imageJBC        Pelo que aprendi, há milhares de anos atrás florescia no mundo outro tipo de civilização, com outros tipos de valores, com outra forma de abordar a realidade e com outra forma de existir mesmo. É importante entender que era outra Era, outro mundo e não cair na armadilha de imaginar este mesmo conceito de civilização que hoje temos apenas adaptado com roupas para o passado, como fazem os filmes. Tem muita gente que pensa no passado através de imagens cinematográficas quando o passado na realidade possui uma “textura” diferente.

         Tempos diferentes possuem estruturas energéticas completamente diferentes. Na antiga Bagdá tapetes voavam, gênios serviam a seus amos, assim como na antiga Yucatã reis e rainhas feiticeiros viravam jaguares, voavam nas noites e entregavam pessoas aos fossos mágicos, no fundo dos quais os sacrificados nunca chegavam, mudando de dimensão e indo para outros mundos. Conta-se que imitando a forma sem entender o conteúdo, muitos dos sacrifícios de sangue nasceram e atraíram então outros tipos de seres que se imiscuindo entre os herdeiros e usurpadores do antigo saber criaram uma imitação precária daquele antigo tempo de glórias e poder.

         Segundo as tradições essa antiga cultura tinha contato com outras dimensões da realidade e com outros mundos. Pelo que sabemos povos de estrelas distantes podiam ir e vir pelos canais que ligam os mundos, canais que hoje estão ainda obstruídos em parte. Nesta época floresceram civilizações com grande arrojo. Imaginem a que nível de conhecimento e poder chegavam povos que tinham em seus líderes sábios e magistas poderosos, que educavam e treinavam as crianças e jovens para serem também ricos em sabedoria e poder.

         A ação acumulada deste tipo de atitude por gerações gerou civilizações que nem tem como a elas nos referir ou descrever, a não ser como mito e lenda. O mundo era diferente então, a Terra estava em outra era e as energias cósmicas que aqui chegavam eram de outra natureza. Algo aconteceu, esse algo é obscuro ou aconteceu num nível que na tacanha capacidade de abrangência dessa civilização não pode ser descrito. Então contam que eles e elas partiram, se foram. Os que ficaram reuniram o saber deixado e criaram uma tradição. Uma tradição viva de homens e mulheres estudando a existência e seus mistérios.

         Irmandades como a do Escudo, do Jaguar e tantas outras ficaram encarregadas de zelar pelo uso do saber herdado. Cada grupo ou tradição seguiu um caminho. O contato entre os povos foi diminuindo, algo estava acontecendo. Cada povo desenvolveu sua “leitura” do conhecimento antes partilhado por todo o globo. Como em todos os povos existiam os praticantes profundos da ARTE e os que apenas imitavam, os que herdaram o saber pleno e os que praticavam um tipo “exotérico” mistura de superstições e alguma prática. E desenvolveram poderes, desenvolveram habilidades, aprenderam a sondar o mundo a sua volta, aprenderam a sondar as outras realidades, entraram em contato e pactuaram com os mais diversos seres dos diversos mundos que visitavam, ou com seres que nos visitavam vindos de mundos desconhecidos. Novos momentos surgiram, a civilização renascia para outra fase.

         Mas algo estava acontecendo. O mundo estava mudando. Era outra Era, uma era isolada dos fluxos da Vida. As profecias haviam alertado dessa era, por isso os (as) que sabiam eram agora mais cuidadosos em não se expor. Havia uma classe de conquistadores que tinha interesse em apagar as lembranças do passado, apagar a lembrança antiga para construir uma nova história, que fortalecesse seu próprio poder. Os cultos não eram apenas para sintonizar os seres com a Terra, ser vivo e com a Eternidade e os Astros, eram agora também instrumentos de uma classe sacerdotal que queria o poder e estava se mancomunando com castas guerreiras para garantir a extensão desse poder. E eles começaram a crescer.

         Em muitos lugares do mundo os Impérios começavam a se formar e agora se caçava outros humanos para escravizá-los e pô-los a trabalhar para que alguns poucos pudessem se dedicar a outros afazeres. Pouco tem se falado como a escravidão nos povos nativos veio sempre com os Impérios dos reis e rainhas feiticeiros, que escravizavam para que tivessem pessoas trabalhando nos campos ou em outros lugares, a fim de sustentar os que se dedicavam apenas a magia. O contato de povos com certos seres criou essa necessidade terrível de ter escravos, de humano dominar humano. E a ARTE foi usada para vários fins. Fins dos mais diversos.

         O poder desses homens e mulheres feiticeiros foi crescendo, se tornando enorme. Dominavam vastas regiões, obrigavam povos a serem seus vassalos. Outros encontraram no poder e no saber meios de ajudarem seus povos a viverem em total saúde e prosperidade. Povos inteiros começaram a deixar essa realidade guiados por estes xamãs antigos e, ainda hoje, vagam em outros mundos.

         Então vieram os primeiros atacantes. Os que deixaram de viver como mamíferos, se integrando ao meio e passaram a viver como vírus, explorando ao máximo o meio, destruindo as reservas e depois indo destruir outras áreas. Os impérios conquistadores, fazedores de escravos. Destruíram o que puderam dos antigos. E os antigos perplexos descobriram que sua aparente invulnerabilidade funcionava apenas com os de seu clã, aqueles outros nativos pareciam imunes ao poder da maioria dos feiticeiros e feiticeiras. Imaginem como se sentiram os poderosos feiticeiros e feiticeiras quando viram que seu poder não funcionava com os invasores, quando seus jaguares mágicos, quando seus entes aliados nada conseguiam para salvá-los dos atacantes…E foram mortos, escravizados, suas civilizações caíram e os Impérios tomaram seu lugar. Mas alguns sobreviveram.

         Alguns homens e mulheres que conseguiram se salvar usando seus poderes. E quando se reagruparam, quando se reencontraram como fugitivos se questionaram: “Por que o poder nos auxiliou e aos outros não?” Dessa questão nasce um novo ramo do xamanismo, pois muitos dos sobreviventes descobriram-se dos ramos guerreiros. Perceberam que parte do segredo de sua sobrevivência estava no fato de por mais fundo que houvessem mergulhado no transcendente, nos mundos outros que não esse, nunca deixaram de trabalhar também este mundo, este corpo, a força de vontade e a disciplina consigo mesmo necessárias a um guerreiro (cuidado para não confundir o termo guerreiro como os mercenários de hoje em dia). Pouco a pouco reestruturaram seu saber frente à evidência que em sua forma original não serviu para salvar os seus possuidores. E quando os herdeiros desses homens e mulheres e alguns deles mesmos segundo as lendas estavam criando uma nova linha de saber e trabalhar com esse saber chegam os facínoras, muito piores que qualquer invasor nativo: Os civilizados.

         A praga civilizada já havia destruído a maior parte dos herdeiros da antiga era em seu próprio continente. Celtas, Gauleses e tantos outros povos nativos já haviam sido dizimados, os Mouros, com sua cultura e arte sofisticadas já estavam sendo expulsos da Península Ibérica pelos supersticiosos, violentos, sujos e traiçoeiros Cristãos. A Europa cedia finalmente após a longa destruição por séculos de todos os elos diretos com a TRADIÇÃO da antiga Era. Após destruir o ramo cátaro, albiginense, templário e celta, entre outros, os cristãos romanos dominavam a Europa e lançavam suas forças agora ao até então protegido mundo nativo.

         Agora estes mesmos destruidores vinham para o mundo perdido, onde os povos nativos ainda viviam em paz e harmonia com a VIDA. E os herdeiros de certas linhagens observam. Já estão ocultos nos Impérios nascentes, que imitam a forma dos antigos xamãs sem entender o conteúdo, que deturparam em sacrifícios cada vez mais sangrentos o uso de um sangue antes cerimonial e voltado para outros fins. Esses homens e mulheres que trazem em seus corpos e seres a herança viva da era anterior assistem a chegada dos mórbidos conquistadores. Morrem muitos, de forma atroz. Mas sob tal teste, sob tal pressão são forjadas linhagens de homens e mulheres xamãs que não tem a mínima ilusão quanto ao fato da natureza predadora da realidade, quanto aos riscos que todos corremos e quanto à necessidade de um treinamento completo e pleno para que as armadilhas dos outros mundos não prendam o viajante desavisado que ousa lançar-se a eternidade.

         Alguns povos sobrevivem, fogem, algumas tribos ainda hoje estão lutando bravamente para sobreviverem, para terem seu espaço existencial. O Xamanismo é a forma dos povos nativos se contatarem com a eternidade que nos cerca. É um caminho e como todo caminho só pode ser compreendido por quem o trilha. Como todo caminho não pode ser definido, só experimentado. E é totalmente diferente estudar um caminho e trilhar um caminho. Há pelo menos dois tipos de xamanismo. O que vem dos que imitaram a forma sem entender o conteúdo e se prendem mais no rito que no mito e os que compreendem que o rito re-atualiza o mito, que cada um de nós ritualizamos o xamanismo em nossas vidas, re-atualizando o mito.

imageDDV        Existem muitas trilhas na mata. Existem muitas formas de trilhar o xamanismo. Mas como ponto comum podemos considerar a ligação com a VIDA, com a Natureza e conosco mesmo. A liberdade íntima e plena e a capacidade de ir além dos conceitos limitantes desta era de sombras. O xamanismo está dentro dos “modismos” desse momento e após roubarem as terras e as vidas dos povos indígenas a medíocre civilização dominante quer agora roubar a tradição dos povos nativos, reduzindo a beleza e complexidade do xamanismo a este esoterismo fast-food que grassa por aí. Cursos de final de semana prometem lhe colocar em contato com seu animal de poder, vivências de um dia promete lhe levar ao mundo dos xamãs, iniciações pagas e bem pagas prometem fazer de qualquer um “xamã”.

        Sob a árvore do início do mundo nossos antepassados espirituais bebem chocolate e riem. Pois podem ter destruído seus códices, podem ter derrubado monumentos e ocultado peças que revelariam outra história, bem diferente da oficial, podem ter dizimado grande parte do povo natural, mas a mesma profecia que descreveu com detalhes essa era de trevas também previu que outra era viria, quando uma tribo formada por pessoas de várias cores se uniria para o grande combate entre consciência e inconsciência, quando a Tribo do Arco-Íris surgiria com seu trabalho em prol da vida. E aqui estamos nós, cumprindo a antiga profecia com a força de nossas vidas.
 

“Nuvem que passa” 
(Júlio César Guerrero) 
Membro da Tribo do Arco Íris

filipeta

 

magtribal
edkoko03