Albert Schweitzer
(Kaysersberg, Alta Alsacia, 14/01/1875 –  04/09/1965, Lambaréné, Gabão. )

 

imageKRT“Desde a minha mocidade tive certeza de que todo pensamento levado às últimas consequências deve acabar no misticismo.   O silêncio da selva africana capacitou me a formular e professar essa idéia”.

Em 14 de janeiro de 1875, na cidade de Kaysersberg, na Alsácia Superior, nasce Albert Schweitzer que seria, mais tarde, conhecido por suas qualidades de musicista, filósofo, teólogo, escritor, médico e missionário.

Criado num ambiente religioso, desde cedo começou a dedicar se ao estudo das Escrituras Sagradas; porém não lhe bastavam as palavras dos Evangelhos, sentia necessidade de vivê-las. Idêntica preocupação manifestou no campo filosófico, sobretudo no processo que o pensamento ocidental seguiu, referente à concepção do mundo, fato este que absorveu praticamente toda sua vida de estudante, motivando o a pesquisar em culturas antigas à procura de uma solução viável para tal problema, factível de resolver pelo profundo sentimento de respeito à Vida, que deveria coroar toda busca filosófico teológica, desembocando naturalmente numa atitude mística perante a Criação e o próprio homem.

Schweitzer afirmou sempre com muita convicção que todo ser humano deve esforçar se constantemente para manter a fé nos ideais que caracterizam a juventude; não deve deixar que a vida, com sua agressividade, lhe arrebate a esperança de melhorar o homem e o mundo. O homem fraqueja e se entrega às vicissitudes da existência quando lhe falta pureza de coração e robustez de caráter para alimentar suas mais nobres aspirações; posição que ele manteve até nos momentos mais decisivos.

Formou se Doutor em Teologia e Filosofia na Universidade de Strasburgo onde, em 1901, o nomearam docente; fez curso de órgão com Charles Marie Widor, o célebre organista de Notre Dame de Paris, tornando se um dos melhores intérpretes de Bach e uma autoridade na construção de órgãos. Deste contato, e a pedido do mestre Widor, surge um profundo estudo da obra do “Cantor de Leipzig” que, em 1905, se vê cristalizado na publicação de “Johann Sebastian Bach, o músico poeta”. 

Aos trinta anos, Schweitzer gozava de uma posição invejável: tinha um cargo público numa das mais notáveis universidades europeias; uma reputação sempre crescente como erudito e músico, e prestígio como pastor de sua Igreja, onde pregava e ensinava aquilo em que acreditava piamente. Todavia, isto não era suficiente para uma alma sempre pronta ao serviço; estas atividades não satisfaziam ainda um coração transbordante de amor; assim, dirige sua atenção para os africanos das colônias francesas que, numa total orfandade de cuidados e assistência médica, debatiam se na crua vida da selva.

A decisão se faz necessária: ou continuar na douta Europa rodeado de conforto e possibilidades de desenvolvimento como musicista, teólogo e docente, ou abandonar tudo e dedicar se à medicina, meio que ele considera o mais eficaz para minorar os sofrimentos daqueles homens que já sentia como irmãos. Em 1905 inicia esse curso e seis anos depois esta formado; casa, então, com uma jovem que compreendia seu ideal e dele participava. Como em Lambarené, segundo a Missão lá existente, havia necessidade premente de médico, juntos planejam a melhor maneira de fundar um hospital nessa cidade. Através de cursos, conferências e concertos, consegue juntar o dinheiro suficiente para comprar os primeiros equipamentos e, com 70 caixas de remédios e instrumental, ele e sua esposa que havia estudado enfermagem para melhor ajudá-lo neste empreendimento  partem na primavera de 1913, dando início aos seus trabalhos. Neste momento começa a ascensão da íngreme montanha; montanha esta de sonhos irreversíveis, de vontade viril e afazeres sem conta.

No porto de Dakar, no Senegal, começa a perceber o que iria enfrentar: vê os negros açoitarem cruelmente os animais de carga que se detinham nas encostas, prostrados pelo peso e pelo cansaço. Presenciando uma destas cenas, Schweitzer interveio empurrando a carroça para que os nativos, seguindo seu exemplo, mudassem de atitude. Este é o início do trabalho educativo que iria desenvolver entre esses homens. 

Chegando em Lambarené, os missionários do posto conduzem o casal Schweitzer até a pequena casa situada no topo de uma colina, construída de madeira sobre postes de ferro, a 50 cm. acima do chão. Em volta tudo era floresta virgem; logo abaixo ficava o rio, único meio de acesso para a grande mata, por onde mais tarde desceriam e subiriam os doentes.
Para dar lhe tempo suficiente de alojar se, preparar os armários com remédios e ordenar o instrumental, a estação missionária tinha advertido aos moradores das redondezas que o doutor não poderia ser molestado durante as três primeiras semanas, a não ser em caso de extrema urgência. Apesar deste aviso, no dia seguinte à sua chegada acorreram, procedentes dos mais diferentes pontos da selva, doentes de toda natureza, com lepra, doença do sono, osteomielite, elefantíase, disenteria amebiana etc. Ante o imperativo dos fatos, improvisa um consultório num antigo galinheiro e atende seus pacientes enfrentando todos os obstáculos: clima hostil, falta de higiene e maus costumes dos nativos, idioma que não entende, carência de remédios adequados e instrumental insuficiente, somando se a isto a presença irritante das moscas tsé tsé.

Urge construir um hospital. Schweitzer inicia o processo educativo dos negros para torná los conscientes da necessidade de sua colaboração. Entretanto, encontra dificuldades pois eles não estão acostumados a trabalhar constantemente e, menos ainda, a obedecer a um estrangeiro. Por ignorância, como construiam suas casas com madeiras que logo apodreciam, faziam nas do menor tamanho possível. Não cogitariam nunca de uma grande construção, sobretudo pelo esforço que demandaria. 

Schweitzer tratava de 30 a 40 doentes por dia e um dos maiores problemas era o de receitar remédios para tomarem em casa. Eles não gostavam de ficar no hospital e durante a noite fugiam levando a coberta e, muitas vezes, a cama improvisada de madeira. Com a ajuda de um intérprete, o doutor insistia na maneira de tomar o medicamento, para que não comessem as pomadas ou ingerissem, numa só dose, todo o fraso de remédio. Frisava também a necessidade do uso de calçados, pois as úlceras nos pés, que tinham cicatrizado durante o tratamento no hospital reabriam se ao contacto com o barro. A base da alimentação no hospital era bananas e arroz que, às vezes eram trazidos pelos próprios pacientes, quando moravam perto. Os que podiam pagar a internação e os remédios o faziam com víveres, também repartidos com aqueles que nada traziam.

Paralelamente ao serviço médico, o doutor começou a ensinar o Evangelho; para isto, construiu uma cabana próxima ao hospital e todos os domingos de manhã, acompanhado pelos doentes em recuperação e não poucos curiosos, encaminhava se ao pequeno templo e lá pregava . . .  Claro que não da mesma maneira que na Europa, pois os negros jamais tinham ouvido alguma coisa a respeito de comportamento moral ou religioso em suas vidas. Ensinava com linguagem apropriada, dando exemplos tirados da natureza para que compreendessem a necessidade de bem agir em prol dos outros. 

Estoura a guerra de 1914 e a situação em Lambarené torna se mais difícil; os remédios e os alimentos são escassos. Depois de quatro anos e meio de trabalhos constantes, exaustivos, os Schweitzer recebem a notícia de que serão levados para a França como prisioneiros de guerra. Pacientemente, sem se queixar, o doutor e sua esposa arrumam seus objetos pessoais em uma mala, empacotam instrumentos cirúrgicos e remédios e partem para a França. São enviados para um campo de concentração em Garaison, nos Pirineus. Durante todo um inverno viveram num mosteiro abandonado. O doutor apanha aí uma forte disenteria que vai debilitando o cada vez mais; porém não cessa de exercitar-se num órgão imaginário que desenhara numa madeira. Escreve sobre a decadência das civilizações . . .

Posteriormente, os prisioneiros são transferidos para um outro mosteiro perto de Arlés, onde altíssima febre toma conta do doutor; no verão seguinte são permutados por outros prisioneiros e segue para a Suíça, e dali para Gunsbach, onde morava sua família. Está livre outra vez. 

Contudo, Schweitzer havia conquistado uma liberdade superior: a do espírito e, terminada a guerra, reinicia seus trabalhos como se não houvesse acontecido mais que um triste pesadelo. Deus estava presente em sua coragem e, ante a visão de um mundo desmoronado, ergue se e diz:

“Começaremos novamente. Dirigimos o nosso olhar para a Humanidade. Para quem se entregar à afirmação ética do mundo e da vida, o futuro do Homem e da Humanidade representará um objeto de preocupação e de esperança. Libertar se dessa preocupação e dessa esperança significa pobreza; dedicar se a elas significa riqueza. Embora não saibamos se nos será dado ver uma parcela de um futuro melhor, representa para nós um consolo nestes dias negros podermos abrir o caminho da Humanidade civilizada do porvir, estribando nos exclusivamente na força do espírito.” 

Na Universidade de Upsala, a convite do arcebispo Nathan Soderblom, Schweitzer realiza uma série de conferências; está ainda recuperando se da segunda operação que sofrera, porém o destino começa a sorrir lhe e as esperanças se reavivam em seu interior; seria possível reiniciar e completar o hospital na África.

Nesta trêmula Europa passa anos dedicados a ditar conferências, cursos, a oferecer recitais de órgão, com o único intuito de colher fundos para reconstruir sua obra na África. Assim, torna se conhecido em todos os círculos intelectuais do continente, que o procuram com frequência. A fama não o afasta de seus projetos, os elogios não o atingem e, como Apóstolo do Dever, decorridos sete anos de permanência nessas terras, parte novamente a Lambarené. Desta vez não o faz sozinho, acompanham no médicos e enfermeiras dispostos a ajudá-lo e o hospital é levantado numa área mais propícia. 

Tendo uma equipe de profissionais pode agora, o velho doutor, dedicar algumas horas de seus afanosos dias a escrever livros, cuja renda contribui para manter os pavilhões hospitalares. Muitas noites a selva há de embriagar se com novos sons: quando os pássaros calam e as estrelas parecem imóveis testemunhas da vida que dorme, o Dr. Albert faz brotar harmonias celestiais do órgão . . .

schExtasiado o mundo ante sua vida e sua obra, vendo que a Esperança renascia na presença de sua figura, percebendo que os mais altos valores morais estavam expressos na tarefa realizada por Albert Schweitzer, é lhe oferecido o Prêmio Nobel da Paz, como humilde homenagem a um Grande Homem.

“Estamos agora vagueando nas trevas, mas . . . estamos avançando . . . Virá outra vez um tempo em que a religião e o pensamento ético se unirão. OLHEMOS PARA A LUZ”.

 

Texto: Tania A. Franchin
Revista Thot, número 10
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