abracUm amuleto de origem misteriosa 

por: Sérgio Barcellos Ximenes
 

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Entre o primeiro século da Era Cristã, época provável da origem do Quadrado Sator, e 2 de julho de 1859, data da primeira publicação de um quadrado de palavras da língua inglesa, na revista acadêmica britânica Notes and Queries (Notas e Indagações), foram criadas apenas três importantes formas geométricas compostas de palavras, aparentemente sem nenhuma relação com o Quadrado Sator. 
 

Quadrado Sator

A primeira delas foi o amuleto abracadabra.

O amuleto abracadabra Assim como o Quadrado Sator, os objetos que trazem a palavra “abracadabra” têm uma origem misteriosa e foram utilizados com fins mágicos. 

Há várias versões sobre a origem da palavra “abracadabra”. 

Ela poderia ser: 

a.. Uma palavra derivada de “Abraxas”, termo usado por integrantes de uma seita gnóstica do século II para designar o Ser Supremo (“abraxas” também poderia ser um deus dos antigos egípcios ou um demônio que apresenta serpentes no lugar dos pés). 
 

Abraxas

Escrita em grego, “abraxas” contém sete letras que, computadas numericamente, somam 365, o número de dias do ano e, segundo aqueles crentes, também o número de emanações do Ser divino, cada uma delas representando uma virtude associada a um dia do ano. Por isso, era comum entre eles o uso de um amuleto no qual estava gravado o número 365. 

b.. Um acrônimo formado por palavras hebraicas relativas à Trindade: Ab (Pai), Ben (Filho) e Ruach Acadsch (Espírito Santo). Essas duas primeiras versões são as mais conceituadas. 

c.. A união das palavras hebraicas abreg, ad e habra, que significa “fulmine com seu raio”. 
 

d.. Uma designação formada pelas palavras celtas “Abra” ou “Abar”, que significa “Deus” em celta, e “Cad”, que significa “santo”. O resultado: Santo Deus. 

e.. O nome do deus supremo dos assírios no século II. 
Outro significado atribuído a “abracadabra” é “eu criarei aquilo de que falo”, que faz lembrar o poder atribuído tradicionalmente pela magia à fala humana. Já a tradição Wicca, modismo atual entre os jovens norte-americanos, prefere a tradução “não me fira”, que remete à função protetora do amuleto. 

Apesar das divergências quanto à origem e ao sentido da palavra “abracadabra”, existe uma certeza: a primeira ocorrência registrada do termo encontra-se na obra Res Reconditae (Coisa Secreta), de Quintus Serenus Sammonicus, médico do imperador romano Sétimo Severo. Quintus faleceu em 212. 
 

Sammonicus

Também há consenso quanto ao uso do objeto. Os mais freqüentes referem-se à proteção contra doenças e à cura de febres. No período medieval, outros objetivos incluíam afastar o azar e os demônios. É certo que a palavra se incorporou à tradição mística da Cabala judaica. A esse respeito, o número 9 tinha uma função mágica essencial: em hebraico, “abracadabra” é escrita com 9 letras; a letra aleph aparece 9 nove vezes no lado esquerdo do triângulo; e, frequentemente, o amuleto era usado por 9 dias ao pescoço e depois jogado num rio. 
A palavra “talismã” vem do grego telesma, que significa “mi stério”. Um talismã pode ser constituído de um pedaço de papel escrito, uma pedra ou metal com palavras ou símbolos gravados, ou mesmo uma forma geométrica ou figura feita de pedra ou metal. Seu poder adviria da capacidade de estabelecer contato com forças ou influências sobrenaturais, usando-as em benefício do possuidor na satisfação de desejos e aspirações. “Amuleto” é um talismã com funções defensivas, ao qual se atribui o poder de evitar doenças e desgraças.

São três as formas geométricas conhecidas de disposição das letras da palavra “abracadabra”, todas com objetivos mágicos. A primeira, mostrada acima, forma um triângulo invertido, com a ponta para baixo, indicando a concentração de forças celestes ou sobrenaturais na direção da Terra. A segunda, muito usada para eliminar a febre, forma um triângulo retângulo pela eliminação da última letra de cada linha, até que sobre apenas uma delas, sugerindo, segundo princípios da magia imitativa, que também a febre se extinguirá progressivamente: 

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Essa forma é transcrita no terceiro volume da famosa obra “Da Filosofia Oculta”, de autoria do mago Henrich Cornelius Agrippa (1486-1535) e publicada em 1510. A terceira disposição assume a forma de um losango ¾ mostrada abaixo, ao lado da forma triangular. 

Esta última (a triangular) possuía um caráter tridimensional, assemelhando-se a um funil: os poderes do mal seriam capturados por ele e, num movimento de redemoinho, desceriam até a ponta, onde se perderiam num abismo sem fundo: 
 

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Eliphas Levi (1810-1875), considerado o maior ocultista do século XIX, referia-se ao abracadabra como “o triângulo mágico”. O romancista brasileiro Joaquim Manuel de Macedo, autor de “A Moreninha”, mencionou o amuleto numa cena do conto “A Luneta Mágica”. Nela, é descrito o aposento de um misterioso armênio que prometera ao protagonista Simplício, míope em alto grau, uma luneta mágica para livrá-lo desse problema: “Sobre o altar maldito descansavam os instrumentos da magia e, entre outros, a vara mágica, a espada, a taça e a lâmpada; a um lado, no chão, estava a trípode. Globos, triângulos, a figura do diabo, a estrela de seis raios, o abracadabra, as combinações do triângulo, e uma infinidade de símbolos enchiam a mesa e o gabinete”. 

Para os jogos de palavras, a importância do amuleto abracadabra reside na engenhosidade da distribuição das letras: a forma triangular permite que a palavra “abracadabra” seja lida até de 1024 maneiras diferentes; na forma em diamante, são contadas 252 ocorrências de “abracadabra”. 

Modernamente, a palavra “abracadabra”, já dissociada de sua representação geométrica, é usada principalmente por mágicos durante números de palco, quando fingem evocar poderes sobrenaturais supostamente responsáveis pelo efeito da ilusão. 
 

Também aparece no sentido figurado, assumindo conotação negativa, quando se quer designar uma solução pretensamente mágica, mas superficial e ilusória. Talvez um fim um tanto inglório para aquela que foi a mais famosa de todas as palavras da magia.
filipeta
regra