Stregheria, Stregoneria, Bruxaria Italiana… tantos nomes para a mesma prática de Bruxaria que nasce na Itália. Será que faz tanta diferença assim? Para os praticantes e estudiosos, faz sim. E as diferenças pousam, basicamente, sobre o entendimento da palavra “stregheria” ou “stregoneria”, ambas com tradução de Bruxaria. Além disso, o estudo das práticas, tradições e folclore da Itália trazem diferentes entendimentos para o que pode ou não ser bruxaria e se a prática não necessariamente ligada ao divino da Natureza, configura ou não uma prática de bruxaria ou apenas de tradições folclóricas. Os praticantes de Stregheria, tal qual dada pelo bruxo e autor norte americano Raven Grimassi, acreditam que é necessário o contato com o divino e a organização e sistematização religiosa e grupal para que se dê efetivamente a prática da Bruxaria.
Para os praticantes da Bruxaria Tradicional Italiana, a Stregoneria, o que importa é a manutenção das tradições de família ou da comunidade da qual fazem parte ou descendem. Daqui vem as ideias da Magia Vernacular defendidas pela Prof. Dra. Sabina Magliocco. Em seus estudos sobre o Paganismo, inclusive o praticado atualmente nos EUA, ela descreve movimentos mágicos vindos das crenças de um povo, trazidas à modernidade pelos praticantes. Uma manutenção dos velhos caminhos sem necessariamente, estar ligado ao culto aos Antigos Deuses ou manter a ideia de que o Paganismo sempre existiu, mesmo que escondido dentro das comunidades – ipis literis. Agora, como praticante de Bruxaria Italiana no Brasil, é possível dizer que tudo isso é Bruxaria Italiana? Eu quero crer que sim! Para que os conceitos desses autores para que sejam conhecidos e esclarecidos, além de ser uma forma de mostrar como a Bruxaria Italiana é rica nela mesma e que pode e deve ser profundamente estudada. Ou seja, de como entender temas que são dados hoje em dia em duas diferentes óticas.
A partir de 2002, aproximadamente, e com a publicação de textos da professora doutora Sabina Magliocco em sites como o Pomegranate Journal, o autor norte-americano e praticante de diferentes ramos da Bruxaria como a Stregheria e a Wicca, Raven Grimassi passou a publicar textos e artigos refutando as idéias da professora acerca das práticas de magia popular x bruxaria. O conteúdo dos textos é completamente oposto um ao outro. Para que leitores, pesquisadores e buscadores não se confundam e para que conceitos e práticas se tornem claros, segue então uma apresentação de cada autor e de suas teorias, criando assim, um pequeno panorama da Bruxaria Italiana e suas possibilidades de prática e de entedimento. Raven Grimassi e a Stregheria É sabido que eu comecei meus estudos de Bruxaria Italiana com as obras do Raven Grimassi, tanto que em 2000, escrevi uma série de apostilas baseadas nas práticas aricianas e colocadas na obra Italian Witchcraft, para que a Stregheria pudesse tomar algumas novas formas por aqui.
O fato é que o tempo passou, o livro Italian Witchcraft não foi traduzido no Brasil e eu tive chance de ter muitos contatos com outros praticantes, até ter recebido a minha iniciação pelo meu pai, dentro da minha casa. As minhas práticas mudaram radicalmente. Segue, então, um pouco sobre Grimassi e a Stregheria, por ele mesmo:
O material abaixo foi retirado, traduzido ou escrito baseado no que o autor disponibiliza em seus sites: www.stregheria.com e www.ravengrimassi.net
“Raven Grimassi nasceu em 1951 de uma imigrante italiana que chegou aos EUA (…) em 1946. Desde muito jovem começou a estudar o folclore e a bruxaria italianos, a velha religião da Itália antiga. (…)”
“Raven Grimassi é professor e praticante da Arte por aproximadamente 30 anos. Ele é treinado na tradição familiar de Bruxaria Italiana (também conhecida como Stregheria), e também é iniciado em diversas tradições da Wicca, incluindo Brittic Wicca e Tradição Pictish-Gaelic. Atualmente é o Directing Elder of the Arician Ways. Raven considera que o trabalho de sua vida é garantir a sobrevivência dos antigos conhecimentos e lendas das bruxas juntamente com os ensinamentos ancestrais da Velha Religião”.
Do site www.ravengrimassi.net Capturado em 10\8\2007 – tradução Pietra Luna
Livros do autor – principais: – Beltane; – Italian Witchcraft; – Hereditary Witchcraft – traduzido para o português; – Encyclopedia of Wicca and Witchcraft – traduzido para o português; – Wiccan Mysteries – traduzido para o português.
Raven Grimassi aparece no cenário mágicko em 1981 com o seu livro The Ways of the Strega. Nela, o autor e praticante fala sobre a sua tradição (familiar) e de seus estudos sobre a Bruxaria Italiana e seus conhecimentos, mitos e folclores. Nasce então a Stregheria, que torna-se o sinônimo para Bruxaria Italiana. Em suas obras e estudos, Grimassi diferencia Stregheria de Stregoneria. Segundo o autor, “stregoneria é a palavra moderna traduzida para o inglês como a palavra bruxa”. Assim, ele busca na palavra stregoneria a visão de práticas mágicas não-idôneas, como uma visão medieval e de cunho “mau”. De forma que Stregoneria seriam práticas mágicas que tomam o cunho cristão e assim, ofendem os praticantes da Bruxaria.
Já a Stregheria é uma palavra do italiano arcaico que também significa bruxaria, mas que se remonta ao passado pagão da Itália. Grimassi se baseia em um documento de 1751 que usa a palavra stregheria, ao invés de stregoneria, para falar de praticantes de paganismo. Portanto, para Raven Grimassi as tradições de rezas, benzimentos e orações que perduram por gerações dentro de um grupo – família, comunidade, congrega – não são formas originais de Bruxaria Italiana, mas sim, práticas daqueles que usam a magia, mas têm medo da danação e do pecado, pois estão atrás dos conceitos e ideários do Cristianismo. Assim, uma bruxa que não reconhece a cimaruta (um talismã), ou que usa feitiços de família (com rezas a santos ou o rosário) para retirar o mau-olhado, por exemplo, não são verdadeiras bruxas italianas, mas sim, praticantes de superstição e\ou magia católica. Grimassi acredita que o culto da verdadeira Bruxaria Italiana, da Stregheria, se mantém viva desde os tempos neolíticos e posteriormente levados pelos etruscos. Segundo o autor, poucas influências vieram dos romanos, mas que existem toques da religiosidade plebeia da toscana.
Os ensinamentos da Stregheria foram mantidos pela Tríade de Tradições, Fanarra, Tanarra e Janarra. Cada uma delas guarda mistérios da Natureza e foram criados pelos seguidores de Aradia depois de seu desaparecimento. A tradição construida por Grimassi, a Ariciana, é baseada no culto de mistérios de Diana Nemorensis e no culto aos ancestrais, trabalhando os espíritos dos Lare. A tradição incorpora conhecimentos, folclore e práticas da Europa pré-cristã. Essa tradição tem uma roda ócutpla, como a Wicca, mas segundo Grimassi, são diferentes no sentido de que as celebrações da Stregheria procurar incorporar em si a filosofia de “sempre adicionar, nunca remover”. Concluindo, Grimassi prega que a verdadeira Bruxaria Italiana se mantém viva na Itália desde o tempos de Aradia, a strega sagrada que (re) ensinou os plebeus ítalos os mistérios da terra e da deusa Diana.
A Stregheria trata-se de uma religião sistematizada e inicática, que não aceita a auto-iniciação, mas que solitários podem seguir por uma dedicação até a iniciação (com diferentes graus) em um grupo ou clã. É notado pelos escritos de Grimassi que a Stregheria vem crescendo dentro dos EUA com diferentes clãs ou grupos derivados de sua tradição, a Ariciana, como o Clã Umbrea, por exemplo. Trata-se também de uma religião com um calendário definido e práticas mágickas, com um grande senso hierarquico e normativo. Embora aceite que nem todas as streghe sigam sua tradição – na Itália – acredita que os aricianos são seguidores da verdadeira Bruxaria Italiana e buscam caminhos dentro das religiosidades ítalas e não necessariamente dos romanos.
Para contatar Raven Grimassi, escreva para a Llewellyn Publications: Raven Grimassi c/o Llewellyn Wordwide, Ltd. PO Box 64383, Dept. K256-9 St. Paul, MN 55164-0383, USA (se a carta for internacional, enviar um cupom postal de resposta internacional)
Com o passar do tempo e o crescimento da Stregheria, a professora doutora Sabinna Magliocco passou a fazer críticas aos conceitos de Grimassi, baseada em suas pesquisas como professora da faculdade de Antropologia da California State University, que estuda o movimento Neo-Pagão nos EUA, de forma que ele passou a escrever vários artigos justificando seus conceitos e idéias. Esses textos podem ser encontrados em seus sites – em inglês. Sabina Magliocco e a Stregoneria e Magia Vernacular A Profa. Dra. Sabina Magliocco é italiana, nascida em Roma. Trabalha como professora de Antropologia na Cal State – Northridge, e foi professora da Universidade da Califórnia. Tem diversas publicações estudando os movimentos do Paganismo e sua pesquisa fala dos movimentos modernos feitos frente aos antigos costumes, além de um olhar sobre as Artes. Seus livros recentes são Witching Culture, Folklore and Neo-Paganism in America e Neo-Pagan Sacred Art and Altars: Making Things Whole. (Para contatar a professora Magliocco é possível fazê-lo pelo seu endereço na universidade: Department of Anthropology, CSUN 18111 Nordhoff St. Northridge, CA 91330-8244 Também pelo Facebook: www.facebook.com/sabina.magliocco ou pelo e-mail sabina.magliocco@csun.edu Ela também mantém sua página de professora em http://www.csun.edu/~sm32646/ Se você deseja ler o texto da professora Magliocco sobre Magia Vernacular traduzido para o português, entre em contato: dichiaroluna@gmail.com)
A ideia da Magia Vernacular, defendida pela professora Magliocco fala de práticas das pessoas do campo, mostrando o que fazem para que sua comunidade seja sempre saudável e sustentável. Ela escreve: “(…)não é nem uma religião nem um sistema formalizado de práticas. É tanto uma forma de ver o mundo quanto um conjunto de costumes amarrados aos ciclos agro-pastorais que é firmemente preso às vidas de seus praticantes, quase nunca em um nível consciente. Para a maioria de seus praticantes, é apenas uma forma comum de fazer as coisas e se comportar. Enquanto a magia vernacular pode ter raízes históricas em práticas pré-cristãs, ela não é preponderantemente pagã em tradição, mas sim enraizada numa matriz cultural católica romana. Em meu mais recente trabalho, chamei isso de “visão de mundo encantado”, brincando com a idéia de Max Weber de desencanto do mundo. “
Embora possa parecer uma visão um tanto simplista, ela implica numa busca pelo que a terra e o local realmente representam. E o que os habitantes de uma determinada comunidade têm de conhecimento, do que fala daquela terra. E disso podemos falar de seus Deuses, que na Itália podem ser muitos, alguns, inclusive com seus nomes esquecidos e suas práticas guardadas no âmago de uma terra que sofreu invasões, mudanças e ganhou novas perspectivas, habitantes e que seus filhos foram levados para diferentes locais do mundo. O mundo encantado que a magia vernacular prevê acaba também por universalizar conceitos muito conhecidos, inclusive ainda em terras diferentes das ítalas, como os espíritos da natureza ou ainda, o encantamento ou magia de mau-olhado. E, com o tempo, é dado que um dos ofícios da mulheres e homens conhecedores das tradições da terra é lidar com esses encantamentos e livrar seus familiares e conterrâneos desses maus agouros. Muitos praticantes e devotos dos caminhos dos Deuses antigos dentro da Bruxaria Italiana, hoje, gostam de chamá-la de Stregoneria e seguem ideias muito confluentes com as da professora Magliocco, de que chegamos aos Deuses e aos caminhos antigos pelo viver com a terra, com a comunidade e com as necessidades que ela tem, com seus espíritos e seus conhecimentos. Seja aqui no Brasil, seja lá na Itália. Os praticantes que estão dentro de famílias gostam de pensar assim.
Concluo que não podemos dizer que existe um caminho essencial da Bruxaria Italiana que tenha, per se, um nome. Mas que existem possibilidades de prática e de estudos, principalmente frente à formação, estudo e crenças do praticante. Assim, não são obrigatórias as iniciações de grupo ou a ascendência sanguínea, por exemplo, porém essas idéias e práticas variam de acordo com o grupo que detém essas práticas. De forma que não existe uma Bruxaria Italiana, mas diferentes formas de se ligar às raízes ítalas, de magia e de conhecimento popular. O que importa é que as tradições, o conhecimento e o bom viver das comunidades se mantenham, como era preponderante no passado, entre nossos ancestrais. Bruxaria não é de propriedade intelectual ou de práxis de ninguém, mas de quem a construiu nos tempos idos e de quem a mantém hoje, seja dentro de um clã, de sua família ou de seus estudos pessoais. Que os Ancestrais nos iluminem e nos eduquem!
Pietra di Chiaro Luna