MONJA  COEN

Claudia Souza de Murayama

(Brasil, 1947 –  )

   
                                                                   

       

 
Monja Coen é professora de monges e leigos 
dentro da tradicional escola Budista Soto Zen do Japão 
(fundada no Século XIII), 
é atualmente (2009) a presidente do Conselho Superior 
da Comunidade Budista Soto Zenshu da América do Sul 
e líder espiritual do Templo Busshinji de São Paulo, 
aonde ocupa também a posição de missionária oficial 
enviada pela Sede Administrativa do Japão. 

Monja Coen Por Ela Mesma
Em 1968 eu trabalhava no Jornal da Tarde, em São Paulo.
Em cima da notícia.
Era uma redação jovem e romântica. 
Acreditávamos que nosso trabalho era importante e transformador.
Na minha cabeça ainda bailava a imagem dos monges vietnamitas que se queimavam em praça pública.
Que capacidade de controle!
 

Na cidade as passeatas dos estudantes, cavalos, bombas de gás lacrimogênio, bombas molotov, correndo, sendo empurrada por pessoas e policiais, palavras de ordem, pedradas, correndo, brincando, gritando, brigando.
Entrevistava nas favelas mais pobres e nas mansões mais ricas.  Seres humanos. 
Um grande amigo meu, empresário, foi morto por terroristas.
Outros conhecidos entravam na clandestinidade. Todos humanos.
Alguns morreram torturados.  Outros torturando. Humanos.
Um jovem brasileiro voltou do Vietnã, havia ganhado um bom soldo na guerra e não tinha ido à frente de batalha.
Jornalistas mais antigos me chamaram de lado
“Menina, você fez uma apologia à guerra.”
“Como assim? Eu escrevi o que ele me disse.”
“Sim, mas vocë não escreveu quantas pessoas morreram nessa guerra.  Não escreveu que a guerra mata e destrói.”
Livros.
Deram-me livros para ler.
Conversavam.
Havia os de direita, os de esquerda, os de meio de campo e os do muro.
Li um livro de poucas páginas de Trotski.  Muito prazer.  Não sabia quem era Trotski.
O livro contava sobre um grupo revolucionário que tomava o poder à força, matava as lidernças e assumia o poder.
 

Porém, em poucos meses, se tornara um governo muito parecido com o deposto.  Corrupção, arranjos políticos internacionais.
Se a intenção de Trotski era mostrar que a revolução teria de ser internacional para dar resultados, minha compreensão foi diferente.
Se cada ser humano não se transformasse, não seriam partidos políticos nem programas econômicos que iriam mudar o mundo.
Somos corrompíveis quando nossos corações podem ser rompidos, partidos, sem capacidade de mantê-los íntegros.
Cor rompido – coração rompido, roto, quebrado.
Era preciso trabalhar o coração, a essência do ser, a mente humana.
Pedem-me uma matéria de arquivo sobre sociedades alternativas.
Califórnia nos Estados Unidos estava em seu apogeu.
Fascinante.
Havia música, havia hippies, havia comunidades Zen reciclando, usando energia solar.  Era a contracultura.
Não à guerra.
Amor e Paz.
 

Filmes, música.
Cabeça pensando, girando.
Tanta dor.
O boneco do policial morto no assalto a banco.  Falar com a esposa, pedir a foto.
Doía.
Como lidar com a dor?
Bebia.
Juntos saíamos da redação pela madrugada, jantar regado à vinho.
Trombava comigo mesma, com o carro, com a rua, com as pessoas.
Karate-do para auto-defesa, provocara meu primo Sergio Dias dos Mutantes.
Fui lá.
Era bom. Atividade física.
Meu primo músico sorria ao andar na rua.
A mesma rua em que eu andava séria, para não ser incomodada pelos homens.
Os homens e as mulheres não eram inimigos nem ameaça para ele.
Alegria.  O que era essa liberdade?
Fiz uma matéria especial, sobre um barco indo de Santos a Parati, Angra dos Reis.
Viagem linda, mar azul, pessoas num barco – quem seriam, por que estariam ali?
A matéria saiu truncada, errada, manchada pelo cansaço ou pela tristeza de alguém?
Magoada, ofendida pedi licença.
Precisava ir para Londres, onde tudo fervia.
Beatles, Pink Floyd, The Who, John Lennon e Yoko Ono, Carole King.
Música.
Descubro música.  Ouço, apreendo das letras outras maneiras de ser, de ver o mundo.
 

Londres – espelho mágico.
Entro no espelho mágico.
A mágica no ar.  
Estou à procura de Deus.  À procura de mim mesma.
Experiências com mescalina, LSD.
Desabrochar de uma nova consciência.
Aldous Huxley. Jung na BBC fala de Budismo.
Há muita ligação da Inglaterra com a Índia.
Começo a meditar.
Não saberia dizer ainda que meditava.
Sentada em silêncio na sala.  Ouvir música precisa de silêncio.  Quem pode ouvir falando, ou mesmo cantando junto?
Silêncio.
Amores, desamores.  Encontros e desencontros.
De volta ao Brasil a meditação se intensifica.
Om! Om! Om!
Livros, pesquisas, procuras.
Mutantes e shows de rock’n roll.
Alice Cooper e o Iluminador do show.
Vou para os Estados Unidos, caso-me com o Iluminador. Compramos um Buda para colocar os incensos.
Medito topless na praia de Cocoa Beach, na Flórida, entre os backstages de Tampa.
Muitos shows, muitos famosos, bons músicos, maravilhosos.  Concertos e concertos.
Voltamos ao Brasil e voltamos aos Estados Unidos.
Contracultura norte americana.  Quero ir para Berkeley, onde tudo parece estar acontecendo – a inteligência do mundo.
Ficamos em Los Angeles.
 

Inicio meditação regular. Emprego no Banco do Brasil.
Prendo os cabelos longos e despenteados. Troco as calças jeans rasgadas (de velhas, de
usadas). Aulas de ballet clássico. Hollywood. Artistas. Self Realization Fellowship,
Pramahamsa Yogananda ji. Pratico em casa, visito o centro da Self em Sunset
Boulevard. Faço exercícios de energização. Corro com o cachorro por Hollywood Hills.
De repente um livro, presente de um vizinho, sobre ondas mentais alfa. Entrevistam um
monge budista.
Uma frase desse monge me faz procurar na lista telefonica pelo Zen.
Zen Center of Los Angeles.
Chego e me encontro lá, sentada, respirando em plena atenção.
O cheiro do incenso, a maneira de sentar, a jovem que me orienta. Cheguei em casa.
Aos poucos vou deixando o ballet para vir ao zazen.
Depois deixo o Banco do Brasil e me interno na comunidade zen. Prática incessante.
Quero ser monja.
Aqui estão as resposta à todas as guerras.
Sinto-me como uma revolução viva. Sou a contracultura. Ou a cultura da paz.
Não mais drogas, não mais roupas comuns.
Votos monásticos. Acolhendo todo meu passado como a tapeçaria de minha vida que me
trouxe ao aqui e agora.
Vou para o Japão onde fico por doze anos em sistema de internato e semi-internato.
Difícil.
Ser Zen.
Não fui a única pessoa que encontrou no Zen Budismo o caminho da alegria, da
tranqüilidade e do engajamento social.
Não fui a única pessoa que encontrou no Zen Budismo o caminho da alegria, da tranquilidade e do engajamento social.
Um engajamento sem lutas, sem violências.  Uma proposta de transformar o mundo, sendo a transformação que queremos do mundo. Nos Estados Unidos, na Europa, no Canadá, na Austrália e no Brasil. Houve o Zen “boom”.
Houve o Zen Ocidental.  Há o Zen Internacional.
 

Que todos os seres se beneficiem e que possamos todos nos tornar o Caminho Iluminado.

Mãos em prece
Monja Coe

filipeta

rosa