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Processo de Criação do Universo
Visão do Shivaismo da Caxemira II

por: Rafael José Kraisch

 

 “O Universo inteiro é criado 
pela Consciência Suprema auto-independente.”[1]

O Shivaismo da Caxemira ensina que a origem de todo o Universo é Shiva, a Consciência Suprema, que é onipresente, perfeita e ilimitada, e que cria através de seu Poder conhecido como Shakti.

Para o Shivaismo da Caxemira o processo no qual a Consciência infinita se condensa em tudo aquilo que chamamos de Universo ou Criação[3] é conhecido como parinama, ou “alteração”. Esse processo é realizado em “etapas” conhecidas como tattvas, ou “níveis de realidade”, nos quais o Um aos poucos vai se quebrando em “muitos”, porém sem perder a sua identidade original.

Os conceitos de tattvas e parinama já existiam antes do advento do Shivaismo da Caxemira, tendo suas raízes nos Vedas. Contudo, foi o sistema Samkhya quem mais se dedicou a este assunto, se tornando o ponto de origem para outras especulações e debates por parte de outras escolas filosóficas posteriores, como o Advaita-vedanta[4]. 
 

 

Textos védicos

Os mestres do Shivaismo da Caxemira apenas fizeram algumas alterações e correções quanto ao modelo apresentado pelo Samkhya, adaptando-o à suas próprias experiências e realizações espirituais.

Antes de avançarmos na apresentação destes níveis, o primeiro termo a ser explorado é Spanda, “vibração” ou “pulso”, que é a forma na qual os mestres desta escola identificam a origem e a manutenção de todo o Universo. 

Parama-shiva não é akarta, “inativo”, pois para o Shivaismo da Caxemira, o próprio fato de Deus ser cônscio de si mesmo já é ação, ao contrário de alguns filósofos que afirmam que o Absoluto é apenas uma massa de Consciência Infinita que é completamente a parte de qualquer atividade. E é justamente a vibração ou Spanda produzida por esta autopercepção é que dá início ao processo de “evolução” do Universo. Essa Vibração é também conhecida como o Verbo na tradição Cristã.
 

 

Parama-shiva

O Processo de Evolução

Esse processo de “evolução” dos 36 tattvas a partir do Todo insondável e informe que é Parama-shiva é descrito como parinama, que é literalmente a capacidade do Absoluto de se “transformar” em qualquer coisa que desejar. Isso é simploriamente exemplificado na alegoria do leite que se transforma em coalhada para depois se transformar em queijo. Ou seja, algo sutil que aparentemente se transforma em algo cada vez mais denso, embora no interior seja o mesmo produto.

É importante lembrar que Parama-shiva é simultaneamente transcendente quanto imanente, ou seja, mesmo no processo de contração e limitação, Ele mantém-se simultaneamente perfeito e completo em si mesmo, além de qualquer tipo de dualidade.

Para o Shivaismo da Caxemira há ao todo 36 tattvas, que estão didaticamente separados em três grupos distintos:

1 – shuddha ou “puros”; 
2 – shuddha-ashuuddha ou “puros e impuros”; 
e 3 – ashuddha ou “impuros”.
 

LORD SHIVA

Shuddha Tattvas

Este primeiro grupo é formado pelos tattvas considerados shuddhas ou “puros” pois neles ainda não há a ilusão de separação entre “sujeito” e “objeto” – que ocorrerá nos tattvas posteriores.

1. Shiva (Auspicioso) e 2. Shakti (Poder): são os dois princípios inerentes de Parama-shiva, respectivamente o aspecto masculino e feminino do Absoluto. Shiva, ou prakaça, é o aspecto da luminosidade e da passividade, no qual predomina Cit-shakti, o Poder da Consciência do Eu. Shakti, ou vimarça, é o aspecto do poder e da atividade, na qual predomina Ananda-shakti, o Poder da felicidade. 

Não se deve encarar estes dois princípios cósmicos como duas entidades separadas ou princípios separados. Um é parte do outro e está no outro, tal como o calor está no fogo. Essa aparente dualidade serve apenas para fins didáticos facilitando a compreensão de todo o processo que irá se desenrolar no surgimento dos tattvas restantes.

3. Sada-shiva (Eternamente auspicioso): neste nível surge iccha-shakti, que é Poder da vontade, ou a intenção de originar uma Criação;

4. Ishvara (Senhor): neste nível surge jïana-shakti, ou o Poder do conhecimento, o nível das idéias divinas no qual estabelece-se o plano da Criação;

5. Sad-vidya(Conhecimento do Ser): surge kriya-shakti, o Poder da ação, pois existindo a intenção e a inteligência basta apenas a execução do plano.
 

 

A Primeira Impureza

Um segredo: antes de Parama-shiva “continuar” nos tattvas seguintes, algo muito estranho surge: acontece a primeira contração de consciência do Absoluto. Essa contração é conhecida como mala, “impureza”. Esse primeiro mala (são três ao todo), que é o responsável por iniciar o processo que fará o Absoluto sem forma tomar uma forma limitada, recebe o nome técnico de anava, “pertencente a anu – o ser limitado”. Esse é o primeiro passo do esquecimento e do “sono da alma” do Criador.

Shuddha-ashuddha Tattvas

Os cinco primeiros “níveis” ou aspectos primários do Absoluto representam sinteticamente os primeiros passos para a Criação, demonstrando Seus cinco principais podereis, isto é, Cit, Ananda, Iccha, Jïana e Kriya, ou Onipresença, Beatitude, Vontade, Onisciência e Onipotência.

Veremos agora nos próximos tattvas o processo pelo qual esses “super-poderes” do Absoluto serão reduzidos a meras frações.

Deve-se saber que no Tantra, ao qual o Shivaismo da Caxemira está inserido, não tem-se a mesma atitude verticalista que alguns grupos espiritualistas têm ao dizer que o mundo é miséria e sofrimento. Para um adepto do Shivaismo da Caxemira, não há problema algum em dizer que Deus é o mundo e o mundo é Deus, pois o efeito (o mundo) não pode ser diferente de sua causa (o Absoluto)[5]. Comenta-se isso pois nesta tradição é o próprio Senhor Absoluto que aceita limitações em Si próprio. A ilusão e a libertação são apenas dois aspectos de uma mesma moeda que está completamente sob domínio do Criador.

Esses princípios “puros e impuros” nada mais são que Shakti agora numa forma contraída, fazendo o trabalho de igualmente velar e contrair o seu bem-amado Shiva.

6. Maya (Mensuradora): favor não confundir este termo com o comumente utilizado pelas outras escolas filosóficas indianas, para os quais têm um valor completamente diferente do aqui utilizado pelo Shivaismo da Caxemira, pois nesta tradição, Maya não é simplesmente um poder ilusório ou mágico destituído de origem. Maya vem da raiz verbal ma, “mensurar”, “comparar” e aqui é o princípio que limita e estabelece condições dualistas sobre o Todo.

Neste ponto surge o segundo mala, responsável pelo processo de “dualização” da consciência. Seu nome é Mayiya e significa literalmente “que pertence a Maya”. Sob o domínio destes dois malas, Shiva e Shakti contraem-se e “dividem-se” em dois. O resultado disso será visto logo em breve.

Maya em essência é uma forma contraída de Shakti ou o Poder criativo de Deus. Já sabemos que Shakti em seu aspecto puro é o poder que percebe e reflete a luz de Shiva em toda a Criação. Mas agora neste nível, essa percepção e reflexão se dá numa maneira distorcida. Isso é feito pelos cinco kaïcukas, “camisas”, que servem apenas para esconder ou encobrir os cinco “super-poderes” do Absoluto.

Cada um desses kaïcukas é considerado um tattva diferente.

7. Kala (Parte): essa “camisa” vela a onipotência de Parama-shiva criando a falsa noção de que há coisas que são possíveis de realizar e outras que são impossíveis.

8. Vidya (Conhecimento): essa “camisa” vela a onisciência de Parama-shiva criando a falsa noção de que há coisas que são possíveis de conhecer e outras que são impossíveis.

9. Raga (Apego): essa “camisa” vela a vontade de Parama-shiva criando inclinações e desejos inferiores, notadamente o apego e a aversão, isto é, deseja-se coisas agradáveis e repele-se o que não é agradável.

10. Kala (Tempo): essa “camisa” vela a Beatitude de Parama-shiva gerando o medo do tempo, da velhice e da morte.

11. Niyati (Necessidade): essa “camisa” vela a Onipresença de Parama-shiva gerando a noção de limitação espacial e temporal.

Nesse ínterim, surge mais uma impureza inevitável como resultado da soma de Anava-mala com Kala-kaïcuka. Essa nova impureza chama-se Karma-mala, que simplificando, é a noção errônea de que somos seres limitados realizando ações igualmente limitadas – boas ou más – e que nos farão entrar numa roda interminável de ação e reação, o que em outras palavras é a famosa Lei do Karma.

Assim, olhando a equação abaixo:
Anava-mala + Kala-kaïcuka = Karma-mala

E “traduzindo” para o Português seria algo assim:
Sou imperfeito + Realizo ações limitadas = Eu realizo tanto boas quanto más ações
 

 

Shiva

Ashuddha Tattvas

O que acontece após Parama-shiva passar por tantas contrações e limitações diferentes? Obviamente acontece uma redução considerável de energia, poder e consciência. O que era infinito agora fica reduzido a uma mera fagulha que se esforça por se tornar mais uma vez uma grande fornalha cósmica. Isso pode ser figurado na imagem do transformador elétrico, que recebe energias muito altas e vai diminuindo-as até chegar num ponto aceitável para serem utilizadas por nossos pequenos aparelhos domésticos.

Bem, neste caso, qual a finalidade de reduzir a Sua energia? Que tipo de “aparelho” será utilizado?

Os tattvas seguintes são a resposta a estas perguntas. Nestes tattvas há o completo velamento da luz e da verdade supremas, gerando a dualidade. Por isso os próximos princípios são chamados de Açuddha, “impuros”.

12. Purusha (Homem) ou Anu (Átomo): finalmente a alma individual. O aspecto permanente de nossas vidas efêmeras. Este é kshetrajïa, o “percebedor do campo” de que falam muitas escrituras hindus. Contudo, não é o mesmo Purusha de que falam o Samkhya e o Advaita-vedanta, para os quais este é o próprio Absoluto manifesto. O Purusha do Shivaismo da Caxemira se assemelha ao que no Ocidente é conhecido por alma, ou seja, é apenas um princípio interior composto de alguns instrumentos sutis, como o ego, a mente e o intelecto, mas que sempre enxerga um “outro”, isto é, vive na ilusão de dualidade e diferença. 
 

 

Prakriti e Purusha

Conforme vimos anteriormente, há uma grande diferença no ponto de vista entre essas escolas citadas e o Shivaismo da Caxemira. O Samkhya é um sistema ateu que ensina que o Universo inteiro nada mais é que a manifestação de dois princípios conhecidos como Purusha e Prakriti, ou alma e matéria. Ambos são completamente distintos e irreconciliáveis, pois, nesta doutrina, Purusha anseia unicamente desvencilhar-se de Prakriti, pois ela é apenas um campo de dor e sofrimento.

Já no Advaita-vedanta, o Universo ou Prakriti é apenas um fantasma, uma ilusão super-imposta provocada por Maya sobre Brahman. Não há ligação entre Brahman e Prakriti, sendo que a criação é apenas uma evolução aparente (vivarta) como uma névoa sobre o mar.

Assim, para esses dois sistemas o Ser interior é completamente à parte de todo o Universo, sendo não-agente (akarta) e apenas testemunha (grahaka). Ao contrário, o Shivaismo da Caxemira dá uma explicação mais racional ao mostrar que essa dualidade espírito-matéria faria com que a vida não fosse realmente possível, pois como podem existir duas coisas distintas num mesmo lugar? Tanto aquilo que é sutil, quanto aquilo que é denso difere apenas entre as suas taxas vibratórias, tendo como origem o mesmo Deus Absoluto.

13. Prakriti (Matriz): eis aqui o que nós conhecemos por Universo: o imenso conjunto de inúmeros planos e sub-planos que vão desde o mais denso e temível dos infernos até o mais elevado e belo mundo dos deuses. Prakriti é o “campo de percepção”, aquilo que é percebido e sentido pela alma humana, o Purusha. 

Embora o termo seja igual, Prakriti é também diferente do que ensina o Samkhya e o Advaita-vedanta, pois (além do que já discutimos anteriormente) nestes dois sistemas há apenas uma Prakriti para toda a imensidão de Purushas que a habitam, ou seja, um único “barco” pra todos os “marinheiros”.

Por sua vez, o Shivaismo da Caxemira aprofunda essa teoria ao afirmar que além de uma única Prakriti para todo o conjunto de almas viventes, cada alma tem individualmente a sua própria. Isto é óbvio pois o próprio conjunto de mente, ego, intelecto e o próprio corpo físico que “pertence” temporariamente a uma alma nada mais é que uma manifestação de Prakriti.

Na realidade, quem são Purusha e Prakriti? 
 

 

Purusha e Prakriti

Nada mais são que Shiva e Shakti em formas contraídas, resultado de Mayae suas “camisas”. A diferença é que Shiva não está mais com seus poderes supremos e Shakti está incapaz de perceber a Luz divina e refleti-la.

Do que é feita Prakriti? Prakriti é constituída pelos três gunas conhecidos como tamas (inércia), rajas (paixão) e sattva (equilíbrio), sendo estes os princípios energéticos que darão forma e existência a tudo o que preencherá o Universo. 

Contudo, de onde vieram esses guëas? Eles são o resultado das contrações provocas sobre os poderes divinos nos tattvas 3, 4 e 5 através dos malas e kaïcukas anteriormente citados. Veja a tabela abaixo:

3 – Sada-shéva Tattva: iccha-shakti  transforma-se em Rajas
4 – Ishvara Tattva: jïana-shakti transforma-se em Sattva
5 – Sad-vidya Tattva: kriya-shakti transforma-se em Tamas

Em sua forma original – anterior a formalização da Criação que estará ocorrendo a partir de agora – esses três guëas estão em perfeito equilíbrio dentro de Prakriti. No momento em que esses três guëas saem desse equilíbrio original fazendo com que haja maior predominância de um sobre os outros: tchbumm – a Natureza em suas mais variadas formas surge.
 

 

As três primeiras manifestações do desequilíbrio dos guëas em Prakriti formam um conjunto chamado antaùkarana ou “órgão interno sutil”, que é composto pelos tattvas 14 a 16.

14. Buddhi (Intelecto): tem a predominância de sattva (contração de jïana-shakti – o poder do conhecimento). É o aspecto da inteligência do antaùkarana pois funciona como um espelho que reflete o Ser interior. Também funciona como uma biblioteca que armazena todas as informações colhidas durante as existências de uma alma e assim é capaz de fazer distinções como: “isto é uma caneta” ou “isto é um lápis”. De Buddhi surge o próximo tattva.

15. Ahamkara (Ego): tem a predominância de rajas (contração de iccha-shakti – o poder da vontade). É o aspecto criador do antaùkarana pois é uma massa de impressões recebidas em todas as existências de uma alma, funcionando como as sementes da grande maioria de nossos pensamentos, formando assim nosso caráter e nosso destino. 

16. Manas (Mente): é manifestação de Ahamkara, pois este precisa de uma mente para controlar os jïanendriyas (poderes de percepção) e os karmendriyas (poderes de ação) que ainda não se manifestaram. Tem a predominância de tamas (contração de kriya-shakti – o poder da ação). É o aspecto ativo porém cego do antaùkarana por ser composto de uma turbulência de pensamentos oriundos das atividades sensoriais.

Os próximos cinco tattvas recebem a predominância sattva de Ahamkara e recebem o nome de jïanendriyas, “poderes de percepção”, pois são os cinco poderes (indriyas) de percepção ou conhecimento (jïana) que a mente utiliza para reconhecer o Universo à sua volta – bem como o seu interior também. Esses poderes não são os órgãos físicos, mas as suas matrizes em forma sutil.

17. Çrotra: o poder da “audição”.

18. Tvak: o poder do “tato”.

19. Cakñus: o poder da “visão”.

20. Jihva: o poder do “paladar”.

21. Ghraëa: o poder da “olfação”.
 

 

Os próximos cinco tattvas recebem a predominância rajas de Ahaàkara e recebem o nome de karmendriyas, “poderes de ação”, pois são os cinco poderes (indriyas) de ação (Karma) que a mente utiliza para agir no Universo à sua volta – bem como no seu interior também. Esses poderes não são os órgãos físicos, mas as suas matrizes em forma sutil.

22. Vak (Fala): o poder da “comunicação”.

23. Paëi (Mão): o poder da “manipulação”.

24. Pada (Pé): o poder da “locomoção”.

25. Payu (Ânus): o poder da “excreção”.

26. Upastha (Genital): o poder da “procriação”.

Como os jïanendriyas e karmendriyas, os tanmatras, “elementos sutis”, surgiram do aspecto tamas de Ahamkara e servem como moldes para a percepção da mente no Universo de múltiplas formas, nomes e cores. O nome tanmatra literalmente significa “simplesmente (matra) aquilo (tat)” e refere-se ao fato de que um tanmatra é apenas algo sem nenhuma diferenciação em particular, sendo apenas uma forma de medida comparativa que estabelece padrões separados. Por exemplo, uüpa-tanmatra é apenas uma “cor paterna”, e não uma cor em particular como o preto, branco, azul, etc.

27. Shabda (Som): o potencial para a percepção auditiva.

28. Sparsha (Toque): o potencial para a percepção táctil.

29. Rupa (Cor): o potencial para a percepção visual.

30. Rasa (Gosto): o potencial para a percepção gustativa.

31. Gandha (Aroma): o potencial para a percepção olfativa.

Finalmente surgem as partículas sutis que formarão todas as coisas perceptíveis aos órgãos dos sentidos em nossa existência em um dos diversos planos do Universo. Essas partículas sutis recebem o nome de mahabhutas, “grandes (maha) elementos (bhuta)” e são formados pelos cinco tanmatras explicados acima. Note que eles são apenas “elementos”, ou seja, não são o objeto em si. 
32. Akasha (Éter): o espaço sutil que preenche todo o Universo manifesto.

33. Vayu (Ar): o princípio gasoso.

34. Agni (Fogo): o princípio do calor e brilho.

35. Apas (Água): o princípio da liquidez.

36. Prithivi (Terra): o princípio da solidez.

Abaixo há uma tabela que explica detalhadamente a composição de cada um desses mahabhütas dentro do ponto de vista do Shivaismo da Caxemira.

A soma das porcentagens de cada um desses tanmatras originará um mahabhuta diferente 

Shabda Sparsha Rupa    Rasa    Gandha  
50,0 % 12,5 % 12,5 % 12,5 % 12,5 % forma Akasha
12,5 % 50,0 % 12,5 % 12,5 % 12,5 % forma Vayu
12,5 % 12,5 % 50,0 % 12,5 % 12,5 % forma Agni
12,5 % 12,5 % 12,5 % 50,0 % 12,5 % forma Apas
12,5 % 12,5 % 12,5 % 12,5 % 50,0 % forma Prithivi
 

 

CONCLUSÃO: E AGORA, O QUE FAZER?

Após ter feito toda essa “viagem cósmica” você pode estar se perguntado: “qual a finalidade de conhecer tudo isso?”

Essa é uma pergunta muito interessante pois nos coloca na compreensão de que o conhecimento teórico é inútil sem uma prática pessoal.

Toda essa “teoria” foi desenvolvida após muitos séculos de intenso estudo das escrituras e principalmente dedicação à meditação e aos seus mais elevados estados de consciência espiritual. Assim, esses tattvas funcionam como uma espécie de “mapa espiritual”, cuja principal finalidade é que seus praticantes possam:

1. compreender pelo menos a nível intelectual que a Criação nada mais é que uma forma condensada do Poder supremo, ou Shakti;

2. compreender que é Deus quem assume em Si mesmo formas diferentes de contração;

3. compreender que há apenas um único Poder no Universo, isto é, Deus;

4. compreender que a aparente dualidade que nos separa uns dos outros e de Deus é apenas ilusória e transitória;

5. compreender que a Criação é um Jogo divino;

6. compreender que nos processos mais sutis de meditação esses tattvas são experimentados pelo praticante;

7. perceber em seu íntimo: iti Shivam – tudo isto é da natureza de Deus.
 

 

Visão moderna de Shiva

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Isto é realmente apenas um fragmento do que essa poderosa filosofia tem a nos oferecer. Para se ter uma idéia, os tattvas aqui apresentados (ainda que de maneira muito resumida) são apenas um tópico do que é chamado de Shaòadhva, ou os “seis (shad) cursos (adhva)”. Esses “seis cursos” formam um conjunto ainda mais avançado e superior de compreender a “construção” do Universo, tanto em nível do que chamamos de manifesto quando o do imanifesto. Neles há uma explicação dos planos que formam cada tattva bem como os mundos que existem neles, e há também uma descrição como cada um dos tattvas têm correspondência com uma das letras do alfabeto sânscrito.

Para finalizar, lembremo-nos do ensinamento do grande siddha Vasuguptacarya:

Iti vayasya samvittiù krédatvenakhilam jagat
sa pushyan satatam yukto jévanmukto na samshayaù
Aquele que continuamente percebe o universo inteiro
como um jogo da Consciência universal atingiu realmente 
a realização do Ser; ele está liberado neste corpo.[6]

 

Rafael José Kraisch 
é professor de yoga em Joinville.
www.yogabhumi.pro.br

Notas: 
[1] Pratyabhijïähådayam 1.
[2] Cadernos de Yoga nº6: Introdução ao Shivaismo da Caxemira.
[3] Esses termos se referem a todo o conjunto de níveis que vão desde os demoníacos até os divinos.
[4] O Samkhya e o Advaita-vedanta floresceram respectivamente nos séculos 4 e 9 d.C., enquanto que a primeira manifestação do Shivaismo da Caxemira ocorreu no início do século 10 d.C.
[5] Essa teoria recebe o nome de sat-karya-vada, que denota que o efeito (karya) já está preexistente (sat) na causa, isto é, cada tattva já existe de forma potencial naquele que o precede (isto é melhor entendido no diagrama aqui apresentado) o que ao final mostra-se que o Universo não poderia vir à existência se ele já não estivesse de forma potencial em Parama-shiva.
[6] Spanda-Shastra.


 

 


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