Há milhares de anos, o I Ching é utilizado como oráculo e conselheiro, servindo a imperadores e pessoas comuns de modo imparcial. Segundo os sábios, ele pode abrir as portas do autoconhecimento e funcionar como uma chave para a compreensão do universo.
As lendas chinesas dizem que o “I Ching O Livro das Mutações” surgiu num período mítico do tempo, mas a história afirma que seus textos e comentários mais antigos datam do período em que teriam vivido o Rei Wen e seu filho, o Duque Chou, no século XII a.C..
A autoria do I Ching clássico é creditada ao Rei Wen e acredita se que os comentários foram um acréscimo do sábio Confúcio (551 479 a.C.), quando de seu famoso estudo sobre o Livro das Mutações.
Para grande parte dos pesquisadores, o famoso e milenar oráculo é um produto do amadurecimento sócio cultural da China nos últimos 3000 anos. Tudo o que aconteceu de importante nesse período foi de alguma maneira adaptado e acrescentado à obra. Vários estudiosos do Oriente e Ocidente têm se debruçado sobre suas páginas com o objetivo de estudá lo e compreender melhor os textos que, muitas vezes, tornam se enigmas de difícil entendimento devido à linguagem rebuscada do chinês antigo.
O I Ching também teve grande influência sobre toda a filosofia chinesa, principalmente o taoísmo e confucionismo duas das principais linhas de pensamento chinês. Mas essa influência não se restringiu à filosofia apenas, estendendo se ao governo, música e artes plásticas. Várias obras foram inspiradas nas idéias contidas no oráculo e decisões de Estado foram tomadas com base no julgamento que ele apresentava.
O Livro das Mutações é tão considerado pelos chineses que foi a única obra que sobreviveu à queima de escritos e livros no período de Ch’in Shih Huang Ti, entre os anos 221 e 206 a.C., quando desapareceram dezenas ou centenas de obras que poderiam esclarecer diversos pontos da história do Extremo Oriente.
Os textos e comentários do I Ching foram trazidos ao ocidente por James
Legge, em seu livro The Sacred Book of the East, XVI: The I King, editado em 1882. Foi ele quem utilizou pela primeira vez os termos trigrama (três linhas dispostas de forma vertical representando, respectivamente, de baixo para cima: a terra, o homem e o céu) e hexagrama (dois grupos de trigramas verticais), posteriormente adotados em todos os escritos sobre o tema. Mas o grande responsável pela divulgação do oráculo no ocidente foi Richard Wilhelm em sua obra I Ching O Livro das Mutações, publicado no Brasil pela Editora Pensamento. O volume traz comentários do ilustre Carl Gustav Jung, que se apaixonou pelo que ali está escrito, e dedicou se ao seu estudo e compreensão durante toda a vida.
Quando os filósofos e intelectuais do Ocidente descobriram o livro, começaram a perceber a grande sabedoria contida em suas palavras, que revelavam uma forma inovadora de lidar com a vida e o ser humano. A maneira como o Extremo Oriente era visto até então mudou radicalmente, com a profundidade filosófica da obra comparada aos textos de Platão e Sócrates. Não apenas isso, segundo alguns estudiosos, o I Ching pode até mesmo ser comparado a outros livros sagrados da humanidade, como a Bíblia e a Torah.
Visão Errada
O uso do Livro das Mutações como oráculo sempre foi muito controverso. De maneira geral, as pessoas buscam no sobrenatural uma resposta para seus questionamentos e dúvidas, acreditando que o mundo espiritual tem todas as soluções que elas, necessitam. Com o l Ching, as coisas não são bem assim.
O Livro das Mutações não é somente um oráculo, mas também um oráculo. No ocidente, vários erros e abusos foram cometidos como resultado de uma visão estereotipada sobre ele. Na maior parte das vezes, a obra serve somente como guia mostrando qual direção seguir ou indicando percalços e vantagens possíveis de cada cantinho. A busca por verdades espirituais é um desenvolvimento pelo qual todas as sociedades humanas já passaram. As idéias por trás das linhas que compõem os hexagramasdemonstram. Crê se que inicial¬mente uma linha inteira (-), que hoje representa a idéia do yang, significaria an¬tigamente um ‘sim’, e uma linha quebrada ( – – ), yin, um ‘não’.
Essas respostas serviriam para perguntas simples. No entanto, com o passar do tempo foi desenvolvido um conjunto de símbos, mais complexos, que iria culminar com os trigramas e por fim, nos hexagramas. Os trigranas possuem nomes que refletem aspectos da filosofia chinesa do yin e yang: O Criativo, O Abissal, O Receptivo, O Incitar, A Suavidade, O Aderir, A Alegria, A Quietude. Ao se juntarem, eles compõem os 64 hexagramas que formam o corpo do I Ching.
Cada hexagrama traz um conjunto de explicações e conselhos com o intuito de ajudar a pessoa a achar o melhor caminho para suas ações. A interpretação correta dos hexagramas parte da idéia de que tudo está interligado: a terra, o homem e o céu têm de agir em harmonia para que seja possível atingir a harmonia entre a nossa vida e a de quem nos cerca.
A consulta tradicional do oráculo geralmente é feita com 50 varetas de milefólio (um tipo de árvore considerada mágica), mas envolve uma série de rituais que, se cumpridos rigorosamente, estendem o tempo de cada consulta para mais de uma hora o que a torna cansativa e reservada apenas a determinadas ocasiões. O método mais comum entre os praticantes é o das moedas que, embora simples, permite obter facilmente o trigrama correspondente.
Esse conjunto de linhas pode revelar um ponto essencial no estudo do I Ching como oráculo. Quando uma linha do hexagrama contém em si somente o yang (3+3+3 = 9) ou o yin (2+2+2 = 6) diz se que ela é móvel ou velha. Nesse caso, ela se transforma no seu oposto. Uma linha yin móvel passa a ser yang jovem, e vice-versa. Com isso, além do hexagrama inicial, temos a sua conseqüência ou rumo mais provável que os acontecimentos tomarão.
Na China, acredita se que o oráculo nunca falha, respondendo sempre de maneira clara e concisa. Quando a resposta se mostra enigmática a culpa é de quem está consultando, pois não formulou a pergunta corretamente. Todas as barreiras para entender as respostas estão em nossa mente e, se não se consegue compreendê las, a culpa é só nossa.
A Filosofia do I Ching
Os princípios filosóficos contidos no Livro das Mutações estão de tal forma integrados à vida intelectual da China que podem ser encontrados nas mais variadas formas de expressão cultural do país.
Como os habitantes daquele país sempre foram muito dependentes da agricultura, para eles é natural a necessidade de observar a mudança das estações, os períodos mais propícios ao plantio e, em especial, as relações entre o homem e o meio ambiente. Essas exigências influenciaram também a filosofia contida no I Ching.
Inicialmente, a idéia do yin e yang foi elaborada com base nesses princípios. Sob a ótica das duas energias contrárias, os filósofos antigos podiam analisar e classificar o universo. O positivo, yang, o negativo, yin, formariam todas as coisas conhecidas ou ainda por conhecer. Essa noção surgiu em tratados filosóficos de pensadores de outros povos, mas na China ela foi um pouco mais longe. Lá, eles acreditavam que mesmo o yin ou o yang mais puro conteria em si a semente de seu oposto. Para os chineses, nada continua como está, pois o caminho da natureza é a mutação: a riqueza possui em seu cerne a pobreza, o progresso contém a semente da decadência, o orgulho traz a queda, e assim por diante. Esse é o principal ensinamento contido no Livro das Mutações.
A própria idéia por trás dos oito trigramas incorpora esse sistema. Na verdade, eles representam estados de transformação a energia yang do Criativo se transforma no yin do Receptivo, e assim por diante. Nada no contexto do I Ching pode ser visto de forma isolada, mas como relações entre as forças e energias que compõem o homem e a criação.
Outro ponto exposto nas leituras do livro é que os acontecimentos nascem antes no plano das idéias, manifestando se no mundo material somente após algum tempo. Isso foi exposto e adotado pelos dois maiores pensadores chineses, Confúcio e Lao Tsé, que defendiam filosofias opostas sobre a organização do mundo, Confucio afirmava que o indivíduo só alcançaria a realização obedecendo um conjunto de regras estritas, enquanto Lao Tsé dizia que a realização do indivíduo viria com a libertação das regras. O conceito de que tudo têm sua origem primeiro no plano das idéias foi posteriormente abortado, embora com novo enfoque, por Jung em suas argumentações sobre o inconsciente coletivo e a sincronicidade, derivadas de seus estudos do oráculo chinês.
Um fator interessante nas idéias do I Ching é a capacidade do ser humano mudar o curso dos acontecimentos. Na maior parte das culturas e religiões, o homem é visto como um mero espectador dos desígnios do destino. No Livro das Mutações, ele é co autor do destino, influenciando sua vida por meio do conhecimento das forças yin e yang quando necessário.
O I Ching tem como objetivo maior induzir o homem a uma ação harmônica com o Tão (o Caminho Real). Para tornar mais efetivo, ele fornece uma visão abrangente da vida e das experiências humanas, permitindo que o homem assuma a responsabilidades por suas ações e se torne seu próprio soberano. Há mais de três mil anos, o livro já apresentava uma abordagem da vida e das relações entre os seres, que no final do século XX tornou-se comum e conhecida como uma visão holística do universo. Muito antes dos autores modernos afirmarem que o ser humano deveria ser visto como um todo, os sábios chineses não apenas já conheciam o conceito, como tinham elaborado um caminho prático para isso.
Caso você deseje comprovar se o I Ching é realmente tudo o que se fala, experimente adquirir um dos vários livros com a interpretação dos hexagramas e consultá-lo. Pode ter certeza de que você ficará, no mínimo, surpreendido.
Por: Alex Alprim
Revista Sexto Sentido
Número 8 – Março de 2000
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