Sebastião, mais conhecido por todos como Tiãozinho, era um rapaz sorridente, de bem com a vida.
Tinha acabado de completar seus 18 anos quando conheceu Rogério, alguns anos mais velho e, como ele, da classe média, simpático, culto, encantador.
Tiãozinho ficou fascinado pela inteligência e cultura de Rogério. Logo houve uma grande afinidade, tinham muitas coisas em comum, gostos parecidos, até muitos fatos de suas vidas tinham semelhança.
Desenvolveram uma amizade muito grande, não se desgrudaram mais, ficaram conhecidos como “a corda e a caçamba”. Fizeram muitas coisas juntos: cursos, passeios, estudos, afinal, muitos interesses coincidiam.
Um dia surgiu a idéia: gostavam de tantos assuntos interessantes, porque não criavam uma editora juntos?
Poderia dar certo e seria muito bom poder passar para as outras pessoas conhecimentos e assuntos que achavam interessantes e úteis.
Pensaram e passaram para a ação rapidamente. Logo começaram a selecionar o material, criaram um nome, imaginaram como poderia ser, que mensagem dar e que público atingir. O que era um ideal começou a se tornar uma realidade e a vida dos dois foi mudando radicalmente.
Rogério, mais experiente e dono de um magnetismo contagiante, tinha nascido para a coisa. Largou a profissão anterior e ficou com a incumbência de encarar o público, selecionar matérias, escrever, criar. Tiãozinho trabalhava arduamente nos bastidores, acompanhando o amigo em tudo.
Ajudavam-se mutuamente, quando um desanimava o outro estava em pé, pronto para levantar o companheiro. Rogério ajudou Tiãozinho a se descobrir, vencer seus medos e acreditar em si. E a sociedade foi rolando com amizade, dedicação, algumas crises e brigas, mas sempre no final prevalecendo a parceria que existia entre os dois, “a corda e a caçamba”.
No início a editora começou a se expandir e vender muitos livros, a prosperar… afinal, só poderia acontecer isto, pois a vida dos dois passou a girar em torno deste sonho. Foram paulatinamente se desvencilhando de tudo na vida que não pertencia aos interesses da editora. Mas, por um capricho do destino, o que parecia que ia explodir, começou a se restringir e as vendas começaram a rarear.
Rogério dedicava-se de corpo e alma ao trabalho da editora e Tiãozinho, por necessidade, buscou trabalho num escritório de contabilidade, dividindo seu tempo entre o emprego e a parte burocrática da firma. Os dois fariam qualquer coisa, mas o sonho não podia terminar… Foi quando amigos comuns, vieram ajudar… Eles mantinham-se firmes com a esperança de que o esforço deles seria recompensado.
Um dia, estavam conversando com um dos colaboradores quando este disse:
“Como é Tiãozinho, conseguiu folga para ir à festa do Rogério?”
”Que festa?” perguntou Tiãozinho.
”Rogério, você não o avisou?”
Rogério, sem graça, visivelmente angustiado, deu mil desculpas, disse que esqueceu, que não teve tempo, afinal, foram dias agitados, mas que mudaria a data da festa para o dia que o Tiãozinho escolhesse.
Percebendo a agonia do amigo, resolveu concordar, imaginando que desculpa iria arranjar para não ir.
Sentia-se perdido, afinal, será que Rogério tinha mesmo esquecido? Não, ele o conhecia muito bem. Será que ele tinha dado alguma mancada com Rogério? Ele não se lembrava de nenhuma. Sempre tinha sido seu melhor amigo, dedicado sua vida ao ideal dos dois… Que motivo seria esse que faria com que Rogério corresse o risco de magoar um amigo que ele gostava tanto? Sim, porque ele tinha a certeza de que Rogério gostava dele, mais do que dos outros, então por quê?… Ele sempre dera muitas provas desta amizade… Será que Rogério tinha vergonha dele? Mas ele também era educado, inteligente, culto, agradável…
Por quê??? Qual seria seu defeito, seu erro???
Pediu a Deus que o orientasse, não queria errar com o amigo, nem julgá-lo, somente entendê-lo. Não queria perder Rogério.
Lembrou-se de um livro que Rogério tinha lhe dado antes de terem iniciado o trabalho conjunto e de uma frase que conseguiu tirar de Sebastião a mágoa de sentir-se traído:
“Se eu pedir ao meu ministro que ele voe como um colibri e ele não o fizer, quem estará errado?”
Tiãozinho pensou que talvez estivesse exigindo muito do amigo. Assim, foi à festa esperando um dia entender o motivo. Mas, a resposta veio antes do que ele esperava. Quando se sentou a mesa, finalmente ele compreendeu o defeito que envergonhava seu amigo:
Ele era o único da mesa que tinha a pele negra!
A única tristeza de Tiãozinho era saber que Rogério jamais entenderia o que ele estava sentindo, afinal, ele nunca seria negro. Quem sabe numa próxima encarnação…
Realmente, coisas só dos homens.
Os homens são seres muito estranhos… muito estranhos…
Texto Zelinda O. Hypolito
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