PONTO DE ENCONTRO ENTRE O CORPO E O ESPÍRITO

imageD65O “sexto sentido”, espécie de “radar psíquico”  que foi cientificamente provado em experiências  com animais, já era possuído pelo homem  no início de sua evolução. 

Porém, o pensamento racional,  cujas vantagens e necessidades se impuseram ao homem em sua conquista prática do mundo,  pouco a pouco anulou este sentido. 

Mas o homem moderno pode retomá-lo  e desenvolvê-lo, afirma Colin Wilson, jornalista inglês que é considerado na Inglaterra  o continuador da obra de Aldous Huxley.

A alguns anos atrás visitei o  poeta escocês Hugh Mc Diarmid em sua casa, perto de Biggar. Ele mora num chalé a que se chega por um estreito caminho fechado, e, sendo o maior poeta escocês contemporâneo, passa grande parte de seu tempo em palestras no exterior.

Como não há telefone em seu chalé, procurei saber de sua mulher, Valda, como ela poderia entrar em contato com ele. “Eu sempre sei quando ele chega”, disse ela. “Dois dias antes, o cachorro vai se sentar no meio do caminho.”

Sugeri que poderia tratar se de um caso de telepatia. O cão pressentiria sua expectativa ante a volta do marido. Valda disse que isto seria impossível, pois, na maioria das vezes, nem ela própria sabe da data ou horário da volta do marido. O cachorro, porém, jamais se engana.

A maior parte das pessoas que amam os animais poderá contar histórias semelhantes. Um dos mais famosos casos registrados pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas é o do novelista Rider Haggard, autor do romance fantástico “Ela”. Uma noite, ele acordou subitamente, com a nítida intuição de que seu cachorro estava agonizante à beira d’água. De fato, o cachorro fora ferido por um trem e estava caído, já morto, à margem de um rio. Ele havia comunicado a Hagard a sua situação, por telepatia.

Nos últimos anos, o sexto sentido dos animais foi confirmado pelos cientistas. Em Wilhelmshaven, na Alemanha Ocidental, gatos foram colocados num saco preto e levados para fora da cidade, onde os deixaram em um labirinto sombrio contendo 24 saídas. Os gatos, invariavelmente, encontraram a saída mais próxima de suas moradias.

Também cães largados a 15 quilômetros de suas moradias reencontraram o caminho de volta num tempo mínimo. Admite se, desde 1920, que todas as enguias nascem no mar de Sargaços, no meio do Atlântico. Seus parentes voltam ali para morrer, e os bebês enguias fazem o caminho inverso, viajando milhares de quilômetros através dos rios de onde vieram seus familiares, rios que eles jamais viram.

Através desses casos, os zoologistas pensam saber como o instinto de orientação funciona. Os salmões reencontram o caminho de seus rios natais graças a um olfato sensibilíssimo, e acredita se que os pintarroxos percorrem os ares graças a uma vibração eletromagnética que tem origem na Via láctea.

Podemos supor que se trata de funções sensoriais e extrasensoriais. Sem dúvida, houve uma época em que o homem também possuía estas faculdades: instinto de orientação, senso telepático.

Além dos limites da percepção

thirdeyebrain[1]Chegou um momento, porém, na evolução humana, em que ele não sentiu mais esta necessidade. O homem já vivia, então, da agricultura, em aldeias: o instinto de orientação e o sexto sentido (que o alertava para perigos) tornaram se supérfluos.

De fato, estas faculdades não atuam sempre. Para que o sexto sentido seja eficiente, o homem deve estar disponível e tranquilo, deve tornar se passivo. E justamente pela sua não passividade é que o homem chegou ao seu estado atual.

Eu próprio compreendi claramente tudo isso depois de tomar uma dose de mescalina, uma droga psicodélica. Fiquei terrivelmente enjoado; evidentemente, meu corpo procurava rejeitar essa substância. Depois de algumas horas, os efeitos começaram. Não se tratava das habituais visões de cores incandescentes, formas extraordinárias etc.
Ocorreu simplesmente um sentimento, uma sensação de estar “totalmente aberto” para o universo. Simultaneamente, tive um forte sentimento de bondade e de paz. Rilke conta em alguma parte de sua obra a história de uma flor que abre suas pétalas tão largamente que já não consegue fechá-las. Era esta exatamente a minha sensação.
Compreendi claramente o que acontecia. Normalmente, meu espírito pode querer se concentrar, selecionar e pôr ordem em uma idéia ou uma sensação. A mescalina havia destruído todos esses controles. Ao mesmo tempo que não podia entender as coisas circundantes, minha percepção entendia tudo acima dos seus limites habituais. Suponho que Siegfried deve ter sentido o mesmo quando pôde compreender a linguagem dos pássaros.

Este conhecimento de toda espécie de coisas, que não posso ter habitualmente, deu me um sentimento de poder. Senti subitamente que esta sensação de percepção e de inocência original é experimentada por todas as crianças e todos os animais. Mas isto debilita uma pessoa. Por isso é que os poetas acham a vida difícil e tantos artistas do século 19 se mataram. Eles eram perceptivos, a tristeza e a dificuldade do existir os torturavam.

O homem é um animal que possui objetivos intencionais. Ele dá a si próprio o direito de aprender e ignorar constantemente, sem se sentir violentado por isto. Acho que esta é a razão pela qual a guerra, o crime e a crueldade são possíveis entre os seres humanos.

Esta noção de bondade universal, uma vez evidenciada, pode facilmente tornar se paranoica, levando o homem a sentir o universo como um mundo cruel e brutal, que exige medidas duras e brutais. Abolida esta noção, o único substituto será a sabedoria consciente, tão pouco frequente entre os homens.

O homem à conquista do seu espírito

third_eye1[1]Durante muitos dos 2 milhões de anos de sua evolução, os homens procuraram conquistar o mundo do espírito. Percebi que o efeito da mescalina é o de anular milhões de anos desta evolução e colocar o espírito humano ao nível do animal.

Ainda que a mescalina tenha sido louvada por muitos, jurei jamais voltar a tomá-la, ou a qualquer outra droga psicodélica. Mas a introspecção que ela possibilita certamente valeu a pena e me forneceu as respostas para muitas questões.

O estado de receptividade causado pelas drogas psicodélicas é perigoso. Ele diminui a energia vital, aumenta a sensibilidade e torna o homem vulnerável. Se os seres humanos estivessem permanentemente neste estado, os diálogos de Platão e as sinfonias de Beethoven jamais teriam sido escritas. O primeiro passo para o “domínio do espírito” consiste em rejeitar uma tal sensibilidade.

O terceiro olho

namasteUm pequeno corpo cinza-avermelhado, em forma de uma semente de pinho, encontra se no alto da coluna vertebral e na base do cérebro humano. Sua forma lhe valeu o nome de olho pineal.Os hindus antigos o conheciam e acreditavam que ele proporcionava a base de todo esclarecimento espiritual. Este “terceiro olho” perceberia o mundo invisível.

O primeiro ocidental a lhe sugerir um desempenho análogo foi Descartes, que acreditava ser o olho pineal o ponto de encontro do corpo e do espírito. As pesquisas mais recentes têm demonstrado que o corpo pineal é uma espécie de olho. Existem razões para se acreditar que ele se situa no alto de uma haste próxima ao topo do cérebro.
Ninguém sabe ainda o motivo, mas parece provável que ele é sensível à luz e ao calor e que tem um importante papel na regulagem da temperatura do corpo. Mas qual seria o seu papel no cérebro do homem moderno?
Ele parece ser uma espécie de glândula. Mas as glândulas produzem de diferentes maneiras os hormônios que agem sobre o corpo. Todas as tentativas de descobrir o hormônio pineal foram frustradas, já que numerosos cientistas recusaram se a considerá-la uma glândula, continuando a referir se a um corpo pineal. Durante muito tempo, considerou se até que ele era inútil, tal como o apêndice.

Depois, em 1958, dois zoologistas de Berkeley descobriram que, se o corpo pineal dos lagartos, fosse suprimido estes eram facilmente capturados. Suas reações tornavam se diminutas. Isto provou que não se tratava de um “órgão rudimentar”. Finalmente, no mesmo ano, o hormônio pineal foi identificado por Aaron B. Lerner e denominado “melatonina”.

Julius Axelrod e Herbert Weissbach descobriram finalmente como a melatonina é produzida: a glândula pineal a fabrica a partir de uma outra substância química chamada serotonina, transformada por uma determinada enzima..

Os sábios já conheciam a existência da serotonina. Existe uma quantidade dela relativamente importante no corpo humano. Ela desempenha importantes funções na sedimentação do sangue, na contração dos músculos e no aumento da pressão sanguínea.

O cérebro não contém mais que l% da serotonina existente no corpo dos animais. (As vacas têm habitualmente 0,5 micrograma. A glândula pineal do homem pode conter de dez a quarenta vezes esta quantidade. Os símios Rhesus são os mais próximos do homem: de 1 a 3 microgramas).

A luta entre a razão e o sexto sentido

21173_576682255699940_2037975430_nEstamos certos de que a serotonina é o hormônio da racionalidade. O homem descobriu, em sua evolução, que o pensamento racional acrescenta mais do que o sexto sentido. A vida instintiva e emocional provoca passividade e monotonia.

Whitman disse que ele invejava as vacas, mas Nietzsche teve mais bom senso: ele disse que nós deveríamos pedir às vacas o segredo de sua felicidade, mas as vacas esqueceriam a resposta antes mesmo de formulá-la.

O homem é um animal “evolucionário”, sempre ávido de mudanças. É por isso que ele faz tudo para reprimir seu “radar psíquico”, seu sexto sentido. Acho que as drogas psicodélicas reanimam esse radar. Presumo que a telepatia e a segunda visão são dons dos animais, que nós rejeitamos, mas que não foram necessariamente destruídos. Podemos retomá-los, se quisermos.

Exemplificando, o caçador de tigres Jim Corbett descreveu como teve sua vida salva graças ao que denominou “o sentido da selva”, ou seja, um sexto sentido do perigo. Isto confirma que, de uma certa maneira, a “consciência” tem ramificações que se estendem além do corpo e do sistema nervoso, ou que o sistema nervoso dispõe de uma espécie de radar comparável ao que permite aos morcegos perceber os ultra sons.

Existirá um gerador de êxtase?

imageDACAldous Huxley disse que nós aniquilamos este sistema radar ao pretendermos viver de maneira prática e eficaz, e que deveria existir no cérebro uma “válvula” cuja função seria barrar a passagem da enorme quantidade de informações que recebemos do universo.

As drogas psicodélicas tornam essa “válvula” inoperante, de forma que as informações afluem: as cores tornam se dez vezes mais deslumbrantes que o normal. Nós preferimos não vê las como são, pois isso nos distrairia.

Há meio século, o filósofo Husserl observou que a consciência é um fenômeno intencional. Isto significa que, se eu não quero perceber algo muito profundamente, basta tratá-lo de forma rotineira. E, assim, eu mesmo faço sobressair o caráter “relativo” da consciência. Ela se apresenta como uma teia de aranha com múltiplas significações, onde a aranha tece sempre mais para aumentar seu domínio.

As drogas psicodélicas, simplificando notavelmente a intencionalidade e à relatividade da consciência, destroem a serotonina, que, em tempo normal, suprime ou atenua a violência das nossas percepções. Disso se pode tirar conclusões bastante interessantes.

Para começar, de que maneira a serotonina nos torna mais racionais? Tão logo eu me concentro sobre qualquer coisa, eu retraio o campo de minha percepção, da mesma forma que o alfaiate ao fixar o fundo de sua agulha. E a droga torna esta forma de concentração impossível. A produção de serotonina do cérebro está, suponho, associada ao ato de concentração ou de focalização da atenção.

Observemos, ainda outro fenômeno: se surge uma situação repentina e violenta, você estremece e se contrai; se esta mesma situação desaparece, você suspira. aliviado e se descontrai. Graham Greene descreveu seu hábito de jogar “roleta-russa”, ou seja, colocar apenas uma bala no tambor do revólver, girá-lo e disparar contra a própria cabeça.

lsdO mundo lhe parece maravilhoso quando ele ouve um clique e escapa da morte. Concederíamos que a súbita e violenta contração causada pelo perigo permitiu liberar um afluxo de serotonina, provocando a “iluminação”?

A noção de contração é muito importante. O que se contrai? Provavelmente uma espécie de músculo. Curiosamente, o fungão (praga das gramíneas) a partir do qual foi produzido o LSD é utilizado pelas parteiras para provocar contrações do útero. No corpo, a serotonina está na origem da contração dos músculos e vasos sanguíneos.

Será possível que a serotonina produzida pela glândula pineal talvez transformada em melatonina   provoque uma espécie de contração muscular do cérebro que deflagre ondas de êxtase? Seria interessante, por exemplo, saber se existe uma relação entre a serotonina e o orgasmo sexual. Tudo isso nos leva a supor que a serotonina do cérebro possa ser um “gerador de êxtase”.

À primeira vista, esta idéia parece contradizer minha sugestão inicial de que a serotonina é a “substância química do racional”. Como a mesma matéria química pode ser a origem da racionalidade e do êxtase?

Isso me leva ao cerne de minha própria teoria da evolução. Quando o homem decidiu inibir seu sexto sentido, ou faculdade de ocultismo, não se fez simplesmente por interesse da lógica e da racionalidade. Ele possui outra aptidão, inexistente no animal: a imaginação.

A imaginação é fundamentalmente o poder que permite segurar a realidade de outros tempos e de outros lugares. É necessário abandonarmos definitivamente a idéia de que a imaginação é uma faculdade de “escape”, uma maneira de mentir.

O objetivo da evolução humana

pinealtothirdeye[1]Ela pode ser utilizada para este fim, mas sua verdadeira função é devolver a existência aos fatos passados e fazê-los reviver. A serotodina é, creio eu, não apenas o hormônio do pensamento, mas também o da imaginação.

Podemos traduzir isto da seguinte maneira: a consciência do animal pode agir como uma teia de aranha surpreendendo as vibrações longínquas de maneira velada e instintiva. O homem visa uma forma de consciência mais brilhante, poderosamente esclarecida, onde cada fio da teia seja claramente visível.

Antes que nós possamos “segurar” seja o que for, primeiramente devemos registrar através do sistema nervoso   da mesma forma que nosso olho não pode registrar uma imagem sem que ela se fixe durante um tempo sobre a retina.

Pode se comparar a impressão à ação de bater uma foto. Timothy Leary aventou a hipótese de a serotonina agir como “fixador” da foto, ou como ajudante do registro, enquanto drogas como o LS13 têm efeito contrário: elas bloqueiam o registro de tal maneira que tudo o que se olha parece ser de uma novidade impressionante.

imageAIREsta teoria está de perfeito acordo com os fatos conhecidos. O “registro” é um mecanismo de base da consciência; este é, de fato, o método pelo qual a consciência cria a “relacionalidade”.

Pode se dizer, consequentemente, que a serotonina é o hormônio do aumento da “relacionalidade”, sua função essencial sendo a de favorecer uma visão “divina” de nossa experiência, de nos aproximar de Deus mais depressa do que do animal.

Resta fazer uma última e vital constatação: de forma a desenvolver o poder de concentração e nossa produção pineal de serotonina, nós “suspendemos” o sexto sentido ou faculdades ocultas. Mas esta suspensão não deve ser permanente.

No momento em que é utilizada a serotonina para acumular os “fatos” e apreendê-los integralmente, o sexto sentido pode não somente ser reativado, mas ainda encontrar sua plena razão de ser.

Ele combina poder de raciocínio e de imaginação para formar uma nova faculdade, que eu denomino, em meu livro O Oculto, de “faculdade X”. 

A faculdade X é o objetivo último da evolução humana, é o poder através do qual eu tenho a visão fugitiva dos meus momentos de excitação intelectual.

Os hindus têm razão. A glândula pineal é o terceiro olho, e sua função está em estreita relação coma luz. Mas não com a luz física.

POR COLIN WILSON

filipeta

.

  produtoss

Animation20