sugarbluesAnos atrás, quando eu era completamente ignorante acerca da sacarose, presenciei um inesquecível encontro entre a atriz Gloria Swanson e um punhado de açúcar.
Eu era um dos convidados para um coquetel oferecido a imprensa no escritório de um  advogado, na Quinta Avenida, em Nova York. A reunião estava bem animada quando cheguei. A Srta. Swanson, mais alerta e atenta que qualquer outro presente tirou sua bolsa da cadeira que estava ao seu lado e fez um sinal para que me sentasse. Eu nunca a havia visto fora da tela. Não esperava encontra-la ali. Não estava, de forma alguma, preparado para tal.
Um garçom chegou com o lanche: carne defumada com pão de centeio, salame com pumpernichel, copos de café e açúcar. Os colegas presentes, de diversos jornais de Nova York, continuaram falando enquanto as rações iam sendo servidas. Eu desembrulhei meu sanduíche, levantei a tampa do copo de café e peguei uma colher de açúcar. Quando ia despejá-lo no copo, ouvi seu sussurro autoritário: “Esta coisa é um veneno”, disse ela. “Eu não deixaria isso entrar em minha casa, quanto mais no meu corpo.”
Voltando do precipício em que cai, olhei para ela. Aqueles imensos olhos azuis se arregalaram, uns dentes lapidares, sua marca registrada, brilharam por trás daquele sorriso que mais me pareceu uma dentada. Ela era Carrie Nation enfrentando o demoníaco rum. William Jennings Bryan olhando a Cruz Dourada, Moisés com uma costeleta de porco no prato. Deixei cair o açúcar como uma criança surpreendida com a mão na doceira. Notei que em frente a Srta. Swanson não havia a mesma comida que nos era servida. Não participava de nosso lanche. Havia trazido o seu – algo amadurecido no pé, sem vaporizações. Ela me ofereceu um pedaço. Nunca havia provado nada tão gostoso.
Todos nós certamente já ouvimos as lendas sobre o exótico regime alimentar de Gloria Swanson. Vendo-a de perto, olho a olho, é impossível duvidar-se que ela esta certa.
”Antigamente, eu ficava positivamente lívida quando via alguém comendo veneno”, disse ela.
“Mas aprendi que cada um deve encontrar seu próprio caminho – o longo caminho. Agora, podem comer capim na minha frente, que nem pisco. Continue”, disse ela,  desafiando-me a misturar o açúcar no meu café. “Coma esse açúcar branco – mate-se. Veja se me importo”. Mais uma vez ela lançou aquele sorriso-dentada que me perseguiu por vários dias.
Sempre que minha mão buscava a colherinha de açúcar, eu a retirava e pensava nas implicações desse ato. Você nunca sabe que está fisgado até que põe na cabeça que nunca mais vai fazer determinada coisa; ai, você descobre que sua cabeça não esta no controle da situação. Descobri que era viciado em açúcar. Um grande vicio. Queria abandoná-lo, mas não sabia como.
Era um vicio que me acompanhava há anos.
Devo ter sido fisgado muito cedo, já que a mais remota memória que tenho da hora da comida na casa de minha família era um purgatório do carne e batatas, pelo qual tinha que passar a caminho do céu: uma doce sobremesa.
Uma noite li um livrinho que dizia: Se você está doente, é por sua própria culpa. A dor é o aviso final. Você sabe, melhor do que ninguém, como vem abusando de seu corpo; portanto, pare com isso. 0 açúcar é um veneno, dizia o livro, mais letal que o ópio e mais perigoso que a guerra atômica. Sombras de Gloria Swanson e punhados de açúcar. Ela não me havia dito que cada um devia encontrar, por si só, o longo Caminho? Eu não tinha nada a perder, exceto minhas dores. Comecei a manha seguinte com uma firme decisão: joguei fora todo o açúcar que tinha em casa.
Depois, joguei fora tudo que continha açúcar: cereais e frutas enlatadas, sopas e pães. Como nunca havia lido os rótulos com atenção, fiquei chocado quando vi as prateleiras vazias; o mesmo com a geladeira. Comecei a comer apenas cereais integrais e vegetais.
Em aproximadamente quarenta e oito horas, estava numa total agonia, batido pela náusea, com uma terrível enxaqueca. Se a dor era um aviso, este era um longo aviso, muito envolvente, intenso, mas em código. Levei horas para decifra-lo. Eu sabia o bastante sobre viciados para, relutantemente, reconhecer minha afinidade com eles. Estava passando  pelo peru frio,  sobre o que eles falavam com tanto horror. Afinal de contas, a heroína era nada mais que um produto químico. Eles pegam o suco da papoula,  refinam em ópio, depois em morfina e, finalmente, em heroína. O açúcar não é nada mais que um produto químico. Eles pegam o suco da Cana ou da beterraba, refinam em melado, depois em açúcar mascavo  e finalmente em estranhos cristais brancos.
Não é de se estranhar que os traficantes diluam a heroína pura em açúcar do leite – lactose – para dar à droga um brilho atraente aos olhos. Estava largando todo tipo de porcaria química – açúcar, aspirina, cocaína, cafeína, cloro, flúor, sódio, monossódio vitaminado e todos os outros polissilábicos horrores, enumerados em letras elegantes nas latas e caixas que eu jogara pela lixeira.
Fui muito duro por mais ou menos vinte e quatro horas, mas a manhã seguinte foi uma revelação. Fui dormir exausto, com suores e tremores. Acordei sentindo-me renascido. Cereais e vegetais pareciam uma dádiva divina.
Os dias seguintes trouxeram uma sucessão de milagres. Meu traseiro parou de sangrar, assim como minhas gengivas. Minha pele começou a ficar mais limpa e eu sentia uma textura completamente nova quando me lavava. Descobri ossos em minhas mãos e pés que estavam enterrados em inchações. Eu pulava da cama em horas estranhas, muito cedo, pronto para sair. Minha cabeça parecia estar funcionando novamente. Eu não tinha mais problemas. Minhas camisas ficaram grandes demais. Meus sapatos também. Uma manhã, enquanto me barbeava, descobri que eu tinha um queixo.
Para encurtar uma longa e feliz historia: em cinco meses, pulei de 102 para 67 quilos e fiquei com um novo corpo, uma nova cabeça e uma nova vida.
Um dia, botei fogo na minha carteirinha da Blue Cross. Mais ou menos por esta época, vi uma fotografia de Gloria Swanson no The New York Times.
Sentei-me e escrevi uma carta a ela. Você estava certa, disse eu, completamente certa. Na época, não entendi seu recado, mas agora entendo.
Isto foi na década de 60. Desde então, tenho vivido sem o açúcar. Por todo esse tempo, tenho estado longe dos médicos, dos hospitais, das pílulas e injeções. Não tomei nem ao menos uma aspirina.
Hoje, quando vejo alguém servindo-se de açúcar, me contorço da mesma forma que me lembro ter visto Gloria Swanson fazer no coquetel a imprensa. Tenho vontade de segurá-lo num canto e contar-lhe como é fácil livrar-se do sugar blues.

filipeta