pescadorMojud era um funcionário de uma repartição pública em uma pequena cidade do interior. Não tinha qualquer perspectiva de um emprego melhor, e seu país atravessava uma grande crise econômica, e Mojud já estava resignado em passar o resto de sua vida trabalhando oito horas por dia, e tentando divertir-se durante as noites e os finais de semana, vendo televisão.

Certa tarde, Mojud viu dois galos brigando. Com pena dos animais, foi até o meio da praça para separa-los, sem dar-se conta que estava interrompendo uma luta de galos-de-briga. Irritados, os espectadores espancaram Mojud. Um deles ameaçou-o de morte, porque o seu galo estava quase ganhando, e ia receber uma fortuna em apostas.

Com medo, Mojud resolveu deixar a cidade. As pessoas estranharam quando ele não apareceu no emprego – mas como havia vários candidatos para o posto, esqueceram rápido o antigo funcionário. Depois de três dias viajando, Mojud encontrou um pescador.

– Onde você está indo? – perguntou o pescador.

– Não sei.

Compadecido da situação do homem, o pescador levou-o para sua casa. Depois de uma noite de conversas, descobriu que Mojud sabia ler, e propôs um trato: ensinaria o recém-chegado a pescar, em troca de aulas de alfabetização. Mojud aprendeu a pescar. Com o dinheiro dos peixes, comprou livros para poder ensinar ao pescador. Lendo, aprendeu coisas que não conhecia. Um dos livros, por exemplo, ensinava marcenaria, e Mojud resolveu montar uma pequena oficina. Ele e o pescador compraram ferramentas, e passaram a fazer mesas, cadeiras, estantes, equipamentos de pesca.

Muitos anos se passaram. Os dois continuavam a pescar, e contemplavam a natureza durante o tempo que passavam no rio. Os dois também continuavam a estudar, e os muitos livros desvendavam a alma humana. Os dois continuavam a trabalhar na marcenaria, e o trabalho físico os deixava saudáveis e fortes. Mojud adorava conversar com os fregueses. Como agora era um homem culto, sábio, e saudável, as pessoas lhe pediam conselhos. A cidade inteira começou a progredir, porque todos viam em Mojud alguém capaz de dar boas soluções aos problemas da região. Os jovens da cidade formaram um grupo de estudos com Mojud e o pescador, e logo espalharam aos quatro ventos que eram discípulos de sábios. Um dos jovens perguntou certa tarde:

– Mojud você resolveu abandonar tudo para dedicar-se a busca da sabedoria?

– Não – respondeu Mojud. – Eu tinha medo de ser assassinado na cidade onde vivia.

Mas os discípulos aprendiam coisas importantes, e logo transmitiam a outras pessoas. Um famoso biógrafo foi chamado para relatar a vida dos Dois Sábios, como eram agora conhecidos. Mojud e o pescador contaram o que tinha acontecido.

– Mas nada disso reflete a sabedoria de vocês – disse o biógrafo.

– Tem razão – respondeu Mojud. – Mas é a verdade. – Nada de especial aconteceu em nossas vidas.

O biógrafo escreveu durante cinco meses. Quando o livro foi publicado, transformou-se num grande êxito de vendas. Era uma maravilhosa e excitante história de dois homens que buscam o conhecimento, largam tudo que faziam, lutam contra as adversidades, encontram mestres secretos.

– Não é nada disso – disse Mojud, ao ler sua biografia.

– Santos precisam ter vidas excitantes– respondeu o biógrafo. – Uma história tem que ensinar algo, e a realidade nunca ensina nada.

Mojud desistiu de argumentar. Sabia que a realidade era o que ensinava tudo que um homem precisa saber, mas não adiantava tentar explicar isso.

“Que os tolos continuem vivendo com suas fantasias”, disse para o pescador.

E ambos continuaram a ler, escrever, pescar, trabalhar na marcenaria, ensinar os discípulos, fazer o bem. Só prometeram nunca mais tornar a ler livros sobre vida de santos, já que as pessoas que escrevem este tipo de livro não compreendem uma verdade bem simples: tudo que um homem comum faz em sua vida o aproxima de Deus.

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