Nos ritos religiosos de todas as nações desde os tempos imemoriais, encontramos certas cerimônias de admissão na comunidade tribal ou na vida religiosa da nação, e essas iniciações têm certos elementos comuns, quer seja a introdução de um menino na tribo pelos aborígines australianos ou a recepção de um postulante na Igreja Católica. Sir James Frazer, em seu Golden Bough, reuniu muitos exemplos de ritos iniciatórios de todo o mundo, e esses, juntamente com as atuais formas de iniciação, como o rito maçônico e os
ritos batismais da Igreja, mostra uma similaridade subjacente.
A palavra “iniciação” deriva de uma raiz que significa “um primeiro passo” ou “começo”, e isso, é claro, é justamente o que a iniciação é. Esse é o primeiro passo em uma nova vida, quer seja na vida tribal de um clã, quer na vida religiosa de um monge, ou nas atividades geralmente benemerentes fraternais da Real e Antediluviana Ordem dos Búfalos. Todos têm seus ritos iniciatórios por meio dos quais o neófito é introduzido e interligado com a nova vida. Podemos acrescentar a esses exemplos outros mais – as cerimônias iniciáticas
dos cavaleiros e a coroação do rei britânico.
Obviamente todas essas iniciações não tem o mesmo poder – umas afetam o candidato em níveis inteiramente diferentes das outras, mas, e isso é um ponto que deve ser enfatizado, mesmo a mais inócua e ingênua das cerimônias iniciatórias, se construída sobre fundamentos genuínos e realizada por gente de conhecimento, será o meio pelo qual mudanças mais radicais e de longo alcance poderão ser operadas.
É fato notável que praticamente toda sociedade organizada, cedo ou tarde, desenvolve alguma forma de cerimônia iniciatória, e, embora isso possa ser considerado uma necessidade natural de fazer clara distinção entre a velha e nova vida, ainda está para ser explicado por que as bases de todas as iniciações parecem ser as mesmas. Associados também a esses ritos, encontramos a “imposição das mãos” ou algum ato similar; por meio da pesquisa antropológica, descobriu-se que, mesmo nos casos onde tal prática não fazia
parte do ritual, ela havia sido empregada em épocas mais remotas.
Veremos, entretanto, que existem dois componentes essenciais no verdadeiro ritual de iniciação. Primeiro, o rompimento com a velha vida, dramatizado por meio de certas formas simbólicas, e, segundo, a transmissão de poder para o neófito. A primeira é construída sobre a idéia de abandonar o vagar cegamente pelas condições de trevas e caos da ignorância para entrar no domínio da luz e da ordem: – o “Entrar no Dia”, do livro egípcio dos mortos, a “Entrada na Clara Luz”, do Bardo Thodol tibetano, a Transmutação Real dos Alquimistas, o Novo Nascimento dos místicos cristãos. Mas cada um no seu grau.
Pois é claro que a iniciação maçônica raramente possui esse efeito taumatúrgico, assim como também a maioria das iniciações formais do Ocidente e do Oriente.
De qualquer modo, algum efeito é produzido, e algum poder acaba sendo conferido, mas “sob o véu das coisas terrenas”, pois essas iniciações formais, embora válidas e valiosas, são as sombras terrenas das verdadeiras iniciações conferidas nas eternidades atemporais e para além do espaço. Nas palavras da Kabalah, elas são os “reflexos em Malkuth”, isto é, a representação em termos terrenos de realidades supra-sensíveis. Assim, não nos tornamos
adeptos só pelas iniciações cerimoniais da loja(ainda que certos poderes realmente sejam adquiridos, como resultado da cerimônia), mas nos tornamos
iniciados quando voluntariamente conseguimos alterar nosso nível de consciência e começamos a olhar todas as coisas de um ponto de vista diferente.
A palavra que é traduzida na Versão Autorizada da Bíblia como “conversão” pode ser mais bem descrita como “mudando a direção da mente e considerando as coisas sob outro ponto de vista”. Isso, naturalmente, é o que a iniciação – e a conversão – realmente são.
Aqui chegamos a um dos pontos de disputa entre os católicos e os não-conformistas. A Igreja ensina que o batismo da criança é eficaz e eficiente;o não-conformista procura uma mudança consciente no coração, realizada na mocidade ou na vida adulta, a qual leva a pessoa envolvida a uma verdadeira mudança. Do ponto de vista oculto, ambos os lados
estão novamente corretos no que afirmam, e errados no que negam.
A regeneração batismal e a conversão são ambas válidas e eficazes, e deveriam ser complementares uma da outra. A tradição mágica dá uma explicação objetiva disso, reforçada pelas descobertas dos psicanalistas. A fim de entender a tradição mágica, é necessário estudar o que é conhecido em psicologia como “a mente grupal”.
Quando um número de pessoas se associa em busca de um objetivo comum, suas mentes se unem e formam – para o propósito que têm em vista – uma composição ou mente grupal.
Quanto mais emocional o objeto de seus pensamentos combinados, mais forte e mais claramente estruturada torna-se a mente grupal. Sua manutenção depende de inúmeros fatores; por exemplo, algumas mentes grupais formadas pela oratória apaixonada de alguns demagogos podem durar apenas alguns minutos ou horas. Outras, formadas por pensamentos unidos por um período de anos, podem ter uma vida de muitos séculos.
Mesmo que elas pareçam ter cessado de existir, poderão reagrupar-se se condições favoráveis surgirem, pois essas emanações, mesmo bem distanciadas dos seus impulsos mentais originais, já possuem “forma” nos mundos interiores, construída pela ação mental combinada do grupo, como já vimos quando discutimos as imagens mágicas.
Cada época semeia nos mundos interiores as sementes que, mesmo não se tornando um ser objetivo imediatamente, irão infalivelmente germinar e frutificar numa época futura. E o ensinamento esotérico adverte: aqueles que originalmente iniciaram uma formapensamento grupal irão reencarnar no período em que os resultados das formas grupais de pensamento criadas por eles se objetivarem no plano físico, e terão de trabalhar e possivelmente sofrer sob as condições que eles próprios originaram no passado.
Existem quatro tipos de emoções que podem energizar tais mentes grupais: poder, sexo, multidão e emoções religiosas. Muitas dessas estão intercombinadas em diferentes proporções em toda a mente grupal, mas sempre uma é predominante. As grandes religiões do mundo, com seus rituais mais ou menos estereotipados, suas emoções comuns e sua longa vida, construíram mentes grupais bem definidas, assim como os sistemas de governo
que perduram por muitos séculos, como por exemplo, a monarquia britânica. A Ordem de Cavalaria, e as fraternidades iniciáticas, tais como os maçons, a Rosa-Cruz e muitas outras, construíram mentes grupais poderosas e definidas nos mundos interiores.
O grupo religioso mais forte no mundo ocidental é a Igreja Cristã, e aqui temos uma mente grupal intimamente amarrada e recarregada constantemente de vitalidade que data de quase dois mil anos. Mas no caso do Cristianismo temos que lidar com algo que é muito maior do que a soma total da atividade mental e emocional e as aspirações de seus membros.
Podemos entender melhor se exemplificarmos com o nosso corpo físico. Ele consiste de uma miríade de células constantemente crescendo, reproduzindo-se e desintegrando-se, mas preservando uma relação, cujo resultado chamamos de corpo físico.
Mas cada célula tem sua própria vida psíquica, e a vida celular combinada forma a nefesch ou alma animal dos cabalistas. Além disso, as vidas psíquicas coordenadas de muitas células formam um receptáculo ou veículo por intermédio do qual o ego ou self pode entrar em contato com o plano material.
Assim, o pensamento grupal comum, a emoção e o idealismo de todos os membros da Igreja Cristã formam um veículo ou corpo por meio do qual a cabeça da religião cristã pode entrar em contato direto com o mundo material.
Em termos teológicos, a Igreja é a extensão da encarnação. Assim como a saúde psíquica de cada célula do corpo depende da interrelação com todas as demais , e assim como certos grupos de células são especializadas dentro do grupo geral, em certas atividades especiais, como por exemplo, os órgãos, nervos e órgãos dos sentidos, assim é com o corpo que se constituí na Igreja, onde vamos encontrar especialização e funcionalismo similares. É possível penetrar a vida celular coletiva do corpo pela identificação da vida psíquica da substância individual ingerida pelo sistema na vida diária, e, a propósito, aqui está a chave para os múltiplos problemas de nutrição docorpo.
Exatamente da mesma maneira, o indivíduo torna-se parte do grupo por meio de uma similar identificação de seu psiquismo com a vida do grupo comum, e esse processo mental e psíquico é quase invariavelmente realizado por meio de algum rito de admissão, tal como o batismo. Possivelmente as únicas exceções são a Sociedade dos Amigos ou Quakers, ou como são mais comumente conhecidos, o Exército da Salvação.
No serviço batismal o indivíduo é vinculado mentalmente com a mente grupal de toda a Igreja, e essa vinculação é feita por intermédio da atuação de um membro desse grupo que age com a sua autorização. Mesmo nos casos onde o batismo é feito de emergência por um leigo ou mesmo um não-cristão , sua “intenção mental” de ligar o recém-chegado com o grupo é suficiente. Mas isso pode ser objetado, no caso do batismo infante, em que a criança não pode conscientemente identificar-se com a Igreja. Conscientemente não, mas o
homem é maior que seu pensamento consciente, como já vimos, e a criança se liga inconscientemente por intermédio de um sacerdote celebrante, com a vida do todo. Os padrinhos também forneceriam laços extras entre a criança e a Igreja – ainda que seja altamente improvável que eles tenham essa percepção!
Bem, qual o resultado dessa parte da magia iniciatória? A criança é introduzida na circulação da vida da Igreja, e são proporcionalmente as condições as quais ela pode começar sua jornada do caos do passado, que é construído na subconsciência, e tomar posse do que sempre foi, in esse, uma criança de Deus. Por isso o catecismo anglicano diz que o batismo é “uma morte para o pecado e um renascimento dentro da retidão”, e essa é a fórmula de toda iniciação verdadeira. A água é usada como um símbolo de purificação e é
abençoada com essa intenção, usando o signo cristão de poder, a cruz. Nas velhas religiões de mistério, a iniciação era precedida pela lustração de purificação, e as águas do batismo são a contraparte cristã das lustrações dos Mistérios.
Embora a criança tenha sido iniciada dentro da comunidade cristã e tenha começado a partilhar da vida espiritual dessa comunidade, a iniciação batismal não passa da sombra terrena da verdadeira iniciação cristã do Novo Nascimento. A verdadeira iniciação acontece quando o eu pessoal é por um momento apanhado e unido com seu Ego Superior, do qual ele é expressão mundana, e, por intermédio desse Ego Superior com o Logos em que ele
vive, se movimenta e tem sua existência. Um grande místico, Angelus Silesius assim assimescreveu:
“Se mil vezes em Belém Cristo nascesse
E não em vosso coração, estareis então abandonado
A cruz no calvário que procurastes seria em vão
Pois ela está somente no centro de vosso coração.”
A experiência da conversão é uma forma livre dessa iniciação cristã, daí sua importância do ponto de vista do não-conformista.
Voltando à questão geral dos ritos iniciatórios, todas as verdadeiras cerimônias ligam o neófito à vida mente grupal e também implantam nele as sementes do poder as quais irão, em um tempo futuro, leva-lo a percepção consciente de sua verdadeira natureza.
Um amigo clarividente fez o seguinte relato de um rito de iniciação realizado em sua presença.
“Quando os oficiais menores da loja fizeram seu contato cerimonial com o candidato, a aura dele tornou-se luminosa, cada porção da aura correspondente a cada compartimento reluzia. A observação desse novo membro em data posterior mostrou que o efeito é relativamente permanente – ao menos nesse caso.”
“Quando, porém, o mago da loja fez o seu contato, pareceu que uma diminuta porção de seu corpo sutil era ejetada da região do chacra do coração, uma pequena semente brilhante de luz branca dourada parecia passar através da aura do candidato até vir se localizar na região do plexo solar. Observações posteriores constataram ser esse efeito permanente.”
Um fenômeno similar, embora bem mais intenso, foi registrado por outros clarividentes que estudavam a ordenação de um sacerdote nas facções da Igreja que preservaram a “Sucessão Apostólica”. Talvez ironicamente, caiba aos desprezados magos a missão de configurar as alegações da Igreja no que concerne ao seu sacerdócio!
Neste capítulo o batismo cristão foi usado como uma ilustração, mas os princípios envolvidos não são exclusivos do Cristianismo. As religiões de Mistérios da bacia do Mediterrâneo no período clássico usaram o mesmo simbolismo e ritos muito similares. Nos ritos mitraicos, a “lavagem no Sangue do Codeiro(ou Touro) era realisticamente encenada no kriobolium ou tauroboliom, onde o neófito, vestido de túnica branca, ficava sob uma
grade em cima da qual o cordeiro ou o touro era sacrificado, e dessa maneira era literalmente lavado no sangue sacrificial. Alguns paralelos com o simbolismo do cristianismo são muito próximos, tanto que, de fato, alguns dos padres cristãos os explica dizendo que o Diabo, sabendo de antemão que o Cristianismo viria, guiou os idólatras para copiar o que mais tarde seria revclado! Outros, não apologistas do Cristianismo, dizem que essa similaridade prova que o Cristianismo pegou emprestado seu sistema sacramental das religiões que o precederam.
A tradição mágica, por sua vez, diz que a religião cristã, fundada sobre certos princípios, se expressou em formas similares às das religiões pagãs, mas as redimiu da corrupção na qual tinham caído. Ela também sugere que a Igreja Cristã não tinha necessidade de tomar emprestado seus ritos e formas, uma vez que tinha suas raízes nas tradições secretas judaicas e, o que é infinitamente mais significativo, ela foi fundada e dirigida pelo Supremo Mestre de Todos os Mistérios. Os “Mistérios de Jesus” da Igreja Primitiva podiam impor-se
por si mesmos diante de qualquer das religiões de mistérios à sua volta. De qualquer forma, a religião manifesta sua vitalidade nessa própria assimilação dos melhores elementos dos outros sistemas. A Igreja, assim como a sábia dona-de-casa da parábola, traz no seu baú coisas novas e velhas.