gradlonEra uma vez um rei chamado Gradlon (nome que significa: ‘cheio de graça divina’), e que go­vernava a região de Kernew, na Bretanha hoje francesa. Um dia – muitos e muitos anos atrás – ele planejou uma expedição militar até LechMenn, atual Escandiná­via, com o objetivo de conquistar novos territórios.

 

O rei Gradlon preparou três navios de guer­ra e viajou para o norte no comando da sua frota. Chegando a Lech’lenn, os navios foram ancorados. O rei e seus homens podiam ver um castelo magnífico situado no alto de uma montanha.

 

‘Temos de conquistar este caste­lo’, disse o rei a seus guerreiros, e deu ordem de ataque. Mas, uma após a outra, as tentativas de tomar o castelo foram inúteis. E o inverno chegou. Os soldados murmuravam. As baixas do Exército eram pesadas. Não seria mais sá­bio voltar para a terra natal?”

 

Esta lenda foi contada em Brasília, onde o teosofista francês Yves Marcel deu um cur­so sobre Sabedoria Divina, durante duas se­manas. Trata-se de um exemplo da transmissão oral de sabedoria dos povos antigos. Entre os celtas de antigamen­te, havia três castas: druidas, guerreiros e tra­balhadores manuais. A casta principal era for­mada pelos druidas, sábios e magos encarre­gados de preservar a sabedoria eterna. Em uma assembleia o rei só podia falar depois de receber autorização do druida. Na casta dos druidas havia, além dos druidas propriamente ditos, os bardos e os ovatos. Os ovatos eram estudiosos da teoria, e os bardos, ou poetas, tinham a missão de colocar a sabedoria eterna em forma de ver­sos. A métrica desses poemas tinha uma rima e outras regras tão restritas que era impossí­vel perder uma única palavra do texto. A me­morização funcionava com exatidão. Assim, as lendas atravessavam os séculos, e ensina­mentos do tempo da destruição de Atlântida chegaram até nós, como no caso desta lenda que estou contando.

 

Diante dos murmúrios e questionamen­tos dos guerreiros, o rei não teve dúvidas. Disse aos seus homens que eles tinham razão. ‘Voltem à Bretanha, esta é a minha ordem’, afirmou. ‘Quanto a mim, eu fica­rei e atacarei o castelo sozinho. Há coisas que somente um rei pode fazer, e que é preciso fazer sozi­nho.’ E os guerreiros embarcaram nos três navios, e começaram a vi­agem de volta, deixando seu rei sozinho na terra de Lech’lenn.

 

melllCerta noite, Gradlon caminha­va pela praia, perguntando-se como poderia penetrar no castelo, quando percebeu uma presença atrás de si. Voltou-se, e ali estava, a poucos metros, aparentemente indefesa, a mulher mais linda que ele jamais havia visto. ‘Quem é você, mulher?’ pergun­tou Gradlon.

 

‘Meu nome é Melgwenn’ (palavra que significa ‘grande brancura’), respondeu ela. ‘Você atacou meu castelo inutilmente. Eu o teria dado a você com prazer se você tivesse pedido por ele da maneira correta.’

 

‘Por que você diz isso?’, perguntou Gra­dlon.

 

‘Porque amo você’, respondeu Melgwenn. ‘Quero casar com você, mas se quiser ser o marido de uma deusa, você terá de prometer nunca contradizer-me nem questionar minhas decisões’.”

 

Gradlon, nesta lenda, simboliza o arqué­tipo do homem da civilização atlante. Mel­gwenn é a sabedoria que ele busca conquis­tar, mas que não pode ser obtida à força ou atraves de métodos grosseiros, e sim apenas “da maneira correta”. De qualquer modo, Gradlon fez a promessa e casou com Melgwenn. Votos religiosos, promessas, jura­mentos estão presentes em todas as civiliza­ções e culturas. Assim, o rei Gradlon jurou servir a Sabedoria – sua esposa – e nunca questionar suas decisões.

 

Depois de alguns meses de grande feli­cidade, Melgwenn ficou grávida.  A felici­dade se dá nos níveis superiores de consci­ência. A gravidez simboliza um contato maior com a vida material.

 

‘Se nós tivéssemos um navio, poderíamos ir para o reino de Kerney, onde meus súditos me aguardam’, disse Gradlon.

 

cavalo‘Temos coisa melhor que navios’, respon­deu Melgwenn. ‘Temos meu cavalo-marinho mágico, Morvarch. Com ele podemos nave­gar sobre ondas. De fato, chegou a hora de você voltar a seu reino. Vamos montar na garupa de Mor­varch, que darei a você como pre­sente de despedida, porque só pos­so acompanhá-lo até certo ponto do caminho.’

 

Gradlon não gostou da ideia de separar-se da esposa, mas ele havia prometido obediência e não pôde fazer nada. Os dois galopa­ram sobre as ondas velozmente até que encontraram a frota de Gra­dlon, que estava perdida em um nevoeiro, dando voltas sobre si mesma. Morvarch subiu a bordo do navio principal com seus dois cavaleiros e, então, o nevoeiro mágico se desfez e a viagem pôde prosseguir em direção a Kernew, o reino de Gradlon. Pouco depois, Melgwenn deu à luz uma lin­da menina, que recebeu o nome de Dahud, (nome cujo significado é ‘boa mágica’). E Melgwenn morreu. Seu lindo corpo teve que ser lançado ao mar.

 

O mar, aqui, pode significar o inconsci­ente humano, aquilo que uma cultura esque­ce. No caminho da materialização crescente, uma civilização esquece, perde, e lança ao mar do esquecimento a sabedoria eterna. Só os filhos da sabedoria permanecem vivos. Mas eles nem sempre são fiéis, porque vi­vem imersos no mundo material com todas as suas ilusões.

 

Gradlon não conseguiu recuperar-se da perda da esposa. Passou a beber. Quando seus ministros vinham pedir sua opinião sobre os assuntos do Estado, ele respondia sempre: ‘Façam como acharem melhor’.

 

dahudAo mesmo tempo, Dahud crescia. Linda como a mãe, a menina, no entanto, era perversa. Desobede­cia sistematicamente aos ensinamentos de Kaurintin, a autoridade espiritual de Kernew. Sabedora de que era uma semideusa, dotada de poderes mágicos, Dahud passou a com­portar-se como uma verdadeira peste. Seu pai, deprimido e bêbado, fazia todas as suas von­tades, porque Dahud era linda como sua es­posa.

 

Um dia, Dahud pediu ao rei Gradlon que construísse para si uma cidade especial, onde o sumo sacerdote Kaurintin não pudesse man­dar. E a cidade foi construída sobre um imen­so aterro, protegido das águas do mar por um grande sistema de diques. Um sistema de comportas era aberto e fechado para que na­vios pudessem entrar e sair do porto da cida­de. A nova metrópole passou a ser a maior cidade do mundo. Seu nome era Ker Is, que significa ‘cidade baixa’.

 

Dahud, com seus poderes mágicos, criou uma legião de ani­mais de aspectos monstruosos que eram ca­pazes de realizar todas as tarefas manuais, de modo que as pessoas do reino, que já se concentravam na cidade de Is, pudessem de­dicar-se a não fazer nada, ao lazer, à bebida e ao sexo sem amor.

 

ker isA cada noite, Dahud organizava um gran­de baile, e dele participavam todas as pes­soas importantes da cidade. Todos os homens estavam fascinados pela beleza física de Dahud, e dariam qualquer coisa para obter uma noite de amor com ela. Depois da últi­ma dança do baile, a cada noite, ela convida­va discretamente um homem para ir até seu quarto de dormir. Os dois amantes tinham então uma noite maravilhosa de prazer sexu­al. Mas, pouco antes do amanhecer, Dahud fazia com que o homem fosse assassinado, para que não houvesse testemunhas do que ela estava fazendo.

 

Os habitantes da cidade atlântida de Is já estavam tão corrompidos que não procuravam investigar o que estava acontecendo com os cidadãos desaparecidos. Não queriam comprometer-se. Buscavam o prazer de curto prazo, e não desejavam saber de coisas como ética, verdade, ou sincerida­de, embora fossem capazes de usar estas pa­lavras frequentemente.

 

lightmCerta noite, um homem forte e desco­nhecido, cuja presença física era luminosa, apareceu no grande baile no castelo de Dahud. Ninguém sabia de onde havia vindo. Dahud, curiosa, convidou-o para sua cama. Mas ele recusou, amavelmente. Então ela dis­se: ‘E uma ordem.’ E ele respondeu: ‘Não recebo ordens de nenhum mortal.’

 

Na noite seguinte, o mesmo homem de presença luminosa apareceu de novo no baile. Con­vidado para ir para o quarto de dormir de Dahud, ele recusou. E então Dahud sentiu que o amava.

 

Na terceira noite havia um vento terrível, e as comportas que protegiam a cidade das águas fo­ram fechadas com uma chave es­pecial, que ficou em poder do rei Gradlon.

 

Dahud era a magia degenera­da. Cada homem que buscava a magia do egoísmo morria espiri­tualmente na madrugada seguin­te. Mas um mensageiro dos deu­ses recusou-se a isto e colocou em xeque toda a situação, num mo­mento em que aquela civilização se aproximava da destruição. Isto não se aplica apenas à experiên­cia da Atlântida. O mesmo pode ser dito da civilização atual. Ou a humanidade atual acaba com o egoísmo, ou o egoísmo acabará com ela. Por isto a transição de era neste fi­nal de milênio é, sobretudo, uma substitui­ção da ignorância que é inseparável do ego­ísmo pela sabedoria que anda sempre junto do altruísmo, da generosidade e da ética im­pessoal.

 

Dahud perguntou ao desconhecido por que não queria amá-la.

 

‘Porque você não me ama’, respondeu ele.

 

‘E como posso provar meu amor?’, perguntou, então, Dahud.

 

chabe‘Você pode provar seu amor entregando-me a cha­ve secreta das comportas que protegem a ci­dade’, disse o homem de presença luminosa.

 

Dahud foi até seu pai – que estava bêbado, como sempre, havendo perdido toda vigilân­cia e atenção diante da realidade. Buscou nos seus bolsos e roubou a chave das comportas, entregando-a ao homem luminoso.

 

O men­sageiro divino disse a Dahud: ‘Agora você provou que tem algum amor por mim. Vá para o alto da torre mais alta da cidade. De lá você verá algo que nunca viu antes.’

 

Então o desconhecido de presença lu­minosa abriu as comportas que protegiam a cidade das águas do mar, e o carma das ações passadas, que havia sido esquecido, inun­dou toda aquela região. Todos se afogavam, exceto Gradlon, que montou em seu cavalo mágico, além do sacerdote Kaurintin, que também montou seu próprio cavalo mágico, e de Dahud, isolada no ponto mais alto da torre de Is.

 

Os habitantes da cidade morriam em meio a grande pânico, junto com os ani­mais monstruosos encarregados dos traba­lhos manuais.

 

xcCavalgando Morvarch, pre­sente da sua amada Melgwenn, o rei Gra­dlon podia ver toda a catástrofe, até que ou­viu a voz de sua filha: ‘Socorro, meu pai, socorro!’, gritava Dahud.

 

O santo sacerdote Kaurintin caval­gava ao lado do rei e lhe deu uma ordem: ‘Deixe-a morrer.’

 

Mas Gradlon não podia deixar que sua filha – a degeneração do conhecimento des­tituído de ética – morresse sem pelo menos tentar defendê-la. Ele aproximou-se da torre onde Dahud gritava e disse-lhe: ‘Salte na garupa do meu cavalo.’

 

Dahud saltou, mas uma coisa estranha aconteceu. Sob o peso do pecado e da maldade de Dahud, o cavalo-marinho mágico começou a afun­dar.

 

afogO santo sacerdote Kaurintin gritou ao rei com uma autoridade indiscutível na voz: ‘Em nome de Deus, Gradlon, se quiser sobreviver, livre-se do demônio que está sen­tado atrás de você!’

 

Mas, como Kaurintin sabia que Gradlon não teria coragem de lançar sua própria filha às águas do mar, ele mesmo deu um golpe de­finitivo com seu bastão sagrado em Dahud e Dahud mergulhou sob as ondas.

 

Morvarch, então, recuperou-se e voltou a galopar sobre as águas.

Deste modo, os dois homens prosseguiram sua viagem até terra firme.

778460e0a943b082a7bcdd13af326178Anos de­pois, diz a tradição, apareceu nas praias rochosas da região céltica uma linda sereia, cujas canções eram de uma tristeza tão intensa quanto sua beleza.

Assim termi­na a lenda.

 

A história contada em Brasí­lia pelo teosofista Yves Marcel, especialista na tradição de sabe­doria do povo celta, reflete no pla­no arquetípico a história de todos os processos começados sob ins­piração divina que, com o correr do tempo, entram em degenera­ção.

Assim como no caso da civi­lização atlante, nossa sociedade atual sofre uma crise e uma deca­dência que são resultados da fal­ta de contato com nossas origens divinas, mas que são resultados, também, da nossa falta de percepção do nosso futuro, que é sagrado.

 

photomania-996b2e75322b35b3e7d071321fa87709Melgwenn, a luz branca da sabedoria, mor­reu ao dar à luz a civilização materialista, a bela mas perversa Dahud. A transformação da mente humana, os novos paradigmas da fraternidade universal, a visão não-dogmáti­ca, mas espiritualista, do mundo já emergem hoje como Kaurintin, isto é, a autoridade es­piritual legítima, ativa, firme, que poderá de­volver a clareza ao rei. Gradlon simboliza o cidadão moderno, desnorteado pela morte da sua esposa – a sabedoria – e pela própria de­cadência do mundo materialista.

 

Kaurintin, a liderança espiritual, sempre emerge nos momentos críticos. E esta mes­ma sabedoria universal que ressurge hoje por todo o mundo sob a forma de uma nova ma­neira de ver a vida e de comportar-se no dia- a-dia. A ética é o parâmetro que já orienta a criação mental de uma nova civilização. Des­te modo, não será preciso enfrentar a des­truição no plano físico, e as dores de parto de uma nova consciência consideravelmen­te reduzidas graças à contribuição silencio­sa de cada cidadão que abre os olhos para enxergar a realidade humana de modo mais profundo.

Assim começa uma velha lenda do povo celta que traz uma refle­xão crucial nesta passagem para o século 21: por que nenhuma civi­lização pode prosseguir depois que seu sistema de ética se desintegra? Quais as lições que podemos reti­rar, hoje, da destruição da Atlântida? Quais as causas internas da crise da nossa civilização, e como evitar maiores desastres?

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