Onde estaria o objeto mais sagrado da Bíblia…

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Decoração com querubins, monstros que lembram esfinges, 
indica passado pagão israelita.Abrigar Arca em tenda também liga culto a El, divindade adorada por antigos cananeus.

Por: Reinaldo José Lopes

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Tanto na Bíblia quanto nos filmes da série “Indiana Jones”, a Arca da Aliança é o símbolo supremo do poder do Deus de Israel, derrubando as muralhas das cidades inimigas, causando epidemias entre povos pagãos e fulminando os mortais que ousam tocá-la (sem falar nos nazistas que querem usar o artefato para seus fins malignos). 

Os historiadores e arqueólogos modernos ainda não conseguiram determinar o paradeiro da Arca, se é que o objeto ainda existe, mas a grande ironia é que, ao que tudo indica, o artefato incorporava características originalmente pagãs, da época em que os israelitas não adoravam um deus único.  

“A Arca parece ter tido sua origem nos amuletos protetores parecidos com caixas usados até hoje por algumas tribos de beduínos. Colocadas em cima de camelos, essas caixas são a vanguarda das migrações deles, da mesma maneira como se descreve a Arca liderando os israelitas no deserto”, escreve Stephen A. Geller, professor de estudos bíblicos do Seminário Teológico Judaico de Nova York. 

De fato, embora a Arca da Aliança fosse totalmente coberta de ouro, conforme diz o livro do Êxodo, no Antigo Testamento, trata-se de um objeto cultual relativamente simples, típico de um povo nômade. As descrições falam numa caixa de 1,25 m de comprimento por 0,75 m de altura e largura, na qual eram encaixadas duas varas, também cobertas de ouro, usadas para transportá-la — tocar a Arca, ou mesmo vê-la ao ar livre, era um tabu.

  ‘Arquivo’ e ‘morada’

Ainda de acordo com o Êxodo, a Arca foi construída para cumprir dois objetivos principais. Em primeiro lugar, no interior dela foram colocadas as duas Tábuas da Lei — os blocos de pedra onde o próprio Deus — ou então Moisés; o texto bíblico é ambíguo — teria gravado os Dez Mandamentos. (Tradições posteriores falam de outros objetos dentro da Arca, como um vaso com o misterioso maná que alimentou os israelitas no deserto, mas tais histórias não são mencionadas pelo Antigo Testamento.) 

E a Arca também foi colocada na parte mais sagrada do Tabernáculo, espécie de templo móvel em forma de tenda, carregado pelos israelitas durante suas andanças no deserto. Nessa parte do Tabernáculo, o chamado Santo dos Santos, só o sumo sacerdote podia entrar, e ainda assim uma vez por ano, no chamado Yom Kippur, ou Dia do Perdão. 

A presença de Arca servia quase como o elo direto entre Deus e os israelitas, o ponto focal onde a presença divina se fazia sentir. Ela era carregada sempre coberta, mas sua presença animava os guerreiros de Israel durante batalhas e realizava milagres como abrir as águas do rio Jordão para que o povo entrasse na Terra Prometida.  

  ‘ Querubins ‘

O detalhe mais significativo do objeto para os estudiosos modernos, porém, talvez seja o de dois personagens misteriosos cujas imagens encimavam a tampa da Arca. São os dois querubins — criaturas que, na tradição posterior, são retratados como anjos, mas que na verdade lembram mais esfinges, com corpo de leão ou touro, asas de águia e cabeça humana, como se pode ver na fotografia abaixo.

Monstro alado de palácio assírio do século VIII a.C.: os querubins da Arca da Aliança provavelmente tinham uma aparência desse tipo (Foto: Reprodução)   
 

“São imagens muito comuns como protetores da realeza nas culturas vizinhas de Israel, como o Egito e a Mesopotâmia”, explica Haroldo Reimer, do Departamento de Filosofia e Teologia da Universidade Católica de Goiás. “Mais tarde, quando o Templo de Salomão é construído em Jerusalém, você tem estátuas soltas desses querubins, além dos que aparecem na própria Arca.” 

Os querubins da Arca da Aliança estão voltados um de frente para o outro, com as asas estendidas para a frente. A idéia é retratar as asas das criaturas como o trono onde Deus está sentado, enquanto a tampa da Arca é o estrado onde a divindade apóia seus pés. Para Reimer, a imagem dessas divindades menores sugere que, durante muito tempo, os israelitas não foram monoteístas (adoradores de um único deus).
 

‘Paradeiro desconhecido’

O paradeiro da Arca não é conhecido desde pelo menos o ano 
587 a.C., quando os babilônios, comandados pelo rei Nabucodonosor, conquistaram Jerusalém e destruíram o Templo, em cujo Santo dos Santos o objeto era abrigado. Surgiram inúmeras lendas: o profeta Jeremias teria escondido a Arca no Monte Nebo, na atual Jordânia; ou o objeto até teria sido levado para a Etiópia por Menelik I, suposto filho do rei Salomão e a soberana etíope conhecida como Rainha de Sabá. 
 

“O que sabemos é que esse tipo de objeto, oriundo dos templos de nações conquistadas, eram levados embora pelos conquistadores”, afirma Reimer. Não dá para saber se, por exemplo, o ouro teria sido reaproveitado pelos babilonios, enquanto a Arca em si teria sido destruída. Reimer sugere cautela sobre o excesso de ceticismo nesse aspecto. “A arqueologia já descobriu indícios de objetos considerados lendários antes. Eu não descartaria que uma bela arca dourada fosse encontrada algum dia.” 

Por: Reinaldo José Lopes
Globo.com: Ciência da Fé
(12/05/08 )

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