Helena Petrovna Blavatsky
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“PARA OS POUCOS”
Essa é a dedicatória de sua maior obra, A Doutrina Secreta.
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Helena Petrovna Blavatsky é uma das mais extraordinárias personagens da nossa época. Mas que não é reconhecida, nem citada, pois quem faz a História são os pretensos sábios contra os quais ela tanto se bateu. A sua atuação no século XIX foi a de uma verdadeira guerrilheira do espírito. Do maquis, do anarquista que enviava bombas dentro de um buquê de rosas. Uma dessas, e que faz efeitos até agora, é o livro A Doutrina Secreta.
Uma vida fora de série
Afunda numa explosão do navio Eumonia, no Mediterrâneo, entre as ilhas de Doxos e Hidra. Recebe assistência do governo grego que a remete, a pedido, para Alexandria. Depois é uma sucessão de locais: Cairo, Síria, Palestina, Rússia, Romênia, 1874, nos Estados Unidos em Vermont.
Funda, em Nova York, a Sociedade Teosófica, em 1875. Escreve sem parar. Nasce Isis Sem Véu, em 1876. Em 1878 naturaliza-se norte-americana. Parte para a índia em companhia do seu grande colaborador coronel Henry Steel Olcott. Bombaim — 1879, cruza a índia. Ceilão —1880, onde se torna budista. De 1881 a 1885 vive na índia uma vida de superatividade em todos os campos.
Em 1888, já muito doente, escreve como uma desesperada A Doutrina Secreta. Era a sua obra-prima. Uma síntese do pensamento humano. Uma teoria unificada do espírito humano. Como consequência, sofre todos os ataques. É considerada uma charlatã, uma vigarista. A Sociedade de Pesquisas Psíquicas, de Londres, envia um médico, o dr. Hogson, para a índia, a fim de pesquisar os estranhos acontecimentos que ali se passavam. As conclusões apressadas e tendenciosas denunciam Blavatsky de forjar as cartas dos seus mestres, de utilizar gabinetes falsos para as suas materializações etc. O casal Coulomb, que se prestou a isso, tinha sido auxiliado por Blavatsky quando se encontrava passando necessidades no Cairo. Invejosos com a notoriedade de H. P. B. e instigados pelas missões religiosas e pelo Governo inglês, que via com maus olhos a crescente valorização da teosofia na Índia, armaram todo o esquema.
O fato é revelado com detalhes, entre outros, anos depois, pelo livro de Jacques Lantier, publicado em 1970, intitulado La Theosophie ou 1’Invasion de Ia Spiritualité Orientale. Helena Petrovna Blavatsky, verdadeira mártir do século XIX, falece no dia 8 de maio de 1891, na cidade de Londres. As sementes da renovação do século 20 estavam lançadas.
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O mundo em que viveu
O final do século 19, onde transcorre a vida de Blavatsky, caracteriza-se pelo aparecimento da ciência moderna. O materialismo era evidente nos mais diversos campos. Foi o período áureo da Inglaterra, da rainha Vitória, das missões religiosas cristãs para converter os infiéis. Do nascimento das estradas de ferro, e grandes fábricas inglesas, começando a poluir a paisagem. Do trabalho escravo das mulheres e crianças. Da iluminação a gás. Do cancã e da valsa. Os espartilhos, os grandes decotes, as sobrecasacas e as barbas fartas. A moral era a vitoriana. Escolhiam-se as palavras para que não houvesse o perigo de falsas identificações com o corpo humano. Foi a grande era da depravação. Dos grandes interesses comerciais.
O deus todo-poderoso era o dinheiro. Em seu nome procurava-se modificar os hábitos e tradições dos povos submetidos ao colonialismo. Tudo aquilo que era a favor da manutenção de um estado de dependência, de conformismo, era apoiado. Tudo que podia fazer despertar a consciência dos valores culturais próprios dos países dominados, era perseguido.
Convém lembrar — para ficar bem caracterizado o clima em que Blavatsky viveu —que as guerras do ópio, nas quais a Inglaterra tentava manter a sua supremacia na China, graças ao enfraquecimento da moral de um povo, tinham ocorrido há pouco tempo. É esse um dos inúmeros episódios trágicos que caracterizam a negra história dos chamados povos civilizados. K. M. Panikar na obra clássica A Dominação Ocidental na Ásia descreve toda a brutalidade da perseguição aos “heréticos” na Índia. Muito antes da Inquisição (1560), já os tribunais eclesiásticos condenavam os heréticos para roubá-los de suas propriedades. A ponto de Camões se revoltar, dizendo: “Vós que o título de mensageiros de Deus usurpais acreditais deste modo imitar São Tomás?”
Uma prova da total iniquidade e, ao mesmo tempo, do pouco valor das tradições ocidentais em povos que possuíam a essência da sabedoria em suas veias, está no fracasso total da evangelização em massa feita nos últimos quatrocentos anos. Blavatsky denuncia esse fato em vários trechos da sua obra. É a grande revolta contra a supressão do sublime direito de cada um ser ele mesmo. Ela se opunha, “com a forma mais forte possível, a tudo que se aproximasse da fé dogmática e do fanatismo”. Logicamente teve contra si a resistência dos doutores da ciência. Em qualquer dos ramos da ciência exata, foi levada a sério.
Escarnecer e rejeitar a priori — tal era a atitude que prevaleceu no século XIX. H. P. B. dizia: “Somente neste, porque no século 20, os eruditos principiarão a reconhecer que a Doutrina Secreta não foi nem inventada nem exagerada, mas, pelo contrário, simplesmente delineada; e, por fim, que os seus ensinamentos são anteriores aos Vedas. Não vai nisso pretendermos o dom da profecia: é uma simples e despresumida afirmação, baseada no conhecimento de fatos. De cem em cem anos surge uma tentativa de mostrar ao mundo que o ocultismo não é uma vã superstição. Uma vez que se possa, de algum modo, entreabrir a porta, ela ir se-á abrindo cada vez mais em séculos sucessivos”.
Graças ao estudo aprofundado dos textos das mais diferentes épocas e tradições, podemos encontrar aquilo que nos une por trás da aparência das formas. Aquela filosofia perene de que nos falava Leibnitz que, uma vez revelada, joga uma luz mais plena nas nossas religiões, dando-lhes uma perspectiva cósmica. Um ponto de encontro que, em vez de isolá-las, as fortalece.
Blavatsky anotava em Doutrina Secreta: “É possível que as mentes da atual geração não estejam maduras para a recepção de verdades ocultas … Chegou a hora de verificarmos se as paredes da moderna Jericó são tão inexpugnáveis que nenhum ocultista tocador de trompa possa fazê-las ruir”.
O ocultista não admite que nada, desde o grão de pó mais minúsculo até uma supergaláxia, seja inorgânico, sem vida. O átomo é a própria vida. Toda essa hierarquia de poderes — que vai desde o contido no todo até o mais relativo — está dirigida por consciências. Essas consciências são para o homem de ciência apenas leis. Há entretanto entre elas uma coordenação.
A ciência oculta estabelece que da vida una, primordial, informe e incriada, procede o universo. Primeiro do caos primordial, profundo, frio, homogêneo, nasce a luz, o fogo. Dele, tudo procede em escalas decrescentes de materialização. Seguem-se, nessa descida do sutil ao denso, os estágios do ar, água, terra. Evidentemente, o éter, fogo, ar, água e terra não são os elementos a que normalmente nos referimos quando usamos essas palavras. Sakti é o poder latente no uno sem segundo. Contido no coração do um, Sakti é o desejo que leva à limitação, à multiplicação.
É o poder feminino por excelência. Um aforismo cabalista diz: “uma pedra torna-se uma planta, um animal, um homem e um espírito. O espírito torna-se Deus”. É o ciclo fechado que procede da centelha primordial, do filho pródigo que busca a casa do pai por caminhos distintos, sem ter, entretanto, nunca se afastado dela. Como dizia Hermes Trimegistos no Egito: “Nada na terra é real. Há somente aparências.
O homem é transitório e, portanto, não é real, pois é sujeito à vida e à morte. Só a realidade primordial o é. Aquilo que não tem cor nem forma, que não muda. A matéria é, portanto, uma sombra do espírito. Apesar de tudo, há o relativo, o contingente, o ilusório. O imutável se transforma no transitório pela força do poder (Sakti). Essa força fundamental, que é a causa da manifestação, se apresenta sob sete aspectos: 1) Parasakti — o poder supremo. 2) O Jnana Sakti — o poder do intelecto, a sabedoria real. 3) Itchasakti — o poder da vontade. 4) Kriyasakti — o poder do pensamento. 5) Kundalinisakti — o princípio .da vida universal, que inclui em si a atração e a repulsão. 6) Mantrika Sakti — o poder do som, da música, da palavra. Há um sétimo aspecto, a Sakti suprema, que engloba todos os seis.
Vemos que do um nasce o dois. Para que o um se divida é necessária a presença no seu seio de um desejo, de uma força, de Sakti como causa dessa divisão. Temos aí a presença do três, constituída pelos dois aspectos (positivo-negativo, macho-fêmea) e a relação existente entre eles, constituindo o 3.° termo. Os três, combinados dois a dois, produzem o seis, (os triângulos entrelaçados simbolizando o espírito impregnado na matéria). O círculo — a esfera.
A pesquisa desses Saktis leva o homem a dimensões maiores do poder. Esses poderes estão em nós como em todas as coisas. Podem ser revelados, intensificados, graças a práticas determinadas. A ioga, a velha ciência da auto-realização, é um dos inúmeros caminhos que a ciência antiga, revelada por H. P. B., oferece aos homens.
Em seu sentido exato a ioga é profundamente associada à alquimia. Ela é a arte alquímica, por excelência, que permite preparar o vaso (o corpo), onde será feita a transmutação da matéria bruta (o chumbo) em ouro. Nesse vaso nascerá Kumara, a criança eterna, que nunca envelhece. Esses poderes são analisados, com detalhes, ao longo da Doutrina Secreta. Aqui e ali encontramos chaves, relances, que nos darão uma compreensão maior da vida e seus mistérios. São abismos abertos diante do pesquisador sério, daquele que sabe ler além das palavras e ver a essência do real.
O cuidado da autora em deixar as coisas aparentemente fora do lugar é afastar do acesso à fonte do poder os que, não estando preparados, pudessem dela fazer mau uso. É essa a razão por que os textos antigos, que tratam desse assunto, vêm revestidos pelo manto espesso do simbolismo, deformando a sua compreensão superficial.
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Uma força acima da nuclear
Vivemos a noite das apreensões diante do poder atômico desencadeado e colocado nas mãos de homens inescrupulosos. A morte coletiva do planeta é hoje uma realidade. Um simples apertar de botões, e teremos deflagrada a noite final. A utilização da energia nuclear é encontrada em inúmeros trechos da Doutrina Secreta. Talvez seja por isso que o grande físico nuclear, e grande perseguido pela caça às bruxas do macartismo, Philip Openheimer, lia sânscrito, tinha na Doutrina Secreta um dos seus livros de pesquisa.
Falando de energias, ainda ocultas, ela estava prevendo a energia nuclear.
Blavatsky muito antes de Einstein afirmava que a matéria e energia eram, apenas, aspectos de uma realidade mais profunda. Afirmava:
“Diremos que a força é ‘matéria que se move’ ou ‘matéria em movimento’ e que é uma manifestação de energia; ou que matéria e força são aspectos fenomenais, diferenciados da substância única, indiferenciada, cósmica?”.
Afirmava que o som tinha um tremendo poder oculto. Possuindo mais energia do que um milhão de Niagaras. Essa tremenda energia sobrepassa tudo que se conhece. Segundo instruções citadas por H. P. B. e encontradas num texto chamado Ashtar Vidya, essa força, partindo de um veículo aéreo, reduziu a cinzas 100 mil homens e elefantes. No Visfui Purana e no Ramayana, entre outras obras, há um relato que nos fala do Rishi Kapila, cujo olhar pulverizou uma montanha onde estava o rei Sagara e 60 mil súditos. Essa arma é chamada de kapilaksha (o olho de kapila).
Evidentemente se trata de algo semelhante à bomba atômica. Encontram-se também referências ao vril, a força interetérica que foi pressentida pelo professor Kelly. O fantástico e o maravilhoso estão constantemente presentes na obra que deve ser lida de espírito aberto.
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As noites e dias do universo
As idades, a sucessão de nascimentos e mortes, são apresentadas com os detalhes de um tratamento matemático. E os números, que antes pareciam profundamente irreais, adquirem sob a luz forte da ciência atual uma veracidade incontestável. Foi por essa porta que entrei no mundo encantado do pensamento oriental.
Foi ela que me abriu a visão de uma das mais extraordinárias aventuras com que pode sonhar o espírito humano. Segundo a mitologia da Índia, existem vários ciclos mundiais. Cada um deles é subdividido em quatro yugas que são as tradicionais idades da mitologia greco-romana. Temos: krita (ouro), treta (prata), dvapara (bronze) e kali (ferro).
As durações são:
432.000 x 4 — 1.728.000 — krita
432.000 x 3 — 1.296.000 — treta
432.000 x 2— 864.000—dvapara
432.000 x 1 — 432.000 — kali
4.320.000 anos (grande Yuga)
Na Doutrina Secreta, que é a sua obra máxima, verdadeira Bíblia do espírito humano, grande ênfase é dada a essa tradição antiga da Índia. A ignorância e má fé tudo fizeram para riscar da memória dos homens essa doutrina. Blavatsky revela:
“Por sobre-humanos que fossem os esforços dos primeiros padres da Igreja para riscar a doutrina secreta da memória dos homens, todos eles se frustraram. A verdade jamais pode ser destruída. E, por isso, não surtiu efeito a tentativa de eliminar inteiramente da face da Terra todo o vestígio da antiga sabedoria … É verdade que o obsidiante espírito de fanatismo dos cristãos dos primeiros séculos e da Idade Média, como também ocorreu depois com os sectários do islamismo, preferiu viver no obscurantismo e na ignorância”. Foram inúmeras as tentativas para destruir essa tradição. Os incêndios de bibliotecas, as mortes, os concílios, as guerras santas.
Graças à Doutrina Secreta e ao trabalho de H. P. B. é que foi redespertada a chama do valor extraordinário da sabedoria do Oriente. Uma prova disso é a sua influência em Gandhi. Em sua Autobiografia ele nos conta: “No final do meu segundo ano na Inglaterra encontrei dois teosofistas, eram irmãos e solteiros … Os irmãos recomendaram-me a leitura da Luz da Ásia de Sir Ediwin Arnold e do Bhagavad Gita … Certa ocasião, levaram-me à loja Blavatsky e me apresentaram a Madame Blavatsky e a sra. Besant. . . . Relembro-me de ter lido, aconselhado pelos irmãos, o livro de Blavatsky a Chave da Teosofia. Esse livro estimulou-me a ler livros a respeito do hinduísmo e eliminou a noção, estimulada pelos missionários, de que o hinduísmo era pura superstição. . . “
Não só Gandhi sofreu a influência direta de Blavatsky, mas também o próprio Nehru, o verdadeiro arquiteto dos primeiros dias da Índia, revela nas suas memórias a poderosa influência que recebeu da teosofia.
A cosmogênese revelada pela Doutrina Secreta é extremamente absorvente.
O cosmo e todos os bilhões de corpos nele contidos, adquirem a característica de um organismo vivo. Pulsa, respira, nasce, cresce, envelhece como tudo mais. Os chamados dias e noites de Brahma da antiga tradição hindu, que nos chegam nas páginas dos Puranas, muito antes de qualquer aproximação científica dos acontecimentos, nos dão uma imagem extraordinariamente moderna do universo.
Um dos primeiros mitos atacados, com todo vigor, por Blavatsky, um dos seus grandes crimes, foi a valorização da cultura tradicional dos povos asiáticos. A sabedoria eterna, Santana Dharma, a teosofia que ela expunha era encontrada em todas as épocas.
A Índia com sua vastíssima tradição antiga era, sem dúvida, um dos mais ricos repositórios dessa tradição. Aquilo que os missionários classificavam como superstição eram tesouros da raça humana, ciosamente protegidos por uma falange de homens que arriscavam as vidas para que a chama da verdade não fosse perdida no mundo.
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