– O que são essas experiências de êxtase?

Experiências de êxtase em que a pessoa se vê numa situação além de nossos referenciais comuns de tempo e espaço são uma constante em todas as culturas. Apesar de conterem em seu interior detalhes ainda inexplicáveis, esses fenômenos parecem caminhar numa direção indicariam a necessidade de quebrarmos o materialismo e as concepções rígidas em que geralmente mergulhamos nossas vidas.

Por Brian Inglis 

yogi1[1]Relembrando em A Escrita Invisível quanto as fórmulas matemáticas que rabiscara nas paredes da sua cela o haviam encantado, o escritor Arthur Koestler rememorou que, . .”pela primeira vez, compreendi subitamente a razão desse encantamento: os símbolos rabiscados na parede representavam um dos raros casos em que se alcança uma declaração significativa e abrangente a respeito do infinito por meios precisos e finitos. O infinito é uma massa mística amortalhada numa névoa; e, no entanto, foi possível lograrmos algum conhecimento dele sem nos perdermos em melosas ambiguidades. 

A importância disso me envolveu como se fosse uma vaga, que se originara de uma visão interior enunciada de modo textual; evaporou-se incontinente, deixando em sua esteira apenas uma essência sem palavras, uma fragrância de eternidade, uma alijava de setas no céu. Devo ter ficado ali por alguns minutos, em transe, com uma consciência sem palavras de que “isso é perfeito, perfeito”; até que me dei conta de um ligeiro desconforto mental que rezingava no fundo da minha mente   alguma circunstância trivial que toldava a perfeição do momento. Lembrei me, então, da natureza dessa angústia irrelevante: eu estava na prisão e corria o risco de ser fuzilado. Mas isso foi imediatamente contestado por um sentimento cuja tradução verbal poderia ser: `E dai? Só isso? Você não tem coisa mais séria com que se preocupar?’; a resposta foi tão espontânea, fresca e divertida como se a aflição invasora fosse causada pela perda do meu botão de colarinho. Depois me pus a flutuar, de costas, num rio de paz, sob pontes de silêncio. O rio vinha de parte alguma e fluía para lugar nenhum. Depois, já não havia rio nem havia eu. O eu deixara de existir”.

Ele reconhecia ser embaraçoso para alguém que visava à precisão verbal empregar frases como essas: “No entanto, as experiências ‘místicas’, como nós as chamamos de maneira dúbia, não são nebulosas, nem vagas, nem piegas   só se tornam assim depois que as aviltamos com a verbalização.” 

Em seu livro Mysticism, F. C. Happold identificou as características mais marcantes de tais estados místicos. Não podem ser prontamente descritos com palavras. Proporcionam visões interiores “que trazem consigo um sentido tremendo de autoridade”. São transitórios, e raramente duram mais de alguns minutos. Não podem ser preparados. Dão “uma consciência da unicidade de tudo”. Deixam um sentido de intemporalidade. E estabelecem a convicção de que o “eu” com que estamos familiarizados não é o verdadeiro “eu”.

Embora tenham sido amiúde referidos como se ocorressem numa época de grande tensão emocional ou espiritual, eles podem cair do céu, como aconteceu ao eminente psiquiatra dr. Alan MeGlashan, que, em carta dirigida à Koestler Foundation, contou que estava num táxi de Londres, numa manhã de verão, “relaxado, olhando casualmente pela janela do automóvel, a caminho do consultório em Wimpole Street. Vi me, então, banhado por uma luz branca, incrivelmente brilhante e pura, experimentei uma certeza instantânea de que todos os acontecimentos de minha vida   a medicina, a literatura, a aviação, o casamento  , todas essas coisas eram completamente irrelevantes para o nível do ser com quem eu estava em contato. Não quero dizer que as atividades cotidianas fossem sem sentido; pelo contrário, elas ganharam um valor adicional em razão de sua transitoriedade; mas então compreendi, sem a menor sombra de dúvida, que todos esses valores só poderiam ser relevantes para aquele momento de iluminação”. 

Depois disso, McGlashan “não precisou de outra convicção religiosa além dessa”; mas talvez seja lícito dizer que a grande maioria das experiências oceânicas atuais são interpretadas, pelos que passam por elas, como indicativas da presença da divindade. Elas têm, muitas vezes, levado a conversões. O aspecto religioso, documentado nas produções dos Alister Hardy Research Centres, de Oxford e Princeton, provoca inevitavelmente um recuo dos racionalistas: Marghanita Laski, em seus livros sobre o êxtase; e Andrew Neher, professor de psicologia, em The Psychology of  Transcendente.

Existem duas explicações possíveis para as experiências estáticas, de acordo com a Sra. Laski. “Ou elas são, como muitos dizem sentir, de origem extra humana   sobrenaturais, preternaturais, do outro mundo, divinas  , ou são, consoante a segunda explicação (que acredito seja a verdadeira) puramente humanas e não têm origem externa. “Para demonstrar o seu ponto de vista, ela começa não com o relato de uma experiência mística por um dos grandes místicos religiosos, como Santo Agostinho, nem por um da variedade secular, como Wordsworth, mas com a narrativa, publicada no The Times de 3 de junho de 1974, de um episódio relatado por Mary Wilson, esposa do então primeiro ministro britânico Harold Wilson. 

“De acordo com esse relato, a Sra. Wilson ficou `doente de medo’   foram as suas próprias palavras quando precisou mudar se pela primeira vez para Downing Street, número 10. Ela é uma mulher religiosa que tem o costume de rezar, e o havia feito pedindo auxílio. Depois, um dia, sozinha numa praia das ilhas da Sicília, teve o que chamou de `uma experiência mística . . . uma extraordinária experiência, como se eu me estivesse dissolvendo’. E prosseguia o relato do The Times: `Ela identificou se com o passado e o futuro, e todas as ansiedades do mundo pareceram extinguir se’.”  

Se Marghanita Laski se houvesse contentado em apresentar sua defesa dizendo que até as pessoas que têm os pés no chão, como Mary Wilson, podem ter experiências semelhantes às de um Agostinho ou de um Wordsworth, e que a interpretação dada a elas varia com os preconceitos e expectativas do indivíduo, teria marcado um ponto válido, ainda que não original; William James já o marcara em ‘As Variedades da Experiência Religiosa’ (1902), ao examinar os escritos dos místicos cristãos, bem como os de panteístas como Richard Jefferies. 
“O fato é que o sentimento místico de ampliação, união e emancipação não tem nenhum conteúdo intelectual específico próprio. É capaz de formar alianças matrimoniais com material fornecido pelas mais diversas filosofias e teologias, bastando apenas que possam encontrar um lugar em sua estrutura para o seu humor emocional peculiar. Não temos o direito, portanto, de invocar lhe o prestígio como distintamente em favor de qualquer crença especial, tal como no idealismo absoluto, na identidade monística absoluta, ou na absoluta bondade do mundo. É apenas relativamente em favor de todas essas coisas   ultrapassa a consciência humana comum na direção em que elas se encontram:
Os estados místicos, acrescentou James, tanto podem ter consequências más quanto benéficas.  

“Mas os mais elevados dentre eles indicam as direções para as quais se inclinam os sentimentos religiosos até de homens que não são místicos. Eles falam da supremacia do ideal, da amplitude da união, da segurança e tudo o mais. Oferecem nos hipóteses, que podemos ignorar voluntariamente mas que, como pensadores, não podemos derrubar. O êxtase e o otimismo, que eles se empenhariam em incutir nos, interpretados de uma forma ou de outra, talvez representem as mais verdadeiras intuições a respeito do sentido da vida.” 
As suposições, infelizmente, tenderam a considerá-los obra do Espírito Santo, ou apropriadas apenas à inclusão em manuais de insanidade mental: “abra se qualquer um deles, e se encontrarão abundantes casos em que se mencionam as ‘idéias místicas’ como sintomas característicos de estados mentais débeis ou ilusórios. “Essa atitude não está extinta: os cientistas utilizam comumente o termo “místico” como sinônimo de “debilóide”, e as experiências ainda são atribuídas, às vezes, à epilepsia do lobo temporal. Os naturalistas preparados para levá-las a sério tomam o cuidado de tentar explicá-las como aberrações psicológicas.

Marghanita Laski insiste em que eles se explicam facilmente sem a necessidade de invocar “fontes sobrenaturais, preternaturais, do outro mundo, divinas”. Tão confiante se mostra ela que não se preocupa em discutir as provas de possíveis influências paranormais. 

O professor Nelier acredita que as experiências transcendentes são muito importantes; mas precisamente por estar impressionado com elas é que se revela ansioso por mantê-las em harmonia com a psicologia convencional, demonstrando assim que não há nelas nada de paranormal. Tão ansioso, com efeito, que consagra mais da metade do seu livro à depreciação das provas produzidas pela pesquisa psíquica. Pondo de lado, todavia, a frequente dificuldade de provar uma negativa, as fontes em que ele se estriba são muito pouco confiáveis, e já faz tempo que algumas foram totalmente refutadas.  

Por enquanto, porém, a questão de saber se as influências exteriores promovem esse sentimento oceânico e o impregnam terá de permanecer sem solução. O que subsiste tão válido quanto no tempo em que foi escrito, há mais de noventa anos, por Evelyn Underhill em seu Mysticism, é o comentário sobre as narrativas das pessoas que passaram pela experiência. 
Formam um conjunto de provas “curiosamente coerente consigo mesmo e, não raro, mutuamente explanatório, que precisa ser tomado em consideração antes de podermos acrescentar lhe a soma das energias e potencialidades do espirito humano, ou especular de maneira razoável sobre as suas relaçóes com o mundo desconhecido que se encontra além das fronteiras da ciência”. É como se o sentimento oceânico fosse um estratagema evolutivo para lembrar nos de que o materialismo não basta; uma forma de tratamento de choque psíquico, a que recorre o Hóspede Desconhecido(*), em casos apropriados, a fim de sacudir nos para fora do nosso modo condicionado de pensar e viver.

(*)  “Hóspede Desconhecido”: expressão criada pelo escritor belga Maurice Maeterlinck, usada aqui pare designar o instigador incorpóreo e inteligente de fenômenos psi. (N. da a.)

 

2846[1]

O texto aqui apresentado se origina do capítulo 
“O sentimento Oceânico”, 
integrante de O Mistério da Intuição (Editora Cultrix), 
que Brian Ingás assina juntamente com Ruth West e a Koestler Foundation. 
A tradução do inglês é de Octavio Mendes Cajado.

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