O Velho Escultor e O Religioso Erudito
por: Carlos Raposo
Recém-nascido, o homem é débil e frágil. Morto, é rígido e duro. Ao nascer, plantas e árvores são tenras e flexíveis. Mortas, são rígidas e duras. Rigidez e solidez são companheiras da morte. Debilidade e flexibilidade são companheiras da vida.
(Lao Tsé)
O início de uma jornada possuiu encantos bem peculiares. E, seja numa longa caminhada ou na escalada de uma alta e desafiadora montanha, seja no começo dos romances ou nos primeiros anos de vida, todo princípio carrega em si a saudável e bela ânsia por se descobrir o novo. Esse é o fascínio exercido pela vontade de penetrar no desconhecido, de comungar com o inédito que haverá à frente: essa é a promessa que traz o aprendizado.
Contudo, na maioria dos casos, o passar do tempo e o amadurecimento daquilo que antes era tomado como novo, faz com que esse sentimento primaveril, aos pouco, fique embotado pelo costume. O acúmulo de conhecimento, por vezes, mina o primeiro entusiasmo, criando uma crosta que, progressivamente, vai inibindo a vontade humana. Assim, a caminhada começa a parecer monótona, o desafio proposto pela montanha já não parece tão denso, o romance perde intensidade e aquela paixão presente nos primeiros momentos cede lugar a imperiosa necessidade de crescimento. Então, o aprendizado nada mais passa a significar, senão mera ostentação de falsa sabedoria e de repetição de velhos hábitos.
Não é a toa que os Mestres dizem que a imortalidade, longe de estar em viver eternamente, reside em saber superar os efeitos da penosa ação do tempo. Ela está na sabedoria que mantém sempre viva em nós a chama cio entusiasmo original, aquela mesma que vem no brilho dos olhos de uma criança diante do novo, do inusitado e do desconhecido, como se todos os momentos fossem sentidos com a intensidade que move a própria vida, princípio básico da existência.
Uma história, hoje já muito antiga, passada em certo mosteiro localizado em algum inóspito canto esquecido do planeta, lá no oriente, nos narra algo a respeito.
Essa história nos diz que certo monge, com várias décadas de estudo e de prática nos ensinamentos ali ministrados, com o passar dos anos, foi se tornando cada vez mais carrancudo e mal humorado. O monge já havia passado por todas as etapas do aprendizado monástico, atingira os altos escalões da hierarquia de sua seita, obtivera o respeito de todos no santuário e sua presença era sempre tida como certa em todos os debates que lá aconteciam. Sua palavra, normalmente definitiva, costumava selar os debates, preenchendo todos com seu notável valor e profunda erudição.
O sapiente monge se considerava uma espécie de sumidade – e, na verdade, ele o era – sem equivalentes, no conhecimento das doutrinas sagradas. A dádiva de se obter a sua instrução era pretexto para acirrada disputa por parte de todos os estudantes do santuário e sua companhia, por si só, era motivo suficiente para dar um certo status a qualquer felizardo do clero local.
Mesmo com sua grande reputação, o monge não conseguia disfarçar a grande angústia em que vivia. Entretanto, quando perguntado sobre o porquê de seu incômodo, apenas a irritação costumeira vinha como resposta. Além de repreender severamente aqueles que tocavam nesse assunto, o monge safava-se de tais questões, dizendo que os muitos conhecimento adquiridos em sua santa vida eram por demais preciosos para desperdiçar seu tempo com elucubrações inúteis, como aqueles pequenos incômodos pessoais.
Todo seu vasto conhecimento, porém, não era suficiente para tranqüilizá-lo e nem capaz de livrá-lo de tais tormentos. Ele, em seu íntimo, o sabia. E isso, bem mais que os tormentos de sua mente, o consternava por completo.
Em outro local, numa pequenina construção, fora do mosteiro, morava um ancião sorridente e silencioso, que costumava gastar os dias esculpindo magníficas estátuas em pedra. Além de sua arte, a ocupação predileta do velho escultor era passear e brincar com as crianças que o visitavam, atirando pedrinhas no lago, localizado bem perto do santuário, a meio caminho distante da única vila da região. O ancião, junto ao povo da vila, tinha a fama de possuir grande sabedoria e bondade, de ser um ente sábio e iluminado. Por isso, ele era amado e amparado por quase todos.
Entretanto, mesmo levando em consideração a opinião do povo da vila, aos olhos dos santos monges do mosteiro, o ancião não passava de um tonto a ser evitado, um perturbado senil que, apenas pelas misericordiosas graças da providência, nascera com o dom da arte de esculpir.
Foi quando, em certo dia nublado, um dos últimos dias do Inverno, o erudito acha por bem quebrar um pouco a sua rotina e resolve andar pelos arredores do mosteiro. É que ele tinha discutido veementemente certas importantes questões metafísicas com monges menos experientes e a arrogância que o tema despertara havia provocado sua ira a tal ponto, que o melhor a fazer, para o momento, era caminhar a procura de paz e tranqüilidade.
Sempre com sua mente voltada para altos temas religiosos, por um momento, o douto monge pareceu querer esquecer tudo aquilo. Contudo, a opção única que seu orgulho oferecia era apenas se ilustrar cada vez mais, visto a aproximação do crescente conhecimento daqueles “jovens monges impertinentes, que tudo pensam saber”. Ele não perderia qualquer chance de dar-lhes umas boas lições, é claro.
Caminhando aleatoriamente por cerca de uma hora, eis que o monge encontra o lago. Logo depois, se depara com a pequena casa onde morava o velho tonto, que agora estava absorto em sua tarefa de escultor.
Mas, tão logo o velho percebeu a presença do monge, pôs-se a sorrir timidamente. Levantou-se devagar, parando pela metade seu trabalho numa escultura, apanhou algumas pedrinhas e começou a atirá-las, alegremente, no lago, se divertindo a valer, vendo as pedrinhas saltando sobre a lâmina d’água.
O monge erudito, diante daquela – segundo a sua douta concepção – cena patética, decidiu ir embora o mais rápido possível. Antes, porém, resolveu pedir um pouco de água ao velho, visto que estava sedento e a caminhada de volta demoraria.
“Vejo que meu nobre santo senhor precisa de algo que eu tenho” falou o velho, logo após o monge lhe pedir um pouco de água. “Isso só me enche de felicidade” – ainda disse o ancião, cheio de sincera alegria e com o mais inocente dos orgulhos, enquanto continuava a atirar as pedrinhas na água.
E já que o velho não buscava .a água para ele beber, continuando a arremessar alegremente, e de modo completamente despreocupado, as pedras no lago, o monge começou a ficar irritado com a falta de consideração daquele infeliz para com ele, um grande sábio. “Velho maluco” -pensou.
Foi quando o sorridente ancião dirigiu-se ao sábio, dizendo: “Você me parece mesmo sedento! Tome, então, algo para saciar a sua sede e a sua impaciência… Meu valoroso amigo, seu conhecimento é nobre, e isto é certo para todos. No entanto, perceba que o peso do conhecimento que acumulamos sobre nossos corações por vezes impede que o mesmo seja a luz da essência que o habita…”
Como o douto monge, diante da surpresa provocada pela estranheza daquelas tranquilas palavras, permaneceu quieto, depois de uma pequena pausa, o ancião sentiu-se encorajado a continuar: “Você ainda precisa assimilar uma outra lição. Só uma pequenina lição. E se seu abafado coração ainda permitir a esse pobre asceta, apenas por um instante e por mais uma vez, dirigir sua preciosa atenção a umas poucas palavras, saiba que você fará desse velho um homem feliz e realizado” – o ancião era todo sorrisos.
“Agora que foi aberta uma pequena fenda em sua alma, deixe que a memória de sua infância chegue até você. Mas, meu sábio amigo, antes mesmo que qualquer recordação povoe a sua mente, sinta apenas a forma pela qual você, quando criança pequena, via o mundo. Você está lembrado das suas pequenas descobertas? Ou mais ainda! Lembra de seu sentimento? Está lembrado do seu entusiasmo, da sua emoção, você se recorda quando sentia os próprios olhos brilhando?”
“Lembra de como você corria livre por estas paragens e como nós, uma única vez, ficamos uma tarde inteira a atirar pedras nesse mesmo lago? Sim, meu santo amigo, nessa época você era livre, e não só livre de todas as responsabilidades que hoje você possui, mas totalmente livre de conhecimentos…”
“Isso faz muito tempo…” – disse o monge, quase que num sussurro, aturdido pela feliz recordação provocada pelo velho.
Ao que o ancião seguiu, dizendo: “Talvez façamos isso, atirar pedras em lagos, para entender algo: dependendo do nosso conhecimento, da nossa técnica e maestria nessa arte, podemos fazer com que as pedrinhas pulem três, cinco, seis e até mesmo um milhar de vezes sobre a lâmina d’água. O lago não se importa nem um tantinho com essa tola ofensa! E você, meu nobre amigo, sabe por que? Porque ele, o lago, sabe que a natureza dele fará, independente do nosso conhecimento, da nossa técnica e maestria, com que a pedrinha, cedo ou tarde, afunde.”
“E, meu mui valoroso monge, não seriam as inconstâncias e tormentos de nossa vida, as pedras que teimam em pular sobre o lago que é nossa mente? E também não seriam os nossos conhecimentos, nossas técnicas e maestrias, os instrumentos que fazem com que esses tormentos teimem em saltar três, cinco, seis e até mesmo um milhar de vezes, habitando o oceano de nossos confusos pensamentos?”
E o bom velhinho, que agora praticamente pulava de felicidade, concluiu: “Ei! Meu nobre e santo senhor! Não deixe se abater tanto com as inquietações, amarguras e consternações que teimam em pular em sua cabeça, pois assim como o lago, sem reagir e seguindo, unicamente, sua própria natureza, absorve as pedrinhas que nele saltam, sua mente, com o tempo, consumirá seus pensamentos mais terríveis, pois foi vontade de quem a criou dotá-la da mesma natureza das águas, fazendo com que tudo nela seja absorvido, encontrando seu feliz fim.”
Agora, o monge erudito, não contendo mais a emoção que aquelas venturosas palavras provocaram, começou a rir de alegria. Era como se ele, de repente, voltasse a sentir, mais uma vez, a felicidade de aprender e a emoção diante do inusitado, do inesperado, da surpresa que agora aparecia na forma daquele “tonto” velho.
“Oh, meu nobre e gentil senhor, me desculpe a tagarelice.” disse o velho, meio sem jeito, mas ainda sorrindo. “Falei mais agora do que em toda a estação. Felizmente a Primavera está chegando, e o final do Inverno será o túmulo para esse meu longo discurso. Mas deixe-me ir buscar a água que você pediu, pois agora quem está sedento sou eu! Quanto mais se fala, mais se tem sede!” – Essa última frase saiu junto com um sorriso malicioso, seguido de uma sonora gargalhada.
Ainda arrebatado e sob o efeito das palavras do ancião, o erudito ficou a pensar naquela sabedoria, maravilhosamente simples, que havia sido gratuitamente oferecida a ele. Agora, o letrado monge sentia-se bem mais leve, como se algo muito pesado houvesse sido, subitamente, retirado de cima de seus cansados ombros, como se um excesso desnecessário houvesse simplesmente desaparecido.
Então, o monge entendeu que o seu treinamento espiritual, apesar de todo benefício trazido tanto para ele quanto para seus vários discípulos, também havia feito com que uma arrogante crosta de vaidade e presunção cobrisse o seu ser, impedindo-o de manifestar a alegria e a felicidade de viver.
Feliz como nunca, mais parecendo uma criança desocupada, o monge ficou pensando em como poderia agradecer ao velho sábio pelo seu precioso ensinamento.
Enquanto o velho não voltava, ele ficou a observar a estátua que estava sendo esculpida por aquele sorridente senhor. Notando a perfeição dos traços e a clareza dos detalhes da estátua que, como mágica, parecia emergir da pedra morta, ele ficou realmente impressionado com a maestria daquelas calejadas e velhas mãos, ao mesmo tempo que começou a imaginar como seria possível a alguém, morando daquela maneira rudimentar, sem ter tido a devida instrução e preparo, ser capaz de dominar, desse modo, tão difícil arte.
O velho retornou com a água e vendo a admiração do ilustrado religioso diante a estátua inacabada, em meio a sorrisos, disse ao monge: “Oh! Você gostou dela? Mas não pense que eu fiz tudo. Na verdade eu não fiz nada senão remover o excesso desnecessário de pedra. A estátua, pronta e perfeita, já estava lá dentro!” – e o velho, novamente, desatou a rir.
Todos nós, provavelmente, ao iniciarmos uma nova jornada, compartilhamos daquele mesmo sentimento já descrito no início dessa rápida carta, da sensação de felicidade juvenil, como se o próprio mundo, por inteiro, estivesse ao alcance de nossas mãos.
Com relação a senda espiritual e ao estudo das, assim chamadas, ciências herméticas, ocorre o mesmo tipo de sentimento, que pode ser traduzido tanto como a procura por nossas remotas raízes, quanto como a pura emoção de se estar diante do mais profundo dos mistérios.
E, exatamente, a busca por nossas raízes e a própria emoção diante do mistério também podem ser consideradas como as grandes forças motrizes que nos impulsionam, com enorme entusiasmo, rumo ao todo desconhecido.
Mas, também da mesma forma como ocorre nas outras várias iniciativas, com o tempo, o estudo e a prática das doutrinas e técnicas místicas, ficam a mercê de um número bem grande de forças, sobremodo a constante ação do tempo.
De maneira muito genérica, podemos considerar que como objetivo maior do estudo místico e da senda espiritual, o ser humano ambiciona possuir um entendimento vasto de toda a criação. O próprio sentido do termo “religare” pressupõe o encontro definitivo, a união com a Causa Primeira. Compreender essa Causa e, ao mesmo tempo, por ela ser compreendido, este é o querer máximo dos místicos, e também é o que o mistério parece prometer.
Ao final, como resultado desse sublime casamento, pensamos poder encontrar as respostas definitivas para todas nossas questões transcendentais.
Entretanto, nem sempre estas respostas estão tão ao alcance de nossa compreensão. O aprendizado vem deixar claro que elas – as respostas -, na verdade, parecem morar bem mais distantes do que supunha nossa primeira avaliação.
De qualquer modo, com o tempo, é percebido que bem antes de encontrarmos qualquer resposta satisfatória, muitas outras questões aparecem, fazendo com que a busca espiritual mais pareça um eterno labirinto de conjecturas e suposições vãs. Rodamos, pensamos, meditamos, aprendemos, nos ilustramos cada vez mais, e depois de muito tempo, temos a perturbadora sensação que ainda estamos no início da caminhada. Finalmente, por não achar qualquer uma das tais sonhadas respostas conclusivas para as angústias e questionamentos pessoais, muitos dos buscadores simplesmente abandonam a via espiritual, voltando a viver de modo, digamos, “normal”.
Basicamente por isso, não é de todo raro vermos estudantes que
abandonam a senda do conhecimento sagrado.
Isso, porém, não costuma ser problema algum para ninguém, visto que tais pessoas acabam por encontrar, em outras paragens, a felicidade que tanto procuraram.
Com outros, todavia, pode suceder justamente o contrário. Infelizmente, esses podem ser extremamente prejudiciais para a vida de pessoas menos avisadas e crédulas.
Em certos casos, a busca pessoal desesperada por respostas conclusivas, aliada a quase absoluta falta de critérios básicos, advindos do bom senso e da informação, faz com que alguns pensem ter encontrado as tão sonhadas respostas ultimais.
O que normalmente acontece com esses buscadores é que eles se envolvem de forma tão brusca, tão drástica e definitiva, com um tema, com uma causa qualquer, que inadvertidamente, eles passam a considerá-la a única possibilidade plausível para se explicar toda a existência. Fazendo uma analogia boba e singela, é como puséssemos um plástico verde translúcido sobre nossos olhos: passaríamos a ver tudo esverdeado; essa seria a nossa verdade pessoal, e pronto.
Lamentavelmente, todo aquele que ousar alertá-los para o fato que outras cores existem e, igualmente, para o fato que existem outros temas e causas dignas de estudo, que muito existe a ser aprendido e avaliado, será recriminado como se fosse autêntico infiel, gente que deve ser evitada e merecedora das mais severas punições divinas.
E muito prejuízo pode vir daí.
Triste é a constatação do fato de que nas disciplinas esotéricas, ou melhor, em grande parte das pessoas que cercam o mundo que se diz místico ou religioso, seja muito fácil perceber como a tolerância e o discernimento são matérias notáveis e equivalentes: notáveis pela completa ausência e equivalentes em nulidade.
Desta forma, diversos temas de muito interesse, nomes importantes e opiniões fortes e abalizadas, que, embora visem aperfeiçoar o ser humano, não estando, a princípio, conforme o entendimento ou a aceitação de um grupo qualquer, sofrem uma forte pressão, no sentido de serem evitados para não incomodar, não perturbar, não mexer com a presumida harmonia existente no meio em questão.
Não adiantando alertar que, nesse caso, a tal suposta harmonia antes de ser, de fato, a expressão de uma virtude, não passa de um pobre servil silêncio, conseqüência direta da completa ausência de liberdade e de critérios lúcidos para avaliação daquilo tido como verdade pelo vulgo.
E, como já foi dito, isso leva muitos, e até mesmo a alguns que começaram como sinceros buscadores, a se envolver demais como uma única forma de pensamento, com um modo inflexível de se encarar certos temas, também gerando uma série de preconceitos doentios e absurdos. Esse envolvimento, por fim, pode chegar a tal gama, que o diálogo, em tais ocasiões, se torna praticamente impossível, quando muito, infrutífero. Hoje, afundados em convicções burlescas, atolados em teorias grotescamente limitadas e sôfregas, tais buscadores, infelizmente, têm a mente presa a uma existência sem ser vivida.
Mesmo assim, não deixa de ser curioso a facilidade de se transformar boa parte desses arrebiques de sapiência em mestres. Enfim, a aparente maestria, em certos casos, é um cadáver que sorri…
Todavia, mesmos esses estarão sujeitos a, cedo ou tarde, entender certas pequenas lições da senda espiritual.
Sentir-se, eternamente, como se o primeiro passo estivesse sendo dado exatamente agora, muito antes de ser uma sensação ruim, é uma preciosa lição. Isso faz com que toda nossa atenção e força estejam direcionados à busca.
Se nos for permitido uma opinião, cremos que não há resposta definitiva para nenhuma questão de ordem empírica e espiritual. O que ocorre, de acordo em nosso ponto de vista, é uma eterna dança de símbolos e de significados, nos quais nossa mente estará, ora perdida, ora em perfeito intercurso. As vezes nós nos sentiremos em paz, é claro, mas, num outro instante, profundamente atormentados. E são tantos os fatores que nos levarão de um pólo ao outro, compartilhando os extremos da mesma experiência, que seria presunção de nossa parte querer possuir a solução exata para todos os enigmas da criação.
Há, mesmo levando em conta aquilo aqui dito, uma pequena regra, adotada pelo meio científico, e que também faz sucesso entre os místicos e religiosos. Ela diz simplesmente para, quando houver dúvida, seguir a opção mais simples.
Muitos mestres precisam pensar a respeito dessa regrinha.
Na busca da simplicidade, vamos descobrir nossa essência, que, justamente por estar em nosso âmago, acha-se pura, livre de conhecimentos e máscaras que porventura possam corromper a sua vontade primeva.
Ao cair dessas máscaras, nós poderemos contemplar, afinal, a verdade que ela oculta. Nessa busca, façamos como o velho escultor trabalhando na pedra bruta: apenas deixemos as máscaras de lado, afastando o excesso de pedra que oculta a pequena e perfeita estátua da verdade, há muito já pronta, no íntimo de cada um de nós.
A roda das Estações, em seu inflexível avanço, aponta à chegada de uma nova Primavera. O Equinócio mais uma vez desponta, nos lembrando que mais um ciclo se completou. E mais do que apenas mostrar tudo o que já aconteceu, esse instante de reflexão desvela o quanto ainda existe por vir.
Segundo a astrologia, esse é o momento em que o Sol começa sua aventura pelo signo de Libra. Libra, a Balança, é um dos símbolos mais próximos do real significado da palavra “Equinócio”.
A Balança, como todos sabem, consiste num instrumento que possui dois pratos móveis e de mesmo peso, ambos sustentados por uma haste central, cuja função básica, além da sustentação, é fazer com que todo o sistema busque o perfeito equilíbrio, independente das forças que nele atuem. Nos Equinócios, quando o Sol, em seu movimento aparente, passa pelo equador, há uma igualdade entre a duração do dia e da noite, num perfeito equilíbrio entre a luz e as trevas.
Essa igualdade de luz e trevas tem um amplo significado místico, com profundas raízes, presentes em cada um de nós. Não vamos entrar diretamente nessas questões, contudo, por hora valerá dizer que se nós nos consideramos criações do Onipotente, também podemos nos entender – de modo puramente simbólico – como produtos de sua suprema arte, onde ele o Artífice Maior, criou-nos com um pré clara inclinação para sermos mosaicos de luminosidade e trevas.
Bom, não é a toa que um eminente artista, cujo nome agora também me foge, já dizia que a qualidade de uma obra, o valor de uma pintura, está irremediavelmente relacionado ao perfeito equilíbrio entre a luz a e sombra.
Carlos Raposo
é Escritor e Editor de
Safira Estrela
A Revista da Filosofia Oculta.
Contatos através do e-mail safira@ibm.net
Texto da Revista Safira Estrela
Número 8 – Ano IV
de Setembro de 1998