O mistério e a bruma que envolve todo o ambiente do mundo mágico que é o Oculto, torna-o totalmente fascinante e excitante para nos homens e mulheres do séc. XXI, acostumados ao maquinismo e automatismo da vida quotidiana, sem sensibilidade ou emoção que chegue para saciar a mente recheada de sonhos do Homem de 2003.
No culminar da ciência, da investigação, homens e mulheres teimam insistentemente em viver num mundo recheado de utopias, de ilusões que os façam sentir grandes na sua absurda pequenez, que os façam sentir únicos por entre a massa homogênea e mecanizada da nossa sociedade fútil.
Vivem no séc. XXI, mais precisamente no ano de 2003, mas os seus corações e pensamentos encontram-se heterogeneamente divididos por entre civilizações milenares há muito desaparecidas. Perante tão grande leque de escolha, que preferem eles?
A Grécia Antiga, dos grandes sábios da Humanidade, berço da cultura ocidental? Antigo Egipto, talvez, com os seus Magnânimes Faraós, senhores de tudo à face da terra? Ou algo mais longínquos e utópico: que tal uma Atlântida perdida no meio de devaneios idealísticos?
Poderão, obviamente, contar com mil livros diferentes que vos dirão que são a reencarnações do último Rei de Lemúria ou o Faraó que manteve o seu império próspero, ou quem sabe, um antigo mago, bruxo da Idade Média assassinado pela fogueira da injustiça católica. Ou que tal um Cristão devorado por leões, dos “Santos” Pagãos Romanos?
Pode ser verdade, que tenham sido importantes um dia, noutra reencarnação, mas hoje, o que é que isso importa? Nada disso interessa num mundo em que Atlântida é um mito bonito, para encher a cabeça das crianças antes de adormecerem, em que Faraós existem apenas em livros históricos sob Egiptologia e em que os sábios da Grécia Antiga são dados em escolas a “ferro e fogo” perdendo toda a sua ancestral beleza, em apontamentos confusos de adolescentes amantes de hip-hop.
A verdade é dura e simples: a incapacidade de adaptação a realidade social e depressão, destes homens e mulheres, fazem-nos escolher bonitos papeis, geralmente poderosos e vitoriosos, mas que nada têm a ver com a sua realidade perdedora e absurda. Recorrem, então, a religiões, tradições e sistemas alternativos…Wicca será tristemente a escolha de vários, que aqui encontram erroneamente a imagem da Bruxa romântica envenenada pela Feiticeira Má ou, quem sabe, perseguida pela inquisição pela sua louca beleza e bondade.
É aqui que entra a imagem da Bruxa, o seu estatuto e papel, que me proponho a debater, seguindo o meu raciocínio e associações, que são por isso, passíveis de refutação ou quem sabe de serem desmentidas. Porém, e tendo em conta as discussões a que tenho assistido em chat’s ou visitando irrisórias paginas de Internet, é-me humanamente impossível manter-me impassível perante a loucura e perseguições a que tenho assistido.
O Wicca e a Bruxaria
Wicca nasceu nos anos 50, pela mão de Gardner iniciado em Maçonaria durante a sua estadia no Ceilão. Era igualmente membro da Golden Dawn onde teve contacto com a Magia Cerimonial e Cabala. Este Autor era amigo de Aleister Crowley, que lhe deu o privilégio de utilizar alguns dos seus textos na redacção do Livro das Sombras, sendo a sua influência mais visível na “Instrução da Deusa” anterior à revisão de Doreen Valiente, membro do Teatro Rosacruciano de Londres dirigido por Annie Besant. Ao longo da sua vida, Gardner iria consolidar o seu vasto conhecimento mágico, num único sistema iniciático, o Wicca, que assim conhecerá a nítida influencia de todas as tradições e sistemas de que Gardner fez parte.
Wicca é um sistema iniciático. A sua estrutura mágico-simbólica quando interiorizada e experienciada pelo adepto, através da meditação e prática ritual geralmente em sintonia com o ciclo natural, permite a transformação material e espiritual do indivíduo.
É um sistema de carácter pagão, tendo seguido na sua origem Gardneriana o panteão anglo-saxão, e não o celta que apenas aparecerá na Tradição Farrariana. Usa, contudo, a prática da Bruxaria.
A Bruxaria é uma prática que inclui, inúmeras técnicas que têm como objetivo processual a manipulação de determinadas energias, tendo para isso que utilizar certas ferramentas mágicas, com o objectivo de satisfazer a vontade do adepto, independentemente da natureza positiva ou negativa desta.
Wicca e Bruxaria não são sinônimos. Assim como Wicca não é uma religião, muito menos será a Religião Pré-histórica da Bruxaria. Antes de mais, porque o Wicca tem pouco mais de 50 anos, não sendo uma religião, pois não conhece dogmas de fé muito menos heresias (pecados cometidos em relação à fé) ou cismas (pecados cometidos em relação à pratica cerimonial). Não reconhecendo a ideia de falta ou pecado, é um sistema iniciático de evolução gradual e hierárquica, comparável aos Estádios da Evolução da Criança de Piaget (Psicólogo).
Uma criança começa por coordenar os seus sentidos. Aprendendo a partir dos seus estímulos inatos, ela começa a reconhecer uma espécie de pensamento simbólico permitindo-lhe com 2 e até aos 4 anos imaginar, criar um mundo interior,. Passando o seu egocentrismo ela torna-se capaz de efetuar processos de reversibilidade que lhe permitem compreender os números matemáticos, e mais tarde na adolescência manter um raciocínio hipotético-dedutivo. É neste egocentrismo cognitivo que mais tarde, segundo a Teoria Psicossocial de Erikson (Psicólogo), se desenvolverá na luta pela posse da sua identidade própria que lhe permitira entrar na vida adulta.
Todo o Homem e Mulher conhece, independentemente dos seus condicionalismo sociais, hereditários e culturais, os mesmos degraus de desenvolvimento. Vejam-se os degraus do wicca, não como hierarquias elitistas, mas como estádios da evolução e desenvolvimento espiritual. Degraus que, embora sejam estruturalmente iguais, serão assimilados por cada adepto de uma forma diferente e pessoal, o que condicionará a rapidez do seu processo.
Chega de preconceitos. A ideia de evolução gradual e hierárquica, não é discriminatória, é necessária para a organização estrutural do sistema. Da mesma forma, a designação dos processos de desenvolvimento orgânico e psicológico do Homem é necessária para a nossa própria compreensão da natureza do Homem. Pensem nisto.
Voltando, à questão anterior, a Bruxaria é uma pratica utilizada por Wiccans, desta forma, poderemos dizer que há Bruxos-Wiccans, embora esta não seja uma relação de obrigatoriedade. Também existem Bruxos de Aldeia. Para muitos cristãos, a Bruxaria é uma prática adaptável à fé religiosa de cada um, pois utiliza os arquétipos de cada tradição conduzindo e controlando a sua força através de inúmeros instrumentos.
Ao pensar na minha imagem auto-criada e privada de Bruxa, não a imagino, (e é-me mesmo racionalmente incompreensível que alguém a conceba desta forma), como uma mártir ou santa perseguida pela igreja católica e, da mesma forma, não a vejo como o “demônio” em pessoa. Vejo-a, como alguém normal e até certo ponto discreta, que não sofre dessa discriminação violenta porque não dá abertura para que esta se manifeste.
Assim sendo, a Prática da Bruxaria, tal como a crença nos resultados que obtemos, apenas diz respeito a nós próprios. Na nossa vida privada, não são necessários comercialismos e manifestações aguerridas. Haja juízo crítico e seriedade.
Não por medo, porque na sociedade de hoje, (deixemo-nos de mentiras), a Bruxaria é encarada como brincadeira e não como heresia. Paremos de fazer o papel de coitadinhos… a perseguição acabou há muito e nenhum de nós, no presente no ano de 2003, foi vitima dela!
Falsos moralismos e pieguices, dignas de comadres à volta da capela, isso, sim é decadente e triste! Não é necessário andarem de pentagrama fora da camisola, para mostrarem a todo o mundo: “é pá sou Bruxo, não se metam comigo”. Este tipo de reações moldam-se a crianças e adolescentes, não a gente séria e adulta. Se alguém perguntar se são Bruxos, por favor, não assumam que são Wiccans como sinonimo de Bruxo, porque uma coisa não implica a outra.
Ninguém tem de dar explicações. É apenas necessário ter o sangue-frio suficiente para tomar uma atitude séria e sem rodeios, sem agressões, com a serenidade de quem está bem consigo mesmo e por isso não precisa da aprovação de ninguém.
A Sacerdotisa e a Bruxa
Na cultura Greco-Romana as Sacerdotisas tinham um papel fundamental. Eram elas que contactavam com os diferentes deuses, usando por isso diferentes formas de o fazerem, desde as Bacantes, sacerdotisas do Baco Romano (equivalente ao Dionísio Grego), a dançarem ritmicamente e esfusiantemente, nuas e com a boca cheia do gosto do vinho dionisíaco, até às Vestais virgens e recatadas, sacerdotisas de Vesta.
Ironicamente, e segundo a Lenda da Fundação de Roma, será uma vestal que engravidará do Deus Marte tendo assim o casal de gêmeos, Rómulo e Remo, sendo o primeiro o grande fundador de Roma.
As sacerdotisas comunicavam com determinado deus, através dos seus sentidos humanos, que eram “despertos” e desenvolvidos durante praticas rituais e meditativas, muitas vezes utilizando objetos litúrgicos neste processo de desenvolvimento.
O Desenvolvimento e apuramento dos sentidos, visão, tato, audição, paladar, olfato, intuição, que nada mais são que órgãos de recepção de estímulos exteriores, poderá levar ao desenvolvimento de diferentes tipos de Mediunidade.
Reparemos: os Médiuns Visuais, que veem espíritos, não terão o seu sentido visual extremamente desenvolvido? Os Médiuns auditivos, que ouvem vozes de espíritos, não terão a audição e a sua sensibilidade extremamente desenvolvida? e aí por diante…
Dando uso ao desenvolvimento da sua capacidade de percepção, relacionada com determinado sentido, estas sacerdotisas contactavam com Deus. Reparemos, agora, o que é um Deus:
Temos, por exemplo vários Deuses Greco-Romanos:
Afrodite (Vênus, em Roma) – Deusa do Amor, da sensualidade e desejo
Ares (Marte) – Deus da Guerra, instinto bélico
Artemis (Diana) – a Virgem, Guerreira, a Força da Juventude
Atena (Minerva) – a Sabedoria, estrategia e guerreira
Eros (Cupido) – o amor puro
Hera (Juno) – o Ciúme, a Esposa, o amor marital
Cada Deusa ou Deus, diz respeito a um sentimento, a uma sensação, podendo ir do amor familiar de Hera ao Sexual de Afrodite e ao puro de Eros, do instinto guerreiro de Ares ao raciocínio estrategia e defensor de Atena.
Ao entrarem em contacto com os Deuses, as Sacerdotisas contactavam também com a representação destes sentimentos e emoções, que nada mais são como um vínculo de ligação ao Absoluto, que na Cabala conhece o Nome de Kether: o Desconhecido.
O Absoluto não é passível da simples e direta compreensão humana, fica, portanto oculto pelos três véus Negativos: Ain, Ain Soph e Ain Soph Aur.
Podemos ter uma percepção da existência de Kether, assim como temos a crença na existência de Deus mas a fonte, a origem, de que este brota é-nos Incognoscível, da mesma forma, que o é a raiz de Kether.
Contactamos com o Absoluto e Desconhecido através de sensações e sentimentos que nos são transmitidos pelas representações das diferentes e diversas divindades que o mundo já conheceu.
O que faz com que nenhuma religião, tradição ou sistema esteja errado na sua crença, é o facto de se unir a um Deus ou Deusa. Ao contactar com a sua força arquetípica e por isso Coletiva, ele percorre o caminho das sensações e sentimentos que, inerentes à representação, identidade e personalidade dessa entidade, o levarão a contactar através dos seus sentidos, com o Absoluto.
Sejam estes sentimentos de Amor de Afrodite ou Cupido ou de Revolta e Adversidade de Satanás, ou ideais luminosos da Estrela da Manhã, Lúcifer.
A Intensidade da percepção de energia emocional, relacionada com o arquétipo divino com que se trabalha e acredita permite essa ligação, que muitos utilizaram em oráculos, (como o de Delfos: “Conhece-te a ti mesmo e conheceras o Universo”). Não seremos nós mesmos emoções, sensações e sentidos?
Outros utilizaram esta energia arquetípica, característica de determinados deuses, manipulando-as para atingir os seus objetivos: na Bruxaria.
Aqui encontramos as Bruxas, com um papel e processo idêntico ao das Sacerdotisas das antigas civilizações, elas utilizam os seus sentidos desenvolvidos e instrumentos impregnados de energia arquetípica por se relacionarem naturalmente com a força divina com que trabalham, para atingirem os objectivos e desejos.
A Natureza da Bruxa
Por natureza a Bruxa é um ser humano comum, no seu interior vive a dualidade do bem e do mal. Vejamos a seguinte análise gramatical e etimológica:
“Bruxa” é uma palavra de origem pré-romana, vem do castelhano, “bruja”, cujo significado já conhecemos, interessante é reparar no nome que era usado em latim para designar “bruxa”.
“Bruxa” – s.f. venefica
“Venefica” que em português deu origem, por evolução fonética a duas palavras de natureza oposta: Veneno e Benéfica.
Veneno, que compreende maldade, assassinato, morte e todos os sentimentos que se ligam ao envenenador: ódio, raiva, o mal.
Benéfica, alguém que faz o bem, que é benéfica aos outros.
Encontramos no latim, a bruxa, mulher de natureza oposta, podendo como qualquer ser humano, ser boa ou má.
Outra curiosidade, que devido aos meus parcos conhecimentos linguísticos, não posso afirmar como totalmente legítima, ao contrário do primeiro caso que expus, mas aqui fica para ser debatida por pessoas mais conhecedoras desta área que eu:
“Vampiro” – ente imaginário, sugador de sangue – Strix, igis.
Se não me engano, Strix, Igis, é um nome da terceira declinação latina, embora não tenha encontrado nenhum caso que o justifique penso que, talvez, devido a uma evolução linguística esta palavra esteja na origem, da designação italiana para bruxa: “Strega”.
Pelo menos, no que respeita a etimologia das palavras, as suas três primeiras letras apontam para a possibilidade de uma evolução fonética e linguística.
Estará a palavra “Vampiro” na origem da “Bruxa”?
Como já disse, anteriormente, esta é apenas a minha visão sobre a natureza da Bruxa. Infelizmente, nos tempos que correm, no Mundo vasto da Wicca é impossível uma pessoa comprometer as suas teses como verdadeira, sem ser discriminada.
Faço um último apelo à Comunidade Wiccan, dirigindo-me a todos os membros desta mailing List:
Wicca não é apenas um belo ideal, é uma realidade a ser construída na vida de cada um de nós com seriedade, disciplina, e muito estudo.
Wicca e Bruxaria não são sinônimos, assim como, ser Wiccan não inclui a necessidade obrigatória da manipulação energética em proveito próprio, esta pode ser unicamente utilizada tendo em vista o desenvolvimento das nossas capacidade de compreensão do Absoluto e evolução individual.
Destruam a imagem de Santa ou mártir Bruxa! As maiores vítimas da Inquisição não foram Bruxas, mas Judeus e Protestantes chamados erroneamente de Bruxos.
Percam a ideia de Bruxas lutadoras: as Bruxas na Inquisição nada tinham em comum com os movimentos sufragistas de inícios do século XX. Escondiam-se em casa no seu secretismo, e não saiam pelas ruas reclamando liberdade. Sejam Tolerantes, não vivem na Inquisição, mas no ano de 2012!!!!
Estudem e leiam. Não se deixem cair na ignorância e mediocridade passível de ser constatada na maioria dos pseudo-wiccans, em tom de conversa de chat, ou em sites, onde somos confrontados como enganosas fotografias de rituais, que nos fazem pensar se em vez de um conciliábulo de Wiccans, não estaremos a ver um Conselho de beatas e padrecos, que depois do almoço de Domingo se refastelam a brincar aos Sabbaths. Mais: que invocam os Deuses, no meio de risólis e empadinhas!!
Cuidado com falsas associações pagãs. Cuidado com magos por correspondência e futuras sacerdotisas de Cunnigham…
Lembrem-se de Pessoa: “Ser Inconformista é ser Homem” e não se deixem cair nos contos do vigário…