As consequências das interferências recíprocas que sexo e espiritualidade provocam um ao outro.

imageT8UO tempo passa, mas o comportamento do homem ocidental perante o sexo, com profundas influências da civilização judaico cristã, continua desequilibrado. 

Ao longo da história, várias experiências variando entre os dois extremos da questão do amor livre ao celibato   foram tentadas, mas os resultados mostraram que esses não eram os caminhos certos. 

Descobrir a abordagem harmônica para o sexo parte de nossa natureza e portanto algo plenamente desfrutável   continua a ser um dos grandes objetivos de nossa sociedade nesta virada de milênio.
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Por: Marina Elena Costa.
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bruguesA moral cristã imposta ao mundo ocidental trouxe consigo uma das mais atrozes dúvidas ao ser humano: como encarar o sexo, uma atividade natural e necessária à espécie que, graças à idéia da virgindade santificada de Maria, transformou-se em tabu.

No decorrer dos séculos, muitos “iluminados” têm se colocado como donos da verdade defendendo o celibato ou a plena liberdade sexual; na maioria dos casos, porém, o que se constata através da história é que esses gurus não demonstram, na prática, nenhuma preocupação social, moral ou individual no que se refere à questão, apenas se utilizam de suas experiências pessoais, sejam elas repressoras ou libertinas, para proveito próprio.

Não faz muito tempo, um amigo recém chegado do Tibete nos relatou, surpreso, que em pleno século 20 um lama tibetano ainda se valia de seus superpoderes para “iluminar”, através do ato sexual, mulheres em busca de um contato com seu “eu superior”. Dias atrás, um outro nos dizia que um seu conhecido, declaradamente esotérico e criado segundo ensinamentos espirituais do antigo Oriente, confessou que a maior recompensa, após anos de estudo em busca da Verdade, é que seus discursos eram capazes de atrair dezenas de menininhas deslumbradas e aptas a qualquer tipo de “iniciação”.

Nos primórdios da era cristã, no antigo Egito, um homem chamado Carpócrates defendia que Jesus nascera da união carnal de Maria e José; além disso, afirmava que o homem teria obrigação moral de pecar, pois o pecado era condição “sine qua non” para a salvação da alma no dia do Juízo Final. Também, segundo seu raciocínio, se era desejo de Deus que todas as riquezas fossem distribuídas fraternalmente, as mulheres estariam incluídas na relação de bens da humanidade.
 

 

Carpócrates

No século 19, a repressão sexual na Grã Bretanha e América do Norte era tão acentuada que provocou o surgimento de variadas seitas caracterizadas por seu posicionamento em relação ao sexo. Enquanto umas, a exemplo de São Paulo, praticavam o celibato, outras voltaram-se contra a estreita monogamia da sociedade ocidental, rechaçando a idéia de que a mulher era propriedade do marido.

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A Morada do Amor

Em 1840, na Inglaterra, o ex reverendo anglicano Henry James Prince fundou sua própria igreja baseada nos fiéis que reuniu na paróquia de Charlinch, no condado de Somerset, de onde fora expulso sob acusações de ter seduzido algumas das paroquianas. Devido à sua facilidade no campo da oratória, seu séquito crescia dia a dia, enquanto, em sua pregação, ele afirmava ser um enviado de Deus, um homem perfeito, incapaz de cometer um pecado. 
 

 

Henry James Prince

Tempos depois, com a finalidade de confiscar os bens de seus discípulos, já que a paga pela imortalidade era representada pela riqueza material de cada um, Prince criou a Agapemone ou Morada do Amor, em Spaxton, Somerset. O nome originava se do grego agape, que significa o amor espiritual, o oposto de eros, o amor físico. Apesar disso, o “iluminado” continuava exercitando seus dotes de conquistador e seduzindo várias de suas seguidoras; embora casado, apaixonou se por uma órfã de 15 anos e tornou a sua amante. Da união nasceu uma criança e alguns de seus seguidores começaram a duvidar dos poderes do ‘Amado’ como ele se autodenominava. Mais tarde, familiares das mulheres seduzidas moveram ações contra Prince, exigindo seus bens de volta, o que obrigou o a conter gastos na Morada do Amor.

Em 1899, ao falecer como um reles mortal, Prince que se dizia favorecido pelo dom da imortalidade   decepcionou ainda mais seus seguidores. Providencialmente, um dos discípulos tratou de encontrar outro messias com as mesmas características, elegendo um outro clérigo da Igreja anglicana igualmente famoso por seus discursos e sua habilidade no trato com o sexo oposto. Assim, John Hugh Smyth Pigott assumiu a direção da Morada do Amor e logo criou um Círculo Superior composto por 50 noivas da alma, suas amantes. Pelo que se sabe da história, a única pessoa a ser considerada uma agapemonita ao pé da letra foi a esposa de Smyth Pigott, Catherine, que visitava idosos e enfermos e distribuía donativos aos pobres. 
 

 

Com a morte de Smyth Pigott, em 1927, a comunidade, duplamente decepcionada, sobreviveu por mais 30 anos; depois, converteu se numa espécie de hospedaria.

Nos Estados Unidos, em 1840, John Humphrey Noyes criou, em Nova York, a Comunidade de Oneida, que tinha por princípio o amor livre entre as pessoas. Segundo Noyes, a conversão ao cristianismo nos brindaria com uma bênção através da qual nos tornaríamos incapazes de pecar, e por isso a promiscuidade era permitida. Porém, em sua ânsia de criar uma raça superdotada, Noyes impunha alguns pares temporais, embora os frutos dessas uniões fossem criados pela comunidade, ignorando o sentimento de pai e mãe. 
 

 

O grupo, conhecido como os perfeccionistas, era trabalhador e próspero e seguiu acumulando bens. Em 1880, o caráter filosófico desapareceu e a comunidade de Oneida passou a funcionar como uma empresa.

Velha Vida Nova

Na mesma época, no Estado de Virgínia, um pregador inglês chamado Thomas Lake Harris criou um grupo denominado Fraternidade da Vida Nova. Segundo suas crenças, Deus era, ao mesmo tempo, macho e fêmea, por isso as pessoas tinham o dever de se amar fisicamente e de maneira promíscua. Com sua excêntrica teoria, Harris cativou um membro do Parlamento Britânico, Laurence Olyphant, que se converteu à Fraternidade, doando-lhe todos os seus bens. Depois de casar-se, Olyphant enviou também todo o patrimônio da esposa à Fraternidade, além de ser explorado por Harris, que o enviava como correspondente do The Times para a Grã Bretanha, retendo seus ganhos e enviando lhe apenas o indispensável para sua sobrevivência. Mais tarde, Olyphant apercebeu-se da trama e pediu seu dinheiro de volta; foi rechaçado por Harris, que o declarou louco.
 

 

Decepcionado, Olyphant e sua esposa foram para Haifa (atual Israel) e criaram um culto dedicado à Sympneumata, a união do espiritual e do terreno. Segundo eles, o estado constante de excitação sexual é que mantinha vivo o espírito. Por isso, eles se deitavam juntos, mas não era permitida a consumação do ato sexual. Depois da morte do casal Olypham, o culto se extinguiu.

Enquanto alguns procuravam a iluminação através do sexo, outros apregoavam que o estado superior da alma só poderia ser atingido através do celibato. Em 1870, em Suffolk, Inglaterra, uma extremosa mãe de dez crianças começou a ter visões de Cristo, que, em suas mensagens, afirmava ser chegada a hora de sua segunda aparição na Terra; para que o povo se preparasse. Ele elegeu Mary Ann Girling como sua mensageira. Através de suas mensagens surgiu um grupo chamado Cristãos da Bíblia. No auge do fervor religioso, em suas pregações próximas à ponte de uma ferrovia, os seguidores entravam em transe e começavam a dançar, motivo pelo qual tornaram se conhecidos como os saltadores de Walworth (nome da estação de trem próxima). O poder subiu à cabeça de madre Girling, que exigia que seus seguidores lhe entregassem os bens, permitissem a censura de sua correspondência e praticassem o celibato. 
 

 

Além disso, no auge do fanatismo, madre Girling desvirtuou a mensagem, declarando-se o próprio Cristo reencarnado; como era má administradora, os negócios não prosperaram. Morreu em 1886 e, com ela, a seita que foi sua última criação.

A pureza no celibato

Os saltadores de Walworth são por vezes confundidos com os shakers (“agitadores”), outra seita criada e dirigida por uma mulher no século 19, nos Estados Unidos. Ann Lee, a madre Lee, apesar de casada, teve uma visão na qual Deus lhe revelou que o pecado original, que era a causa do mal no mundo, estava relacionado ao ato sexual. A partir daí, separou-se do marido e foi tão convincente que até mesmo seu marido tornou-se um de seus seguidores. Alguns casais permaneceram convivendo como tais, mas no regime de celibato. Também eles acreditavam que Deus era homem e mulher e, se em sua primeira aparição na Terra manifestou-se como homem, em sua segunda visita encarnava a forma feminina na figura da madre Lee. Durante mais de cem anos mantiveram uma utopia comunitária que crescia a olhos vistos; com o passar dos tempos, a rigidez de seus costumes tornou se pouco atraente ao mundo moderno e hoje restam apenas alguns poucos discípulos.

Talvez o tipo de comunidade que apregoava o amor livre mais próxima dos nossos dias estivesse representada pelos hippies dos anos 60. 
 

 

Porém, o sonho acabou e nas duas décadas seguintes o sexo despojou se de preconceitos, atingindo um grau de libertinagem só contido pela Aids, na atualidade. A Igreja sempre insistiu como insiste até hoje na monogamia, e que o sexo só deve existir dentro do casamento e com a finalidade de procriação e perpetuação da espécie humana. Após o advento da psicanálise e a complexa teoria de Freud sobre a importância da vida sexual ativa no pleno desenvolvimento do ser humano adulto, a coisa tornou-se cada vez mais confusa. Conceitos abstratos como o amor e a felicidade foram associados à sexualidade, além do aspecto social, onde paixão, amor e sexo tornaram-se objetos de consumo.

Veio a revolução feminina, a guerra dos sexos; depois, liberou geral, e o que vemos na publicidade, cinema e televisão é um festival de “carícias preliminares” e cenas de cama que levam do nada a lugar nenhum. Mas vendem. E como vendem.

O sexo vendável

A propósito de tantos despropósitos, convém lembrar que não existe nenhum senso ético nas poderosas redes de comunicação; diriam os conservadores que se encontram todas a serviço de Satanás. Revistas voltadas ao público adolescente só discutem a primeira transa, a segunda transa, a centésima, a milionésima transa, sempre superficialmente, sem acrescentar nada sobre a importância real do sexo na formação do ser humano como um todo; as masculinas ainda vendem a mulher objeto, e as femininas trazem pautas das mais ridículas que vão de “Como Superar a Frigidez na Hora H” a “Dez Maneiras Infalíveis de Trair Seu Marido sem que Ele Sequer Desconfie”. E a principal rede de televisão brasileira exibe às 14 horas minisséries e novelas com cenas de nudez, adultério, insatisfação sexual e tudo o que não lhes é de direito.

 

A hipocrisia corre solta, cada vez mais alardeada, discutida, teorizada. Será que nunca seremos capazes de resolver, bem no fundo de nós mesmos, o importante papel da sexualidade em nossas vidas? Teremos sempre de seguir os embalos do momento e intelectualizar o sexo sem saboreá-lo, digeri-lo, absorvê-lo nas entranhas de nosso corpo e no âmago de nossa alma? Ou discutiremos o tema à exaustão, deixando passar ao largo de nossas vidas essa essência do prazer? Assim como cada um deverá estar apto a encontrar sua verdade interior, também devemos usar todos os instrumentos de que dispomos ao nosso bel prazer, sem temer a onipresença e onisciência das instituições. Para ampliar nosso universo, para dar mais vida à vida, para a descoberta desse poder mágico dentro de nós, vale tudo, desde que façamos valer nossa vontade.

filipeta
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