Etenagildo era um sujeito muito engraçado, já começava pelo nome que carregava. O coitado havia sido vítima circunstancial de uma película de cinema. Sua mãe, uma fã ardorosa de filmes de ficção românticos, já nos últimos momentos de sua gravidez, com a barriga quase estourando, não se conteve ao repouso recomendado pelo Dr. Refinete – o santo médico da família – e enfrentando filas e apertos, dores e contrações, foi ao lançamento do tão anunciado e esperado filme, “ET – O Extraterrestre”… Pois é isso mesmo que você está pensando, bem na hora que o bichinho aponta o dedo para o céu, dizendo – “Et, fone home…” – ‘Bruachtttssssss Plefitttiiissssss’, rompeu a bolsa da pobre mulher. A coisa foi tão rápida que não houve tempo para nada, deu a luz ali mesmo, no meio de pipocas caídas e papéis de bala melados, nos degraus vermelhos da sala de projeção, ajudada pelo prestativo e muito assustado lanterninha que, por sinal, chamava-se Agildo. Assim, em homenagem aos dois parteiros, o lanterninha e o super star, ganhou seu nome: Et N Agildo…
Mas, como dizia, Etenagildo era um camarada engraçado. Ainda bebê, fazia as enfermeiras dobrarem-se de tanto rir de suas caretas. Na escola era sempre motivo de piadas, todos riam com suas brincadeiras, era ele chegar e a turma cair em gargalhadas. Muito popular, cheio de carisma, todo sorrisos… Só que nunca terminou o curso secundário.
Mesmo assim, tinha um sonho, faria um supletivo e se formaria advogado. Matriculou-se cheio de vontade e de boas intenções, mas no terceiro dia de aula, ao descer do ônibus, conheceu Maria Clara. Ele fez uma graça para ela, ela fez um charme para ele e pronto, dois meses depois casaram-se e nunca mais se falou em supletivo. Começou então a dizer que trabalhariam juntos, venderiam cosméticos, um negocio em que a prima Marivone com seu prestativo marido Miguelão, vinham ganhando um bom dinheiro. Porém, logo Maria engravidou e ele foi obrigado a aceitar o primeiro emprego que encontrou, o de frentista de um posto de gasolina da periferia.
Está certo que ele ganhava pouco, que trabalhava muito, mas aquele posto nunca foi tão divertido. Enquanto os colegas rindo punham no bolso as caixinhas, ele andava gingando pelo pátio, arrastando os pés, imitando o patrão.
Muito engraçado o Etenagildo. Em conversas mais íntimas, passou a dizer que a coisa mais importante de sua vida era sua família, que seu filho era tudo… Só que nunca chegava cedo em casa, saia com os amigos, parava no bar, embebedava-se nas ruas, varava as madrugadas, deixando Maria Clara só com seu filho faminto chorando em seu ombro.
Foi quando tia Robengarda o convidou para ir conhecer a sua igreja. “Muita gente ficou rica depois de começar a frequentá-la” – dizia confiante a tia – “Veja você, o Zé Fogueteiro, era um estrupicio, vivia de favor na casa da sogra, entrou para a igreja, arrumou emprego e hoje já tem até automóvel próprio…”
Devidamente convencido pelo exemplo altamente dignificante do grande Zé Fogueteiro, no primeiro domingo de folga, botou o terno branco que tinha para as grandes ocasiões e de braço dado com Maria Clara, entrou confiante na igreja.
Ah!!!… A fala do pastor Damião, os cantos cheios de fé, as curas milagrosas, os testemunhos, a paz, o conquistaram. Era isso, ia ser crente, queria mudar de vida, queria comprar uma bíblia, queria trabalhar para ajudar o novo templo e declarou de boca cheia: “Maria Clara, a partir de agora sou um novo homem em Cristo, Nosso Senhor.” Procurou o pastor e marcou o seu batismo, estava convertido – “Salvo, em nome de Jesus”.
Mas, no domingo seguinte jogava o Corinthians, os amigos iam, o bar era ali perto… Só uma escapadinha…
No final das contas, sua mulher foi só para a igreja, o pastor ficou desapontado, a tia Robengarda simplesmente furiosa, mas os frequentadores do bar riram até não poder mais… “Que domingo, seu Manoel… Que domingo…” – comentavam eles.
Sujeito engraçado esse Etenagildo. Confuso e sem foco, mas muito engraçado.
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