Polêmica, a regressão a outras vidas arrebata cada vez mais adeptos, chega às universidades e começa a ser desvendada em laboratório.
Por: Rita Moraes & Valéria Propato
Em sua batalha íntima para entender o afastamento forçado do governo, o ex-presidente Fernando Collor de Mello procurou o badalado psiquiatra americano Brian Weiss, especialista em terapia de vidas passadas. Tentava encontrar em outra existência, quem sabe, as razões que levaram o próprio irmão, Pedro Collor, a denunciá-lo.
Collor contou, em entrevista à revista Playboy, que reviu cenas pueris da infância e entrou num túnel colorido. Chorou muito e a regressão foi interrompida sem trazer nenhuma imagem clara de outras encarnações. Ainda sob o impacto da emoção, deparou com um retrato de dom Pedro I num livro de Brian, o que o levou a supor que foi o imperador. Fez associações: Pedro Collor poderia ter sido dom Miguel, que disputou ferozmente e perdeu para seu irmão dom Pedro I o trono de Portugal. Sua saída do Palácio do Planalto, em 1992, teria sido um acerto de contas.
A conclusão do ex-presidente pode não passar de fantasia, mas serviu para aplacar o inconformismo com sua tragédia pessoal. Como Collor, muita gente tem buscado na regressão a solução para conflitos internos, problemas pessoais ou de saúde.
Em julho, o II Congresso Internacional de Terapia de Vida Passada deve reunir cerca de duas mil pessoas entre leigos e especialistas no Rio Centro, o maior espaço de convenções do Rio. Esse crescente interesse é acompanhado da eterna discussão: afinal, existe algo além do corpo físico, somos imortais e temos uma alma que atravessa várias vidas? Para tentar convencer os céticos e também saber mais sobre o assunto, estudiosos procuram dar um caráter científico ao debate. Há duas semanas, pela primeira vez um estudo mostrou a neurofisiologistas e psicólogos da Universidade do Porto, Portugal, o que acontece no cérebro durante a regressão. “A atividade é muito lenta e diminui ainda mais quando o paciente revive uma situação traumática, mesmo que ela provoque no organismo taquicardia, suores, o que teoricamente faria aumentar essa frequência”, relata o psicólogo Júlio Prieto Peres, vice-presidente do Instituto Nacional de Terapias de Vivências Passadas (INTVP) e coordenador da pesquisa. Ela mapeou o cérebro de 20 adultos, com idades entre 28 e 49 anos, sem antecedentes de doenças neurológicas ou psiquiátricas. Constatou a predominancia de ondas Delta, que caracterizam o estado alterado da consciência, e Beta, mais rápidas e próprias do estado de vigília, no lobo occipital. “Significa que o paciente preserva a consciência, apesar de entrar em contato com uma memória inconsciente.
É por isso que ele consegue relacionar as histórias que aparecem durante a sessão com os seus conflitos, reintegrando-os à vida atual e dando a eles outro significado”, explica Peres.
Um outro estudo, que está sendo realizado pelo INTVP em parceria com a Divisão de Medicina Nuclear da Faculdade da Pensilvania, aponta que a área acionada durante a regressão é o lobo médio temporal, região onde estão localizadas as estruturas relacionadas à emoção e à formação da memória. Seria a prova de que as histórias traumáticas relatadas no divã do terapeuta não foram fantasiadas. A parte ativada do cérebro quando se fantasia é a do lobo frontal.
Os pesquisadores inseriram em pacientes um marcador que permite identificar as áreas solicitadas do cérebro em três momentos diferentes: quando paciente está em descanso, quando se submete a uma regressão e quando cria uma fantasia. Mesmo assim fica a dúvida. Se é a memória que entra em funcionamento durante a regressão, as experiências de uma encarnação passada revividas no consultório não poderiam também ser a lembrança de um filme ou de um livro? “Não temos essa resposta. Estamos tentando conhecer o fenômeno”, afirma o psicólogo paulista Júlio Prieto Peres, vice-presidente do INTVP.
Campos de força – Há estudos ainda mais curiosos. Em Bauru, a 345 quilômetros de São Paulo, o engenheiro Hernani Guimarães, 87 anos, diretor do Instituto Brasileiro de Pesquisas Psicobiofisicas, tenta provar que espíritos existem e como eles encarnam na matéria por meio de uma experiência com bactérias. Espírita, Hernani acredita que todo ser possui alma – inclusive as bactérias. Para se encaixar ao corpo, ela precisa, segundo ele, de um campo biomagnético específico que funcione como um ímã. Depois de recolher informações com médiuns e analisar o movimento dos elétrons, simulou o mesmo campo magnético. Comprimiu um espaço vazio com cargas magnéticas em todos os sentidos e direções e introduziu nele uma colônia de bactérias. Ao fim de alguns meses, elas haviam se proliferado com muito mais rapidez. Hernani argumenta que para os leigos as experiências nessa área do conhecimento são complicadas de entender, mas garante: “Um campo magnético comum teria inibido a reprodução das bactérias. Esse campo especial organiza as moléculas orgânicas e dá forma.” Segundo ele: “É o espírito que acelerou a multiplicação das bactérias.”
A maioria dos candidatos a um passeio no túnel do tempo não chega a se ocupar com essas questões científicas ou filosóficas. Querem mesmo é livrar-se dos problemas, resolver questões que a medicina não resolveu ou a lentidão da psicanálise tradicional não satisfez. A vantagem da técnica da regressão é que ela atende a esse sentimento de urgência. Comparada aos tratamentos psicológicos tradicionais, a terapia é mais breve e, portanto, mais barata. Em média, os pacientes levam de 10 a 20 sessões semanais, de duas horas, para acabar com aflições específicas, que vão de dores sem causa aparente a fobias e problemas de relacionamento. Para a veterinária Michele Venturini, 32 anos, o processo foi ainda mais rápido. Em apenas sete sessões, curou-se de uma “fixação doentia” por um ex-namorado. “Eu não conseguia pensar em outra pessoa. Tinha amigos, passeava, estudava e trabalhava normalmente, mas não me envolvia afetivamente com ninguém”, lembra. Na regressão, Michele descobriu que já tinha vivido com o tal namorado em pelo menos três vidas passadas. Na primeira, tinha sido uma esposa má. Na segunda, ele foi seu pai. Na última, teve uma filha com ele, separou-se, mas depois viveram os últimos anos juntos. “Tivemos bons e maus momentos, o que justificava a forte ligação. Perceber tudo que já tinha vivido me liberou. Sinto-me capaz de amar outra vez”, afirma ela.
Como Michele, a maioria dos pacientes não sabe precisar o que exatamente gera o processo de transformação. Depois da experiência, muitos, como o ator carioca Ricardo Conti, 23 anos, acabam virando espiritualistas. Ele sofria de baixa auto-estima e começou a procurar a explicação para o problema em outras vidas. “Fui uma menina que engravidou e foi expulsa de casa. Mais tarde, tive um marido que abusava de mim e eu não conseguia reagir”, conta Ricardo. Há pouco tempo, ele começou a reunir amigos em casa para ler o Evangelho Segundo Allan Kardec, a bíblia dos espíritas. A experiência também mudou a vida da professora aposentada Sílvia Cury, apesar de sua resistência. “Sempre me recusei a atribuir os problemas a fatores cármicos. Mas tive que me render”, diz. Sílvia sofria da síndrome do pânico havia cinco anos. Tinha taquicardia, pressão alta, sensação de desmaio e chegou a ser hospitalizada três vezes. Tomava ansiolíticos, mas não conseguia chegar à causa do seu mal. “Não tinha nenhuma fobia.” Durante a regressão, ela se viu menina, na Idade Média, com a responsabilidade de cuidar do irmão menor. Ele foi pisoteado por um cavalo e a culpa foi atribuída a Silvia. “Eu carreguei comigo esse sentimento de insegurança e falha. Agora, todas as vezes que me sinto insegura e tenho pânico, penso que aquilo faz parte do passado e me tranquilizo”. afirma.
Mudança – Muitas pessoas se satisfazem apenas com os resultados e não procuram questionar o que viveram. O editor de uma agência mexicana de notícias Wagner Faneco, 36 anos, amargou um ano numa crise existencial. Não estava satisfeito com o trabalho nem com ele mesmo. Queria mudar tudo e também não conseguia. Foi levado pela namorada a um terapeuta. Depois de algumas sessões de bate-papo, o médico disse que também fazia regressão e sugeriu que ele se submetesse a uma sessão. Cético, Faneco topou porque queria resolver seu problema. Saiu do consultório chocado. “Senti um frio no corpo e vi coisas horríveis. Presenciei um assassinato e fui acusado injustamente de ser o assassino.
Sabia quem tinha cometido o crime, mas, como era uma pessoa rica e influente, não tive coragem de denunciar. Minha condenação foi ser enterrado vivo.” Depois do episódio, ele conta que passou a ter menos medo de encarar as dificuldades e conseguiu dar uma virada na vida. Está de emprego novo e feliz. Se tudo foi um produto de sua imaginação, Faneco não sabe dizer. O que vale para ele é que a experiência lhe ajudou a ter uma visão clara do mundo em que vive hoje.
Apesar de vender ao paciente a idéia de que o que acontece no consultório pode ser uma vivência de vidas passadas, os terapeutas são unânimes em afirmar que o importante é que a experiência ajuda a conviver melhor com os conflitos e saber por que eles apareceram. Se é realidade ou fantasia, não importa. “Motivada por algum estímulo, a pessoa abre vários arquivos em sua mente e não fecha. Como acontece com a máquina, o cérebro trava. Levamos o paciente a enfrentar racionalmente o conteúdo desses arquivos e fechá-los”, explica o médico e hipnólogo Leonard Verea. Para muitos psicólogos, entretanto, a TVP não passa de uma ilusão. “Quando ouço falar em TVP tenho até urticária. Mas não deixa de ser uma terapia porque o paciente entra em contato com seu inconsciente. No entanto, conversar com a tia-avó ou passear no shopping também é terapêutico”, ironiza a psicanalista carioca Rosane Signes. A seu ver, regressão não é ciência. “Pode deixar as pessoas confusas. Na verdade, elas não aceitam a possibilidade real da morte.”
Cheiros e cores – De fato, ter provas de que as histórias são reais é difícil. Mas o curioso é que um paciente pode mencionar cheiros e cores vendo literalmente os quadros em sua mente ou descrever detalhadamente a roupa que vestia e os cenários. Foi o que aconteceu com a secretária Angélica Sartori, 33 anos. Ela não conseguia mais falar nem comer porque sentia a garganta travada. Os médicos atribuíam o problema a stress e depois descobriram uma doença auto imune, que enfraquecia a musculatura e os nervos. Após peregrinar por muitos consultórios, apelou para a regressão e acha que descobriu a causa de seu drama. “Fui um rapaz que, preso e amordaçado, morreu sufocado com um pano na boca. Também me vi grávida e desesperada com a morte do meu amor e me envenenei. Senti uma paralisia na garganta. Em outra vida, me vi de farda; era um soldado e morri degolado numa batalha”, conta ela.
Emoção – Durante a terapia, é raro o paciente precisar datas e locais. “Quando se está falando de um incidente da vida atual, as pessoas não lembram a data. O que fica é a emoção, o sofrimento ou a alegria”, registra a psicóloga Elaine Gubeissi de Lucca, autora de A evolução da terapia de vida passada. Ela trabalha há 20 anos com terapia de vidas passadas e afirma que também não é comum as pessoas se identificarem com um personagem famoso da história, como aconteceu com Collor. “Alguns pacientes simplesmente sabem que aquilo aconteceu. Quando falam línguas ou descrevem fatos históricos que nunca aprenderam, provam que a experiência da regressão é real”, atesta convicto o psiquiatra Brian Weiss. Os livros de Brian já foram traduzidos em mais de 30 países, o que o levou à marca de quatro milhões de exemplares vendidos. O Brasil, com mais de 600 mil livros comercializados, é um de seus maiores mercados.
O interesse é tanto que seu último livro: “A divina sabedoria dos mestres”, foi lançado aqui em agosto do ano passado. Nos EUA, sairá só em maio.
A terapia de vidas passadas cai como uma luva no lado místico do brasileiro e atende ao sentimento de urgência que traz o sofrimento. Hoje muitos livros que tratam do assunto, arriscam, inclusive. orientações aos leitores para que treinem a regressão por contra própria. Mas há contra-indicações. Na opinião do psiquiatra Sérgio Felipe de Oliveira, mestre em neuroanatomia pela USP e também diretor do Departamento de Saúde Mental da Associação Médico-Espírita de São Paulo, a regressão virou panacéia para todos os males e é preciso ter cuidado. “Nem todas as pessoas estão aptas para acessar essas memórias. Já tratei pessoas que entraram em surto psicótico depois de uma regressão descuidada”, alerta. A terapia, segundo ele, é totalmente desaconselhada a pacientes com história de desequilíbrio mental, gestantes e pessoas com doenças que se caracterizam por descompensações, como a diabetes e a anemia. Como são comuns momentos de grande emoção na regressão, cardíacos também devem ser cautelosos. “Os terapeutas devem conhecer o quadro clínico de seus pacientes”, conclui.
Artigo recolhido na ‘Revista Isto É’,ano 26, número 1594
de 19 de abril de 2000
Rita Moraes & Valéria Propato