Galileu Galilei
(Pisa, Itália, 15/02/1564 –  Ancetri, Itália, 08/01/16 1642)

galillEle concebeu novas formas de pensar e pesquisar. Em seus dias, foi perseguido e humilhado por causa disso. Mas a história o reconheceu como o pai da ciência moderna.

Por ter afirmado que a  Terra se move em torno do Sol, Galileu Galilei, um dos gênios da grande revolução científica do século XVII, foi preso e, sob ameaça de tortura, obrigado a uma retratação humilhante. Seu julgamento pelos tribunais da Inquisição é um dos grandes marcos negativos da história do pensamento.

Diante da Inquisição, Galileu representa a eterna luta entre a rebeldia e o conformismo intelectual, entre a liberdade de pensamento e a censura. E também a demonstração cabal de que urna verdade pode ser sufocada de modo brutal, mas não indefinidamente.

No entanto, a importância de Galileu vai muito além do seu histórico confronto com a Inquisição. Em torno de sua figura criaram-se lendas e equívocos. Muitos o admiram por coisas que não fez – por exemplo, não inventou o telescópio, nem o termômetro, nem o relógio de pêndulo. Mas é certo que, sem sua participação direta, essas invenções não teriam sido desenvolvidas em sua época. Também nunca atirou pesos do alto da torre de Pisa, para demonstrar que corpos de massas diferentes caem com a mesma velocidade. Chegou a essa conclusão realizando experiências com bolas de ferro que fazia rolar sobre um plano inclinado. 

Sua maior contribuição à ciência, por sinal, não está numa descoberta particular, mas no fato de ter reabilitado em novas bases o método experimental, que andava esquecido desde os tempos de Arquimedes. Nesse sentido, pode ser considerado, sem exagero, o pai da Física moderna.

Galileu Galilei nasceu na cidade de Pisa em 1564, mesmo ano da morte do pintor e escultor Michelangelo Buonarrotti e do nascimento do dramaturgo inglês William Shakespeare. Exatos 31 anos antes, o matemático e astrônomo polonês Nicolau Copérnico publicara sua obra maior – “Das revoluções dos corpos celestes” -, defendendo a teoria de que a Terra se move em torno do Sol e não o contrário. Essa teoria seria defendida e desenvolvida por Galileu e seu contemporâneo Johannes Kepler, que primeiro descreveu a trajetória elíptica dos planetas. A síntese final desses trabalhos foi a Teoria da Gravitação Universal, formulada pelo físico e matemático inglês Isaac Newton. Que, por coincidência, nasceu em 1642, o mesmo ano em que Galileu morreu. 

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O NOVO MUNDO DE GALILEU

Filho de Vincenzo Galilei, músico, o futuro cientista começou seus estudos superiores na Escola de Medicina de Pisa, em 1581. Quatro anos depois, abandonou o curso por falta de dinheiro – embora houvesse quarenta bolsas disponíveis, ele não conseguiu nenhuma. Mas sua verdadeira vocação não estava na Medicina, e sim na Física.

Aos 17 anos, assistindo a uma cerimônia na catedral de Pisa, observou um lustre que oscilava no teto. Controlando o tempo pelos seus próprios batimentos cardíacos, verificou que o intervalo entre cada oscilação era sempre o mesmo, não importando a amplitude do movimento.

Repetiu a experiência mais tarde, e sugeriu que essa característica do pêndulo poderia tornar os relógios mais precisos. A idéia foi logo aproveitada por outros inventores e, apenas três décadas após a morte de Galileu, o erro médio dos melhores relógios havia caído de 15 minutos por dia para apenas 10 segundos. Ao abandonar a Faculdade de Medicina, foi lecionar em Florença. Durante os quatro anos em que trabalhou ali, publicou um trabalho em que descrevia a balança hidrostática – essa, sim, uma invenção sua, – utilizada para medir o peso específico dos sólidos ou a densidade dos líquidos. Graças a esse trabalho, tornou-se, aos 25 anos, professor de Matemática – e foi lecionar na Universidade de Pisa, que quatro anos antes lhe recusara uma bolsa como estudante. 

Mas foi em Pádua, onde viveu dezoito anos – de 1592 a 1610 -, lecionando Matemática, que desenvolveu a parte mais consistente de suas pesquisas, sobretudo as relativas à resistência dos materiais, que lhe foram sugeridas pela observação dos trabalhos nos estaleiros navais do Arsenal de Veneza, que visitou várias vezes. O problema era descobrir por que estruturas geometricamente semelhantes, de máquinas ou edifícios, tendo desempenho satisfatório quando construídas em determinada escala, fracassam ao serem construídas em escala maior. Galileu encontrou a explicação e estabeleceu sistemas de cálculo que permitiram obter o dimensionamento seguro das estruturas.

Já então estava, também, convencido do acerto das teorias de Copérnico sobre a movimentação dos astros, mas em suas aulas continuava a ensinar que a Terra era o centro do Universo e em torno dela giravam planetas e estrelas. Não tinha medo da Inquisição, ainda, pois nessa época a própria Igreja não dava importância ao assunto. Conforme confessou numa carta escrita a Kepler, datada de 1597, temia o ridículo. E tinha razão. A imobilidade da Terra não era apenas uma teoria defendida pela tradição da escola de Aristóteles, mas sobretudo parecia perfeitamente de acordo com o senso comum.

Qualquer pessoa pode observar, diariamente, que o Sol, a Lua e as estrelas se movimentam; no entanto, nada havia, na época, que pudesse mostrar o movimento da Terra, sugerido teoricamente apenas em complicados cálculos matemáticos. Assim, era fácil imaginar: se a Terra estivesse em movimento, as pessoas sobre ela perderiam o equilíbrio e as nuvens e a Lua ficariam irremediavelmente para trás.

O debate teria permanecido nesse nível, se não ocorresse a invenção do telescópio, não se sabe ao certo por quem nem onde. Os primeiros telescópios surgiram na Holanda, por volta de 1600 e logo se espalharam por toda a Europa. Galileu construiu seu próprio telescópio sem nunca ter visto um. Bastou-lhe a descrição do instrumento que aparecera em Veneza. O primeiro aumentava nove vezes; o segundo, trinta vezes, e era superior a qualquer outro já fabricado.

O grande mérito de Galileu foi apontar seu telescópio para o céu. Descobriu, assim, tantas coisas novas que em poucos meses escreveu e publicou o Sidereus Nuncius (O mensageiro das estrelas), um opúsculo de apenas 24 páginas extraordinariamente rico em revelações. A Lua, relatou ele, não tem ume superfície lisa, mas está cheia de irregularidades, como a Terra. Voltando-se para as estrelas, que então se supunha fixas, surpreendeu-se ao descobrir miríades de outras jamais vistas, “que em número superam mais de dez vezes as anteriormente conhecidas”. Percebeu que a Via Láctea não era constituída, corno pretendia Aristóteles, por “exalações celestiais”, mas era um aglomerado de estrelas. E descobriu quatro planetas – hoje dizemos satélites – girando em torno de Júpiter.

Não havia, ainda, nenhuma prova conclusiva do acerto do sistema heliocêntrico proposto por Copérnico. 

Mas já ficava difícil admitir que a Terra era o centro do Universo, se havia corpos girando em torno de Júpiter. E como continuar acreditando no dogma de que as estrelas haviam sido criadas apenas para deleite dos homens, se a maior parte delas era invisível a olho nu? As resistências ao uso do telescópio, sobretudo na Astronomia, foram tão grandes que o próprio Galileu considerou necessário conferir com rigor a exatidão dos seus instrumentos.

Focalizava a distância os mais variados objetos e em seguida ia observá-los de perto, para ver se a olho nu se confirmavam as imagens observadas de longe pelo instrumento. Ainda assim, as duas primeiras demonstrações públicas não foram um sucesso. Em 24 de abril de 1610, em Bolonha, pretendeu mostrar os satélites de Júpiter a um grupo de convidados ilustres. Ninguém saiu convencido de nada. Não que fossem todos mal-intencionados, apenas, embora o telescópio de Galileu fosse o melhor já construído, era ainda muito precário. Seu campo visual era tão pequeno que o milagre não seria conseguir enxergar os satélites, mas localizar no céu o próprio planeta Júpiter.

Logo, no entanto, Galileu recebeu o apoio entusiasmado de Kepler, então no auge do prestígio como matemático imperial na corte de Praga. Em seguida, converteram-se algumas das mais destacadas figuras da ordem dos jesuítas, que chegaram a homenageá-lo em Roma, onde o próprio papa Paulo V o recebeu numa audiência amistosa. Para coroar tudo, foi convidado a morar em Florença, como “primeiro matemático e filósofo dos Medicis”. Tudo isso aconteceu em 1610, quando ele tinha 46 anos. Como se explica que 23 anos mais tarde estivesse em desgraça, submetido aos juízes da Inquisição? 

Dois motivos diversos contribuíram para isso. Primeiro, a mudança política da Igreja Católica, causada pela pregação protestante que, tomando ao pé da letra as palavras da Bíblia, multiplicava seus adeptos por toda a Europa. Roma decidiu fortalecer sua própria ortodoxia e começou a vigiar teorias suspeitas, como as defendidas por Galileu. Mas seu pior inimigo foi seu próprio temperamento. Ou melhor, uma das facetas de seu temperamento contraditório. Conforme a hora e as circunstâncias, Galileu sabia mostrar-se alegre e comunicativo, amigo das boas coisas da vida. Foi descrito como uma pessoa capaz de apreciar uma discussão literária, uma refeição preparada com requinte ou uma bela companhia feminina. Mesmo sua correspondência de caráter científico com o discípulo Benedetto Castelli contém comentários bem-humorados sobre os queijos e as pipas de vinho que eles se enviavam mutuamente.

Nunca se casou, mas não lhe faltaram aventuras amorosas: teve quatro filhos e filhas, uma das quais tornou-se freira carmelita e viveu em sua companhia até a morte. Mas a personalidade de Galileu tinha um lado sombrio: quando entrava em polêmicas científicas, era sarcástico, brutal, de um orgulho desmedido. Gastou muita energia atacando supostos rivais.

Em 1616, finalmente, deu-se seu primeiro confronto com a Igreja. Representava o Vaticano o cardeal Roberto Belarmino, autor do catecismo em sua forma moderna, e que seria beatificado em 1923 e santificado em 1930. Era, aos 73 anos, Geral dos jesuítas, consultor do Santo Ofício, Mestre de Questões Controversas na Colégio Romano e maior teólogo da cristandade. Pessoalmente, parecia inclinar-se pela teoria de Copérnica, mas estava em minoria entre os teólogos da Inquisição. Ainda assim, concedeu a Galileu autorização para continuar a estudá-la, como hipótese matemática, mas não para defendê-la publicamente. 

Galileu afastou-se da polêmica durante sete anos. Voltou com força redobrada em 1623, quando seu grande amigo, o cardeal Maffeo Barberini, foi eleito papa com a nome de Urbano VIII. Já com a saúde abalada, foi recebido pelo pontífice em seis longas audiências. Foram-lhe conferidas honras e favores, e permissão para descrever abertamente as teses de Copérnico, desde que descrevesse simultaneamente e de forma imparcial as teorias tradicionais. Deveria concluir afirmando a impossibilidade de decidir qual era a mais correta, visto que Deus, sendo onipotente, poderia atingir os fins observados pelo homem da maneira que melhor entendesse.

Oito anos mais tarde, em 1632, Galileu publicou os Diálogos sobre os dois maiores sistemas do mundo Ptolomeu e Copérnico. À primeira vista, seguia a orientação papal, tanto que o livro recebeu o “imprimatur”. A obra reproduz uma conversa entre três personagens: Salviati, que defende as teses de Copérnico; Sagredo, um observador neutro; e Simplicius, defensor de Aristóteles e Ptolomeu. Mas Salviati é sempre brilhante, Sagredo logo abandona a imparcialidade e passa a apoiá-lo com entusiasma e Sìmplicius é pouco mais que um idiota, ridicularizado do princípio ao fim. 

Publicada a obra, Urbano VIII percebeu que fora enganado e pôs a máquina da Inquisição em marcha. A acusação principal contra Galileu era desobediência às ordens recebidas do cardeal Belarmino para não defender as idéias de Copérnico. No primeiro interrogatório, abril de 1633, o réu alegou que tudo não passara de um mal-entendido: “Nem mantive nem defendi no meu livro a opinião de a Terra se mover e o Sol permanecer estacionário, demonstrando antes o aposto, e mostrando serem fracos e tão conclusivos os argumentos de Copérnico”. Ninguém poderia acreditar nisso, pois no livro incriminado o fator chamava os adversários de Copérnico de “anões mentais”, “idiotas” e “indignos do nome de seres Humanos”.

Aconselhado por um cardeal amigo, o sábio mudou de tática no segundo interrogatório. Admitiu que um leitor desprevenido, diante de alguns trechos do livro, poderia imaginar tratar-se de uma defesa de Copérnico, mas garantia não ter sido essa sua intenção. E se propunha escrever uma continuação do diálogo, em que deixaria claro seu modo de pensar. No terceiro interrogatório, sob ameaça de tortura que afinal não se concretizou, os inquisidores tentaram fazê-lo confessar que acreditava mesmo no que dizia Copérnico o que, aliás, estava evidente no livro. Galileu não confessou e recebeu a sentença: os Diálogos foram proibidos, o autor obrigado a abjurar da opinião copernicana segundo uma fórmula que lhe passaram. De quebra, condenaram-no à prisão domiciliar, enquanto aprouvesse ao Santo Ofício. Não se pode dizer que, materialmente, tenha sido maltratado: Sua prisão era um apartamento de cinco aposentos, com janelas dando para os jardins do Vaticano, criado particular e mordomo para cuidar das refeições e do vinho. Seus últimos anos de vida, na companhia dos discípulos Torricelli e Vincenzo Viviani, foram dos mais produtivos. 

Em 1636 terminou “Diálogos relativos a duas novas ciências”, obra na qual retoma, de forma ordenada, observações sobre dinâmica que fora acumulando durante toda a vida. Lança, igualmente, as bases do estudo racional da resistência dos materiais. A Igreja demorou alguns séculos, mas acabou reconhecendo o erro cometido. Em 1983, frente a uma plateia de mais de trinta ganhadores do Prêmio Nobel e centenas de cientistas do grupo Ciência para a Paz, reunidos para homenagear o 350.° aniversário do livro proibido, o papa João Paulo II admitiu: “A experiência da Igreja durante o caso Galileu e depois dele levou a uma atitude mais madura e a uma compreensão mais acurada de sua própria autoridade”. 

 

Texto: Pedro Cavalcante