image790– “Muito antigamente, quando a primeira trepidação da fala me chegou aos lábios, subi a montanha sagrada e conversei com Deus, dizendo:

– Senhor, sou vosso escravo. Vossa vontade oculta é minha lei e vou cumpri-la para todo o sempre.

Mas Deus não respondeu e passou por mim como uma tempestade violenta.
 
 

Mil anos depois, voltei a subir a montanha sagrada e falei de novo com Deus, dizendo:

– Criador, sou vossa criatura. Com barro me fizestes e a vós devo tudo o que sou.

Mas Deus não me respondeu e passou por mim como mil asas velozes.
 
 

Depois de mil anos, subi a montanha sagrada e falei de novo com Deus:

– Pai, sou vosso filho. Com amor e compaixão me destes a vida e com amor e adoração vou herdar vosso reino.

Mas Deus não me respondeu e passou por mim como os véus da neblina das montanhas distantes.
 
 

Passados outros mil anos, subi a montanha sagrada e me dirigi ao Criador de novo, dizendo:

– Meu Deus, meu alvo e minha plenitude, sou vosso ontem e vós sois meu amanhã. Sou vossa raiz na terra e voz sois minha flor no céu, e juntos crescemos diante da face do sol.

Então Deus se inclinou para mim e sussurrou em meus ouvidos palavras doces e, como o mar que abraça um riacho que nele deságua, ele me abraçou.

E, quando desci para os vales e as planícies, Deus também estava lá.”
 
 

Gibran Khalil Gibran; O louco

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