todo mundo “esperava para saber quais seriam os autênticos ensinamentos da Igreja depois que os experts fossem consultados”.. Os eventos subsequentes criaram uma situação em que os ensinamentos autênticos da Igreja, naquele ou em qualquer outro assunto, estavam totalmente dentro da competência de Luciani.

Na entrevista, Luciani manifestou um entusiasmo comedido pelo nascimento. Estava preocupado com a possibilidade de “fábricas de bebês”, uma apreensão profética, tendo em vista os acontecimentos atuais na Califórnia, onde mulheres fazem filas para serem fecundadas pelo esperma de ganhadores do Prêmio Nobel.

Numa mensagem pessoal aos pais de Louise Brown, Albino Luciani disse:

Seguindo o exemplo de Deus, que deseja e ama a vida humana, eu também envio os meus melhores votos de felicidades para a criança. Quanto aos pais, não tenho o direito de condená-los; subjetivamente, se agiram com boas intenções e de boa fé, talvez até tenham um grande mérito aos Qlhõs de Deus pelo que decidiram e pediram aos médicos que fizessem.

Depois, ele chamou a atenção para um pronunciamento de Pio XII, que poderia pôr o ato de fecundação artificial em conflito com a Igreja. Considerando a opinião de que cada individuo tem o direito de escolher por si mesmo, manifestou uma posição que estava na própria essência de sua atitude em relação a muitos problemas morais:

Concordo que a consciência individual deve ser sempre seguida, quer ordene ou proíba; o indivíduo, porém, deve sempre procurar desenvolver uma consciência bem formada.

Os setores do Vaticano que acreditam que a única consciência bem formada é aquela moldada exclusivamente por eles começaram a se pronunciar. Houve reuniões secretas. Os que compareciam a essas reuniões achavam que era evidente que se precisava deter Luciani. Falaram da “traição a Paulo”, o que para certas mentes romanas refinadas é uma maneira elegante de dizer “Eu discordo”.

Quando notícias do cauteloso diálogo entre a Secretaria de Estado do Vaticano e o Departamento de Estado americano começaram a vazar, esse grupo resolveu entrar em ação. A informação subsequente de que uma delegação americana envolvida com o controle da natalidade teria uma audiência com o Papa acrescentou uma urgência adicional aos homens no Vaticano que consideravam que a Humanae Vitae deveria ser a última palavra sobre o assunto.

A 27 de setembro, apareceu na primeira página do Osservatore Romano um longo artigo intitulado “Humanae Vitae e a Moral Católica”. Era do Cardeal Luigi Ciappi, OP, teólogo do círculo papal. O Cardeal Ciappi fora o teólogo pessoal de Paulo VI e Pio XII. Com um autor assim, o artigo parecia ter a aprovação pessoal do novo Papa. Fora publicado antes em Laterano, para “celebrar” o 10° aniversário da Humanae Vitae. Sua republicação era uma tentativa deliberada de bloquear qualquer mudança na questão do controle da natalidade que Albino Luciani pudesse desejar. O artigo é uma sucessão de louvores à Humanae Vitae. Há muitas citações de Paulo VI, mas nenhuma palavra de Luciani confirmando que partilhava as opiniões de Paulo ou Ciappi. O motivo para isso é simples, Ciappi não discutira o artigo com Luciani. Na verdade, a 27 de setembro de 1978, o Cardeal Ciappi ainda aguardava uma audiência particular com a novo Papa. Luciani só tomou conhecimento do longo artigo e das opiniões que continha quando o leu no jornal. Na segunda página, ele encontrou outro esforço dá Cúria para solapar a sua posição: mais um artigo, em três colunas, intitulado “O Risco da Manipulação na Criação da Vida”. Era uma condenação dogmática da “bebê de proveta” Louise Brown e de toda fertilização artificial.

Também não continha qualquer referência a Luciani. A Cúria sabia muito bem que, apesar de todas as alegações do Osservatore Romano de ser apenas semi-oficial, tais artigos seriam encarados pelo mundo como sendo posições do novo Papa. A batalha começara abertamente,

A 28 de setembro, pouco depois de oito horas da manhã, o Papa telefonou para seu Secretário de Estado, Jean Villot. Exigiu uma explicação completa sobre a publicação dos dois artigos. Telefonou depois para o Cardeal Felici, em Pádua, onde faria retiro espiritual.

Luciani passara a usar Felici, cada vez mais, como uma caixa de ressonância para suas idéias. Sabia que suas opiniões divergiam em muitas coisas, mas sabia também que Felici reagiria com absoluta franqueza e honestidade. O Papa estava igualmente consciente de que poucos conheciam tanto quaonto Felici, como Decano do Sacro Colégio, as maquinações da Cúria.

Luciani manifestou a sua irritação pelos dois artigos e depois disse:

— Lembra-se que há alguns dias avisou-me de que a Cúria desejava conter minha exuberância natural?

— Foi apenas um palpite, Santidade.

— Talvez possa fazer a gentileza de retribuir o cumprimento em seu nome. Avise ao pessoal desse jornaízinho para conter suas opiniões sobre essas questões. Os editores são como os Papas. Nenhum deles é indispensável.

Depois de marcar um encontro com Felici para mais- tarde, naquele mesmo dia, Luciani passou ao problema seguinte, a Igreja da Holanda. Cinco dos sete bispos holandeses planejavam assumir uma posição moderada nas questões do aborto, homossexualismo e o emprego de padres casados. Entre os cinco estava o Cardeal Willebrands, o homem que oferecera palavras de conforto a Luciani durante o Conclave. Os cinco tinham a oposição de dois bispos extremamente conservadores, Gijsens, de Roermond, e Simonis, de Rotterdam. Uma reunião na Holanda, em novembro de 1978, prometia ser o campo de batalha que revelaria as divisões profundas ao público holandês. Havia um outro problema, que fora exposto num relatório detalhado ao falecido Papa Paulo VI.

Os jesuítas moviam uma campanha contra o teólogo e professor dominicano Edward Schillebeeckx, famoso no mundo inteiro. Como acontecia com seu contemporâneo suíço Hans Kung, os conservadores desejavam silenciar o que lhes parecia ser as idéias radicais de Schillebeeckx, O temido Index dos Livros Proibidos fora abolido por Paulo VI. Sua morte deixara sem solução o problema de como a Igreja Católica controlaria seus pensadores avançados. No passado, Luciani tomara emprestada uma frase de Hans Kung para condenar os “teólogos de tocaia”. Mas esse não era o caso de homens como Kung e Schillebeeckx, que manifestavam apenas um profundo desejo de levar a Igreja de volta a suas origens, uma posição que Albino Luciani aprovava plenamente. Poucos minutos antes das dez horas, Luciani pôs o relatório para o lado e se concentrou em aspectos mais felizes de seu cargo. Uma série de audiências.

Receberia primeiro um grupo que incluia o homem que Luciani promovera à presidência do Cor Unum, Cardeal Bernard Gantin, O Papa ficou radiante com a presença forte e juvenil de Gantin, que na sua opinião representava o futuro da Igreja. Durante a conversa, Luciani comentou:

— E apenas Jesus Cristo que devemos oferecer ao mundo. Além disso, não teríamos razão nem propósito, nunca seríamos escutados.

Outro que teve uma audiência naquela manhã foi Henri de Riedmatten. Quando circularam por Roma, pouco depois do Conclave, notícias de que Luciani escrevera ao Papa Paulo, antes da Humanae Vitae, exortando-o a não confirmar a proibição á anticoncepçáo artificial, fora Riedmatten quem classificara tais rumores de “total fantasia”. Sua conversa com o Papa a 28 de setembro foi sobre o seu trabalho como secretário de Cor Unum, mas Luciani advertiu-o a não se precipitar a outras “negativas”.

— Meu relatório sobre o controle da natalidade não chegou ao seu conhecimento?

Riedmatten murmurou algumas palavras sobre uma possível confusão.

— Deve-se tomar cuidado, Padre Riedmâtten, para não se manifestar publicamente até que toda a confusão esteja esclarecida. Caso precise de uma cópia do meu relatório, tenho certeza de que se pode providenciar.

Riedmatten agradeceu ao Papa profusamerite. E manteve um silêncio sensato a partir daí, enquanto Luciani discutia os problemas do Líbano com o Cardeal Gantin. Ele informou a Gantin que no dia anterior conversara sobre a projetada visita ao Líbano com o Patriarca Hakin, cuja diocese de rito greco-melquita se estendia não apenas pelo Líbano invadido, mas também pela Síria invasora.

Luciani também recebeu em audiência naquela manhã um grupo de bispos das Filipinas, que fazia a suá visita ad limina. Diante de homens que tinham de enfrentar a realidade cotidiana do Presidente Marcos, Luciani falou de um assunto no fundo de seu coração: a evangelização. Perfeitamente consciente das dificuldades que aqueles homens defrontariam se falasse diretamente contra o Presidente Marcos, o Papa preferiu em vez disso discorrer sobre a importância da evangelização. Lembrou-lhes a visita do Papa Paulo ás Filipinas e disse:

Num momento em que ele resolveu falar sobre os pobres, sobre justiça e paz, direitos humanos, libertação econômica e social, num momento em que ele empenhou a Igreja efetivamente no esforço para atenuar a miséria, não permaneceu e não podia permanecer em silêncio em relação ao “bem maior”, que é a plenitude da vida no Reino do Céu.

A mensagem foi claramente compreendida, não apenas pelos bispos, mas também pela família Marcos.

Depois das audiências matutinas, Luciani teve uma reunião com o Cardeal Baggio. Chegara a diversas decisões e agora estava prestes a transmitir duas delas a Baggio.

A primeira era sobre o problema do Cardeal John Cody, de Chicago. Depois de avaliar todos os fatos, Luciani decidira que Cody devia ser afastado, Ele esperava que isso se efetuasse à maneira clássica do Vaticano, sem qualquer publicidade desagradável. Ele disse a Baggio que Cody deveria receber a oportunidade de renunciar por motivos de saúde. Isso não acarretaria comentários adversos da imprensa, porque a saúde de Cody não estava mesmo muito boa, Se Cody se recusasse a renunciar, ao invés de sofrer o tumulto público de um afastamento contra a sua vontade, um coadjutor seria designado. Outro bispo seria escolhido para assumir todo o poder efetivo e dirigir a diocese. Luciani tinha certeza de que, confrontado com essa alternativa, Cody optaria por se retirar com toda dignidade. Se insistisse em continuar, então não haveria outro jeito. Seria destituído de toda e qualquer responsabilidade. Luciani foi bastante claro e objetivo. Não se tratava de um pedido, uma mera sugestão. Um coadjutor seria nomeado se Cody não quisesse sair.

Baggio ficou na maior satisfação, pois o problema finalmente se resolvia. Mas não ficou tão satisfeito com a decisão seguinte que Luciani anunciou. Veneza estava sem um Patriarca. O Papa ofereceu o posto a Baggio.

Muitos homens se sentiriam honrados com tal oferecimento, Mas isso não aconteceu com Baggio. Ficou furioso. Achava que seu futuro, a curto prazo, estava em dominar a Conferência de Puebla, no México, Acreditava que o futuro da Igreja se encontrava no Terceiro Mundo. A longo prazo, seu lugar era em Roma, o centro da ação. Em Veneza, estaria fora de vista e, o que era ainda mais importante, fora dos pensamentos, quando chegasse o momento de formular os planos futuros. A sua recusa em aceitar Veneza surpreendeu Luciani. A obediência ao Papa e ao Pontificado fora incutida em Luciani desde os seus primeiros dias no seminário em Feltre. A obediência que ele adquirira fora de uma natureza incontestável. Ao longo dos anos, à medida que sua carreira progredia, passara a questionar as decisões papais, especialmente nas questões do Vaticano S.A. e da Humanae Vitae, Mas seria inconcebível para Luciani liderar uma rebelião publicamente, mesmo em questões tão importantes. Aquele era o homem que, a pedido de Paulo, escrevera diversos artigos em apoio à linha papal; ao escrever um desses artigos, sobre o divórcio, entregara-o a seu secretário, Padre Mario Senigaglia, com o seguinte comentário:

— Tenho certeza de que isto me criará muitas dores de cabeça quando for publicado, mas o Papa pediu.

Recusar um pedido do Papa, da maneira arrogante como Baggio agora o fazia, era algo inadmissível. Os dois homens tinham noções de Valores completamente diferentes. Luciani considerava o que era melhor para a Igreja Católica. Baggio considerava o que era melhor Para Baggio.

Havia diversos motivos para que o Papa concluísse que Baggio devia ser transferido de Romã para Veneza. Um deles era um nome na lista de maçons que Luciani recebera: Baggio, nome maçônico Seba, número de Loja 85/2640. Registrado a 14 de agosto de 1957.

Luciani fizera mais indagações depois de sua conversa com o Cardeal Felici. Um comentário de Felici o preocupara:

— Alguns da lista são mesmo maçons, outros não.

O problema de Luciani era distinguir os genuínos dos falsos. As investigações ajudaram a produzir alguns esclarecimentos.

O encontro entre Baggio e Luciani foi-me descrito como “uma discussão muito violenta, com toda a violência e ira derivando inteiramente de Sua Eminência, enquanto o Santo Padre permanecia calmo”.

Calmo ou não, Luciani tinha um problema sem solução na hora do almoço. Veneza continuava sem um Patriarca e Baggio insistia em que seu lugar era em Roma. Um pensâtivo Luciani começou a tomar sua sopa.

O veranico que Roma vinha desfrutando desde o início do mês foi substituido por um tempo mais frio naquela quinta-feira. Depois de uma breve sesta, Luciani resolveu confinar seu exercício diário a andar internamente, Começou a perambulâr pelos corredores. O Papa voltou a seu gabinete às 15:30 e deu diversos telefonemas. Conversou com o Cardeal Felici em Pádua e com o Cardeal Benelli em Florença. Discutiu os acontecimentos da manhã, inclusive a confrontação com Baggio, depois falou de sua reunião seguinte, que seria com Villot. As diversas decisões a que Luciani chegara estavam prestes a ser transmitidas ao Secretário de Estado,

Luciani e Villot sentaram a tomar um chá de camomila. Numa tentativa de se aproximar mais de seu Secretário de Estado, o Papa de vez em quando conversava com Villot em francês, durante as suas constantes reuniões. Era um gesto que o cardeal de Si. AmandeTaílende apreciava. Ficara impressionado com a rapidez com que Luciani assumira o Pontificado. A notícia transpirara da Secretaria de Estado para diversos amigos e antigos colegas de Luciani. Monsenhor Da Rif, ainda trabalhando em Vittorio Veneto, foi um dos muitos que receberam um relatório de progresso.

Do Cardeal Villot para baixo, todos admiravam a maneira de trabalhar do Papa Luciani. Sua capacidade de chegar à raiz dos problemas, de tomar decisões rápidas e firmes. Todos se impressionavam com a sua capacidade de executar múltiplas tarefas. Era evidente que se tratava de um homem que tomava decisões e as mantinha. Não cedia a pressões. Em minha experiência pessoal, essa capacidade de manter as suas decisões era uma das características mais notáveis de Albino Luciani.

Durante o final da tarde de 28 de setembro, Jean Villot recebeu uma demonstração prolongada dessa capacidade que tanto o impressionara durante o último mês. O primeiro problema a ser discutido era o Istituto per le Opere di Religione, o Banco do Vaticano. Luciani dispunha agora de muitas informações detalhadas. O próprio Villot já apresentara um relatório preliminar. Luciani também obtivera outras informações do segundo homem da Secretaria de Estado, Arcebispo Giuseppe Caprio, assim como de Benelli e Felici,

Para a Bispo Paul Marcinkus, que iniciara o plano e desempenhara um papel tão ativo para ajudar Calvi a assumir o controle do Banca Cattolica, era mais um dos muitos problemas pelos quais teria de prestar contas. Villot comunicou ao Papa que inevitavelmente transpiraria a notícia das investigações no banco. A imprensa italiana se tornava cada vez mais curiosa e uma grande repoitagem acabara de ser publicada.

A revista Newsweek contava obviamente com excelentes fontes no Vaticano. Soubera que, antes do Conclave, diversos cardeais haviam pedido a Villot um relatório completo sobre o Banco do Vaticano. Também informara que sua “fonte bem situada” dizia que havia um movimento no Vaticano para afastar Marcinkus. Citara literalmente a sua fonte curial: “Há um movimento para tirá-lo do banco. Ele será provavelmente nomeado bispo auxiliar.”

Luciani sorriu.

— A Newsweek me diz quem colocarei no lugar de Marcinkus?

Villot sacudiu a cabeça. Enquanto a conversa continuava, Luciani deixou bem claro que não tinha a menor intenção de deixar Marcinkus na Cidade do Vaticano, muito menos no Banco do Vaticano. Depois de avaliar pessoalmente o homem numa entrevista de 45 minutos no início do mês, Luciani concluira que Marcinkus seria mais proveitosamente aproveitado como bispo auxiliar em Chicago. Não manifestará sua intenção a Marcinkus, mas a polidez fria demonstrada com o homem de Cicero não passara despercebida. Voltando a seu escritório no banco, depois da entrevista, Marcinkus confidenciara a um amigo:

— Talvez eu não fique aqui por muito mais tempo.

A Calvi e a outros colegas do banco, ele dissera:

— Não se pode esquecer que este Papa tem idéias diferentes do anterior. Haverá mudanças por aqui. Grandes mudanças.

Marcinkus estava certo. Luciani comunicou a Villot que Marcinkus deveria ser removido imediatamente. Não dentro de uma semana ou um mês. Mas no dia seguinte. Marcinkus deveria tirar uma licença. Um posto conveniente lhe seria escolhido, assim que o problema do Cardeal Cody estivesse resolvido.

Villot foi informado que Marcinkus seria substituido por Monsenhor Giovanni Angelo Abbo, secretário da Prefeitura de Assuntos Econômicos da Santa Sé. Como um elemento fundamental no tribunal financeiro do Vaticano, Monsenhor Abbo certamente levaria para o novo cargo uma profunda capacidade financeira.

A inspiração dos primeiros 100 dias do Papa João com toda certeza galvanizara Albino Luciani. As garras do leão, que seus íntimos esperavam ver reveladas, apareceram para Villot ao cair da noite de 28 de setembro, Luciani, um homem despretensioso e gentil, antes do Pontificado parecera muito menor do que o seu 1 ,75m de altura. Para muitos observadores ao longo dos anos, ele dera a impressão de se fundir com o papel de parede. Seu comportamento era tão discreto e sereno que, depois de uma reunião grande, muitos desconheciam a sua presença. Mas não houve qualquer dúvida para Villot sobre a presença e firmeza dele naquele dia. Luciani lhe disse:

Há outras mudanças no Istituto per de Opere di Religione que desejo executar imediatamente. Mennini, De Strobel e Monsenhor De Bonis serão afastados. Agora. De Bonis será substituido por Monsenhor Antonetti. Discutirei o preenchimento das outras duas vagas com Monsenhor Abbo. Quero que todos os nossos vínculos com o grupo do Banco Ambrosiano sejam cortados, o mais depressa possível. Na minha opinião, porém, será impossível conseguir-se isso com as pessoas que atualmente controlam a situação.

O Padre Magee comentou para mim:

— Ele sabia o que queria. Era bastante claro e objetivo em relação ao que queria. E a maneira com que se empenhava para alcançar seus objetivos era muito delicada.

A “delicadeza” estava em sua explicação a Villot. Os dois sabiam que Marcinkus, Mennini, De Strobel e De Bonis estavam inextricavelmente ligados não apenas a Calvi, mas também a Sindona. O que não se disse não podia ser citado erroneamente mais tarde.

O Cardeal Villot anotou as mudanças sem muitos comentários. Tomara conhecimento de muitas coisas, ao longo dos anos. Muitos no Vaticano consideravam-no ineficaz. Para Villot, no entanto, fora um caso de olhar para o outro lado deliberadamente. Era o que se chamava de técnica de sobrevivência na aldeia do Vaticano.

Luciani passou para o problema de Chicago e sua conversa com Baggio sobre o ultimato que seria apresentado ao Cardeal John Cody. Villot manifestou sua aprovação. Como Bâggio, ele considerava Cody como uma chaga supurada na Igreja nos Estados Unidos. O fato do problema ser finalmente resolvido proporcionava uma profunda satisfação ao Secretário de Estado. Luciani disse que gostaria que houvesse sondagens, através do núncio apostólico em Washington, sobre um possível sucessor para Cody. E comentou:

— Houve uma traição da confiança em Chicago. Devemos cuidar para que o homem que venha a substituir Sua Eminência tenha a capacidade de conquistar os corações e as mentes de todos na diocese.

Luciani discutiu a recusa de Baggio em aceitar a Sé de Veneza. Estava determinado a que Bãggio fosse para onde mandasse.

— Veneza não é um tranquilo mar de rosas. Precisa de um homem com a força de Baggio. Eu gostaria que você conversasse com ele. Diga-lhe que todos devemos fazer algum sacrifício neste momento. Talvez seja bom lembrar-lhe que eu não tinha a menor vontade de assumir este posto.

O argumento teria um valor limitado para um homem que desejara tão ansiosamente tornar-se o sucessor de Paulo, mas Villot diplomaticamente deixou de fazer essa observação.

Luciani em seguida informou a Villot de outras mudanças que planejava fazer. O Cardeal Pericle Felici se tornaria o Vigário de Roma, substituindo o Cardeal Ugo Poletti, que tomaria o lugar de Benelli como Arcebispo de Florença. Benelli se tornaria o Secretário de Estado. Assumiria o cargo de Villot.

Villot analisou as mudanças propostas, que incluía a sua própria “renúncia”. Estava velho e cansado. Além disso, achava-se também gravemente doente. Uma doença que não atenuava com os dois maços de cigarros que fumava diariamente. Villot já deixara bem claro, ao final de agosto, que desejava uma aposentadoria prematura. Agora, conseguia o que desejava um pouco mais cedo do que previra. Haveria, é claro, um período de transição, mas para todos os efeitos e propósitos seu poder estava agora acabando. O fato de Luciani propor substitui-lo por Benelli deve ter sido particularmente irritante para Villot, Beneldi fora o seu segundo homem no passado e o relacionamento deles não fora dos mais felizes.

Villot estudou as anotações que fizera sobre as mudanças propostas, Albino Luciani, largando as suas próprias anotações, serviu mais chá para ambos. Villot disse:

— Pensei que estivesse pensando em Casaroli para me substituir,

— E pensei mesmo, por algum tempo. Acho que a maior parte do seu trabalho é extraordinária, mas partilho as restrições de Giovanni Benelli a algumas de suas iniciativas no passado recente com relação à Europa Oriental.

Luciani aguardou algum sinal ou palavra de estimulo. O silêncio prolongou-se. Durante todo o relacionamento entre os dois, Villot nunca abandonara seu formalismo; sempre havia a máscara, sempre havia a frieza. Luciani tentara, diretamente e também por intermédio de Felici e Benelli, injetar um pouco de cordialidade em suas relações com Villot. Mas persistira a frieza profissional que era a característica do cardeal. O silêncio acabou sendo rompido por Luciani, que perguntou:

— E então, Eminência?

— Sua Santidade é o Papa. Tem absoluta liberdade para decidir.

— Sei disso. Mas qual é sua opinião?

Villot deu de ombros.

— Essas decisões agradarão a alguns e deixarão outros consternados. Há cardeais na Cúria Romana que se empenharam a fundo por sua eleição e agora se sentirão traidos. Acharão que as mudanças, as nomeações que apontou, são contrárias aos desejos do falecido Santo Padre.

— O falecido Santo Padre por acaso planejava fazer nomeações vitalícias? Quanto aos cardeais que alegam terem se empenhado com afinco por minha eleição, quero que compreenda uma coisa. Já disse isso muitas vezes, mas obviamente preciso continuar a insistir, Não procurei a eleição para Papa. Não queria ser Papa. Não pode mostrar um único cardeal a quem eu tenha proposto qualquer coisa. Não há ninguém a quem eu tenha persuadido, por qualquer forma, a votar em mim. Não era o meu desejo. Não foi minha obra. Há homens na Cidade do Vaticano que esqueceram seu propósito. Reduziram este lugar a um mero mercado. E por isso que estou efetuando as mudanças.

— Dirão que traiu a Paulo,

— Será dito também que trai a João. Traí a Pio. Cada um formulará sua própria lista, de acordo com suas necessidades e conveniências. Minha preocupação é não trair a Jesus Cristo,

A conversa se prolongou por quase duas horas. Villot se retirou às 19:30.

Voltou ao seu escritório que ficava próximo, sentou a uma escrivaninha e pôs-se a estudar as mudanças. Depois, abriu uma gaveta e tirou outra lista. Talvez fosse apenas coincidência. Todo o pessoal clerical que Luciani estava removendo constava de supostos maçons. A relação divulgada por Pecoreldi, o desencantado membro da P2. Marcinkus. Villot. Poletti. Baggio. De Bonis. E todos os substitutos indicados por Luciani estavam notavelmente ausentes da lista de maçons. Benelli. Felici. Abbo. Antonetti.

O Cardeal ViIlot largou a lista e estudou outro documento que estava em sua mesa. Era a confirmação final de que o encontro proposto entre o comitê americano que cuidava do controle populacional e Albino Luciani seria realizado a 24 de outubro. Um grupo de representantes do governo dos Estados Unidos que desejava mudar a posição da Igreja Católica em relação à pílula anticoncepcional se encontraria dentro de algumas semanas com um Papa que desejava efetuar a mesma mudança. Villot levantou-se e deixou os papéis à vista, descuidadamente. O leão realmente revelará as suas garras.

Assim que terminou a reunião com Villot, às 19:30, Albino Luciani pediu ao Padre Diego Lorenzi para entrar em contato com o Cardeal Colombo, em Milão. Lorenzi informou-o um momento depois que Colombo só estaria disponível às 20:45. Enquanto Lorenzi voltava à sua mesa de trabalho, o Papa recebeu a companhia do Padre Magee. Juntos, recitaram a parte final do breviário diário, em inglês. Quando faltavam 10 minutos para as 20:00, Luciani sentou para jantar, com Magee e Lorenzi. Absolutamente tranquilo, apesar da prolongada reunião com Villot, ele conversou jovialmente, enquanto as Irmãs Vincenza e Assunta serviam o jantar de sopa, vitela, vagens frescas e saladas. Luciani tomou alguns goles de água enquanto Loren.z.i e Magee bebiam vinho tinto.

Na extremidade da mesa, o Padre Lorenzi lembrou-se de repente que o Pontificado de Luciani já ultrapassara o mais curto da história papal. Estava prestes a fazer um comentário a respeito quando o Papa começou a mexer no seu relógio novo. Era um presente do secretário de Paulo, Monsenhor Macchi, depois dos comentários curiais de que o Papa não deveria usar um relógio velho e avariado. Ao que parecia, isso representava uma imagem negativa. E assim se reduzia o Papa à mesma posição de um vendedor de carros de segunda mão, que precisa tomar cuidado para que sua calça esteja sempre impecavelmente passada. A última vez que Luciani fora visitado pelo irmão Edoardo presenteou-o com o relógio dizendo:

— Aparentemente não é permitido ao Papa usar um velho relógio usado que se precisa constantemente dar corda. Você se ofenderia se eu o desse a você?

Luciani acabou entregando o relógio a Magee, para acertar pelo noticiário da televisão. Faltava um minuto para as 20:00.

Logo depois de um jantar agradável e tranquilo, o Papa foi para seu gabinete, a fim de examinar as anotações que usara durante a sua conversa com Villot. As 20:45, Lorenzi fez a ligação para o Cardeal Colombo, em Milão. O cardeal recusou-se depois a conceder uma entrevista, mas outras fontes indicam que eles conversaram sobre as mudanças que Luciani tencionava efetuar. Obviamente, não houve divergência. O Cardeal Colombo recordou depois, sem fazer outros comentários:

— Ele me falou por bastante tempo, num tom absolutamente normal, pelo qual não se podia inferir qualquer doença física. Estava cheio de serenidade e esperança. Sua saudação final foi “reze”,

Lorenzi anotou que a conversa telefônica terminou por volta das 21:15. Luciani examinou então o discurso que tencionava fazer para os jesuítas no sábado, dia 30. Antes, ele telefonara para o Superior Geral dos Jesuítas, Padre Pedro Arrupe, avisando-o que diria algumas coisas a respeito de disciplina. Ressaltou que uma parte do discurso seria relacionada com as mudanças que acabara de efetuar.

Todos sabem e com razão se preocupam com os grandes problemas econômicos e sociais que conturbam a humanidade hoje e que estão intimamente ligados com a vida cristã. Ao se encontrar uma solução para esses problemas, no entanto, há que se distinguir entre as tarefas dos padres e as dos religiosos leigos. Os padres devem sempre estimular e inspirar a laicidade a cumprir seus deveres, mas não devem assumir seu lugar, negligenciando a sua tarefa especifica de evangelização.

Largando o discurso, pegou as anotações sobre as mudanças drásticas que discutira anteriormente com Villot. Foi até à porta de seu gabinete, abriu-a e deparou com o Padre Magee e o Padre Lorenzi, Despediu-se deles, dizendo:

— Buona notte. A domani. Se Dio vuole. (Boa noite, Até amanhã. Se Deus quiser.)

Faltavam alguns minutos para as 21:30, Albino Luciani fechou a porta do gabinete. Pronunciara as suas últimas palavras. Seu cadáver seria encontrado na manhã seguinte. As circunstâncias precisas dessa descoberta deixam bem claro que a Vaticano tentou encobrir. Começou com uma mentira, depois continuou com uma teia de mentiras. Mentiram sobre pequenas coisas. Mentiram sobre grandes coisas. Mas todas as mentiras tinham o mesmo propósito: encobrir o fato de que Albino Luciani, Papa João Paulo I, fora assassinado em algum momento entre 21:30 de 28 de setembro e 4:30 de 29 de setembro de 1978.

Albino Luciani foi o primeiro Papa a morrer sozinho em mais de um século.., mas também fazia muito mais tempo desde que um Papa fora assassinado.

Cody. Marcinkus. Villot. Calvi. Gelli. Sindona. Pelo menos um desses homens decidira-se por um curso de ação que foi executado durante o final da noite de 28 de setembro ou na madrugada do dia seguinte. Esse curso de ação derivava da conclusão de que a Solução Italiana tinha de ser aplicada. O Papa devia morrer.
 

David Yallop

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