Os Xamãs Italianos

Por: Pietra

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imageIIAUm tanto intrépido esse título, assumo. Mas foi uma conclusão interessante que me veio depois de algumas pesquisas. Andei pela net e principalmente pelo livro do Carlo Ginzburg (1) para conhecer melhor esses benfeitores e me surpreendi com o que encontrei. Aqui divido com vocês algumas das minhas idéias sobre essas pessoas especiais.

Os primeiros registros sobre os benandanti, pelo menos com esse nome, aparecem nos autos da Santa Inquisição, predominantemente a partir de 1610, na região de Friula. Alguns registros anteriores podem ser achados, mas com pouca expressividade. Com o passar do tempo e a incompreensão dos religiosos, os benandanti passaram seu status de benfeitores, serventes da sociedade para bruxos e feiticeiros maus e adoradores do diabo.

Nos registros sobre os benandanti descobrimos logo de cara que existe um fundo de oposição ao mal muito grande. Existe uma luta do bem contra o mal a fim de que as colheitas – e a sobrevivência do povo – prosperem. Para tal, os benandanti iam à uma batalha noturna combater, com ramos de erva-doce, bruxas e feiticeiros (como expressão do mal e muito daquela “lenda” de bruxa medieval) que lutavam com sorgo (2). O vendedor dessa batalha ocorrida nos Quatro Tempos, isto é, quatro vezes por ano, declaravam a fortuna de um povo. Foi colhido de diversos benandanti que se tratava de um combate entre as forças do Bem, lideradas por eles com a benção de Cristo, contra os Feiticeiros, adoradores do Diabo. No entanto, não se escolhia um benandanti, como uma escola iniciática. Eles nasciam com uma marca: uma membrana na placenta, a qual poderia ser usada depois de seca como amuleto protetor. 

O trabalho dos benandanti era feito à noite. Contam os registros que eles entravam em estados alterados e viajavam para os campos de batalha. Um ponto interessante fica por conta de como essas viagens eram feitas. Existem registros da mudança de forma da alma em ratos, gatos ou insetos. Outros colocam que não existia uma presença corpórea, mas apenas a ida da alma: algumas com o uso de ungüentos e óleos; outras sem. Nunca iriam de vassoura, pois eram um símbolo das bruxas e, logo, do mal. Mais uma associação é feita com os benandanti e o culto à Diana ou outras deusas antigas. A Associação fica por conta dos voos noturnos proporcionados pelos seguidores da deusa; e isso ainda traz relatos sobre o que foi conhecido como “Sociedade de Diana” – que podemos encontrar no trabalho do folclorista Charles Leland e em referências nos livros de Raven Grimassi.

Em parte, a pergunta é: por que desse interesse tão repentino? 
Primeiro, eu acho mais óbvio, pelo interesse sobre tradições italianas e os registros sobre magia, magistas e práticas. Segundo, que podemos encontrar algumas referências interessantes à esses praticantes em livros e até numa pesquisa sobre São João (3). São curiosas  as coisas que encontramos “perdidas” e nos ajudam a pensar sobre o que praticamos e acreditamos. O lance dos Benandanti foi uma percepção do que seria um xamã na península itálica. Apoio-me em palavras de Carlo Ginzburg para dizer isso (4). Ele coloca: “(…) é possível afirmar-se a existência de uma conexão não analógica, mas real entre benandanti e xamãs”. Embora o estudioso não se estenda neste estudo, pois considera inapropriado para esta obra em especial, existe uma ligação que pode ser, segundo Ginzburg aprofundada se olharmos para o leste da Europa e suas práticas. Ora, os estados de transe nos quais viajavam e a proteção que tinham sobre a Natureza e as colheitas, identificam práticas antigas similares a curandeiros e feiticeiros conhecidos pelo mundo tudo. Existiram registros do conhecimento de algumas ervas, “shape shifting”(5), comunicação com os mortos, trazendo para nós não apenas o escopo malhado pelo Santo Oficio, mas um mais amplo com noções de benfeitores de comunidades e da Natureza. Outra questão interessante, na minha opinião, é o fato das batalhas noturnas nunca terem um final certo. Acredito que os benandanti compreendiam que a Natureza tem uma essência inconstante e que a chegada da primavera, por si só, não garantiria uma boa colheita – diferente de rituais de outras localidades que sempre havia um vencedor nas disputas e necessariamente era a fertilidade dos campos. Adorei isso, pois me pareceu uma visão mais equilibrada e realista de processos, ainda mais quando falamos de um culto registrado nos séculos XVI e XVII e não, certamente, pagão. Acredito que suas raízes, um tanto obscuras, se remontem à práticas muito antigas, porém é muito interessante podermos ver um culto dito por eles mesmos cristão, preocupados com o cio da terra. Enfim, não importa qual caminho que trilhamos, temos de saber sobreviver e lutar por isso, garantindo a continuidade da fertilidade: do nosso sangue e da nossa terra.

Benedizioni di Diana

Pietra
(dichiaroluna@yahoo.com)

 

(1) GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
(2) uma espécie de palha de vassouras.
(3) www.eca.usp.br/associa/alaic/congresso1999/8gt/sjoaocgrande.doc
(4) 2001, pp. 53.
(5) mudança de forma humana para animal.

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